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DOI: 10.1590/1413-81232017221.

12822015 209

O processo de conformação do perfil assistencial

TEMAS LIVRES FREE THEMES


nos hospitais federais da cidade do Rio de Janeiro, Brasil

The process of defining the hospital care profile


in federal hospitals in the city of Rio de Janeiro, Brazil

Luciane Binsfeld 1
Francisco Javier Uribe Rivera 2
Elizabeth Artmann 2

Abstract This article analyzes the process of Resumo Este artigo analisa o processo de confor-
shaping the care profile of federal hospitals in mação do perfil assistencial nos hospitais federais
the city of Rio de Janeiro. This is a qualitative, no município do Rio de Janeiro. Trata-se de um
descriptive study that draws on semi-structured estudo descritivo, de abordagem qualitativa e que
interviews with hospital administrators. Data utilizou entrevistas semiestruturadas realizadas
analysis used the Collective Subject Discourse ap- junto a gestores hospitalares. A análise dos dados
proach. Managers believe this process is the result foi realizada a partir da formação do Discurso do
of a set of emerging strategies, proposals and need Sujeito Coletivo. Na percepção dos gestores esse
for change, which result in adaptive reactions that processo é decorrente de um conjunto de estra-
hospitals develop with no coordination between tégias emergentes, as propostas e as necessidades
them to resolve problems identified by profession- de mudança se constituem de reações adaptativas
als and managers. The process is analyzed much que as unidades desenvolvem de forma desarti-
more from a political point of view than from a culada visando à resolução de problemas identi-
rational and systemic one. Some of the experi- ficados pelos profissionais e gestores. O processo é
ence with the hospital mission, such as the focus considerado muito mais a partir de uma perspec-
on a strategic approach, already signals a more tiva política do que racional e sistêmica. Algumas
collegiate approach to defining the profile of care, experiências de trabalho com a missão hospita-
where the hospital is one component of an inte- lar, como o enfoque da démarche stratégique,
grated network of services, with a decision process já apontam para uma construção mais colegiada
that is less incremental and more integrating. na definição do perfil assistencial, que considera o
Key words Healthcare planning, Hospital ad- hospital como componente de uma rede integrada
ministration, Healthcare service management, de serviços e que adota um processo de decisão me-
1
Instituto Nacional de Organizational change nos incremental e mais integrador.
Saúde da Mulher, Criança
e Adolescente Fernandes Palavras-chave Planejamento em saúde, Gestão
Figueira, Fiocruz. Av. Rui hospitalar, Gestão de serviços de saúde, Mudança
Barbosa 716, Flamengo. organizacional
22250-020 Rio de Janeiro
RJ Brasil.
lucianebinsfeld@gmail.com
2
Escola Nacional de Saúde
Pública Sergio Arouca,
Fiocruz. Rio de Janeiro RJ
Brasil.
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Binsfeld L et al.

Introdução Estratégia, planejamento e mudança


organizacional: bases para análise
O hospital constitui-se em um espaço estratégico do processo de definição
para a reorganização do sistema de saúde. Ele é do perfil assistencial hospitalar
responsável por grande parte dos atendimentos,
concentra a maior parte dos recursos financeiros, As análises apresentadas posteriormente to-
materiais e humanos e possui grande visibilidade mam por base teorias da estratégia e da mudança
perante a sociedade. organizacional, bem como produção acadêmica
Nos últimos anos fatores importantes como relacionada a teorias organizacionais e gestão
a mudança no perfil epidemiológico, demográ- estratégica, motivo pelo qual são apresentadas a
fico e social, a crescente incorporação tecnológi- seguir algumas considerações sobre estes temas.
ca e o envelhecimento da população, bem como
a necessidade de maior integração dos diversos A definição da estratégia e o processo
serviços da rede de saúde, vêm demandando mu- de mudança organizacional
danças no modelo assistencial que afetam direta-
mente a área hospitalar e sua função no sistema1,2. Para Motta5 haveria duas perspectivas de mu-
Nas discussões sobre o papel do hospital, um dança nas organizações, uma evolutiva, em que a
dos principais problemas enfrentados diz respei- mudança se dá de forma emergente e não inten-
to à definição do perfil assistencial de cada uni- cional, que ocorre mesmo que não se tenha uma
dade hospitalar que compõe a rede, uma vez que direção, e a perspectiva intencional e planejada,
tem grande impacto sobre o modelo de atenção que busca romper com a situação ou posição atu-
presente em determinado território3,4. Por perfil al da organização, a partir da decisão de mudar.
assistencial entende-se toda a oferta de atendi- Dessa forma, admitindo-se que a mudança é
mento ou de serviços assistenciais do hospital e produto de ideias predefinidas, o planejamento
por mudança a introdução de um novo serviço, o global do processo será mais valorizado. Se, por
atendimento de um novo agravo ou a introdução outro lado, acredita-se que a necessidade de re-
de uma tecnologia, bem como a exclusão, a dimi- solver problemas é que gera ideias novas, a mu-
nuição ou a ampliação de sua oferta. dança terá como elemento importante a reação a
Essa situação tem suscitado uma grande dis- situações problemáticas. Por fim, considerando-
cussão em torno do tema gestão hospitalar e da se que a mudança surge da circulação de ideias,
necessidade de identificação de instrumentos tende-se a trabalhar com modelos menos depen-
adequados a um melhor gerenciamento e que dentes de programações gerenciais. Desta análise
ampliem a capacidade dos dirigentes hospitalares surgem três categorias, respectivamente: inten-
para lidar com os problemas destas organizações. ção estratégica, reação adaptativa e aprendizado
Acredita-se que ao se analisar o processo de contínuo.
mudanças no perfil assistencial das unidades A principal característica de um processo de
hospitalares, a partir da percepção dos gestores, mudança a partir da intenção estratégica é que
pode-se identificar o modo como os hospitais o há uma deliberação antecipada de interferir na
conformam, quais os fatores e os atores envolvi- realidade. Presume-se que a partir da análise do
dos nela, e isto pode contribuir para identificar e contexto organizacional e do ambiente externo,
aprimorar mecanismos e dispositivos de plane- conduzida por um processo de planejamento, as
jamento que permitam uma definição mais ra- organizações possam desencadear mudanças na
cional e pactuada deste perfil, favorecendo uma posição estratégica atual até uma perspectiva to-
oferta de serviços mais conforme com as necessi- talmente nova.
dades e as demandas da população. A reação adaptativa surge da identificação de
A pergunta que motivou o estudo foi: como situações problemáticas e da necessidade de dar
ocorrem as mudanças e a conformação do perfil respostas planejadas a estes problemas organiza-
assistencial dos hospitais? cionais. A mudança é enfrentada a partir de pro-
blemas concretos, o que não significa um desprezo
ao planejamento da mudança, mas o reforço da vi-
são do planejamento da inovação a partir de pro-
blemas. Crer na mudança é monitorar problemas,
pois as inovações são fruto de respostas concretas a
desafios impostos as empresas5.
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No caso do aprendizado contínuo as mudan- Quanto à estratégia de posição, esta corres-
ças surgem das ideias inovadoras que já estão ponde a determinado produto em determinados
disponíveis na organização e são constituídas das mercados. Nos termos administrativos esta defi-
experiências dos funcionários. Esta perspectiva nição seria de uma estratégia enquanto domínio
trabalha com elementos da teoria da organização de mercado, um “nicho” onde os recursos são
aprendiz na qual o aprendizado é visto como a concentrados.
essência da mudança6,7. Quanto ao processo de mudança, este é traba-
Para Mintzberg8-10 existem quatro formas lhado a partir de três métodos básicos, a mudan-
de definição da estratégia: como apesar de em ça planejada, a mudança conduzida e a mudança
muitos casos ser utilizada somente como plano, desenvolvida, os quais podem abranger um nível
o autor trabalha também com as definições de mais micro ou macro.
padrão, posição e perspectiva. A mudança planejada ocorre quando existe
A primeira definição é a da estratégia en- um conjunto de elementos a ser seguido que va-
quanto plano. Para o autor esta é a forma mais ria de um nível macro, como o planejamento es-
comum de entendimento em diversos campos, tratégico, até o mais micro, no caso de melhorias
seja militar ou de administração, e tem duas ca- da qualidade ou treinamento de pessoal.
racterísticas essenciais: são criadas antes das ações A mudança conduzida é guiada por uma
as quais vão se aplicar e são desenvolvidas cons- pessoa ou grupo com autoridade para acompa-
ciente e propositalmente9. nhar a mudança e garantir que ocorra. No caso
A segunda parte da ideia de que se uma estra- da mudança desenvolvida ela apenas acontece, é
tégia pode ser pretendida, como no caso do pla- orgânica e conduzida por pessoas fora do núcleo
no, pode também ser derivadas de ações. Neste de autoridade da instituição, não sendo assim
caso determinadas ações tornam-se recorrentes, administrados de forma mais formal como nos
configurando um padrão, por serem eficazes na outros dois casos.
resolução de um problema. Assim, a consistên- Os trabalhos de Mintzberg10 e Motta5 são
cia num comportamento torna a estratégia de- convergentes, apesar de se diferenciarem quanto
corrente de um padrão, independente se ela foi às denominações que utilizam. Assim, as concep-
pretendida ou não. ções da forma como surgem as mudanças, mais
A partir destas duas definições de estratégia intencional ou evolutiva, mais formal e planejada
pode-se dizer que no caso do plano se trabalha ou informal, se surgem da liderança ou de indiví-
com uma pretendida, decorrente de um projeto duos e grupos, estão presentes nas classificações
humano, e no caso do padrão, com uma realizada dos dois autores e, se tomadas como extremos,
decorrente das ações humanas. poderiam ser representadas como o esquema da
Assim, surgem dois conceitos diferentes com Figura 1.
relação à origem das estratégias nas organizações,
que seriam: as estratégias deliberadas, quando Perspectivas organizacionais,
existiam as intenções prévias que foram realiza- gestão estratégica e perfil assistencial
das e as estratégias emergentes, as quais se desen-
volveram sem intenção. Num mesmo ambiente Segundo Lima11-13, outra autora que estuda as
de estratégias deliberadas estas podem se tornar organizações hospitalares, a definição dos objeti-
realizadas ou não. vos nas organizações hospitalares tem uma pers-

Intencional - Planejado - Liderança Evolutiva - Informal - Indivíduo e/ou participativa

Mudança planejada Mudança conduzida Mudança desenvolvida

Intenção estratégia Reação adaptativa Aprendizado contínuo

Figura 1. Concepções quanto à forma e condução das mudanças organizacionais.


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Binsfeld L et al.

pectiva natural porque depende do seu meio ex- O enfoque da gestão estratégica propõe uma
terno, tanto da agenda de prioridades do governo prática decisional integradora, que envolva o
federal, como do desenvolvimento tecnológico, maior número de atores da base operacional na
epidemiológico e das demandas da população. definição das estratégias, a partir de um planeja-
Assim, na perspectiva natural, a organização é mento contínuo de projetos coletivos definidos
entendida como um organismo vivo que estabe- dentro de redes de colaboração.
lece relações interdependentes com seus subsis- Como proposta metodológica apresenta a dé-
temas internos e o ambiente externo para buscar marche stratégique, que se propõe a definir racio-
garantir sua sobrevivência. nalmente a missão hospitalar, situando-o na pers-
Decorrente da visão sistêmica, de que estas pectiva ideal de uma rede coordenada de cuidados
organizações compõem uma rede, os objetivos em saúde15. Este enfoque compreende o hospital
não podem ser definidos apenas internamente, como uma organização pró-ativa, voltada para
precisam ter uma regulação externa para assegu- o ambiente externo, questionando uma visão de
rar a integração e o equilíbrio do sistema como autossuficiência e a intenção de contemplar todas
um todo. as áreas de atendimento na mesma instituição.
Também precisa considerar as diferentes pes- Neste sentido a definição da missão de uma
soas e grupos que integram a organização e que unidade hospitalar passa a ser negociada com
a partir de um processo de negociação e disputa, a rede e os demais estabelecimentos, buscando
e dos objetivos individuais e das coalizões, vão transformar uma possível concorrência não jus-
definido os objetivos da organização numa pers- tificada em colaboração.
pectiva política.
Quanto à perspectiva racional esta se faz ne-
cessária por permitir que a organização defina Metodologia
seus objetivos de forma mais clara e não a partir
de objetivos genéricos que não contribuem para Este trabalho consiste em um estudo de casos
decisão e ação gerencial. múltiplos, que segue uma abordagem qualitativa,
Desta forma, segundo Lima11, é a partir da utilizando como estratégia metodológica infor-
perspectiva integradora que as organizações mações provenientes de entrevistas semiestrutu-
públicas de saúde podem ser mais bem compre- radas18.
endidas, pois apresentam características de cada O campo de investigação é composto pelos
uma das diferentes visões da organização. hospitais sob gestão federal localizados no muni-
O enfoque da gestão estratégica em saúde, cípio do Rio de Janeiro: Hospital Federal do An-
desenvolvido originalmente por Cremadez e Gra- daraí, Hospital Federal de Bonsucesso, Hospital
teau14 e estudado por Rivera15 e Artmann et al.16 Federal de Ipanema, Hospital Federal da Lagoa,
desde a década de 1990, considera que as orga- Hospital Federal dos Servidores e Hospital Fede-
nizações de saúde apresentam características que ral de Jacarepaguá (Cardoso Fontes) sendo que
as afastam da construção de um projeto gerencial este último não aceitou participar do trabalho.
a partir de um padrão ideal. Este padrão deveria Foram realizadas 17 entrevistas, gravadas com
considerar na definição da missão critérios de ra- autorização dos entrevistados e posteriormente
cionalidade econômica, o reconhecimento do am- transcritas, compondo aproximadamente 10 ho-
biente externo enquanto recurso, a necessidade de ras de gravação e mais de 100 páginas de transcri-
negociação com a rede e a integração interna. ção. O participantes do estudo estão relacionados
Estas características levariam a dois resul- a seguir e foram identificados a partir de códigos
tados: uma prática decisional incrementalista e nos resultados do trabalho. No hospital 1 foram
uma centralização da organização sobre ela mes- entrevistados Coordenador Médico, Chefe de Ci-
ma, seu ambiente interno, percebendo o ambien- rurgia, Chefe de Ambulatório e Chefia de Serviço;
te externo como constrangimento. no hospital 2 Coordenador Médico, Chefe de Ci-
A prática decisional é incrementalista porque rurgia, e Chefe de Emergência; no hospital 3 fo-
as decisões são tomadas em série, em função do po- ram entrevistados 2 Chefias de Serviço e o Diretor
der de pressão momentâneo dos vários atores hos- Geral; no hospital 4 foram 1 Chefia de Serviço e o
pitalares, sem uma perspectiva de conjunto17. Não Diretor Geral; no hospital 5 o Coordenador Mé-
haveria um processo de formulação estratégica dico, o Coordenador de Planejamento e o Coor-
anterior à tomada de decisão, sendo que a mes- denador de Assistência; por fim, no Departamento
ma se dá de forma pontual e com justaposição de Gestão Hospitalar (DGH) foram entrevistados
de objetivos. Coordenador de Assistência e Coordenador de
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Planejamento. O número de participantes variou no perfil assistencial de cada hospital, foi possí-
de uma unidade para outra devido ao tempo de vel identificar dois temas centrais no discurso do
aceitação da unidade a participar da entrevista e sujeito coletivo: o primeiro são as próprias mu-
disponibilidade dos entrevistados. Os principais danças percebidas e citadas pelos gestores e o se-
sujeitos selecionados para o estudo foram: Diretor gundo compreende um conjunto de movimentos
do Hospital, Coordenador de Assistência e Coor- que ao contrário da percepção da mudança foi
denador de Planejamento. Na ausência destes car- realizado no sentido de resistir a ela (Quadro 1).
gos na unidade, ou indisponibilidade do diretor ou No primeiro tema, a partir das ideias centrais
coordenador, os chefes de departamento ou servi- que surgiram quanto à mudança foram construí-
ços foram incluídos como participantes. dos quatro discursos distintos que revelam a per-
Para a organização dos dados provenientes cepção de mudança na alteração do perfil dos pa-
das entrevistas, foi utilizado o método do Discur- cientes, a mudança como decorrente do aumento
so do Sujeito Coletivo (DSC) desenvolvido por ou diminuição da oferta e a mudança a partir do
Lefrève et al.19. direcionamento para a alta complexidade.
Segundo estes autores, o DSC é uma técnica O primeiro discurso aponta para uma per-
de organização de dados qualitativos que resolve cepção dos entrevistados de que ocorreram mu-
um dos grandes impasses da pesquisa qualitativa danças nos últimos anos por que as unidades
na medida em que permite, através de procedimen- adotaram uma orientação de priorização do de-
tos sistemáticos e padronizados, agregar depoimen- senvolvimento de atividades ou serviços que con-
tos sem reduzi-los a quantidades20. centram maior complexidade tecnológica.
Sua técnica consiste em analisar o conteúdo
das entrevistas realizadas, extraindo-se destas as DSC 6 – Discurso da mudança pela
ideias centrais ou ancoragens e suas correspon- priorização da alta da complexidade
dentes expressões-chave, a partir das quais se ... se começou a fazer um planejamento estraté-
buscam as semelhanças para construção de um gico, buscando definir melhor o perfil assistencial e
ou mais discursos-síntese. alguns serviços se organizaram para o atendimento
Esses quatro elementos, Expressões-Chave de maior complexidade. A maternidade, por exem-
(EC), Ideias Centrais (IC), Ancoragem e Discur- plo, organizou uma UTI neonatal, começou a tra-
so do Sujeito Coletivo são considerados os ope- balhar também o transplante pediátrico.
radores deste método20. As expressões-chave são A UTI pediátrica é uma diferença que qualifi-
partes do discurso que devem ser destacadas pelo ca o Hospital. A unidade coronariana nos permite
pesquisador e que correspondem à essência do atender doenças cardiológicas. Mas tem também
conteúdo do discurso analisado. similaridades, como ortopedia. Isso aconteceu his-
Assim, o discurso do sujeito coletivo pode ser toricamente também, em alguma época isso foi
definido como um discurso-síntese elaborado construído aqui.
com pedaços de discursos de sentido semelhante O doente começou a vir, o caso ficava mais
reunidos num só discurso. complexo e começamos a atender esses doentes. En-
tão o que aconteceu foi um incremento das cirur-
gias de alta complexidade.
Resultados Na primeira ideia central, a mudança é apre-
sentada como sendo decorrente de uma decisão
A seguir são apresentados os resultados do estu- que foi tomada por atores que participaram do
do, divididos em dois blocos: o processo de mu- planejamento estratégico, quando então alguns
danças nos hospitais e a definição de estratégia; a serviços começaram a mudar o foco das suas ati-
conformação do perfil assistencial e as perspec- vidades. Na segunda parte do discurso é citado
tivas organizacionais. Em cada bloco, em função um conjunto de tecnologias já existentes e que
da Análise do Discurso Coletivo, foram compos- constituem para a unidade uma vantagem com-
tos temas, que contribuem para a melhor com- petitiva. Na percepção destes gestores isso apon-
preensão dos resultados. ta para um conjunto de serviços em que deve-
ria haver maior investimento pelo fato de que já
Processo de mudanças nos hospitais possuem complexidade agregada e investimento
e a definição de estratégia realizado para estruturação dos serviços.
Quando os gestores foram questionados so-
Quando da discussão sobre as principais mu- bre como ocorreu a decisão quanto às áreas que
danças recentes percebidas pelos entrevistados compõem o perfil assistencial hoje, os mesmos
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Binsfeld L et al.

Quadro 1. Síntese dos DSC referentes às mudanças recentes nos perfis dos hospitais.
Tema 1 – Mudanças verificadas nos últimos anos
DSC 1 – Discurso da mudança pela IC 1 - Mudança pelo aumento da complexidade dos serviços a partir de
priorização da alta complexidade um planejamento estratégico
IC 2 - Mudança pelo aumento da especialização a partir da valorização das
áreas de maior complexidade identificadas pela demarche stratégique
IC 3 - Mudança pelo aumento da complexidade para diferenciação na rede
e manutenção do ensino
DSC 2 – Discurso da mudança no IC 4 - Mudança no aumento da demanda de emergência, doença vascular,
perfil dos pacientes e aumento da renal crônico e câncer
demanda IC 5 - Mudança no perfil demográfico pelo envelhecimento da população
DSC 3 – Discurso da mudança IC 6 – Mudança no serviço que começou por iniciativa médica e depois
na oferta devido ao crescimento e amplia a oferta tornando-se referência
incorporação de serviços IC 7 - Mudança pela incorporação de serviços porque a rede não atende
mais seus pacientes ou por solicitação do MS
DSC 4 – Discurso da mudança na IC 8 - Mudança pela perda de profissionais porque houve baixo
oferta devido à perda de serviços investimento tecnológico
ou municipalização IC 9 – Mudança pela perda de serviços porque os profissionais se
aposentaram ou foram para outra unidade
IC 10 – Mudança provocada pela municipalização porque não houve
investimento no hospital
IC 11 - Mudança provocada pela municipalização porque deixou o
hospital capenga, sem equipamento, insumos e RH
IC 12 – Mudança provocada pela municipalização na diminuição e
complexidade da oferta.
IC 13 - Mudança devido ao investimento do MS que reergueu o hospital e
retomou sua oferta
Tema 2 - Resistência à mudança
DSC 5 – Discurso referente à IC 14 - Resistência à mudança do perfil para hospital universitário
resistência as mudanças tanto de
IC 15 - Resistência às propostas do nível central de reforma nos serviços
perfil assistencial quanto interna
nos serviços IC 16 - Resistência às propostas do nível central de incorporação de serviços
IC 17 - Resistência à integração de serviços no hospital

apontam o processo como algo que aconteceu envelhecendo e não tem lugar pra internar. É gri-
historicamente. tante o aumento de idosos em todo mundo e com
Outro discurso que foi constituído a partir da as doenças próprias da idade, quando complicam,
percepção de mudança dos gestores refere-se ao vêm parar na emergência.
aumento da demanda e mudanças no perfil da Neste discurso, as principais mudanças refe-
população. rem-se ao perfil demográfico da população, com
o aumento da população idosa e também de pro-
DSC 7 – Discurso da mudança no perfil blemas crônicos. Isso tem gerado um aumento
dos pacientes e aumento da demanda da demanda para as unidades hospitalares, pois o
Na população, câncer é uma epidemia. A sistema de saúde não possui estrutura adequada
maior demanda é cirurgia vascular, outra deman- para atendimento desta população e ela acaba re-
da que aumentou muito, é um problema de saúde correndo às emergências dos hospitais.
pública, é a dos renais crônicos. E a população está
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DSC 8 – Discurso da mudança na oferta federal fez uma intervenção e ressuscitou ele. Co-
devido ao crescimento e à incorporação meçaram a haver novos investimentos. Houve uma
de serviços retomada do crescimento das cirurgias.
Foi crescendo progressivamente, inicialmente Percebe-se que algumas mudanças na oferta
tinha só nefrologia clínica, depois abrimos uma de atendimentos também estão ligadas a defini-
unidade de hemodiálise, depois começamos a fazer ções externas, neste caso mais especificamente ao
transplante. Por exemplo, queimados, um grupo de período em que os hospitais ficaram vinculados
cirurgiões plásticos tomou a iniciativa de criar um gerencialmente ao município. De alguma forma,
serviço, um embriãonzinho, e aquilo foi crescendo. todos os entrevistados das unidades hospitalares
A cirurgia bariátrica teve um cirurgião que come- que passaram pelo processo de municipalização
çou a fazer de modo pioneiro e se tornou um dos identificam este como um período em que houve
maiores do país. Então é uma coisa muito pessoal... diminuição da oferta de serviços devido ao não
Ainda com relação à incorporação de servi- investimento.
ços, além da demanda de pacientes, outro fator
que aparece como responsável pela introdução DSC 10 – Discurso referente à resistência
de serviços é a decisão dos gestores da esfera fe- às mudanças, tanto de perfil assistencial
deral, o que é ressaltado no discurso como uma quanto interna nos serviços
determinação do gestor maior e que teve de ser Desde 63, 64 começou uma movimentação pra
incorporado mesmo que os profissionais ou a di- transformar em hospital universitário, mas os pro-
retoria da unidade concordassem com a estrutu- fissionais foram contra e a movimentação derru-
ração deste serviço no hospital. bou isso.
O crescimento de serviços devido à iniciativa E o hospital nasceu com dois serviços de cirur-
médica e ao desejo individual dos profissionais gia, cirurgia geral 1 e 2. E tiveram várias iniciativas
de realizarem determinada atividade é uma evi- para fundir os serviços, mas não saiu do lugar... Aí,
dência marcante no discurso, tendo feito com você entra numa sala de reunião que o serviço in-
que o serviço ampliasse sua oferta na rede e se teiro desce com o diretor dessa unidade: - Eu vim
tornasse uma referência. com os meus profissionais para que eles manifestem
O discurso abaixo, de um dos coordenadores o desacordo... Só não mudou porque o hospital tem
da área assistencial, foi destacada porque exem- uma tradição, construída pelo trabalho dos médi-
plifica bem a questão da mudança na oferta dos cos em cirurgia de alta complexidade...
serviços como algo que não se explica necessa- Este discurso representa movimentos de re-
riamente pela demanda da população ou decisão sistência a propostas de mudança e foi encontra-
dos gestores. do no discurso de atores de diferentes unidades.
A gente tem serviços aqui no hospital que im- Um dos entrevistados coloca, inclusive, que o
plodiram não se sabe porque, da mesma forma que principal movimento que ocorreu na instituição
eles cresceram e se tornaram serviços enormes ou- desde sua fundação não foi de mudança, mas a
tros diminuíram e não existe uma lógica de dizer resistência de um grupo de funcionários que di-
assim: - Ah, porque a população não tinha neces- vergiu e impediu a implantação do projeto que
sidade. Acredito que não, acredito que houve uma transformaria o hospital em um hospital univer-
evasão mesmo dessas expertises aleatoriamente. sitário.
Mudanças aparecem nos discursos frequen- Neste caso, o perfil assistencial dos hospitais
temente como algo que acontece, seja a criação não foi decorrente somente da formação das es-
do serviço como uma coisa muito pessoal, ou a tratégias visando à mudança, mas daquelas que
diminuição da oferta como uma evasão aleató- o grupo resistente desenvolveu ao longo do pro-
ria e ligada aos profissionais médicos e não a um cesso para impedir a mudança, o que traz à tona
âmbito de decisão dos diretores dos hospitais. posições conflitivas entre os distintos atores que
constituem a organização e o cenário onde se in-
DSC 9 – Discurso da mudança na oferta serem21.
devido à perda de serviços
ou municipalização A conformação do perfil assistencial
E com a municipalização foi um caos. O muni- e as perspectivas organizacionais
cípio não investiu no hospital, ele só queria o repas- No tema anterior foram apresentadas as prin-
se do SUS. Nós ficamos com um hospital capenga. cipais mudanças verificadas pelos entrevistados.
Então ele reduziu leitos. Culminou com a paralisa- A partir destas mudanças busca-se agora analisar
ção do hospital e fechou a emergência. O governo mais profundamente o que levou estas a aconte-
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Binsfeld L et al.

cerem e como estas definem o perfil assistencial profissionais de saúde e isso gera a desorganização
das unidades (Quadro 2). que a gente tem aí.
A grande maioria das chefias, quando ques-
DSC 16 - Discurso do processo de mudança tionada sobre o que levou às mudanças, utiliza-
visto pela perspectiva do DGH va em seu discurso este tipo de expressão que
Você não tem um planejamento adequado ain- demonstra que elas foram acontecendo e não
da, porque você vive de espasmos... A gente ta vi- necessariamente foram conduzidas por alguma
vendo num sistema de saúde muito desorganizado, autoridade, sendo identificadas como uma coisa
e isso reflete na população que vai buscar nas uni- meio sem dono.
dades todos os serviços possíveis. E por conta dessa Uma questão que pode ser destacada e que
demanda os hospitais vão também de uma forma aparece em ambos os discursos é uma percepção
desorganizada, oferecendo serviços, para tentar de que o processo ocorre de forma isolada pelas
minimizar as filas de espera enormes. E na maioria unidades, tanto pela busca individual dos profis-
das vezes é cada unidade tentando dar conta den- sionais ou gestores de resolução dos problemas
tro do seu universo, da sua demanda e ainda que os internos ou de saúde da população, como pela
serviços se dupliquem. Os hospitais na sua maioria ausência de um processo mais integrado entre as
não têm núcleo de planejamento. unidades municipais, estaduais e federais. Outra
Segundo a percepção do DGH, a mudança questão recorrente nos discursos é a percepção de
não parte de um processo intencional; seria de- que há uma duplicidade de oferta entre as uni-
corrente principalmente da necessidade de aten- dades.
der à demanda que leva a unidade a desenvolver
determinados serviços e a incorporar tecnolo-
gias. A percepção dos gestores dos hospitais é a Discussão
mesma.
Quando os discursos são analisados, resgatan-
DSC 17 - Discurso do processo de mudança do as três configurações de mudança propostas
visto pela perspectiva dos hospitais por Mintzberg e Lapel10 (planejada, conduzida e
Eu acho que as unidades se organizam a partir desenvolvida), observa-se que a maior parte das
de um conjunto de coisas, mas que não surge muito mudanças percebidas nos últimos anos foram
do planejamento do nível central. Acho que à me- desenvolvidas, ou seja, ocorreram sem terem sido
dida que vai chegando a gente vai se adaptando de necessariamente conduzidas pelos gestores inter-
acordo com a necessidade. E normalmente o que se nos ou externos das unidades. Isto pode ser per-
tem é uma coisa meio sem dono. As unidades de cebido pela forma como os gestores descrevem as
saúde vão formando suas expertises, a partir dos mudanças como algo que foi acontecendo e que

Quadro 2. Síntese dos DSC referentes aos determinantes e fatores que interferem na mudança do perfil assistencial.
Tema 1 - Conformação do perfil assistencial e a estrutura de planejamento das unidades
DSC 6 - Discurso do processo IC 18 - A mudança não é decorrente do planejamento, mas da iniciativa
de mudança visto pela individual dos hospitais atenderem sua demanda
perspectiva do DGH IC 19 - Os hospitais não utilizam nenhuma ferramenta ou metodologia de
planejamento
IC 20 - Os hospitais, na sua maioria, não tem núcleo de planejamento
estruturado
DSC 7 - Discurso do processo IC 21 - A mudança não é decorrente do planejamento, ela apenas acontece
de mudança visto pela IC 22 - A estrutura de planejamento ainda é incipiente, ficando mais
perspectiva dos hospitais centralizado na direção
IC 23 - Os hospitais têm incitativas de melhoria e apoio através de consultorias
externas
IC 24 - Os projetos são provisórios e sofrem alterações conforme a mudança de
gestores
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não ocorreu a partir de procedimentos progra- vimento não ocorre apenas no caso da mudança;
mados ou acompanhadas por grupos ou pessoas as estratégias também são constituídas no movi-
que possuam posição de autoridade na institui- mento de resistência à mudança.
ção, como no caso da mudança planejada. Esta resistência ocorreu tanto com relação a
Pode-se dizer ainda, de acordo com os concei- mudanças mais radicais, como a transformação
tos de estratégia de Mintzberg8,9, que as unidades em hospital universitário, como também no caso
têm conformado seu perfil assistencial principal- da apresentação de mudanças incrementais no
mente através de estratégias emergentes e sem nível dos serviços ou do perfil assistencial. Po-
uma tomada de decisão ou orientação anterior rém, a resistência parece se configurar princi-
à constituição de seus serviços ou a mudança no palmente para evitar estratégias impostas o que
interior deles, caso da estratégia deliberada. Em aponta para o fato de que se a conformação do
seus trabalhos, Motta5 já aponta para esta questão perfil assistencial se dá a partir de um conjunto
quando afirma que as unidades tendem a promo- de mudanças que “ocorrem”, também se dá pela
ver mudanças o tempo todo mesmo sem terem constituição de estratégias que permitam as uni-
noção da direção ou do rumo que estão tomando. dades resistirem às mudanças propostas de fora.
As únicas iniciativas que aparecem sendo Estes discursos também indicam a necessida-
configuradas a partir de estratégias mais delibe- de de aprofundar a análise da conformação de es-
radas e de posição são decorrentes de consulto- tratégias nas organizações hospitalares a partir de
rias externas na aplicação de métodos de plane- uma perspectiva política e da disputa de poder. A
jamento. Estas tiveram como principal objetivo dificuldade de introdução de mudanças estrutu-
buscar uma nova orientação e condução no sen- rais e oriundas de um processo intencional po-
tido de privilegiarem a alta complexidade. dem estar relacionadas à existência de diferentes
Nas outras ideias centrais, embora também núcleos de poder no interior das intituições, e da
exista a percepção da mudança, como pelo au- disputa de projetos que geram o movimento de
mento da sua complexidade, as áreas que com- resistência à mudança encontrados neste estudo.
põem o perfil assistencial do hospital e que am- Quanto à percepção dos gestores sobre o pro-
pliaram sua complexidade não surgiram de uma cesso de definição do perfil, este aparece como
deliberação ou de um plano, mas da consistência sendo muito pouco racional e sistêmico. As uni-
do comportamento ao longo do tempo na incor- dades não incorporaram ferramentas de plane-
poração de tecnologia e de aumento da demanda, jamento que apóiem estes processos e as equipes
o que caracteriza a estratégia definida a partir de de planejamento são muito incipientes ou pouco
um padrão. atuantes na maioria dos hospitais.
Isto fica claro quando se percebe que os dis- A percepção quanto ao ambiente externo é de
cursos, tanto de ampliação como de diminuição que existe uma desorganização do sistema e que
da oferta, têm como principal desencadeador das isto interfere na possibilidade de condução da
mudanças as decisões dos profissionais médicos conformação do perfil assistencial de forma mais
de iniciar uma nova atividade ou deixar a equipe integrada, sendo que cada unidade incorpora tec-
de trabalho. nologia e busca atender as demandas da população
Considerando os três métodos de mudan- isoladamente e sem planejamento. O que remete
ça propostos por Motta5, a intenção estratégica, a um processo decisório, como apontado pelo en-
a reação adaptativa e a aprendizagem contínua, foque démarche estratégique, ainda muito incre-
é possível afirmar, com base na análise das mu- mentalista nas organizações hospitalares, pois as
danças tidas como necessárias pelos gestores, que decisões dos gestores são tomadas de forma pon-
o padrão de mudança intencional nos hospitais tual, devido à pressão dos diferentes atores e sem a
públicos federais é o de reação adaptativa, em que formulação de estratégias institucionais15,17,22.
a formação de ideias novas é decorrente princi- Para Lima11,23, o processo de definição dos ob-
palmente da necessidade de resolver problemas e jetivos nas organizações públicas tem uma pers-
não de um processo planejado que visa interferir pectiva natural devido à sua dependência com
no processo de evolução da organização. relação ao meio. Esta dependência é verificada,
Para Mintzberg e Lapel10 a formação de es- por exemplo, no caso da vinculação destas ins-
tratégias é tratada como se referindo frequente- tituições aos objetivos e mudanças nas instâncias
mente à mudança. Portanto, ela diria respeito à de governo superior e das demais unidades loca-
mudança e não à continuidade. lizadas no território.
Porém, o que se percebe nos discursos dos Quanto à interferência na constituição do
gestores é que nas unidades hospitalares este mo- seu perfil assistencial, o que surgiu no discurso
218
Binsfeld L et al.

dos gestores foram principalmente deliberações espaços de gestão destas unidades e da própria
pontuais quanto à introdução de alguns serviços, autoridade externa, mas também do processo de
mas não referência a uma política para as unida- alteração dos grupos dominantes no interior dos
des federais que de alguma forma oriente as ati- hospitais, o que causa desgaste na formulação
vidades ou as mudanças nos hospitais. e credibilidade dos processos de planejamento
Ainda com relação à perspectiva natural, os porque os projetos não são operacionalizados ou
hospitais estão condicionados a outros fatores são abandonados a cada mudança de gestor.
do ambiente, que nos discursos são reconhecidos
apenas pela pressão da demanda e a pressão pela
incorporação de tecnologias. Considerações finais
Porém, considerando as características das
organizações públicas e do modelo assistencial A definição do perfil assistencial de um hospital
de saúde, as demais unidades do sistema também representa um aspecto crítico tanto do ponto de
deveriam ser um dos fatores considerados na de- vista de sua estratégia interna de desenvolvimen-
finição do perfil assistencial24. to quanto da sua inserção em redes de atenção à
O que se percebe na análise dos resultados é saúde numa perspectiva integrada.
que este processo ainda hoje é realizado de forma Considerando a configuração do sistema de
pontual pelos hospitais e a responsabilidade de saúde do Rio de Janeiro, em que todas as esfe-
resolver os problemas não é compartilhada pelas ras de governo gerenciam unidades prestadoras
unidades, o que gera processos fragmentados e de serviço e onde os hospitais federais passaram
descompassados entre os hospitais. por diferentes esferas de gestão, a constituição de
Para que as demandas de um determinado uma instância gestora central e que agregue as
território sejam atendidas e critérios de raciona- unidades pode trazer benefícios ao sistema local.
lidade econômica, integração e complementarie- Porém, a autoridade central não pode apenas
dade sejam considerados na organização da rede focar em mudanças que surgem a partir da ne-
de saúde é importante que os atores com gover- cessidade de resolver problemas e buscar viabili-
nabilidade participem16,21,24,25 no processo de de- zá-las a partir da confrontação com as unidades
finição dos objetivos organizacionais, incluindo hospitalares, porque a tendência será a de gera-
a participação dos profissionais, pois estes pos- ção de resistência a estas mudanças.
suem grande influencia na definição do perfil as- Neste caso, algumas mudanças impositivas
sistencial dos hospitais8,9,17. poderiam até trazer mudanças incrementais ou
Para Dussault26, o tipo de gestão mais ade- até mais radicais na configuração dos sistemas
quado para estas organizações seria mais colegia- internos, revertendo a duplicidade da oferta pon-
do e consensual do que autoritário, que integra tualmente, mas a lógica de conformação do perfil
os usuários e envolve os profissionais na formu- assistencial e de condução da mudança não pla-
lação dos objetivos. nejada e não sistêmica continuaria prevalecendo.
No enfoque da démarche stratégique a condu- Nas organizações hospitalares, entendidas
ção do processo de forma participativa também como organizações profissionais, já é reconheci-
aparece em oposição a uma definição normati- da a importância do papel dos atores internos27,
va de diretrizes, sendo que este aponta que para seja na definição como na implementação da
haver responsabilização dos atores os projetos missão institucional, e isso exige necessariamente
precisam ser decorrentes do desenvolvimento de a construção de estratégias compartilhadas co-
processos comunicativos e de negociação16,24. municativamente, a elaboração de planos coleti-
Quanto ao risco da possibilidade de politiza- vos e processos de negociação permanentes.
ção da gestão através da indicação política, que se Os discursos referentes à resistência à mu-
configura como uma realidade destas unidades, dança também demonstram que a dimensão do
Dussault26 sugere como forma de minimizar a poder21 no interior das instituições hospitalares
instabilidade institucional que os projetos sejam precisa ser aprofundada em estudos futuros, am-
debatidos e permitam uma clarificação das regras pliando ainda mais o olhar sobre o processo de
e pactuação que respeite aos objetivos definidos. constituição de estratégias e de conformação do
Esta é uma possibilidade que minimiza- perfil assistencial nas organizações hospitalares.
ria tanto os efeitos negativos da politização dos
219

Ciência & Saúde Coletiva, 22(1):209-220, 2017


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Artigo apresentado em 14/07/2015


Aprovado em 05/10/2015
Versão final apresentada em 07/10/2015

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