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= Cap. 5 * Instrumentos de Controle Social [EER cilitar a nossa tarefa, adotamos, inicialmente, 0 método da exclusao. Os assuntos pertinentes 4 seguranga, sendo exclusivos do Direito, no podem participar dos objetivos dessas regras. Por outro lado, somente a Moral a Religido procuram o aperfeigoamento do homem. Se colocarmos entre parénteses o valor seguranga ¢ os referentes ao aperfeigoamento espiritual do homem, atentando para 0 fato de que sao regras que orientam 0 comportamento interindividual, projeta-se 0 campo de normatividade das Regras de Trato Social e singulariza-se 0 seu valor. A faixa de atuagdo das Regras incide nas maneiras de o homem se apresentar perante 0 seu semelhante, e 0 seu valor consiste no aprimoramento do nivel das relagdes sociais. © papel das Regras de Trato Social é propiciar um ambiente de efetivo bem-estar aos membros da coletividade, favorecendo os processos de interagao social, tornando agradavel a convivéncia, mais amenas as disputas, possivel o di- logo. As Regras de Trato Social, em conclusao, cultivam um valor proprio, que ¢ 60 de aprimorar 0 nivel das relagdes sociais, dando-Ihes o polimento necessario nao é de natureza independente, mas comple- Jores fundamentais do Direito e da Moral. O apa dos valores compreensao. Esse valor, contudo, mentar. Pressupde a atuagao dos val valor que as Regras de Trato Social traduzem constitui uma sobrec: éticos de convivéncia. 18.2. Alguns Aspectos Histéricos. Na época em que os diferentes instrumen- tos de controle social ainda se mantinham indiferenciados, era comum 0 legislador disciplinar os mais simples fatos do trato social. Assim é que, em Esparta, con- forme relato de Fustel de Coulanges, 0 penteado feminino era previsto em lei; as mulheres, em Atenas, nao podiam levar consigo mais de trés vestidos em viagem; enquanto a lei espartana proibia 0 uso do bigode, a de Rodes impedia que se fizesse a barba.'¢ ‘A lei das Doze Tabuas, conforme Cicero narra em De Legibus, prova a intro- lador em assuntos reservados, hoje, ao exclusivo campo das Re- “que as mulheres nao pintem as sobrancelhas nem fagam rais”.!” Uma outra lei romana determinou que os elogios ao morto s6 poderiam ser feitos nas exéquias publicas e por intermédio de orador de assistentes nos funerais, a fim de que a tris- oficial, limitado também o numero teza ¢ a Jamentagdo ndo fossem maiores. A deusa Themis nao estendia o seu manto apenas sobre as normas do Direito. Hirzel, citado por R. Siches, destaca o fato de que a deusa era a personificagao do bom conselho para todos os assuntos da vida, significando, ao mesmo tempo, 0 simbolo da atividade do chefe da familia patriar- cal, que no distinguia os contetidos do Direito, Moral, Religiaio e Regras de Trato Social. Dike, uma espécie de filha de Themis, mais tarde, era a deusa ligada apenas 4 decisao judicial. missao do legis! gras de Trato Social: queixume liigubre nos fune! 16 Apud Dinio de Santis Garcia, “As Regras de Trato Social em confronto com o Direito”, em En- saios de Filosofia do Direito, Editora Saraiva, Sdo Paulo, 1952, p. 156, 17 Cicero, Das Leis, Classicos Cultrix, S80 Paulo, 1967, p. 87. |e Cap. 5 + Instrumentos de Controle Social [IEMA De fato, hd um grande niimero de questdes sociais que se incluem, ao mesmo tempo, nos dois setores. A assisténcia material que os filhos devem prestar aos pais necessitados é matéria regulada pelo Direito e com assento na Moral. Ha assuntos da algada exclusiva da Moral, como a atitude de gratidao a um benfeitor. De igual modo, ha problemas juridicos estranhos a ordem moral, como, por exemplo, a di- visio da competéncia entre a Justi¢a Federal e a Estadual. 3°) A visdo kelseniana — Ao desvincular 0 Direito da Moral, Hans Kelsen con- cebeu os dois sistemas como esferas independentes. Para o famoso cientista do Di- reito, a norma é 0 tinico elemento essencial ao Direito, cuja validade nado depende de contetidos morais. Ee = 4°) A teoria do “minimo ético” — Desenvolvida por Jellinek, a teoria do minimo ético consiste na ideia de que o Direito representa 0 minimo de preceitos morais ne- cessirios ao bem-estar da coletividade. Para o jurista alemao toda sociedade converte em Direito os axiomas morais estritamente essenciais a garantia e preserva¢ao de suas instituigdes. A prevalecer essa concepgao 0 Direito estaria implantado, por inteiro, nos dominios da Moral, configurando, assim, a hipotese dos circulos concéntricos. s a expresso minimo ético para indicar que 0 Direito deve conter apenas 0 minimo de contetido moral, indispensdvel ao equilibrio das forgas sociais, em oposigao ao pensamento do maximo ético, exposto por Schmoller. Se 0 Direito no tem por finalidade 0 aperfeigoamento do homem, mas a seguranga social, nio deve ser uma cépia do amplo campo da Moral; nao deve preocupar-se em trasladar para os cédigos todo o continente ético, Diante da vastidao do territério juridico, nao se pode dizer que 0 minimo ético nao seja expressivo, Basta que se consulte © Cédigo Penal para certificar-se de que o mencionado bem-estar da coletividade exige uma complexidade normativa. A nao adogao dessa teoria, assim interpretada, implicaria a acolhida do maximo ético, pelo qual o Direito deveria ampliar a sua Empregamos I Cap. 5 * Instrumentos de Controle Social Direito nao deve interferir no plano do pensamento, da con: dos atos que nao se exteriorizam. d) Autonomia e Heteronomia — De uma forma generalizada, os compéndios re- gistram a autonomia, querer esponténeo, como um dos caracteres da Moral. Nesta parte, ¢ indispensavel a distingdo suscitada por Heinrich Henk a adesao es- pontinea ao padraio moral é inerente Moral auténoma ¢ peculiar a Etica superior, © mesmo nao ocorre em relagao 4 Moral social. Diante do conjunto de exigéncias morais que a sociedade formula a seus membros, o agente se sente compelido a se- guir os mandamentos. Neste setor, nao ha espontaneidade da consciéncia. O fend- meno que se da é o de adaptagao das condutas aos padrées morais que a sociedade elege. A Moral social, portanto, nao é auténoma. Em relagao ao Direito, este possui heteronomia, que significa sufeigdo ao que- rer alheio. As regras juridicas sao impostas independentemente da vontade de seus destinatarios, O individuo nao cria 0 dever-ser, como acontece com a Moral aut6- noma. A regra juridica nao nasce na consciéncia individual, mas no seio da socie- dade. A adesdo espontanea as leis ndo descaracteriza a heteronomia do Direito. e) Coercibilidade do Direito e Incoercibilidade da Moral —Uma das notas fun- damentais do Direito é a coercibilidade, Entre os processos que regem a conduta social, apenas o Direito é coercivel, ou seja, capaz de adicionar a forga organizada do Estado, para garantir 0 respeito aos seus preceitos. A via normal de cumpri- mento da norma juridica é a voluntariedade do destinatario, a adesdo espontanea. Quando o sujeito passivo de uma relagiio juridica, portador do dever juridico, opde resisténcia ao mandamento legal, a coagao se faz necessaria, essencial a efetivida- de. A coagio, portanto, somente se manifesta na hipotese da nao observancia dos preceitos legais. A Moral, por seu lado, carece do elemento coativo. E incoercivel. Nem por isso as normas da Moral social deixam de exercer uma certa intimidagao. Consistindo em uma ordem valiosa para a sociedade, é natural que a inobservancia de seus principios provoque uma reag4o por parte dos membros que integram 0 corpo social. Essa reagdo, que se manifesta de forma variada e com intensidade relativa, assume cardter nfo apenas punitivo, mas exerce também uma fungaio inti- midativa, desestimulante da violagao das normas morais (v. § 44). 17.4.3.2. Distingdes quanto ao contetido a) O Significado de Ordem do Direito e o Sentido de Aperfeigoamento da Mo- ral ~ Ao dispor sobre o convivio social, 0 Direito elege valores de convivéncia. O seu objetivo limita-se a estabelecer ¢ a garantir um ambiente de ordem, a partir do qual possam atuar as forgas sociais. A fungao primordial do Direito é de cardter es- trutural; o sistema de legalidade oferece consisténcia ao edificio social. A realizaglo individual; 0 progresso cientifico ¢ teenoldgico; 0 avango da Humanidade passam a depender do trabalho e discernimento do homem. A Moral visa ao aperfeigoamento do ser humano ¢ por isso ¢ absorvente, estabelecendo deveres do homem em relagdo mos 0 Direito interessar-se pelo animus da agao, pelo elemento vontade, como acontece em matéria penal, onde a intengao do agente é de suma relevancia 4 configuragao do delito. A Moral, por outro lado, no se satisfaz apenas com a boa intengdo, pois exige a pratica do bem. Ao elaborar essa teoria, Tomasio estava motivado por interesse de natureza politica, pois pretendeu subtrair da esfera de competéncia do Estado as questdes referentes ao pensamento, a liber- dade de consciéncia, a ideologia, ao credo religioso. Foi influenciado também pelo fato de que eram comuns, naquela época, os processos de heresia e magia, em que se procurava, pela tortura, descobrir a intengo dos acusados. Emmanuel Kant e Fichte levaram avante a concepgao de TomAsio reprodu- zindo-a com alguns acréscimos. Para 0 filésofo de Koenigsberg, uma conduta se poe de acordo com a Moral, quando tem por motivag4o, unicamente, 0 respeito ao dever, o amor ao bem. Quanto ao Direito, este nao tem de se preocupar com os motivos que determinam a conduta, sendo com os seus aspectos exteriores. Em duas mAximas, expe o seu pensamento. Em relagdo a Moral: “aja de tal maneira que a maxima de teus atos possa valer como principio de legislagao universal.” Ao mesmo tempo em que reconhece a autonomia da consciéncia, exige que a conduta possa servir de modelo para o homem, pois somente assim tera valor moral. Em relagao ao Direito: “procede exteriormente de tal modo que o livre uso de teu arbitrio possa coexistir com o arbitrio dos demais, segundo uma lei universal de liberdade”. Por esta maxima, infere-se que o fundamento do Direito repousa na liberdade. Fichte exagerou a disting4o kantiana, colocando distancias que se afiguram verdadeiro abismo entre o Direito ¢ a Moral. Partiu da premissa de que 0 Direito permite situagdes que a Moral nao concorda, como seria 0 caso de um credor poder levar o seu devedor ao estado de pobreza e miséria. Para Del Vecchio, contudo, 86 haveria contradi¢do entre os dois setores da Etica se o Direito obrigasse a uma conduta proibida pela Moral.’ Com a divulgagdo das teorias que consideravam 0 Direito ¢ a Moral como dois processos desvinculados, quase estranhos, surgiu uma reagdo por parte de muitos pensadores, preocupados com uma recolocagdo do pro- blema, com o objetivo de reaproximar, na Filosofia do Direito, as duas ordens, 17.4.3. Modernos critérios de distingao. Sao varias as teorias, formulas e critérios de distingo, atualmente apresentados. Todos tém sido alvo de criticas, 4 tal ponto que se corre 0 risco de um recuo histérico, @ época em que as normas Gticas constitujam um todo homogéneo ¢ indiferenciado. Para o exame da matéria, parece-nos obrigatorio o método adotado por Alessandro Groppali, que traga o paralelo entre o Direito ¢ a Moral, separando os aspectos forma e contetido.'” 9 Giorgio del Vecchio, op. clt., vol. 2, p. 95. 10 Alessandro Groppali, Introdug0o a0 Estudo do Direito, Coimbra Editora Ltda., Coimbra, 1968, 075. PC ee Cap. 5 + instrumentos de Conrcie soot EE particularizar a esfera correspondente, pois a nao diferenciagSo pode conduzis 2 qualificagdes falsas, A Moral auténoma corresponde 4 nogao de bem particular a cada consciéncia O homem atua como legislador para a sua propria conduta. A consciéncia indivi- dual, que é 0 centro da Moral auténoma, com base na experiéncia pessoal. elege 0 dever-ser a que se obriga. Esta esfera exige vontade livre, isenta de qualquer condicionamento. A Etica superior dos sistemas religiosos consiste nas nodes fundamentals so- bre o bem, que as seitas religiosas consagram ¢ transmitem a seus seguidores. Ao aderir ou confirmar a fé por determinada Religiao, a consciéncia age em estado de liberdade, com autonomia de vontade. Se o sistema religioso nao for um todo co- erente e harm@nico e se alguns preceitos se desviarem de suas linhas doutrinarias gerais, pode ocorrer conflito entre essas normas € 4 consciéncia individual. Neste momento, a ética superior se revela heter6noma, isto €, os preceitos sero acatados nao com vontade propria, mas em obediéncia 4 crenga em uma forga superior, que © proprio sistema religioso procura expressar. Heinrich Henkel admite, em termos, a autonomia dessa esfera da Moral, sob o argumento de que a Religiao “sé fornece conteudos normativos, como principios gerais reitores da atuaca0 moral... ~, 0 que permite, aos seguidores da seita religiosa, uma certa flexibilidade, uma faixa de liberdade, que favorece a adaptacao da conduta aqueles principios. ‘A Moral social constitui um conjunto predominante de principios ¢ de cmité- rios que, em cada sociedade e em cada época, orienta a conduta dos individuos. Socialmente cada pessoa procura agir em conformidade com as exigéncias da Mo- ral social, na certeza de que seus atos sero julgados 4 luz desses principios. Os critérios éticos ndo nascem, pois, de uma determinada consciéncia individual. Na medida em que a Moral aut6noma ndo coincide com a Moral social, esta assume um carater heternomo e impée aos individuos uma norma de agir ndo elaborada por sua propria consciéncia. 17.4. O Paralelo entre a Moral ¢ 0 Direito 17.4.1. Grécia e Roma. A Filosofia do Direito surgiu na Grécia antiga ¢, por este motivo, é natural que o exame da presente questo se inicie justamente ali, no bergo das especulagdes mais profundas sobre o espirito humano. E opiniao cor- rente entre os expositores da matéria, que os gregos no chegaram a distinguir, na tcoria € na pritica, as duas ordens normativas. O fato de o pensamento de Platio ¢ Aristoteles registrar “la concepcion de la moralidad como ordem intemma™, como anota Garcia Maynez, nao induz a convicgdo de que ambos chegaram a distinguir © Direito da Moral. Em seus didlogos, Platdo considerou a justi¢a como virtude, ¢ Aristoteles, apesar de atentar para 0 aspecto social da justica, considerou-a, dentro da mesma perspectiva, como o principio de todas as virtudes.

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