que a sociedade estima e vive. O Direito nao é, portanto, uma formula magica
capaz de transformar a natureza humana. Se o homem em sociedade nao esta pro-
penso a acatar os valores fundamentais do bem comum, de vivé-los em suas aces,
0 Direito sera inécuo, impotente para realizar a sua miss4o.
Por nao ser criado pelo homem, o Direito Natural, que corresponde a uma
ordem de justic¢a que a prépria natureza ensina aos homens pelas vias da experi-
éncia e da raz4o, nao pode ser admitido como um processo de adaptaga0 social.
0 Direito Positivo, aquele que o Estado impoe 4 coletividade, é que deve estar
adaptado aos principios fundamentais do Direito Natural, cristalizados no respei-
to a vida, a liberdade e aos seus desdobramentos légicos.
A indagacdo, no campo da mera hipotese e especulagao, se 0 Direito se apre-
sentaria como um processo de adaptagao, caso a natureza humana atingisse 0 nivel
da perfeigdo, impée-se a resposta negativa. Se reconhecemos que 0 Direito sur-
ge em decorréncia de uma necessidade humana de ordem ¢ equilibrio, desde que
desaparega a necessidade, cessar4, obviamente, a raz4o de ser do mecanismo de
adaptagao. Outras normas sociais continuarao existindo, com 0 carater meramente
indicativo, como as relativas 4 higiene piblica, transito, tributos, mas sem o ele-
mento coercibilidade, que é uma caracteristica exclusiva do Direito.
Gap. 3 + 0 Direito como Processo de Adaptacio Social [EMM
9.2. O Direito como Processo de Adaptacao Social. As necessidades de paz,
ordem e bem comum levam a sociedade a criagdo de um organismo responsavel
pela instrumentalizagao e regéncia desses valores. Ao Direito é conferida esta
importante missdo. A sua faixa ontoldgica localiza-se no mundo da cultura, pois
representa elaboragao humana. O Direito nao corresponde as necessidades indi-
viduais, mas a uma caréncia da coletividade. A sua existéncia exige uma equacdo
social. $6 se tem direito relativamente a alguém. O homem que vive fora da
sociedade vive fora do império das leis. O homem s6, nado possui direitos nem
deveres.
Para o homem e para a sociedade, 0 Direito nao constitui um fim, apenas um
meio para tornar possivel a conviveéncia e 0 progresso social. Apesar de possuir
um substrato axiolégico permanente, que reflete a estabilidade da “natureza
humana”, 0 Direito é um engenho a mercé da sociedade e deve ter a sua diregdo
de acordo com os rumos sociais.
As instituig6es juridicas so inventos humanos que sofrem variagdes no tempo
€ no espago, Como proceso de adaptagao social, o Direito deve estar sempre se
tefazendo, em face da mobilidade social. A necessidade de ordem, paz, seguranga,
Justiga, que o Direito visa a atender, exige procedimentos sempre novos. Se o Di-
teito se envelhece, deixa de ser um processo de adaptagao, pois passa a ndo exercer
4 fungdo para a qual foi criado, Nao basta, portanto, o ser do Direito na sociedade,
¢ indispensdvel o ser atuante, o ser atualizado. Os processos de adaptagao devem-
% renovar, pois somente assim o Direito serd um instrumento eficaz na garantia do
¢quilibrio ¢ da harmonia social,
isi= Cap. 3 * 0 Direito como Proceso de Adaptacao Social ESA
4 compreensdo do fendmeno juridico como proce
preen adaptativo, ¢ feita também por
Recaséns Siches, quando afirma que “o Direito é algo que os homens fabricam em
sua vida, sob o estimulo de umas determinadas necessidades; algo que vivem em sua
existéncia com 0 propdsito de satisfazer aquelas necessidades...”*
A dificuldade em se adaptar ao sistema juridico, leis projetadas para outra reali-
dade, tem sido 0 grande obstaculo ao fenémeno da recepgao do Direito estrangeiro.
9.3. A Adaptagiio das Agdes Humanas ao Direito. A sociedade cria 0 Di-
reito e, ao mesmo tempo, se submete aos seus efeitos. O novo Direito impde, em
primeiro lugar, um processo de assimilagao ¢, posteriormente, de adequacdo de
atitudes. O conhecimento do ordenamento juridico estabelecido nao é preocupagao
exclusiva de seus destinatarios, O mundo juridico passa a se empenhar na exegese
do verdadeiro sentido e alcance das regras introduzidas no meio social. Esta fase
de cognigao do Direito algumas vezes & complexa. As interrogagdes que a lei apre~
senta abrem divergéncias na doutrina e nos tribunais, além de deixar inseguros os
seus destinatarios.
Com a definigao do espirito da lei, a sociedade passa a viver e a se articular de
acordo com 0s novos parmetros. Em relag&o aos seus interesses particulares e na
gestdo de seus negécios, os homens pautam o seu comportamento e se guiam em
conformidade com os atuais conceitos de licito e de ilicito.
As condigdes ambientais favoraveis a interagao social nao sao obtidas com a
pura criagdo do Direito. E indispensavel que a lei promulgada ganhe efetividade,
isto é, que os comandos por ela estabelecidos sejam vividos e aplicados nos dife-
rentes niveis de relacionamento humano.® O contetido de justica da lei e o senti-
mento de respeito ao homem pelo bem comum devem ser a motivagdo maior dos
processos de adaptagao a nova lei. Contudo, a experiéncia revela que o homem,
embora a sua tendéncia para o bem, € fraco. Por este motivo a coercibilidade da lei
atua, com intensidade, como estimulo a efetividade do Direito.
BIBLIOGRAFIA PRINCIPAL
Ordem do Sumério.
5 Alexis Carrel, O Homem, esse Desconhecido; Queiroz Lima, Principios de Sociologia Juridica;
9 ~L, Recaséns Siches, Introduccién al Estudio del Derecho; Pontes de Miranda, Sistema de Ciéncia
Positiva do Direito.
5 Luis Recaséns Siches, Introduccidn al Estudio del Derecho, 1# ed., Editorial Porrua S.A., Méxi-
0, 1970, p. 16,
£ — Alei obtém efetividade quando observada por seus destinatarios e aplicada por quem de
direito,Capitulo 4
SOCIEDADE E-DIRETTON Ss Seale sass £0 5s
“Estado de Natureza”. 12. Formas de
Sumario: 10. A Sociabilidade Humana. 11. O
entre 0 Direito ea
Interagéio Social e a Acdo do Direito. 13. A Mutua Dependéncia
Sociedade.
10. A SOCIABILIDADE HUMANA
fisica do ser humano revela que ele foi programado
para conviver e se completar com outro ser de sua espécie. A prole, decorréncia
natural da unido, passa a atuar como fator de organizacao e estabilidade do nticleo
familiar. O pequeno grupo, formado néo apenas pelo interesse material, mas pelos
sentimentos de afeto, tende a propagar-se em cadeia, com a formagao de outros
pequenos nucleos, até se chegar a formagao de um grande grupo social.
‘A lembranga de Ortega y Gasset, ao narrar que a Historia registra, periodica-
mente, movimentos de “querer ir-se”, conforme aconteceu com os eremitas, indo
para os desertos praticar a “moné” — solid&o; com os monges cristaos e, ainda,
nos primeiros séculos do Império Romano, com homens fugindo para os desertos,
desiludidos da vida publica, nao enfraquece a tese da sociabilidade humana. A ex-
periéncia tem demonstrado que o homem € capaz, durante algum tempo, de viver
isolado, Nao, porém, durante a sua existéncia. Ele conseguird, durante esse tempo,
prescindir da convivéncia e nao da produgao social.!
O exemplo de Robinson Crusoé serve para reflexdo. Durante algum tempo,
esteve isolado em uma ilha, utilizando-se de instrumentos achados na embarcacao.
Em relag&o aquele personagem da ficgdio, dois fatos merecem observagdes. Quan-
do Robinson chegou a ilha, ja possuia conhecimentos e compreensao, alcangados
em sociedade e que muito o ajudaram naquela emergéncia. Além disso, 0 uso de
instrumentos, certamente adquiridos pelo sistema de troca de riquezas, que carac-
A propria constitui¢ao
1 “,, a soclabilidade penetra todo o fazer humano até o ponto que toda acdo ¢ uma verdadeira
coagiio, um fazer com outros” (Sebastidn Soler, Las Palabras de la Ley, 18 ed., Fondo de Cul-
tura Econdmica, México, 1969, P. 27).bs
| ee Cap. 4 * Sociedade e Direito
da gravidade, Explicar as coisas do mundo, com abstragao desta lei, seria um meio
de demonstrar a sua imprescindibilidade.
12. FORMAS DE INTERACAO SOCIAL E A AGAO DO DIREITO
12.1, A Interagio Social. As pessoas e os grupos sociais se relacionam estrei-
tamente, na busca de seus objetivos. Os processos de miitua influéncia, de relagdes
interindividuais e intergrupais, que se formam sob a forga de variados interesses,
denominam-se inferagdo social. Esta pressupée cultura e conhecimento das di-
ferentes espécies de normas de conduta adotadas pelo corpo social. Na relagao
interindividual, em que 0 ego e 0 alter se colocam frente a frente, com as suas
pretensdes, a nogao comum dos padrdes de comportamento e atitudes é decisiva
a natural fluéncia do fato. O quadro psicolégico que se apresenta é abordado, com
agudeza, por Parsons e Shills: “... como os resultados da agao do ego dependem
da reacao do alter, 0 ego orienta-se nao apenas pelo provavel comportamento
manifesto do alter, mas também pela interpretagdo que faz das expectativas do
alter com relacdo a seu comportamento, uma vez que 0 ego espera que as expec-
tativas do alter influenciarao o seu comportamento.”*
A interacdo social se apresenta sob as formas de cooperacdo, competi¢ao ¢
1a sua garantia, o instrumento de apoio que protege a
conflito e encontra no Direit
dindmica das ag6es.
Na cooperagdo as pessoas
conjugam o seu esforgo. A int
estiio movidas por igual objetivo e valor e por isso
eragdo se manifesta direta ¢ positiva. Na competi-
¢4o ha uma disputa, uma concorréncia, em que as partes procuram obter 0 que
almejam, uma visando a exclusio da outra. Uma das grandes caracteristicas da
sociedade moderna, esta forma revela atividades paralelas, em que cada pessoa ou
grupo procura reunir os melhores trunfos, para a consecugao de seus objetivos. A
interagdo, nesta espécie, se faz indireta e, sob muitos aspectos, positiva. Oconflito
se faz presente a partir do impasse, quando os interesses em jogo nao logram uma.
solugao pelo didlogo e as partes recorrem A luta, moral ou fisica, ou buscam a me-
diagao da justiga, Podemos defini-lo como oposigdo de interesses, entre pessoas
ou grupos, nao conciliados pelas normas Soc No conflito a interagao ¢ direta e
negativa, O Direito s6 ira disciplinar as formas de cooperagdo e competi¢ao onde
houver relagdo potencialmente conflituosa,
Os conflitos sao fenémenos naturais sociedade, podendo-se até dizer que Ihe
sdo imanentes.* Quanto mais complexa a sociedade, quanto mais se desenvolve, mais
Se sujeita a novas formas de conflito eo resultado é 0 que hoje se verifica, como ja se
afirmou, em que “o maior desafio nao é 0 de como viver ¢ sim o da convivéncia”,
ard A. Shills, Homem e Sociedade, de Fernando H. Cardoso e Octavio
4 “Talcott Parsons Edw.
aulo, 1966, p. 125.
janni, Cia, Editora Nacional, Sao Pe
apenas o que se opde, que a mais bela harmonia nasce das
‘de todo devir", apud Aristételes, Etica a Nicémaco, Vill, |.
5 Pensava Herdclito que “se ajusta
diferengas, que a discordia ¢ a lel