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Importância do cogito

O cogito é, assim, uma afirmação evidente e


•O cogito é uma crença básica, que não
indubitável, uma certeza inabalável, obtida por
precisa de ser justificada com base noutras
intuição, de modo inteiramente racional e a priori
crenças.
É a primeira verdade que se apresenta a quem
•O cogito pode estabelecer-se como o
conduz os seus pensamentos por ordem, e por
fundamento seguro para o conhecimento
que Descartes procurava. isso servirá de paradigma ou modelo para as
várias crenças verdadeiras.
•Assim, o cogito representa um triunfo
sobre o ceticismo.
•O cogito pode ser conhecido a priori, pois
basta-me pensar para saber que esta Critérios de verdade
proposição é verdadeira e fornece-nos No entanto Descartes observa que não há nada no
informação acerca do mundo, a saber, diz- “Penso, logo existo” que lhe garanta que ele está a
nos que existe pelo menos um ser pensante. dizer a verdade, exceto o facto de ele ver claramente
•O cogito é também um modelo daquilo que que, para pensar, é preciso existir.
deve ser considerado verdadeiro, ou seja, Deste modo, Descartes adotou, como regra geral, a
oferece um critério de verdade. ideia de que é verdadeiro tudo o que conhecemos
muito claramente e muito distintamente

DA DÚVIDA AO COGITO O cogito fornece, assim, o critério de verdade, que


consiste na clareza e distinção das ideias. Todas as
Sendo um ato livre da vontade, a dúvida conduz a crenças que sejam claras e distintas são verdadeiras.
uma verdade incontestável: Ideias claras e distintas são ideias evidentes para a
razão
a afirmação da minha existência, enquanto sou
um ser que pensa e duvida. Ainda que o génio
maligno me engane, ele jamais conseguirá que eu
seja nada enquanto eu pensar que sou alguma
coisa.
Não podemos duvidar sem pensar, e não
podemos pensar sem existir.
Enquanto rejeitamos todas as crenças que nos
suscitam dúvida, não podemos igualmente supor
que não existimos.
Enquanto primeira verdade, o cogito surge-nos como
Seria repugnante conceber que aquele que crença fundacional ou básica, pois a partir dela
pensa não existe. Daí ser absolutamente Descartes procura (re)construir o edifício do
verdadeira a crença «Penso, logo existo.» (ou conhecimento, o sistema do saber.
então, «Cogito, ergo sum.» - Cogito
Trata-se de uma crença autoevidente e autojustificada
que permite, por isso, evitar a regressão infinita da
justificação.

Simultaneamente, o cogito impõem uma exceção à


universalidade da dúvida-há pelo menos uma
realidade da qual não posso duvidar: a minha
existência.
Com efeito, embora possua um critério de verdade, o
sujeito pensante, limitado e imperfeito, é incapaz, por
A apreensão intuitiva da existência mostra-nos como
si só, de garantir a verdade daquilo que pensou com
esta é indissociável (inseparável) do próprio
clareza e distinção.
pensamento. Deste modo, a natureza do sujeito
consiste no pensamento. O pensamento refere-se a Por outro lado, ainda não afastamos a hipótese da
toda a atividade consciente. O eu é uma coisa existência do gênio maligno. Se excetuarmos o caso
pensante. do cogito, nada impede que uma divindade
enganadora ou malévola me leve a tomar como claro
e distinto algo que não é verdadeiro.
( Escreve Descartes que o sujeito é “uma coisa que
O sujeito pode conceber algo muito clara e
pensa, quer dizer, que duvida, que afirma, que nega,
distintamente e isso ser falso.
que conhece poucas coisas, que ignora muitas, que
quer, que não quer, que também imagina, e que
sente”. )
Necessitamos, pois, de demonstrar a existência de
um Deus que não nos engane, que traga segurança e
seja garantia das verdades, ultrapassando o
Além disso, o pensamento é o atributo essencial da
solipsismo e afastando de vez qualquer ameaça do
alma (substância pensante), a qual é distinta do
ceticismo radical.
corpo e é conhecida antes dele e de tudo o resto, de
forma bastante mais fácil, ao contrário daquilo que os Para isso parte-se de ideias que estão presentes no
preconceitos nos costumam sugerir. Neste momento, sujeito pensante.
ainda não sabemos sequer se o corpo existe ou não.
 O que são ideias? -atos mentais (ou modos de
pensamento) e representações, quadros ou
imagens das coisas. Elas possuem um
conteúdo que representa
Características do cogito
 É um princípio evidente e indubitável, uma
certeza inabalável
 É conhecido por intuição - é uma verdade da Ideias adventícias-Têm origem na experiência
razão (a priori) sensível, nas impressões que os objetos físicos
 É uma ideia clara e distinta - uma ideia causam nos sentidos
evidente
Exemplos: ideias de árvore, cebola, relógio Ideias
 Fornece o critério de verdade ⇨ É a primeira
factícias
verdade


É uma crença fundacional ou básica
É uma crença autoevidente e autojustificada
Ideias Factícias-são fabricadas pela imaginação, a
 Revela o atributo essencial da alma: o partir de outras ideias
pensamento Exemplos: ideias de sereia, unicórnio, dragão

Ideias inatas-constitutivas da própria razão e já as


Do cogito a Deus possuímos à nascença

Exemplos: ideias de pensamento, substância,


Apesar de evidente, o “Penso, logo existo.” constitui
existência, triângulo, ser perfeito
uma certeza subjetiva, uma crença do sujeito acerca
de si próprio.

Ora, o cogito não é suficiente para garantir que (É a partir das ideias inatas que se irá construir o
temos um corpo ou que existe um mundo exterior edifício do conhecimento)
independente do nosso pensamento.
Entre as ideias inatas que possuímos encontra-se a Resumindo: Deus é ou existe e imprimiu na mente do
ideia de ser perfeito (ou a ideia de perfeição) - um filósofo a ideia de perfeição como uma marca inata da
ser omnisciente, sumamente inteligente, infinito, ação do artista na sua obra.
eterno, independente, omnipotente, sumamente bom
e criador de toda a realidade.

Ao comparar-se com o conteúdo de tal ideia, o


sujeito pensante reconhece que é imperfeito. De
resto, existe maior perfeição em conhecer do que em
duvidar. A ideia de ser perfeito servirá de ponto de (DEUS COMO NOSSO CRIADOR
partida para a investigação relativa à existência do ser EGARANTE O QUE NOS CONSERVA)
divino.
Será que o sujeito pensante, finito, imperfeito,
contingente, e que tem a ideia de ser perfeito, pode
existir se Deus não existir? O ser pensante não é a
causa de si mesmo, se o fosse criar-se-ia perfeito. Por
outro lado, partindo do princípio que a criação é uma
ação contínua, o sujeito finito apercebe-se que não
possui o poder de conservar o seu próprio ser.
(argumento a priori
que se apoia na definição de Deus – ser perfeito).

Deus define-se como o ser mais perfeito que é


possível imaginar, um ser que possui todas as
perfeições.

A existência é, forçosamente, um dos aspetos desta


perfeição. Um ser perfeito não seria perfeito caso Sendo perfeito, Deus é bom e não é enganador, pelo
não existisse, pois faltar-lhe-ia uma das condições que nos encontramos libertos da dimensão
necessárias da perfeição. Por conseguinte, se Deus é hiperbólica e mais corrosiva da dúvida.
perfeito, Deus tem de existir na realidade, Deus é ou
existe. A hipótese do génio maligno encontra-se agora
esvaziada de toda a sua eficácia. Deus é a garantia da
verdade das ideias claras e distintas, ou seja uma vez
que Deus existe e é perfeito, tudo aquilo que
concebemos clara e distintamente é
necessariamente verdadeiro.

(Este é um argumento Podemos assim confiar:


que se apoia na ideia de causalidade.)  Nas nossas ideias claras e distintas que
Ideia chave- ALÉM DE MIM, TEM DE EXISTIR UM DEUS recebemos de Deus
OU SER PERFEITO QUE É A ORIGEM DA MINHA IDEIA  Nos nossos raciocínios apoiados em
DEPERFEIÇÃO. premissas claras e distintas.

Enquanto coisa pensante, Descartes sabe que duvida.


Se duvida, não é um ser perfeito.  Uma vez provada a existência de Deus,
Contudo, encontra em si a ideia de perfeição. Esta Descartes irá deduzir muitas verdades,
ideia implicará uma causa, e a causa não pode ser o provando igualmente a existência do corpo e
próprio sujeito pensante. de um mundo exterior, independente do
pensamento, confiando no critério da clareza
De onde lhe terá, então, surgido a ideia de perfeição? e distinção, e apoiando-se na certeza de que
A resposta, acredita Descartes, só pode estar num Deus não o engana.
ser cuja natureza e realidade objetivas sejam tão  Podemos, geralmente, saber quando estamos
perfeitas quanto a própria ideia de perfeição – a apenas a sonhar, ou seja, podemos distinguir
coisa perfeita e infinita, Deus. a vigília do sono.
Tipos de substâncias e o Por sua vez, o ser humano constitui uma
união de duas substâncias: a união da alma
fundacionalíssimo de (mente, espírito ou substância pensante) e do
Descartes corpo (substância extensa) - o dualismo alma-
corpo ou dualismo cartesiano. Trata-se,
portanto, de um dualismo substancial.
Segundo Descartes, podemos ter ideias claras
e distintas dos atributos essenciais (da
essência ou natureza) de três tipos de
substâncias:

Descartes usou um método que lhe permitiu


fundamentar o conhecimento. Se as ideias
fundamentais são inatas, a razão, desde que
devidamente orientada, é capaz de alcançar
um conhecimento claro e distinto.

As principais verdades, das quais se deduzirão outras,


(res cogitans) é a alma ou o espírito humano são:

 a existência do eu pensante (alma), traduzida


no cogito
 a existência de Deus, ser perfeito, com os
(res extensa) É a matéria
atributos respetivos
 a existência de corpos extensos em
comprimento, largura e altura
Ou coisa divina (res divina): Deus

Como podemos ver, no tocante à substância Deste modo, para Descartes, o fundamento do
corpórea ou matéria, é a extensão que conhecimento encontra-se no cogito, enquanto
constitui a sua natureza - a extensão em crença básica ou fundacional e primeira verdade, e
comprimento, largura e altura (ou noutras ideias claras e distintas da razão, obtidas de
profundidade). modo intuitivo. Trata-se de um fundacionalismo
As qualidades primárias (grandeza, duração, racionalista.
figura, quantidade, movimento, etc.), que são
objetivas, diferenciam-se das qualidades Apesar de, para Descartes, o fundamento do
secundárias (sabor, odor, cor, som,..), que são conhecimento se encontrar nas crenças básicas da
subjetivas e não estão presentes enquanto razão, só Deus é que permite construir o edifício do
tais nos corpos. conhecimento, visto que só ele, sendo o princípio de
toda a realidade e a origem da razão, pode ser
Em relação a Deus, todos os atributos - garantia de verdade, ao mesmo tempo que é o criador
omnipotência, omnisciência, bondade, etc. - das ideias inatas.
são atributos essenciais. Na sua simplicidade
e unidade, Deus possui os seus atributos - que
decorrem da sua perfeição infinita -
absolutamente conjugados.
Críticas
Objeção ao “argumento da Marca”

Outras objeções dizem respeito à ideia de ser perfeito


(a ideia de Deus). Alguns críticos, como Thomas
Hobbes (1588-1679), chegaram ao ponto de negar
que tenhamos qualquer ideia que corresponda à
Sugerem os críticos que Descartes apenas poderia ter
natureza de Deus. Também poderá discutir-se se é
intuído a existência do pensamento e não a de um eu
necessário que a ideia de ser perfeito tenha sido
pensante. Por exemplo, Georg Christoph Lichtenberg
causada por um ser perfeito. Afinal, podemos tê-la
(1742-1799) referiu que dizer "Penso." é afirmar
formado por oposição à ideia de ser limitado, finito e
demasiado.
imperfeito. Por outro lado, uma vez que a hipótese do
Pelo menos no contexto da dúvida, Descartes não génio maligno ainda não foi afastada, Descartes pode
tem o direito de nomear um "eu" que está a pensar. estar a ser enganado por esse génio ao tentar
O que ele poderia adequadamente afirmar é que "há demonstrar a existência de Deus a partir da ideia de
um pensamento em curso". Deveríamos, pois, dizer ser perfeito.
"há pensamento", sem afirmar a existência de um eu
pensante (tal como dizemos "troveja", sem afirmar a
existência de uma "coisa" que troveja.) Objeção ao dualismo cartesiano

- o dualismo alma-corpo. O facto de Descartes


considerar que a alma é uma substância totalmente
distinta da substância corporal torna difícil explicar
como se dá a interação dessas substâncias.
Descartes terá incorrido num argumento circular ou
petição de princípio: só podemos saber que as Parece inconcebível que a mente/alma, sendo não
nossas ideias claras e distintas são verdadeiras se física, possa interagir com o corpo, que é físico.
primeiro soubermos que Deus existe e não é Segundo Descartes, é na glândula pineal, "o principal
enganador, mas só podemos provar que Deus existe e assento da alma", que ocorre essa interação.
não é enganador se raciocinarmos a partir de ideias Mas as explicações fornecidas por Descartes estão
claras e distintas, que confiamos serem verdadeiras. longe de ser satisfatórias. Um dos críticos mais
Ou seja, sem o conhecimento prévio da existência de acérrimos do dualismo mente/corpo foi Gilbert Ryle
Deus não temos, em princípio, qualquer motivo para (1900-1976), que cunhou a expressão "fantasma na
confiar no nosso intelecto ou razão; todavia, temos máquina" para ridicularizar tal perspetiva. O problema
necessidade de confiar no intelecto ou razão para é o seguinte: como é que o fantasma (a alma, o
provar a existência de Deus. espírito ou a mente) faz mover a máquina (o corpo é
material)?

O filósofo George Edward Moore considera que, ao


recorrer à hipótese do Génio Maligno para descobrir o
que é que podemos efetivamente saber, Descartes
está a estabelecer padrões demasiado elevados para
o conhecimento. É certo que se não tivermos forma
de justificar uma dada crença, não podemos dizer
que temos conhecimento, mas isso não significa que
a nossa justificação tem de ser absolutamente
infalível, à prova de Génio Maligno.

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