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Superior Tribunal de Justiça

AÇÃO PENAL Nº 843 - DF (2016/0246838-0)


RELATOR : MINISTRO HERMAN BENJAMIN
AUTOR : MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL
RÉU : FERNANDO DAMATA PIMENTEL
ADVOGADOS : EUGENIO PACELLI DE OLIVEIRA - DF045288
SILVIA MARIA DE OLIVEIRA - MG083845
ISABELA DE MOURA OLIVEIRA - MG149413
REBECA DE HOLANDA BRAGA ROCHA - MA010219
MATHEUS OLIVEIRA DE CARVALHO - MG171502
PEDRO IVO DE MOURA OLIVEIRA - MG133367
REBECA DE HOLANDA BRAGA ROCHA - DF053642
RÉU : EDUARDO LUCAS SILVA SERRANO
ADVOGADOS : MARCELO LEONARDO - MG025328
FRANCISCO JOSÉ DA SILVA PORTO FILHO - MG079560
ROGÉRIO M LEONARDO BATISTA - MG093779
SÉRGIO RODRIGUES LEONARDO - MG085000
ADVOGADOS : CAROLINA DE QUEIROZ FRANCO OLIVEIRA - SP259644
CAROLINA LUJAN RODRIGUES LEONARDO - MG098800
CRISTIANE LUJAN RODRIGUES LEONARDO GUSMÃO VIANNA
- MG107900
JUSSARA CARNEIRO - MG125001
MARCELO DE SIQUEIRA ZERBINI - DF044555
AMANDA CONSTANTINO GONÇALVES - SP338987
VANIA MARIA RODRIGUES LEONARDO - MG025345
ROSELY MOLNAR LEONEL FERREIRA - SP130864
RÉU : BENEDITO RODRIGUES DE OLIVEIRA NETO
ADVOGADOS : ROBERTO GARCIA LOPES PAGLIUSO - SP112335
FABIANA ZANATTA VIANA - SP221614
ANNA LUIZA RIBEIRO DOS SANTOS DE SOUSA - DF038965
GABRIELA FRAGALI PEREIRA - SP313640
RÉU : PEDRO AUGUSTO DE MEDEIROS
ADVOGADO : RICARDO ANTONIO BORGES FILHO - DF016927
RÉU : MARCELO BAHIA ODEBRECHT
ADVOGADOS : JOÃO HENRIQUE CAMPOS FONSECA - DF013480
ANTÔNIO NABOR AREIAS BULHÕES - DF001465A
EDUARDO SANZ DE OLIVEIRA E SILVA - PR038716
IGOR MARQUES PONTES - SP184994
SOC. de ADV. : BULHOES & ADVOGADOS ASSOCIADOS S/S
EDUARDO SANZ ADVOGADOS ASSOCIADOS
RÉU : JOAO CARLOS MARIZ NOGUEIRA
ADVOGADOS : ANTONIO CLAUDIO MARIZ DE OLIVEIRA - SP023183
SERGIO EDUARDO MENDONÇA DE ALVARENGA - SP125822
PAOLA ZANELATO - SP123013
RODRIGO SENZI RIBEIRO DE MENDONÇA - SP162093
ADVOGADOS : RENATA CASTELLO BRANCO MARIZ DE OLIVEIRA
MENDONÇA DE ALVARENGA - SP154097
FAUSTO LATUF SILVEIRA - SP199379
REGINA MARIA BUENO DE GODOY CAMACHO - SP183207
JORGE URBANI SALOMÃO - SP274322
FABIO CASTELLO BRANCO MARIZ DE OLIVEIRA - SP314266
LAURA SOARES DE GODOY - SP354595

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GEORGE VICTOR ROBERTO DA SILVA - SP321633
FELIPE SALUM ZAK ZAK - SP377835
MARIANA SANTORO DI SESSA MACHADO - SP351734

EMENTA

PENAL E PROCESSUAL PENAL. GOVERNADOR DO ESTADO


DE MINAS GERAIS DENUNCIADO COM TRÊS SUPOSTOS
ASSOCIADOS POR CORRUPÇÃO PASSIVA. EMPRESÁRIOS A
QUEM SE IMPUTA CORRUPÇÃO ATIVA. INÉPCIA DA
INICIAL. PEÇA QUE ATENDE ÀS PRESCRIÇÕES LEGAIS.
ROMPIMENTO DE ACORDO DE COLABORAÇÃO PREMIADA
POR PARTE DO MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL, FIRMADO
COM UM DOS DENUNCIADOS. AFIRMAÇÃO QUE NÃO SE
CONFIRMA. IRRELEVÂNCIA DAS PRELIMINARES. DEFESA
QUE PARTE DE PRESSUPOSTOS DE FATO EQUIVOCADOS E
DIVORCIADOS DA REALIDADE. DESATENÇÃO AOS
MARCOS TEMPORAIS. DO PROCESSO. SUPERVENIÊNCIA
DE COLABORAÇÕES PREMIADAS NAS QUAIS OS
COLABORADORES ASSUMEM O COMPROMISSO DE
ENTREGAR TODO MATERIAL ÚTIL DE QUE DISPÕEM.
MEIOS DE PROVA QUE DESPONTAM COMO FONTES
AUTÔNOMAS E INDEPENDENTES, INVIABILIZADO
QUALQUER RECONHECIMENTO DE ALEGADO VÍCIO NOS
ELEMENTOS PROBATÓRIOS ORIGINAIS. DEFESA QUE SE
DEMITE DE INDICAR QUAIS SERIAM AS PROVAS
SUPOSTAMENTE CONTAMINADAS PELAS NULIDADES QUE
AFIRMA EXISTIREM E QUE INTERESSEM À AÇÃO PENAL
EM CURSO. FATOS QUE NÃO CONDIZEM COM ESTE
PROCESSO. ALEGAÇÃO DE INVESTIGAÇÃO DEFLAGRADA
POR DENÚNCIA ANÔNIMA. IRRELEVÂNCIA DA
ARGUIÇÃO. FUNDADA SUSPEITA DE POSSE DE
ELEMENTOS CARACTERÍSTICOS DE CORPO DE DELITO.
CRIME PERMANENTE. BUSCA E APREENSÃO LEGITIMADA.
DESNECESSIDADE DE FORMALIZAÇÃO ESCRITA DE
DENÚNCIA ORIUNDA DE FONTE HUMANA.
INAPLICABILIDADE DO ARTIGO 9.º DO CPP A ATOS QUE
ANTECEDEM A INSTAURAÇÃO DO INQUÉRITO.
ALTERAÇÃO DE COMPETÊNCIA POR FATO
SUPERVENIENTE. INOCUIDADE DA ARGUIÇÃO, NO CASO,
PELA AUSÊNCIA DE ATO PRATICADO PELO JUIZ QUE
PERDEU A COMPETÊNCIA. ALTERAÇÃO QUE NÃO AFETA
A VALIDADE DOS ATOS PROCESSUAIS ANTERIORES,
ORIGINADOS DO JUÍZO ENTÃO COMPETENTE.
RATIFICAÇÃO DOS ATOS. ALEGAÇÃO DE CONHECIMENTO
PRÉVIO DE QUE A INVESTIGAÇÃO TINHA POR ALVO
GOVERNADOR DE ESTADO QUE NÃO SE SUSTENTA. JUSTA
CAUSA CONFIGURADA PARA O EXERCÍCIO DA AÇÃO
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PENAL EM RELAÇÃO A TODOS OS DENUNCIADOS.
CORRUPÇÃO ATIVA PRATICADA POR QUEM É
SOLICITADO A PAGAR VANTAGEM INDEVIDA. LEI QUE
NÃO DISTINGUE SE A OFERTA OU PROMESSA SE FAZ POR
SUGESTÃO OU SOLICITAÇÃO DO FUNCIONÁRIO. VÍCIOS
NO ACORDO DE COLABORAÇÃO PREMIADA QUE NÃO
PODEM SER DISCUTIDOS POR QUEM DELE NÃO FEZ
PARTE. MATERIALIDADE E AUTORIA DEMONSTRADAS.
DENÚNCIA RECEBIDA.

SÍNTESE DO FATO

1. Denúncia que resulta de parte da denominada "Operação Acrônimo"


e que consubstancia UMA de três Ações Penais (APn 843, APn 836 e
APn 865) e de quatro outras investigações sobre crimes em tese
praticados pelo Governador do Estado de Minas Gerais, FERNANDO
DAMATA PIMENTEL (as outras, Inquéritos 1.103, 1.105, 1.106 e
1.122), na qual é a ele imputada conduta descrita no artigo 317, caput,
c/c artigo 327, § 2.º, do Código Penal. A EDUARDO LUCAS SILVA
SERRANO e a BENEDITO RODRIGUES DE OLIVEIRA NETO
indigita-se o crime descrito no artigo 317, caput, c/c artigos 29 e 30 do
mesmo Diploma. A PEDRO AUGUSTO DE MEDEIROS é apontado
o delito do artigo 317, caput, do Código Penal, c/c artigo 29 do mesmo
codex e a MARCELO BAHIA ODEBRECHT e JOÃO CARLOS
MARIZ NOGUEIRA o tipo do artigo 333, caput, também do Código
Penal.
2. Governador denunciado por corrupção passiva por ter,
alegadamente, solicitado, em setembro de 2012, 20 milhões de reais e
recebido, entre setembro de 2012 e fevereiro de 2014, 15 milhões, na
qualidade de Ministro de Estado do Desenvolvimento, Indústria e
Comércio Exterior e presidente da Câmara de Comércio Exterior –
CAMEX, com auxílio de EDUARDO SERRANO, seu chefe de
gabinete, e de BENEDITO OLIVEIRA, operador, auferindo os valores
de MARCELO ODEBRECHT e de JOÃO MARIZ NOGUEIRA,
respectivamente diretor e executivo da empreiteira Odebrecht, com
apoio de PEDRO AUGUSTO DE MEDEIROS, dito coautor, para
atender a duas demandas da Construtora Norberto Odebrecht na
CAMEX.
3. A primeira demanda, o Projeto de Soterramento da Linha Ferroviária
de Sarmiento, em Buenos Aires, por meio do qual a Construtora
Norberto Odebrecht S/A pretendia a cobertura do Seguro de Crédito à
Exportação ao financiamento concedido pelo Banco Nacional de
Desenvolvimento Econômico e Social – BNDES, no valor de
aproximadamente 1,5 bilhão de dólares americanos.
4. A segunda demanda, a garantia do Seguro de Crédito à Exportação,
ao amparo do Fundo de Garantia à Exportação e Equalização de Taxas
de Juros do Proex, para exportação de bens e serviços destinados à
execução do corredor interurbano de transporte público da cidade de
Maputo, Moçambique, contratado com a Construtora Odebrecht S/A
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por 180 milhões de dólares americanos.
5. Em 6/2/2012, FERNANDO PIMENTEL teria se encontrado com
MARCELO ODEBRECHT na residência de JOÃO MARIZ
NOGUEIRA para tratar do assunto. EDUARDO SERRANO, chefe
de gabinete, então, contatou BENEDITO OLIVEIRA para que este
intermediasse valores com o representante da empresa, passando a
BENEDITO o número de telefone de JOÃO NOGUEIRA, então
Diretor de Crédito e Exportação da Empresa, para consolidação do
acerto.
6. A partir daí, teriam se seguido sucessivos encontros entre
BENEDITO OLIVEIRA e JOÃO MARIZ NOGUEIRA, nos quais
foram explicitadas as demandas e as contrapartidas. A vantagem de 20
(vinte) milhões de reais teria sido efetivamente solicitada em setembro
de 2012. JOÃO NOGUEIRA, conforme aval de MARCELO
ODEBRECHT, teria concordado com a solicitação e prometeu 15
(quinze) milhões de reais como vantagem indevida, a fim de obter a
aprovação dos pedidos e facilitar o trâmite das demandas na Câmara
de Comércio Exterior. Os pagamentos teriam passado a ocorrer em
espécie, seguindo cronograma e logística estruturada da empresa, que
consistia na entrega de pacotes de dinheiro em hotéis de São Paulo/SP,
mediante a apresentação de uma senha ao portador da quantia.
BENEDITO teria, então, contado com o auxílio de PEDRO
AUGUSTO, que passou a se deslocar frequentemente à capital
paulista, para recolher as parcelas do ajuste.
7. A operação de cobertura do financiamento pelo Seguro de Crédito à
Exportação para o metrô argentino foi aprovada pela CAMEX, na 96ª
reunião do Conselho de Ministros da Câmara de Comércio Exterior,
realizada em 16/7/13, sob a presidência do então Ministro
FERNANDO PIMENTEL (fls. 191-195 do Inquérito). No dia seguinte
(17/7/13), BENEDITO encaminhou mensagem ao interlocutor de
MARCELO ODEBRECHT dizendo "Deu certo ne!!! Nosso amigo
acabou de me falar", referindo-se a informação passada por
FERNANDO PIMENTEL.
JOÃO NOGUEIRA respondeu "Sim deu certo. Viajo ainda hoje. Nos
vemos na segunda?". BENEDITO afirmou em resposta que "Vc não
pede camarada. Você manda!!! Falei q a nossa turma é comprometida
!!! Abs e parabéns!!!" (fl. 85 do Apenso 1).
8. Para viabilizar novas operações de seguro e crédito à exportação
para Moçambique, foi necessário aprovar alteração dos limites de
exposição do Fundo de Garantia à Exportação – FGE para esse país,
conforme 96ª reunião do Conselho de Ministros da CAMEX, realizada
em 16/7/13 sob a presidência de FERNANDO PIMENTEL. A partir
da aprovação condicional da CAMEX ao seguro-garantia do
financiamento contratado pela Construtora Norberto Odebrecht para
construção da via em Maputo, Moçambique, as demandas da empresa
foram direcionadas ao Ministério da Fazenda.

PRELIMINARES, PELA ORDEM DE PREJUDICIALIDADE

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Foram levantadas as seguintes preliminares: (a) Por EDUARDO
SERRANO, falta de justa causa para o exercício da Ação Penal; (b)
Por PEDRO AUGUSTO DE MEDEIROS, inépcia da inicial e falta de
justa causa para o exercício da Ação Penal; nulidade das buscas e
apreensões, porque não haveria nos autos os termos de busca e por
falta de lacres; cerceamento de defesa, por não ter tido acesso ao
inteiro teor de colaborações premiadas; (c) Por FERNANDO
DAMATA PIMENTEL, a insubsistência do flagrante que originou a
investigação, porque não identificada a fonte da informação que
motivou a constrição, notícia essa que não teria sido formalizada, de
onde despontaria suspeita de denúncia anônima; disse que o Inquérito
foi aberto apenas para respaldar e legitimar as constrições ocorridas na
ocasião das apreensões e que a notícia anônima consubstanciava
“vingança eleitoreira"; ausência de justa causa porque a investigação
foi indevidamente mantida em primeiro grau, embora se conhecesse
que o investigado era Governador de Estado, o que violaria o princípio
do juiz natural; ausência de justa causa por nulidade das apreensões,
ante inexistência de situação de flagrância, inclusive pela não lavratura
de auto de flagrante; inidoneidade dos motivos indicados pela
Autoridade Policial para deflagrar a investigação; ilegalidade do acordo
de colaboração premiada estabelecido com Benedito Rodrigues de
Oliveira Neto.

I
Alegada inépcia da inicial, a impedir a compreensão da acusação
e o exercício do direito de defesa - Alegação de Pedro Augusto
de Medeiros

9. Eventual inépcia da denúncia só pode ser acolhida quando


demonstrada inequívoca deficiência a impedir a compreensão da
acusação que se imputa, em flagrante prejuízo à defesa, ou na
ocorrência de qualquer das situações apontadas no artigo 395 do CPP.
Tal orientação é consentânea com os julgados do Superior Tribunal de
Justiça (HC 52949, Quinta Turma, Rel. Ministro Gilson Dipp, DJ
1º/8/2006; REsp 623.519, Sexta Turma, Rel. Ministro Og Fernandes,
DJe 7/12/2009; HC 173.212, Quinta Turma, Relª. Ministra Laurita Vaz,
DJe 1º/12/2011).
10. A denúncia demonstrou com perfeita acuidade o fato indigitado aos
acusados, não se demitindo de descrever de modo acendrado e
compreensível a conduta e o modo de agir dos autores dos fatos.
Também indicou o tempo e o resultado material do crime, apontando
pormenorizadamente a ação de cada um dos sequazes dos episódios, de
forma individualizada e detalhada, com narração exata da ação de cada
um. Peça que atende, portanto, às prescrições do artigo 41 do Código
de Processo Penal, uma vez que narrada a conduta proibida, quem a
praticou (quis), os meios empregados (quibus auxilis), o gravame
causado (quid), o motivo da conduta (cur), a maneira empregada
(quomodo), o tempo (quando) e o local (ubi). Preliminar que se afasta.
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II

Alegação de MARCELO BAHIA ODEBRECHT de


descumprimento do acordo de colaboração premiada pactuado
com o Ministério Público Federal e homologado pelo STF –
afirmação de impedimento de oferta de denúncia

11. Sustentou a defesa de MARCELO ODEBRECHT que ao celebrar


acordo de colaboração e aceitar os termos apresentados em anexo pelo
colaborador, o Ministério Público Federal fica adstrito aos fatos ali
revelados, não podendo ser processado por outros nos quais não tenha
admitido explicitamente participação, salvo em caso de comprovada
violação de seus deveres e de suas responsabilidades contratuais.
Como teria ele se limitado a informar doações de campanha a
FERNANDO PIMENTEL, em recurso cuja origem foi o "caixa 2" da
empresa, por solicitação do ora governador, ainda que mediante
contrapartida de facilitação dos interesses da empresa que geria,
argumenta que não pode ser acusado de corrupção ativa, subsistindo
apenas a corrupção passiva por parte de FERNANDO PIMENTEL.
12. Ouvido a respeito (fls. 687-693), o Ministério Público Federal
ratificou integralmente a denúncia e afirmou não ser caso de
desistência, aditamento ou rejeição. Rechaçou a interpretação dos fatos
dada pela defesa e requereu o prosseguimento da Ação Penal.
13. Cabe ao Ministério Público Federal, como dominus litis, titular do
direito de Ação Penal, deliberar sobre a propositura ou não da
denúncia. No caso dos autos, o acusador entendeu que o acordo de
colaboração premiada estabelecido no âmbito do STF não impede a
propositura desta ação criminal.
14. A divergência de interpretações dada ao episódio – de um lado, a
defesa alegando que o denunciado noticiou fato criminoso, mas não se
comprometeu com ele; de outro, a leitura dada pela acusação, no
sentido de que o colaborador, ora acusado, é autor do intento criminoso
– não justifica a rejeição da denúncia, no ponto.
15. Não existe cláusula no acordo pactuado que impeça a propositura
da presente denúncia e o dissenso entre acusação e defesa não
autoriza que se recuse a peça inicial, ao argumento de que ela vilipendia
o contrato celebrado.
16. Fatos que foram decantados pelo colaborador, na ocasião do
acordo, e que são exatamente aqueles objeto da denúncia. Ineditismo
ou imputação extraordinária que não se encontra, nada havendo de
destoante do acordo de colaboração.
17. Inexistência de elemento legal ou contratual que tenha sido
estipulado e que impeça o Ministério Público Federal de oferecer a
presente denúncia contra MARCELO ODEBRECHT. Aparente
arrependimento ou reserva mental do colaborador, a tentar justificar a
ampla confissão dada na ocasião da colaboração, agora aparentemente
se esquivando de eventual responsabilidade.
18. Elementos que só poderão ser avaliados no curso do processo,
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quando se viabilizará exame de eventual quebra do acordo de
colaboração por parte de MARCELO ODEBRECHT caso se constate
o propósito de indigitar responsabilidade a terceiros, furtando-se da
própria.
19. Prejudicial afastada.

III

Necessária cronologia da investigação para exame das


preliminares trazidas por FERNANDO DAMATA PIMENTEL

20. Para perfeita compreensão dos marcos processuais e análise das


preliminares postas por FERNANDO DAMATA PIMENTEL,
fundamental que se exponha a ordem cronológica dos acontecimento.
21. FERNANDO DAMATA PIMENTEL adquiriu prerrogativa de foro
em 1.º de janeiro de 2015, data da posse no cargo de Governador de
Estado.
22. A apreensão de valor em pecúnia, documentos e telefones de
passageiros de aeronave particular aconteceu em 7 de outubro de
2014. Já a instauração do Inquérito para apuração do episódio,
conforme Portaria constante de fls. 04-05 do Apenso 1, ocorreu em 8
de outubro de 2014. Tudo antes, portanto, da aquisição de
prerrogativa de foro.
23. Em 9 de outubro de 2014, a Autoridade Policial representou pelo
acesso ao conteúdo dos telefones e demais eletrônicos apreendidos, tal
como mostra o Ofício 7.563/2014, juntado às fls. 2-4 do Apenso 26. A
autorização foi concedida em 28 de outubro de 2014, conforme fls.
13-15 do mesmo Apenso.
24. Em 13 de abril de 2015, a Autoridade Policial representou ao Juiz
de Primeiro Grau pela autorização de buscas e apreensões (fls. 3-50 do
Apenso 24), as quais foram deferidas em 12 de maio de 2015 (fls.
65-74 do mesmo Apenso 24). Executaram-se as medidas em 29 de
maio daquele ano.
25. Em 12 de junho de 2015, com base em elementos
complementares coletados nas buscas anteriores, o Delegado de Polícia
Federal informou ao Juízo de primeiro grau da possibilidade de
envolvimento do ora acusado nos fatos, Fernando Damata Pimentel,
conforme Ofício juntado às fls. 441-451 do Apenso 2. A remessa dos
autos ao STJ foi determinada em 17 de junho do mesmo ano,
consoante decisão de fls. 451-457, também do Apenso 2.
26. Conforme se vê, no que condiz com a alegação de
incompetência do Juízo de Primeiro Grau, esse argumento – se
pudesse ser reconhecido como válido, o que não ocorre –
atingiria uma única decisão judicial, datada de 12 de maio de
2015 – e que não diz respeito aos fatos versados nesta Ação
Penal –, tendo em vista que os demais atos foram todos
praticados quando o denunciado não tinha prerrogativa de foro, o
que passou a existir apenas depois de 1.º de janeiro de 2015.

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IV

Improcedência das preliminares de nulidade das provas colhidas


em 1.º grau – apreensão de telefones e autorização de acesso ao
seu conteúdo – arguidas por FERNANDO DAMATA
PIMENTEL: superveniência de 3 (três) colaborações
premiadas, duas das quais no âmbito do STF, que descortinam as
ações perpetradas e que constituem fonte autônoma e
independente de prova - Pet 6732/DF/STF –, e uma no STJ, na
qual o proprietário do telefone, BENEDITO RODRIGUES DE
OLIVEIRA NETO, compromete-se a entregar toda a prova de
que dispuser, o que inclui o referido aparelho

27. Sustenta a defesa de FERNANDO DAMATA PIMENTEL a


ilegalidade das provas colhidas pela Autoridade Policial em busca
realizada por ocasião da abordagem da aeronave e invalidade de provas
porque o Juízo de 1.º grau, onde a investigação teve origem, teria
praticado atos, mesmo ciente de que um dos investigados –
FERNANDO PIMENTEL – havia sido eleito governador de Estado
(mas ainda não havia sido empossado).
28. Argumentos de nulidade das provas esmaecidos pela manifestação
voluntária de três colaboradores, o que consubstancia, na linha da
jurisprudência pátria, fonte independente de prova, a ratificar aquelas
alegadamente obtidas de forma indevida, de modo a se apresentarem
como autônomas, não remanescendo nexo causal com qualquer
ilicitude originária que pudesse ser eventualmente reconhecida.
29. Em 1.º/12/2016, JOÃO CARLOS MARIZ NOGUEIRA firmou
Acordo de Colaboração Premiada com o Ministério Público Federal
(fls. 582-654). Em 2/12/2016, MARCELO BAHIA ODEBRECHT
celebrou idêntico pacto (fls. 633-643). Esses dois acordos foram
estabelecidos no âmbito da "Operação Lava-Jato", no Supremo Tribunal
Federal.
30. Às fls. 183-188, consta pedido formulado pelo Ministério Público
Federal, endereçado ao Eminente Ministro Edson Fachin, de permissão
para emprego dos termos de depoimento e material correlato aos
acordos de colaboração no STJ, no que diz respeito a FERNANDO
DAMATA PIMENTEL. A permissão foi concedida por Sua
Excelência, o Ministro Edson Fachin, em 4/4/2017, na Pet
6732/DF–STF, que determinou o levantamento do sigilo dos acordos de
colaboração atrás citados e deferiu o pedido formulado pelo
Procurador-Geral da República, autorizando o envio de cópia dos
depoimentos prestados por MARCELO BAHIA ODEBECHT e por
JOÃO CARLOS MARIZ NOGUEIRA ao STJ, tal como efetivamente
ocorreu.
31. Os depoimentos prestados por esses dois colaboradores, assim
como outros elementos materializados nos autos, confirmaram o teor
das conclusões que advieram da prova já existente nos autos desta
Ação Penal. Ou seja, o que ora é impugnado pela defesa é a prova
que levou à descoberta da participação de JOÃO MARIZ
Documento: 1661800 - Inteiro Teor do Acórdão - Site certificado - DJe: 01/02/2018 Página 8 de 7
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NOGUEIRA e dos pagamentos procedidos pela ODEBRECHT,
exclusivamente a constante no aparelho de telefonia móvel de
BENEDITO RODRIGUES DE OLIVEIRA NETO.
32. A partir do instante em que MARCELO ODEBRECHT e JOÃO
NOGUEIRA, em outro processo, no âmbito do STF, de forma
autônoma, espontânea e voluntária, relatam, em confissão, os fatos
tidos por ilícitos nesta Ação Penal, surge fonte absolutamente
independente de prova, na exata dicção do artigo 157, § 1.º, parte
final, do CPP, e rompe-se qualquer nexo de causalidade entre a prova
afirmadamente ilícita e o resultado que dela adveio, o que inviabiliza
declaração de nulidade.
33. O mesmo ocorre em relação a BENEDITO RODRIGUES DE
OLIVEIRA NETO. Este, igualmente, de forma espontânea e
voluntária, também firmou com o Ministério Público Acordo de
Colaboração Premiada, no âmbito desta própria Ação Penal.
Exatamente isso – existência de fonte absolutamente independente e
rompimento do nexo entre a prova e sua fonte – é o que ocorre em
relação às mensagens de texto encontradas no telefone de BENEDITO
RODRIGUES DE OLIVEIRA NETO, apreendido em busca e
apreensão realizada pela Polícia Federal.
34. Há, na alínea "d" da Cláusula 6.ª e da alínea "d" da Cláusula 7.ª do
Acordo constante de fls. 7-22 do Apenso 75 dos autos (Acordo de
Colaboração pactuado entre o MPF e BENEDITO RODRIGUES DE
OLIVEIRA NETO) compromisso de “entregar todos os documentos,
papéis, escritos, fotografias, banco de dados, arquivos eletrônicos, de
que disponha, estejam em seu poder ou sob a guarda de terceiros, salvo
se, diante da eventual impossibilidade da obtenção direta de tais
documentos ou provas, indicar ao Ministério Público a pessoa que o
guarda e o local em que poderá ser obtido, para a adoção das
providências cabíveis, a que possam contribuir, a juízo do Ministério
Público, para elucidação dos crimes que são objeto da presente
investigação”.
35. É dizer, em relação à apreensão do telefone (ocorrida na
abordagem da aeronave), que, mesmo que se declarasse nula a
constrição, com extirpação dessa prova porque obtida por
suposto meio ilegítimo, a mesma prova – o exame das
mensagens constantes do telefone – seria integralmente
reconstituída, por força do acordo de colaboração celebrado por
BENEDITO RODRIGUES DE OLIVEIRA NETO, proprietário
do aparelho, que se comprometeu à entrega de todo meio de
prova de que dispuser. Daí a total irrelevância dos argumentos
de FERNANDO DAMATA PIMENTEL. Nessa linha, a
jurisprudência do STJ: HC 378.374/MG, Rel. Ministra Maria Thereza
de Assis Moura, Sexta Turma, julgado em 14/3/2017, DJe 30/03/2017.
Também a decisão de recebimento de denúncia na APn 856/DF,
datada de 18/10/2017, Relatoria da Eminente Ministra Nancy Andrighi,
ocasião em que a Corte Especial, por unanimidade de votos, decidiu
que as circunstâncias intervenientes na cadeia probatória, a menor
relevância da ilegalidade e a vontade do agente em colaborar com a
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persecução criminal, quando verificados no caso concreto, diluem o
vício eventualmente verificado na obtenção da prova primária,
quebrando a cadeia lógica consequencial entre a prova original e a dela
supostamente decorrente, afastando "a inadmissibilidade da prova
secundária e a aplicação da teoria dos frutos da árvore envenenada".
36. Bem por isso, a alegação de nulidade da prova obtida através da
apreensão do telefone de BENEDITO RODRIGUES DE OLIVEIRA
NETO, que poderia e efetivamente seria reconstruída a todo e qualquer
momento, mediante o compromisso de entrega voluntária do aparelho de
telefone, é absolutamente inócua.

Não apontamento pela defesa de FERNANDO DAMATA


PIMENTEL de quais provas seriam contaminadas por eventual
nulidade – inexistência de atos probatórios que interessem a
esta Ação Penal praticados entre 1.º/1/2015 (data da posse no
cargo) e 17/6/2015 (data da remessa dos autos ao STJ) - defesa
que parte de equivocado pressuposto de fato (acreditando na
ocorrência de atos processuais entre a posse e a remessa dos
autos ao STJ), que a conduz a conclusão ilógica

37. Dispõe o artigo 157 do Código de Processo Penal que são


“inadmissíveis, devendo ser desentranhadas do processo, as provas
ilícitas, assim entendidas as obtidas em violação a normas
constitucionais ou legais” e que “são também inadmissíveis as provas
derivadas das ilícitas, salvo quando não evidenciado o nexo de
causalidade entre umas e outras, ou quando as derivadas puderem ser
obtidas por uma fonte independente das primeiras”. Para efeitos da lei,
“considera-se fonte independente aquela que por si só, seguindo os
trâmites típicos e de praxe, próprios da investigação ou instrução
criminal, seria capaz de conduzir ao fato objeto da prova”. Sabe-se que,
como regra, a consequência da declaração de nulidade da prova é o
desentranhamento desta dos autos. Não a nulidade do processo,
designadamente quando dela não derivam outras que não pudessem ser
alcançadas.
38. Sem descer, neste momento, à planície valorativa de se saber se
FERNANDO DAMATA PIMENTEL, na data da posse como
governador – 1.º/1/2015 – já poderia ser considerado "investigado",
como afirma a defesa, o que se fará em item posterior, fato é que
incumbia a ele ter apontado, especificamente, quais atos probatórios
teriam sido autorizados pelo Juízo de 1.ª grau e que estariam eivados de
nulidade em decorrência da incompetência absoluta, atos esses
posteriores à posse de FERNANDO DAMATA PIMENTEL no cargo
de Governador.
39. Ocorre que, examinando-se os autos, percebe-se que, entre
1.º/1/2015, data da posse, e 17/6/2015, data da remessa dos autos
ao STJ pelo Juízo de origem, absolutamente nenhum ato

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probatório que interesse a esta Ação Penal foi produzido em 1.º
grau. A busca e apreensão autorizada pelo Juízo de 1.º grau e
executada em 29/5/2015 não acrescentou elemento de relevo
para este processo, versando sobre matéria tratada em outra
Ação Penal (APn 836/DF).
40. Em síntese: a defesa discorreu longamente sobre ilicitude das provas
colhidas entre a posse de FERNANDO PIMENTEL no cargo de
governador e a remessa dos autos ao STJ. Não atentou, porém, para o
fato de que nenhuma prova constante destes autos foi produzida no
interregno. Ou seja, ainda que pudessem ser reconhecidos todos os
vícios que sustentou existentes, não há consequência a ser declarada,
pela simples ausência de atos praticados nesse período pelo Juízo tido
por incompetente.
41. Confusão, por parte da denunciado, de "eleição" com diplomação e
posse. Ainda que o candidato tenha sido eleito em primeiro turno em
outubro de 2014, a prerrogativa de foro só foi adquirida com a
investidura no cargo, e, nesse ínterim, todos os atos praticados pelo
Juízo de 1.º grau são plenamente válidos. Dessa forma, não há ato
processual a ser invalidado por incompetência absoluta do Juízo de 1.º
grau, salientando-se que a defesa nem sequer indicou quais seriam
esses atos praticados na origem – inexistentes, como visto.
42. Conforme se vê, essas duas últimas razões e, especialmente, a
superveniência das três colaborações premiadas, são suficientes para
repelir as preliminares de nulidade das provas decorrentes das
apreensões invocadas pela defesa de FERNANDO PIMENTEL,
motivo pelo qual nem se faz necessário o enfrentamento dos pontos
específicos que trouxe. Seja como for, apenas para não deixar passar
em branco, examino individualmente cada um.

VI

Alegação de FERNANDO DAMATA PIMENTEL de


investigação deflagrada por denúncia anônima

43. É pacífico o entendimento jurisprudencial do STJ e do STF no


sentido de não admitir notícia-crime veiculada por meio de denúncia
anônima, considerando que ela não é meio hábil para embasar, por si só,
a instauração de Inquérito Policial ou medidas restritivas de direitos
fundamentais, como é o caso de busca e apreensão. Na jurisprudência
do STJ: APn 300/ES, Corte Especial, DJ 6/8/2007; QO na NC 280/TO,
Corte Especial, Min. NILSON NAVES, DJ 5/9/2005; HC 119702/PE,
Sexta Turma, Min. JANE SILVA (Desembargadora convocada do
TJ/MG), DJe de 2/3/2009. Do STF: HC 98345, Rel. Min. MARCO
AURÉLIO, Relator p/ Acórdão: Min. DIAS TOFFOLI, Primeira
Turma, DJe de 17/9/2010; HC 115773 AgR, Rel. Min. CELSO DE
MELLO, Segunda Turma, DJe de 3/9/2014; RHC 120551, Rel. Min.
RICARDO LEWANDOWSKI, Segunda Turma, DJe de 28/4/2014; Inq
1957, Rel. Min. CARLOS VELLOSO, Tribunal Pleno, DJ 11/11/2005.
É ilustrativo, a propósito, o acórdão da lavra do Ministro CELSO DE
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Superior Tribunal de Justiça
MELLO, no Inq 1957, Tribunal Pleno.
44. No caso desta Ação Penal, extrai-se do documento de fls. 3-50 do
Apenso 24 a justificativa para a instauração do Inquérito (Inquérito esse
que originou a APn 836/DF, da qual esta foi desmembrada ainda na
fase de investigação e que tem como um dos objetos lavagem de
dinheiro), no qual a Autoridade Policial fez constar que “2. O presente
inquérito policial foi instaurado para apurar possível ocorrência de crime
de lavagem de dinheiro, em função da apreensão de R$ 113.280,00
(cento e treze mil, duzentos e oitenta reais) em aeronave que aterrissou
no aeroporto desta Capital Federal, oriunda de Belo Horizonte/MG,
valores esses, a priori, sem origem lícita comprovada. 3. Com efeito,
na data de 07/10/2014, chegou a esta unidade da Polícia Federal a
informação de que aterrissaria avião com valores de procedência ilícita,
o que levou à abordagem da aeronave e busca tanto naquela como nas
bagagens, e pessoal nos passageiros e tripulantes daquele voo.
Conforme termos de oitivas de fI. 7-8, 20-21, 36-37, 46-47 e 49-50,
constatou-se que BENEDITO RODRIGUES DE OLIVEIRA NETO,
PEDRO AUGUSTO DE MEDEIROS e MARClER TROMBIERE
MOREIRA trouxeram os valores acima citados daquela cidade mineira
para Brasilia/DF, em voo operado pelos tripulantes MÁRIO
HENRIQUE GUIMARÃES FERREIRA e SÉRGIO GOMES
FERREIRA, aeronave de prefixo PR-PEG”.

Constatações preliminares em conferência da alegada denúncia


anônima - realização de averiguações prévias

45. Ainda que não esteja claramente dita a forma como a notícia do
pouso do avião que transportaria dinheiro de procedência ilícita chegou
à Superintendência da Polícia Federal em Brasília, fato é que, diante da
informação obtida, a Autoridade Policial pôde confirmar os elementos
que lhe foram dispostos, designadamente a origem, o prefixo da
aeronave, a data da chegada e o histórico pessoal dos ocupantes
do avião. Atestada a convergência desses fragmentos, os
passageiros foram abordados e procedeu-se à busca no interior
da aeronave. Não houve, portanto, ação policial desencadeada sem a
adoção das averiguações que eram possíveis, naquele momento, à
Autoridade Policial.
46. Conquanto a defesa de FERNANDO DAMATA PIMENTEL
insista que um dos passageiros havia apenas respondido a processo por
uso de narcótico, a informação constante, na data, na Rede Infoseg era
a de que havia respondido por crime descrito no artigo 12, caput, da Lei
6.368/76 (tráfico), ainda que a infração possa haver sido posteriormente
desclassificada em Juízo, o que em nada altera as suspeitas do conjunto
reunido. Defesa que confunde o impresso juntado pela Autoridade
Policial à fl. 536 do Apenso 3 do Inquérito de origem (Inq 1.057) – tela
do SINIC, Sistema Nacional de Informações Criminais – com a Rede
Infoseg, ciitada pelo Relator. Mesmo a tela do SINIC é clara ao dizer
que o passageiro foi indiciado por tráfico de entorpecentes.
47. Segundo passageiro que estampou reportagem de revista de ampla
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Superior Tribunal de Justiça
circulação nacional que mencionava envolvimento com espionagem,
enriquecimento vertiginoso e contratos suspeitos com o Governo
Federal.
48. Como se vê, foram realizadas pesquisas e averiguações que
propiciaram à Autoridade Policial razoável juízo de que se estava diante
de ocorrência de crime. Não houve crédito cego à afirmada denúncia
anônima, motivo pelo qual nãoo se mostra adequada a assertiva da
ocorrência de investigação desencadeada puramente a partir de
denúncia apócrifa.

Estado de flagrância

49. O transporte do produto de delito, no caso, dinheiro, a ser


posteriormente dissimulado e ocultado, é ciclo da lavagem de
dinheiro e, como tal, é inequívoco o estado de flagrância que ali se
tinha. Embora a polícia judiciária não tenha lavrado o respectivo auto e
procedido às prisões em flagrante – atuar esse cauteloso, porque até
aquele momento ainda não tinha juízo absoluto de certeza sobre a
origem do dinheiro –, isso não desnatura a situação de flagrante delito
desenhada e o estado de flagrância, caso que era de prisão, o que, de
per si, autorizava a busca na aeronave.
50. O artigo 240 do Código de Processo Penal autoriza a busca pessoal
quando houver fundada suspeita de que alguém oculte consigo arma
proibida, para apreender coisas achadas ou obtidas por meios
criminosos, instrumentos utilizados na prática de crime ou fim delituoso,
objetos necessários à prova de infração, apreender cartas, abertas ou
não, destinadas ao acusado ou em seu poder, quando haja suspeita de
que o conhecimento de seu conteúdo possa ser útil à elucidação do fato,
e, ainda, para colher qualquer elemento de convicção.
51. O art. 244 do mesmo Código preconiza que a busca pessoal
independerá de mandado, no caso de prisão ou quando houver fundada
suspeita de que a pessoa esteja na posse de arma proibida ou de objetos
ou papéis que constituam corpo de delito, ou quando a medida for
determinada no curso de busca domiciliar. A busca em veículo
equipara-se à busca pessoal, na linha da jurisprudência pátria (STJ, HC
216437, Sexta Turma, Rel Ministro Sebastião Reis Júnior, j. em
20/9/2012).
52. Mesmo que se admitisse que a origem da informação foi anônima,
fato esse que perde contorno de relevo diante da averiguação prévia
dos dados atinentes à chegada do avião, é desimportante que a fonte
de informação tenha origem desconhecida, quando as
circunstâncias apontam para a ocorrência atual de crime. Nesse
sentido, remansosa jurisprudência: (HC 345.424/SC, Rel. Ministro Felix
Fischer, Quinta Turma, julgado em 18/08/2016, DJe 16/09/2016; HC
345.547/SP, Rel. Ministra Maria Thereza de Assis Moura, Sexta
Turma, julgado em 15/03/2016, DJe 28/03/2016; STJ, Sexta Turma, HC
67.555/GO, Rel. Min. Nefi Cordeiro, j. em 23/2/2016); HC n.
273.141/SC, Quinta Turma, Rel. Ministra Laurita Vaz, DJe de
5/11/2013; STJ, AGREsp 1423159, Quinta Turma, Rel. Ministro Jorge
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Mussi, DJe 17/11/2015.
53. Ainda que se pudesse dar respaldo à afirmação da defesa de
FERNANDO PIMENTEL, no sentido de que já se tinha conhecimento
da prática de crime naquele momento, aí se estaria diante do
denominado flagrante esperado, igualmente válido e apto a respaldar a
busca e as apreensões.
54. Não existe, à luz do que se examinou, vício processual ocasionado
por investigação desencadeada por denúncia anônima.

Fundada suspeita de posse de elementos característicos de


corpo de delito

55. Diante da existência de concreto e justificado receio de que as


pessoas estivessem na posse de papéis que constituíam corpo de delito,
não havia necessidade de mandado judicial para legitimar a busca e
apreensão, o que a faz válida, independentemente de haver ou não sido
lavrado auto de prisão em flagrante. Nesse sentido, o STF, no RHC
117.767/DF, Rel. Ministro Teori Zavascki, j. em 11/10/2016.
56.Já não fosse suficiente para autorizar a busca pessoal e veicular a
situação de flagrância, também era inconteste a existência de fundada
suspeita de que os passageiros do avião estivessem na posse de papéis
(em sentido amplo, hoje incluindo registros em agendas eletrônicas,
telefones com conteúdo diverso, notas fiscais, encartes de propaganda e
tabelas com informações variadas) que caracterizam corpo de delito.
57. É inexorável a conclusão de que a busca e apreensão
realizada nos passageiros e na aeronave foi plenamente legítima,
tanto pela situação de flagrância, quanto pela mais do que
plausível suspeita da posse de elementos característicos de
corpo de delito e de dinheiro obtido por meio criminoso. E tanto é
assim que a apreensão motivou a deflagração de Inquérito, cuja Portaria
de instauração elenca como razões o fato de os viajantes não
apresentaram justificativas plausíveis para o transporte do dinheiro em
mãos, em vez de utilizarem o sistema financeiro, e a existência de
informação de que “um dos envolvidos possui condenação por tráfico
de drogas e outro foi citado por fontes abertas (jornais, revistas e sites)
como participante de casos de desvio de recursos públicos”.
58. Nenhuma ilicitude a ser declarada, portanto.

Desnecessidade de formalização escrita de denúncia oriunda de


fonte humana. Procedimento não exigido por lei ou ato
normativo. Alegação de FERNANDO DAMATA PIMENTEL

59. Sustenta-se que há nulidade advinda da não formalização de


denúncia alegadamente anônima. Não está claro nos autos o modo
como a informação sobre o pouso do avião em que o dinheiro era
transportado chegou à Superintendência da Polícia Federal no Distrito
Federal. Consta apenas a notícia de que ela foi repassada tanto pelo
Ministério Público Federal quanto pela Superintendência da Polícia
Federal em Belo Horizonte.
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Superior Tribunal de Justiça
60. É para a instauração do Inquérito Policial que se exigem
averiguações preliminares e indícios mínimos da ocorrência do
delito. E isso, tal como anteriormente exposto, adveio das
circunstâncias da apreensão, da existência de dinheiro cuja
origem os passageiros, indagados, não souberam explicar de
modo satisfatório, dos antecedentes criminais dos ocupantes do
avião e daquilo que a imprensa havia publicado sobre um deles.
Bem satisfazem a necessidade de instauração da investigação as
notícias veiculadas na imprensa sobre Benedito Rodrigues de Oliveira
Neto, facilmente localizáveis em qualquer sítio de busca na internet,
especialmente a datada de 17/4/2012, na Revista Veja. Conforme se
vê, havia informação jornalística de que um dos passageiros abordados
enriquecia vertiginosamente, manipulava licitações e tinha envolvimento
com espionagem. Foram justamente essas notícias que levantaram
suspeitas sobre Benedito, conforme constou da Portaria de instauração
do Inquérito: “Considerando que um dos envolvidos possui
condenação por tráfico de drogas e outro foi citado por fontes abertas
(jornais, revistas e sites) como participante de casos de desvio de
recursos públicos;”.
61. Em relação à afirmada denúncia anônima que noticiava flagrante,
diferentemente do que ocorre para a instauração do Inquérito ou para a
adoção de providências cautelares de outra ordem, a formalização dos
informes advindos de fonte humana é desnecessária e não se coaduna
com a sistemática vigente, de informações recebidas pelo
“disque-denúncia” ou por outros meios de coleta de elementos
informais. O propósito que imbuiu eventual delator não é fator relevante
e não há ato normativo que exija que informações que desencadeiem
averiguações prévias sejam formalizadas. Isso porque a maneira como
a informação chega à Autoridade Policial é desinfluente. Tomando ela
conhecimento da existência de um crime – quanto mais em situação de
flagrância –, é seu dever proceder ao exame da veracidade da notícia,
inclusive para evitar a perda da oportunidade. Rememorando-se que,
aqui, nem sequer se pode afirmar que tenha havido a denúncia anônima
preconizada pela defesa de FERNANDO PIMENTEL. Portanto,
nulidade não há em decorrência da não formalização de uma suposta
delação anônima, para fins de início de coleta de informações
preliminares. Pontuo a inaplicabilidade do artigo 9.º do CPP
("Todas as peças do inquérito policial serão, num só processado,
reduzidas a escrito ou datilografadas e, neste caso, rubricadas pela
autoridade.") à situação em trato, como defendeu Fernando
Damata Pimentel, porque tal dispositivo versa sobre as
formalidades do Inquérito Policial, não sobre procedimentos que
são a ele preliminares e que podem ou não justificar a
instauração da persecução.

VII

Alteração da competência por fato superveniente não afeta a


validade dos atos processuais anteriormente praticados perante
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o Juízo então competente. Ratificação dos atos decisórios -
Preliminar trazida por FERNANDO DAMATA PIMENTEL

62. FERNANDO DAMATA PIMENTEL foi investido no cargo de


Governador de Estado apenas em 1.º/1/2015, data em que passou a ter
prerrogativa de foro no STJ. A abordagem ao avião foi em 7/10/2014.
Sua participação nos episódios investigados foi desvelada em
junho de 2015, operando-se a remessa dos autos ao STJ de
forma quase que instantânea, cerca de uma semana depois. A
alteração da competência por fato superveniente não afeta a validade
dos atos processuais anteriormente praticados perante o Juízo então
competente. Nos termos da decisão de fls. 185-198 do Apenso 27, este
Relator reconheceu a competência do STJ e prosseguiu no exame das
representações propostas pelo Delegado de Polícia Federal.
63. O artigo 108, § 1.º, do CPP dispõe que “se, ouvido o Ministério
Público, for aceita a declinatória, o feito será remetido ao juízo
competente, onde, ratificados os atos anteriores, o processo
prosseguirá”. Reconhecida a competência e tendo sido dado
seguimento ao Inquérito, este Relator ratificou os atos decisórios
prolatados pelo Juízo de Primeiro Grau, os quais foram aproveitados
como elementos informativos no desenrolar da investigação. E tanto
foram ratificados que expressamente se negou pedido no qual se
pretendia que a Autoridade Policial se abstivesse de periciar os objetos
apreendidos na busca autorizada em maio de 2015, conforme fls.
1.457-1.464. Também naquela ocasião foram repelidas as alegações de
nulidade das decisões da instância originária. A jurisprudência do STF
admite a ratificação de decisões pelo Juízo competente, com
aproveitamento integral dos atos, mesmo no caso de incompetência
absoluta, como se vê dos precedentes: HC nº 83.006-SP, Pleno, por
maioria, Rel. Min. Ellen Gracie, DJ 29.08.2003; HC 88.262, segundo
julgamento, Rel. Min. Gilmar Mendes, 2ª Turma, Dj 30.3.2007); RE
464.894 AgR, Rel. Min. Eros Grau, 2ª Turma, Dje-152, 15.8.2008). No
mesmo sentido, decisão da Corte Especial do STJ, datada de
18/10/2017, na APn 856/DF, Relatoria da Eminente Ministra Nancy
Andrighi. Necessidade, ademais, de demonstração de eventual prejuízo,
o que não aconteceu no caso concreto
64. Disso se conclui que, mesmo que fosse viável a admissão da
tese de que a busca e apreensão autorizada pelo Juízo de
Primeiro Grau em 12/5/2015 (cerca de um mês antes do declínio
de competência) ocorreu quando já se sabia ter o Governador
participação nos delitos – o que se admite unicamente ad
argumentandum tantum, porque não existe a mínima evidência
disso –, ainda assim seria válida, porque ratificada pelo julgador
competente. Mais a mais, a referida busca e apreensão –
autorizada pelo Juízo de 1.º Grau – não colheu elementos ligados
a este processo, mas sim a outra investigação (desmembrada),
de sorte que, mesmo que nula fosse, nenhum reflexo teria nesta
Ação Penal. Iníqua a presente discussão, pelo que afasto a
preliminar.
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VII

Alegação de conhecimento prévio de que a investigação tinha


por alvo FERNANDO DAMATA PIMENTEL e consequente
usurpação de competência do STJ

65. Primeiramente, é necessário que se desfaça falsa premissa sobre a


qual a defesa de FENANDO PIMENTEL alicerça parte de seu
silogismo. Na resposta escrita oferecida, FERNANDO PIMENTEL
transcreveu cinco tópicos de denúncia oferecida em outro processo –
Ação Penal 836/DF, na qual também figura como acusado –,
objetivando mostrar que mensagens transcritas pela acusação naqueles
itens deixariam claro que o investigado era o Governador, ainda em
2014. São diálogos travados em 2014 entre FERNANDO PIMENTEL
e ANTÔNIO DOS SANTOS MACIEL NETO.
66. Diz A defesa que "a própria peça acusatória na referida Ação
Penal transcreveu trechos de mensagens reputadas relevantes para a
acusação, realizadas ainda em 2014 e início de 2015 – antes, portanto,
da declinação de competência para este E. STJ – que, a juízo do MPF,
são indicativas da participação do agravante (sic) nos fatos".
67. Todavia – crê este Relator que não por má-fé, mas por mera
apreciação equivocada da prova dos autos – a defesa de FERNANDO
PIMENTEL não expôs que esses dados foram extraídos do telefone
celular de ANTÔNIO DOS SANTOS MACIEL NETO, apreendido
em busca e apreensão realizada na sua residência, ocorrida na 3.ª fase
da Operação Acrônimo, mais especificamente em 1.ª/10/2015. Ou
seja: essa prova só foi desvelada meses depois de haver declínio
de competência para o STJ, e não antes, como tenta a defesa
fazer crer. Aliás, as mensagens citadas pelo denunciado podem ser
encontradas no RMA (Relatório de Material Apreendido) 45, alusivo ao
Auto de Apreensão SP-03, encartado no Volume 16 do Inquérito
1.059/DF, fl. 4.066 – Relatório datado de 24/2/2016. Há, portanto,
falta premissa que conduz a conclusão divorciada da realidade.
68. Afirma o denunciado FERNANDO PIMENTEL que a Autoridade
Policial, desde o princípio, tinha conhecimento de que o investigado era
ele, fato esse que deduz porque: (a) foi indagado aos passageiros da
aeronave, na ocasião da abordagem, se eles “prestavam serviços para
diversas campanhas políticas”, se “eram filiados a partidos”, se
“trabalharam para algum candidato” e se trabalharam para Fernando
Pimentel ou mantiveram contatos com políticos de Minas Gerais; (b) foi
apreendida com Benedito Rodrigues de Oliveira Neto tabela de
pagamentos e prazos referentes à campanha eleitoral de Fernando
Pimentel; (c) mensagens acessadas pela Polícia Federal em 2014
indicavam relações de amizade e profissionais entre Benedito Rodrigues
e Fernando Damata Pimentel; (d) foi promovida busca ilegal em
endereço de morada que também lhe pertencia.
69. Questão que exerce reflexo insignificante para a investigação
porque, conforme já explicitado ao ser traçada cronologia dos fatos,
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FERNANDO PMENTEL adquiriu prerrogativa de foro apenas em 1.º
de janeiro de 2015. A apreensão do dinheiro e dos telefones
(7/10/2014), a instauração do Inquérito (8/10/2014) e a autorização de
acesso ao conteúdo dos eletrônicos (28/10/2014) ocorreram antes da
sua investidura no cargo de Governador, quando a competência era,
indiscutivelmente, do Juízo de Primeiro grau. Existência de um só ato
que poderia ser questionado pelo prisma exposto pela defesa, qual seja,
a busca e apreensão judicialmente autorizada pelo 1.º grau em 12 de
maio de 2015, tendo em vista que os demais foram todos
praticados quando o investigado não tinha prerrogativa de foro.
70. Se existente fosse qualquer nulidade decorrente de usurpação
de competência – e não há, como adiante ver-se-á –, esta
atingiria única e tão somente o ato datado de 12/5/2015, que não
tem pertinência com o s fatos apurados nesta Ação Penal, e não a
integralidade do processo. Ocorre que não se verifica a menor
plausibilidade nos argumentos esgrimidos pelo acusado, nem mesmo
para a declaração de nulidade desse insulado ato. Embora a questão
alusiva à aeronave (7/10/2014), por se encontrar fora do marco
temporal relativo à prerrogativa de foro, não tenha maiores
consequências de enlevo, não me furto a examinar o ponto.
71. (a) Perguntas formuladas a passageiros e tripulantes
Naquilo que condiz com as perguntas formuladas aos passageiros,
atinentes a ligações com partidos ou envolvimento com campanhas –
ressaltando que a Autoridade Policial indagou genericamente sobre
prestação de serviços “para diversas campanhas políticas”, filiação
partidária e se “trabalharam para algum candidato” –, não causam
estranheza e se inserem no contexto da apreensão do dinheiro e dos
documentos arrecadados. Passageiro que explicou ser proprietário de
gráfica, tendo-se encontrado com ele material impresso de campanha.
Consequência lógica é ser indagado sobre relacionamento com
campanhas, políticos ou com o candidato que estampava o material
impresso. Pertinência das perguntas justificável, à vista daquilo que
"fontes abertas", nas palavras da Autoridade Policial (crendo este
Relator tratar-se da matéria publicada na Revista Veja em 17/4/2012)
veicularam tempo antes sobre um dos passageiros, quando trouxeram
informações sobre as ligações dele com políticos, favorecimento pessoal
e enriquecimento sem causa decorrente de licitações. Compreensível
indagação sobre Fernando Pimentel, mas não só sobre ele, diante do
porte de material gráfico daquele candidato.
72. (b) Documentos apreendidos com passageiros: O mesmo se
diga acerca da tabela de pagamento de serviço gráfico encontrada.
Tabela essa que não foi objeto de qualquer dos Inquéritos
decorrentes ou alvo de investigação, porque, aparentemente,
condizia mesmo ao trabalho impresso cujo resultado era trazido em
formato de cartazes publicitários pelo dono da gráfica. Documento que
não foi citado nem como elemento indiciário. Inexistência de indicativo
de que Fernando Damata Pimentel era alvo da investigação, na sua
nascente.
73. (c) Teor das mensagens: Esmiuçando-se o conteúdo da
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comunicação transcrita pela defesa, que alega que dele se poderia
inferir ser o futuro governador o investigado, nada além de menções
genéricas ao nome de Fernando Damata Pimentel e comentários
acerca de sua desenvoltura na campanha eleitoral pode ser
encontrado. Não há no teor daqueles textos o menor indício de
participação ativa em ilícito penal que dali possa ser extraído.
Discussões que versam sobre cores empregadas na publicidade de
campanha, trato geral sobre atos públicos igualmente relacionados à
campanha eleitoral e comemoração por desempenho. Nem mesmo há
diálogo direto entre o futuro governador e as pessoas cujos
telefones foram apreendidos. De clareza palmar que daí não se
extrai vestígio sequer de conduta que possa ser tida por
delituosa ou que justificasse a remessa dos autos ao STJ, com a
posterior posse do denunciado no cargo de Governador.
74. Inexistência de menção a propina, a comissão, a favores, a
pagamentos diretos ou indiretos, a relação com empresários, a
pedidos de doações; enfim, absolutamente nada que, naquele
momento, indicasse que a investigação devesse se voltar ao
candidato e depois Governador Fernando Damata Pimentel.
Assertiva da defesa que se afasta da realidade dos autos.
75. Simples menção ao nome de autoridades detentoras de
prerrogativa de foro, seja em depoimentos prestados por testemunhas
ou investigados, seja na captação de diálogos travados por alvos de
censura telefônica judicialmente autorizada, assim como a existência de
informações, até então, fluidas e dispersas a seu respeito, é insuficiente
para o deslocamento da competência para instância superior. Para que
haja a atração da causa para outro foro, é imprescindível a constatação
da existência de indícios da participação ativa e concreta do titular da
prerrogativa em ilícitos penais. Vide o que foi decidido pelo Plenário do
Supremo Tribunal Federal na Rcl 2.101/DF-AgR, Relatora Ministra
Ellen Gracie, DJ de 20/9/2002. No mesmo sentido: HC 82.647/PR,
Segunda Turma, Relator o Ministro Carlos Velloso, DJ de 25/4/2003;
AP 933-QO/PB, Segunda Turma, Rel. Min. Dias Toffoli, DJe de
3/2/2016 (Colhe-se da última: “A simples menção de nome de
parlamentar, em depoimentos prestados pelos investigados, não tem o
condão de firmar a competência do Supremo Tribunal para o
processamento de inquérito”).
76. É exatamente o caso dos autos. Tudo que havia nos diálogos
acessados pela Polícia Federal três meses antes da posse de
FERNANDO PIMENTEL no cargo de Governador era indício de
algum relacionamento – que nem de amizade pode ser afirmado,
porque nem isso pode ser extraído da conversação – entre ele e um dos
abordados no avião meses antes. Haver apoio político de Benedito
Rodrigues a Fernando Damata Pimentel, sem que nenhum outro indício
da ligação supostamente criminosa existente entre eles fosse
conhecidonão justificaria o pretendido deslocamento de competência
para o STJ.
77. Suspeita de participação do acusado que despontou apenas
depois da busca e apreensão ocorrida em maio de 2015,
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Superior Tribunal de Justiça
conforme Ofício 24/2015 – NIP/SR/DPF/DF, de 12/6/2015,
quando foi descoberto suposto pagamento de hospedagem no
“Kiaroa Eco Luxury Resort”, na Bahia, feito por Benedito
Rodrigues de Oliveira Neto a Fernando Damata Pimentel, por
meio da Gráfica e Editora Brasil, no valor de R$ 12.127,50 (doze
mil, cento e vinte e sete reais e cinquenta centavos). A partir
dessa constatação que se descobriu que a viagem aérea para
deslocamento até esse local poderia ter igualmente sido
custeada por Benedito.
78. Percebendo isso, em relação temporal quase que instantânea, a
Autoridade Policial representou pelo declínio de competência
(12/6/2015), que foi decidido em 17/6/2015 (fls. 458-460 do Apenso 2),
com a remessa dos autos ao STJ (17/6/2015). Inviável declaração de
qualquer nulidade.
79. (d) Busca e apreensão em endereço que alegadamente era
compartilhado por FERNANDO DAMATA PIMENTEL:
Alegação de que a busca e apreensão determinada pelo Juízo de
Primeiro Grau foi realizada em endereço que, por ser de pessoa da
relação íntima do acusado, também era o do Governador.
80. Ato processual que não coaduna com esta Ação Penal e que não
guarda nexo causal algum entre provas lá amealhadas e o acervo que
estriba este processo.
81. Juízo de Primeiro Grau que direcionou a investigação à pessoa com
quem Fernando Pimentel mantinha relação porque a Autoridade Policial
descobriu que, no endereço cadastral de uma das empresas titularizadas
por Benedito Rodrigues, qual seja, a PP&I, funcionava, na verdade, a
OLI Comunicação, que tinha CAROLINA DE OLIVEIRA (atual
esposa de Fernando Pimentel) como principal sócia. Todas as empresas
associadas direta ou indiretamente a Benedito Rodrigues, assim como
seus sócios, foram alvo de busca e apreensão, conforme se percebe da
Representação da Autoridade Policial e da decisão do Juízo de Primeiro
Grau.
82. Não há notícia alguma de que Fernando Damata Pimentel tenha
residido ou residisse naquele imóvel, mesmo porque, conforme dicção
do art. 76 do Código Civil e por obrigação legal e funcional, seu
domicílio e residência haveria de ser Belo Horizonte, Capital do Estado
que governa, e não o Distrito Federal. Não é dever da Autoridade
Policial ou de magistrado conhecer nome de cônjuges de investigados,
que só vieram a ganhar notoriedade mais tarde, nas páginas policiais dos
periódicos.
83. Observo que o endereço declarado pelo acusado na primeira
procuração juntada ao Inquérito, em 19/6/2015, conforme fl. 471 da
APn 836/DF, é em Belo Horizonte/MG, e não o que afirma poder ser
seu, em Brasília. Nulidades inexistentes.

IX

Alegada ausência de justa causa por falta de dolo de PEDRO


AUGUSTO MEDEIROS
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84. Denúncia que decanta, com esmero de detalhes, a participação do


acusado Pedro Augusto, mostrando as datas de viagens a São Paulo e
os hotéis e apartamentos em que se hospedou. Peça que assevera pleno
conhecimento de que ao acusado eram entregues, de forma clandestina,
pacotes com pecúnia, os quais transportava consciente e
voluntariamente, até porque recebia e entregava tais invólucros
mediante pronúncia de senhas.
85. Inviável que se acolha, diante desses elementos e neste momento
processual, alegação de que desconhecia a ilicitude da conduta e de que
agia sem dolo.
86. À luz do denominado "homem-médio", havia aparentes condições de
perceber a anormalidade do papel a que se prestou. Definição do dolo
no atuar que só pode ser fixada com a instauração e curso válido da
Ação Penal. Preliminar rejeitada.

Alegada falta de justa causa por atipicidade da conduta


perpetrada por MARCELO ODEBRECHT e por JOÃO
NOGUEIRA

87. Sustenta a defesa de MARCELO ODEBRECHT que a conduta


por ele praticada seria atípica, porque não houve solicitação de
vantagem indevida a agentes públicos. A seu ver, MARCELO
ODEBRECHT e JOÃO NOGUEIRA teriam, eles sim, aceitado pedido
de valores indevidos por parte de FERNANDO PIMENTEL e outros.
Alegação de atipicidade da conduta que não pode ser encampada.
88. Corrupção ativa consiste em oferecer ou prometer vantagem
indevida a funcionário público para determiná-lo a praticar, omitir ou
retardar ato de ofício. A lei não distingue se a oferta ou promessa se faz
por sugestão ou solicitação do funcionário. Nesse sentido, a
jurisprudência: STF, HC 81.303/SP, Primeira Turma, Relª. Ministra Elen
Gracie, j. em 5/2/2002; STJ, HC 16.779/SP, Quinta Turma, Rel
Ministro Edson Vidigal, j. em 7/8/2001); TRF 5.ª Região, ACR 4099,
Segunda Turma, Rel. Desembargador Federal Napoleão Nunes Maia
Filho, DJ 18/5/2006, p. 179); 2.ª Região, HC 00142617020034020000,
Rel. Desembargador Federal Poul Erik Dyrlund, j. em 17/12/2003.
89. No crime de corrupção podem concorrer as modalidades ativa e
passiva ou se apresentar somente uma delas, em determinadas
circunstâncias específicas, designadamente quando a solicitação
específica parte do funcionário. Entretanto, não importa que a
solicitação ou sugestão aberta advenha do funcionário, não excluindo o
tipo, dessa forma, a iniciativa do corrompido. No caso dos autos, a
vantagem pecuniária foi paga pelos corruptores, em valores por eles
mesmos definidos, conforme depoimento de JOÃO NOGUEIRA. Não
houve, aparentemente, pedido que não pudesses ser recusado, havendo
indícios de que ocorreu negociata entre as partes envolvidas. Neste
momento processual, sem o desenrolar válido da instrução e a coleta
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Superior Tribunal de Justiça
regular da prova, não há como definir com exatidão como se deu o
atuar de cada um e estabelecer a correta compreensão das condutas, o
que demanda o desencadeamento da Ação Penal.
90. Também aqui não se pode acolher a alegação de MARCELO
ODEBRECHT, de que a iniciativa delituosa houvesse partido de JOÃO
NOGUEIRA, sem sua participação ou assentimento. Em juízo
perfunctório característico da delibação para exame de admissibilidade
da denúncia, inviável se mostra a alegação de ausência de justa causa
calcada em afirmação de tal estirpe. Considerando a vultosa quantia
envolvida, 15 milhões de reais, não parece lógico admitir que o
subordinado tivesse tão elevado grau de autonomia para, a seu talante,
fixar o valor a ser pago aos agentes públicos e autorizar a liberação,
sem aval do gestor maior. Mais a mais, é indiferente que a oferta ou
promessa seja feita ao funcionário pelo corruptor diretamente ou per
interpositam personam.
91. No desenrolar do processo é que se estabelecerá de quem teria
partido a iniciativa do ataque ao bem jurídico, ou seja, da mercancia da
função pública, e o grau exato de participação de cada um dos
implicados.
Afasto, portanto, essa alegação de ausência de justa causa.

XI

Alegação de nulidade das buscas e apreensões por PEDRO


AUGUSTO DE MEDEIROS, em decorrência de ausência de
dois autos de busca e apreensão e deficiência daquele
encontrado nos autos – falta de lacres

92. Diferentemente do que disse a defesa, todos os autos de apreensão


constam do processo e são exaustivos ao discriminar os petrechos
arrecadados. Os referentes à busca pessoal realizada em 7/10/2014
(Autos de Busca e Apreensão 473/2014, 474/2014, 476/2014 e
477/2014) estão nas fls. 31/32, 33/34, 35/36 e 37/38 do Apenso 10. O
Auto de Busca e Apreensão relacionado à constrição operada em
29/5/2015 está nas fls. 133/136 do mesmo Apenso. E, por fim, o
documento vinculado à medida executada em 5/5/2016 está na fl. 176
do Apenso 3. Todos esses Autos dizem explicitamente quem foi o alvo
da medida, o dia, horário e local em que ela foi executada, listam de
forma pormenorizada os artefatos amealhados, são assinados por
testemunhas e pelo advogado presente e indicam onde estavam os
elementos que foram constritos. Afirmação de que os bens apreendidos
não foram individualizados que não encontra respaldo no caderno
processual.
93. Embora a defesa tenha asseverado que o material não foi lacrado,
constam explicitamente dos autos de apreensão as indicações "lacre
0021831” e “lacre 0030110”. Só não houve lacração do material
referente à busca pessoal realizada em 7/10/2014 porque não decorreu
de ordem judicial e, nesse caso, sequer há como lacrar-se aquilo que é
encontrado ocasionalmente com o cidadão.
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Superior Tribunal de Justiça
94. De toda forma, mesmo que o material não tivesse sido lacrado – e
foi – a alegação é de todo irrelevante. Simples afirmação de que
não havia lacre não é suficiente para nulificar as buscas e apreensões.
A um, porque não há lei que exija que o material apreendido seja
lacrado; a dois, porque a defesa não apontou qual achado não
pertenceria ao acusado ou posse de qual bem não tinha; a três, porque
tampouco há afirmação de elemento faltante e que pudesse ter
relevância processual. Nesse sentido: STJ, RHC 59.414-SP, Relator
Ministro Reynaldo Soares da Fonseca, DJe 3/8/2017.
95. Documentos que possuem presunção de veracidade, cabendo ao
denunciado o ônus de comprovar eventual divergência, ônus do qual
não se desincumbiu. Nulidade inexistente.

XII

Afirmado cerceamento de defesa arguido por PEDRO


AUGUSTO DE MEDEIROS, por alegadamente não ter tido
acesso ao conteúdo de colaborações premiadas

96. O sigilo dos acordos de colaboração pactuado com BENEDITO


RODRIGUES DE OLIVEIRA NETO foi levantado muito antes do
oferecimento da denúncia e os autos da avença permaneceram, desde
então, à disposição das partes e advogados, na Coordenadoria da Corte
Especial.
97. Quanto ao documento firmado por Vanessa Daniela Pimenta
Ribeiro, não diz respeito a esta Ação Penal – os fatos lá decantados
não são objeto da denúncia – e, ainda que fossem, tal documento
igualmente esteve à disposição das partes envolvidas.
98. Dessa forma, não houve a afirmada negativa de acesso, tanto que
todas as demais defesas acederam a esses papéis, sem reclamação
outra nesse sentido.

XIII

Afirmada ilegalidade do acordo de colaboração premiada


estabelecido entre o Ministério Público Federal e Benedito
Rodrigues de Oliveira Neto por ausência de manifestação do
Colegiado sobre a homologação e acerca da validade das
cláusulas - Preliminar invocada por FERNANDO DAMATA
PIMENTEL

99. Alegação de que "as funções de Relator nas ações originárias não
podem ir a ponto de lhe permitir subtração da jurisdição do Tribunal, a
quem compete, ao fim e ao cabo, julgar a acusação e, após a avaliação
da eficácia, do acordo aplicar ou não a redução das penas nos limites
legais ou mesmo de perdão judicial, quando e se for o caso".
100. Tese recentemente apreciada pelo Plenário do STF, no julgamento
da Questão de Ordem e do Agravo Regimental na Pet 7074/DF, na qual
se discutiu, exatamente, os limites de atuação do ministro-relator na
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Superior Tribunal de Justiça
homologação do acordo de colaboração premiada. No dia 28/6/2017, os
Ministros do Supremo Tribunal decidiram que compete ao Relator
homologar acordo de colaboração premiada, exercendo o controle da
regularidade, legalidade e espontaneidade. Ao Colegiado cabe,
posteriormente, analisar se os termos do acordo foram cumpridos e a
eficácia da colaboração.
101. Tendo o Plenário do Supremo Tribunal Federal assentado
entendimento de que a homologação do acordo de colaboração compete
ao Relator, não há como acolher a tese do acusado, razão pela qual
rejeito a preliminar.

Afirmada deficiência do acordo de colaboração premiada


estabelecido entre o Ministério Público Federal e Benedito
Rodrigues de Oliveira Neto por ilegalidade das cláusulas e vícios
de vontade

102. Cláusulas que em nada diferem de tantos outros homologados pelo


STF e pelo STJ, guardando, aliás, identidade, como se percebe dos
acordos homologados pelo Eminente Ministro Edson Fachin, que foram
trazidos a estes autos pelo Ministério Público Federal, e podem ser
encontrados às fls. 633-655.
103. Reconhecimento de invalidade que equivaleria a asseverar
que todos os acordos homologados no âmbito do STF são
igualmente nulos.
98. Homologação que, de forma clara e compreensível, enfatizou que
competirá ao órgão julgador, no momento oportuno e no julgamento da
Ação Penal, deliberar sobre a incidência e extensão dos benefícios
pactuados. É dizer, em outras palavras, que o poder de aplicar ou não as
vantagens prometidas competirá ao magistrado e dependerá “da
efetividade, da extensão da colaboração e do alcance de um ou mais
dos resultados elencados no caput do artigo 4.ª da Lei 12.850/13”,
conforme constou da decisão homologatória.
104. Mera homologação que não gera direito subjetivo aos pactuantes,
limitando-se a expectativa de direito. Não se traduzindo a homologação
do Acordo de Colaboração em ato de efeitos concretos definitivos –
pelo menos não antes do julgamento –, não há interesse jurídico que
autorize a hostilização, quanto mais por quem não é parte, dos
benefícios entabulados, cuja eficácia imediata restringe-se ao Ministério
Público Federal – que se compromete a pleiteá-los em favor do
colaborador, mas sem direito subjetivo de acolhimento – e ao próprio
colaborador, que assume certos deveres de comportamento.
105. O momento adequado para a impugnação das cláusulas é aquele
posterior ao eventual julgamento, quando esses benefícios poderão, à luz
dos elementos agregados à instrução criminal, concretizar-se. Não
antes, quando constituem apenas expectativa de direito.
106. Matéria idêntica apreciada pela Corte Especial do STJ em
6/9/2017, no julgamento AgRg no Inq 1093/DF, de relatoria da
Eminente Ministra Nancy Andrighi, ocasião em que, por unanimidade, o
Colegiado concluiu falecer legitimidade a terceiro, não participante do
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Superior Tribunal de Justiça
acordo, para questionar suas cláusulas (Colhe-se da ementa: O acordo
de colaboração não se confunde com seu conteúdo e as cláusulas
de referido acordo não repercutem, nem sequer remotamente, na
esfera jurídica de terceiros, razão pela qual não têm esses
terceiros interesse jurídico nem legitimidade para sua
impugnação). Também o Supremo Tribunal Federal, por seu Plenário,
em voto da relatoria do Ministro Dias Toffoli, nos autos do HC
127.483/PR, assentou o entendimento de que a colaboração premiada,
para além de técnica especial de investigação, é negócio jurídico
processual personalíssimo, pois, por meio dele, se pretende a
cooperação do imputado para a investigação e para o processo penal, o
qual poderá redundar em benefícios de natureza penal premial, sendo
necessário que a ele se aquiesça, voluntariamente, que esteja no pleno
gozo de sua capacidade civil, e consciente dos efeitos decorrentes de
sua realização.
107. Por se tratar de negócio jurídico processual personalíssimo, o
acordo de colaboração premiada não pode ser impugnado por coautores
ou partícipes do colaborador na organização criminosa e nas infrações
penais por ela praticadas, ainda que venham a ser expressamente
nominados no respectivo instrumento quando do “relato da colaboração
e seus possíveis resultados” (art. 6º, I, da Lei nº 12.850/13). O acordo
de colaboração, como negócio jurídico personalíssimo, não vincula o
delatado e não atinge diretamente sua esfera jurídica: res inter alios
acta. A delação premiada, como já tive oportunidade de assentar, é
benefício de natureza personalíssima, cujos efeitos não são extensíveis a
corréus (RHC nº124.192/PR, Primeira Turma, de minha relatoria, DJe
de 8/4/15).
108. Diante da natureza de negócio jurídico processual personalíssimo,
bem como por se tratar de meio de obtenção de prova, e não de
efetiva prova, a legitimidade para questionar a legalidade do acordo de
colaboração premiada é restrita às próprias partes que o celebraram,
carecendo de legitimação os coinvestigados ou corréus — na condição
de coautores ou partícipes que eventualmente tenham sido citados na
delação — para questionarem as declarações efetivamente prestadas
pelo colaborador. O Supremo Tribunal Federal, em outras ocasiões,
novamente se posicionou no sentido da inviabilidade de corréus
questionarem acordos de colaboração premiada celebrados por outrem:
Inq. 3983/DF, Rel. Min. Teori Zavascki, Teibunal Pleno, Dje 3/3/2016.
109. Dessa forma, e na esteira da jurisprudência sedimentada no STF,
não há interesse jurídico nem legitimidade do denunciado FERNANDO
PIMENTEL para a impugnação de Acordo do qual não foi parte. Voto,
portanto, por afastar a preliminar e indeferir o desentranhamento do
Acordo de Colaboração Premiada firmado entre o Ministério Público
Federal e Benedito Rodrigues de Oliveira Neto, estendendo a mesma
conclusão aos acordos pactuados entre MARCELO BAHIA
ODEBRECHT e JOÃO CARLOS MARIZ NOGUEIRA, estes
homologados pelo STF.

XIV
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Superior Tribunal de Justiça

Alegada falta de justa causa porque a denúncia se embasaria


unicamente em colaborações premiadas – EDUARDO
SERRANO – e alegação de falta de justa causa porque os
diálogos referidos diriam respeito a doações de campanha
eleitoral

110. Colhe-se da denúncia que "Para determinar sua atuação nesses


processos, FERNANDO PIMENTEL, com o auxílio de EDUARDO
SERRANO e BENEDITO, solicitou vantagem indevida a MARCELO
ODEBRECHT e JOÃO NOGUEIRA, que aceitaram a solicitação e
prometeram uma determinada quantia, paga em espécie, num
procedimento dissimulatório estruturado pela empresa"... "Por volta
desse período, EDUARDO SERRANO, então chefe de gabinete de
FERNANDO PIMENTEL no Ministério do Desenvolvimento, Indústria
e Comércio Exterior, plenamente ciente das demandas da Construtora
Norberto Odebrecht na CAMEX e do propósito de solicitação de
vantagem indevida, agindo por determinação do então Ministro, contatou
BENEDITO para que ele intermediasse valores com o representante da
empresa, correspondente aos interesses da companhia na administração
pública federal"... "Nessa oportunidade, EDUARDO SERANO
forneceu a BENEDITO o contato telefônico de JOÃO NOGUEIRA,
então Diretor de Crédito à Exportação da empresa, para o
desenvolvimento da negociata". "A partir das indicações de
EDUARDO SERRANO e agindo em unidade de desígnios com ele e
FERNANDO PIMENTEL, BENEDITO realizou uma série de
encontros com JOÃO NOGUEIRA em restaurantes localizados em
Brasília-DF, quando foram apontados os interesses da construtora na
CAMEX, relacionados aos seguros dos financiamentos de obras a
serem executadas pela empresa na Argentina e em Moçambique"... "A
partir desse acerto, BENEDITO, munido de informações repassadas
por FERNANDO PIMENTEL e EDUARDO SERRANO sobre a
tramitação dos feitos de interesse da Construtora Norberto Odebrecht
na CAMEX, manteve diversos contatos pessoais e telefônicos com
JOÃO NOGUEIRA".
111. A colaboração premiada estabelecida entre MPF e BENEDITO
RODRIGUES DE OLIVEIRA NETO, não é o que a lastreia com
exclusividade. Os depoimentos colhidos no acordo confirmam as
mensagens de texto trocadas entre as partes e a compreensão exata do
grau de ciência e participação de EDUARDO SERRANO na
intermediação entre JOÃO NOGUEIRA e FERNANDO PIMENTEL
só poderá ser definida com o desenrolar válido da instrução.
BENEDITO RODRIGUES DE OLIVEIRA NETO não teria motivo,
em tese, para, gratuitamente, impingir responsabilidade a EDUARDO
SERRANO, noticiando fatos falsos em relação a ele, quando isso não
era necessário para o acordo com o Ministério Público Federal.
112. Com esmero de detalhes, BENEDITO explicou que EDUARDO
SERRANO foi o responsável por solicitar que fosse estabelecido
contato com JOÃO NOGUEIRA pelo fato de a ODEBRECHT "estar
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Superior Tribunal de Justiça
disposta a auxiliar financeiramente a campanha eleitoral de 2014 ao
governo de Minas Gerais". BENEDITO ainda expôs que, questionando
FERNANDO PIMENTEL a respeito do tema, este confirmou a
asseveração de SERRANO e acrescentou que a empresa tinha
"diversas demandas no MDIC/BNDES".
113. Fica claro, portanto, que a "doação" referida tratava de solicitação
de dinheiro em contrapartida à facilitação dos interesses da
ODEBRECHT em demandas estabelecidas no Ministério e no BNDES.
No mais, ao menos para juízo de admissibilidade da acusação, refoge à
lógica que EDUARDO SERRANO, como chefe de gabinete de
FERNANDO PIMENTEL justamente no Ministério do
Desenvolvimento, Indústria e Comércio, não fosse capaz de
compreender o vínculo existente entre a alegada intenção da
ODEBRECHT de doar valores para a futura campanha do Ministro
com a facilitação das causas tratadas no âmbito do Ministério.
JOÃO NOGUEIRA também confirmou ter sido procurado por
EDUARDO SERRANO com pedidos de doações.
114. O mero fato de o Chefe de Gabinete de Ministro de Estado
responsável pela liberação de financiamentos procurar por executivos
de empresa interessada na obtenção dos financiamentos, durante o
período de apreciação dos requerimentos, com tal tipo de solicitação, já
é característico, em tese, de crime de corrupção. De qualquer forma,
esses elementos deverão ser melhor esclarecidos no curso do processo,
onde a ação e a responsabilidade de cada um poderão ser aferidos e
mensurados.
115. Se o conteúdo de colaborações premiadas não pode ser
empregado, com exclusividade, para a prolação de édito condenatório –
embora aqui haja outros elementos, antes citados, que se agregam aos
depoimentos prestados pelos colaboradores –, como diz a lei, para juízo
de admissibilidade da acusação são satisfatórios. Certo é que há
elementos suficientes que autorizam o início da persecução, motivo pelo
qual afasto a alegação de ausência de justa causa.

ANÁLISE DO CONTEÚDO DA DENÚNCIA

116. Diz a denúncia que FERNANDO DAMATA PIMENTEL, com


auxílio de EDUARDO SERRANO e de BENEDITO OLIVEIRA,
solicitou, em setembro de 2012, vantagem indevida a MARCELO
ODEBRECHT e a JOÃO MARIZ NOGUEIRA, à ordem de 20
(vinte) milhões de reais, para atender a duas demandas da Construtora
Norberto Odebrecht na CAMEX.
116. O primeiro assunto de interesse da empresa era o Projeto de
Soterramento da Linha Ferroviária de Sarmiento, localizada em Buenos
Aires, Argentina, por meio do qual a Construtora Norberto Odebrecht
S/A pretendia a cobertura do Seguro de Crédito à Exportação ao
financiamento concedido pelo Banco Nacional de Desenvolvimento
Econômico e Social – BNDES, no valor de aproximadamente 1,5 bilhão
de dólares americanos.
118. O segundo tinha por objeto a garantia do Seguro de Crédito à
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Superior Tribunal de Justiça
Exportação, ao amparo do Fundo de Garantia à Exportação e
Equalização de Taxas de Juros do Proex, para exportação de bens e
serviços destinados à execução do corredor interurbano de transporte
público da cidade de Maputo, Moçambique, contratado com a
Construtora Odebrecht S/A por 180 milhões de dólares americanos.
119. O exame dos elementos de prova trazidos nos autos permite que
se constate, em juízo perfunctório e em cognição superficial e limitada,
típico do mero exame de admissibilidade da acusação, a presença de
elementos que indicam a existência de atos ilícitos e indícios de autoria.
120. Em 6/2/2012, FERNANDO PIMENTEL teria se encontrado com
MARCELO ODEBRECHT na residência de JOÃO MARIZ
NOGUEIRA para tratar do assunto. EDUARDO SERRANO, então,
contatou BENEDITO OLIVEIRA para que este intermediasse valores
com o representante da empresa, passando a BENEDITO o número de
telefone de JOÃO NOGUEIRA, Diretor de Crédito e Exportação da
Empresa, para consolidação do acerto. A partir daí, teriam se seguido
sucessivos encontros entre BENEDITO OLIVEIRA e JOÃO MARIZ
NOGUEIRA, nos quais foram explicitadas as demandas e as
contrapartidas. A vantagem de 20 (vinte) milhões de reais teria sido
efetivamente solicitada em setembro de 2012.
121. JOÃO NOGUEIRA, atendendo ao desígnio de MARCELO
ODEBRECHT, teria concordado com a solicitação e prometido 15
(quinze) milhões de reais como vantagem indevida, a fim de obter a
aprovação dos pedidos e facilitar o trâmite das demandas na Câmara
de Comércio Exterior. Os pagamentos teriam passado a ocorrer em
espécie, seguindo cronograma e logística estruturada da empresa, que
consistia na entrega de pacotes de dinheiro em hotéis de São Paulo/SP,
mediante a apresentação de uma senha ao portador da quantia.
122. BENEDITO teria, então, contado com o auxílio de PEDRO
AUGUSTO, que passou a se deslocar frequentemente à capital
paulista, para recolher as parcelas do ajuste. Uma dessas recolhas
ocorreu em 18/9/2012, conforme noticia a inicial.
123. Em janeiro de 2013, a Construtora Norberto Odebrecht submeteu
consulta ao BNDES solicitando financiamento à exportação de bens e
serviços para transformação da linha ferroviária argentina de Sarmiento
em subterrânea, conforme informação prestada pelo banco (transcrição
de parte do documento à fl. 52 do Inquérito). Depois de alcançar esse
financiamento, o processo foi submetido à CAMEX para aprovação da
cobertura do Seguro de Crédito à Exportação, tema que FERNANDO
PIMENTEL, na condição de presidente do colegiado, havia se
comprometido mediante vantagem indevida.
124. Em 11/3/13 e 25/3/13, BENEDITO e JOÃO NOGUEIRA teriam
se encontrado em Brasília-DF, nas proximidades da remessa de novas
parcelas do ajuste financeiro ilícito firmado entre FERNANDO
PIMENTEL e MARCELO ODEBRECHT (mensagens telefônicas nas
fls. 73-74 do Apenso 1).
125. Em 25/3/13, BENEDITO acionou PEDRO AUGUSTO, por
mensagens telefônicas, para que ele comparecesse ao seu escritório e
ajustou com JOÃO NOGUEIRA os horários para as entregas das
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Superior Tribunal de Justiça
quantias. Na sequência, a denúncia relata vários acertos entre JOÃO
MARIZ, BENEDITO e PEDRO, sobre a entrega das parcelas
indicando locais, datas e senhas usadas. A partir de julho de 2013,
BENEDITO e JOÃO MARIZ passaram a tratar da tramitação do
processo para concessão da garantia ao financiamento da obra de
interesse da construtora. Nesse sentido, mensagem datada de 15/7/13,
na qual JOÃO NOGUEIRA avisou: "Amigo, o tema dos Hermanos é
fundamental amanha” (fl. 84 do Apenso 1).
126. A operação de cobertura do financiamento pelo Seguro de Crédito
à Exportação foi aprovada pela CAMEX, na 96ª reunião do Conselho
de Ministros da Câmara de Comércio Exterior, realizada em 16/7/13,
sob a presidência do então Ministro FERNANDO PIMENTEL (fls.
191-195 do Inquérito). No dia seguinte (17/7/13), BENEDITO
encaminhou mensagem ao interlocutor de MARCELO ODEBRECHT
dizendo "Deu certo ne!!! Nosso amigo acabou de me falar",
referindo-se a informação passada por FERNANDO PIMENTEL.
JOÃO NOGUEIRA respondeu "Sim deu certo. Viajo ainda hoje.
Nos vemos na segunda?". BENEDITO afirmou em resposta que "Vc
não pede camarada. Você manda!!! Falei q a nossa turma é
comprometida !!! Abs e parabéns!!!" (fl. 85 do Apenso 1).
127. Ainda nesse dia 17/7/13, JOÃO NOGUEIRA e MARCELO
ODEBRECHT encontraram-se com FERNANDO PIMENTEL em
Brasília-DF, como anunciado anteriormente em mensagem trocada
entre eles: "Marcelo e eu vamos ver o nosso amigo agora, antes de
viajar" (fl. 85 do Apenso 1). MARCELO ODEBRECHT estava em
Brasília-DF para reunião do Conselho de Desenvolvimento Econômico
e Social, vinculado à Secretaria de Assuntos Estratégicos da
Presidência da República, conforme dados gravados em mídias
apreendidas por ordem judicial, prova compartilhada pelo Juízo da 13ª
Vara Federal de Curitiba-PR (fls. 65-73 do Inquérito).
128. Embora aprovado pelo BNDES e pela CAMEX, o Contrato de
Colaboração Financeira relacionado a essa operação não chegou a ser
assinado com a República Argentina, por divergências em cláusulas
contratuais e maior exposição do país a riscos de crédito provocados
pela interrupção do pagamento de dívidas com credores internacionais
(fls. 60-63 do Inquérito). Não obstante isso, a solicitação e a promessa
de vantagens indevidas relacionadas à aprovação do pedido já tinham
sido acordadas e executadas em parte pelos denunciados.
129. A partir de agosto de 2013, BENEDITO e JOÃO NOGUEIRA
passaram a tratar do segundo processo de garantia a financiamento de
exportação de serviços de interesse da Construtora Norberto
Odebrecht na CAMEX. Tratava-se do Seguro de Crédito à
Exportação, ao amparo do Fundo de Garantia à Exportação e
Equalização de Taxas de Juros do Proex, para execução do projeto
corredor interurbano de transporte público da cidade de Maputo,
Moçambique. JOÃO NOGUEIRA, então, marcou reunião com
BENEDITO no dia 30/8/13, no restaurante New Koto, localizado na
SQS 212, em Brasília-DF (fl. 86 do Apenso 1).
130. O processo que apreciaria a chancela da CAMEX para a
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Superior Tribunal de Justiça
cobertura do financiamento da obra de Moçambique seria apreciado na
97ª reunião do Conselho de Ministros da Câmara de Comércio Exterior
de 9/9/13, mas foi retirado de pauta (fl. 79 do Inquérito). Decorrência
disso, no mesmo dia (9/9/13), JOÃO NOGUEIRA encaminhou
mensagem a BENEDITO dizendo "Deu errado Moçambique. Estou
na Colombia. Podemos falar na quinta?" (fl. 87 do Apenso 1).
131. Naquela ocasião, JOÃO NOGUEIRA avisou que "Moçambique
precisa dar certo" e BENEDITO então respondeu "Ele tem limite",
referindo-se aos parâmetros que FERNANDO PIMENTEL tinha que
respeitar (fl. 87 do Apenso 1).
132. A questão envolvendo esse processo dizia respeito ao limite de
risco do crédito para países como Moçambique, considerando a
sustentabilidade de dívida externa do país, que era monitorada pelo
Fundo Monetário Internacional. Para viabilizar novas operações de
seguro e crédito à exportação para os países africanos, foi necessário
aprovar uma alteração dos limites de exposição do Fundo de Garantia à
Exportação – FGE para esses países, conforme 96ª reunião do
Conselho de Ministros da CAMEX, realizada em 16/7/13 sob a
presidência de FERNANDO PIMENTEL. Entretanto, a República de
Moçambique ainda possuía restrições pelo nível de sua dívida externa, o
que exigiu mais deliberações da CAMEX para aprovar a cobertura do
seguro pretendida pela Construtora Norberto Odebrecht.
133. Ao encerrar o contato ocorrido em 9/9/13, BENEDITO disse a
JOÃO NOGUEIRA para ficar tranquilo q o der pra fazer sera feito
(fl. 88 do Apenso 1). Nesse contexto, JOÃO encaminhou mensagens a
BENEDITO em 30/9/13 dizendo Quero fazer um encontro entre o
Chefe e o meu. Semana que vem (fl. 89 do Apenso 1). Cumprindo o
ajuste, FERNANDO PIMENTEL e MARCELO ODEBRECHT
encontraram-se na residência de JOÃO NOGUEIRA em Brasília no
dia 9/10/13, como comprovariam os registros eletrônicos encontrados
no aparelho telefônico de MARCELO e em equipamentos apreendidos
em suas empresas (fls. 93-94 do Inquérito – prova compartilhada).
134. Naquela ocasião, FERNANDO PIMENTEL efetivou duas
ligações telefônicas por celular, às 20h49 e 21h23, que utilizaram a
antena da companhia telefônica instalada nas proximidades da
residência de diretor da Odebrecht, revelando a posição do Ministro
onde ocorreu o encontro (fls. 93-96 do Inquérito). Nessa época, a
CAMEX, sob a presidência de FERNANDO PIMENTEL, havia
aprovado a concessão da garantia do Seguro de Crédito à Exportação
para o projeto de Maputo, Moçambique, mas condicionada ao aumento,
pelo FMI, do limite de financiamentos não concessionais, conforme 98ª
reunião do colegiado realizada em 3/10/13 (fls. 216-219 do Inquérito).
135. Depois daquela reunião, FERNANDO PIMENTEL convocou
BENEDITO para um encontro, como consta de mensagens que ele
enviou a JOÃO NOGUEIRA em 10/10/13: "Amigo. Imprevisto!!! Ele
me chamou, não seu se libero até as 15hs" (fl. 91 do Apenso). Em
resposta, JOÃO NOGUEIRA avisou: "[…] Diga que vai estar
comigo de tarde para fazer o debriefing. Posso te encontrar um
pouco depois das 15 hs, sem problemas. Prefiro te atualizar para
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Superior Tribunal de Justiça
você atualiza-lo tb. Pois o tema evoluiu de ontem para hoje." (fl.
91 do Apenso). Ambos reuniram-se logo após essa troca de
mensagens, ainda no dia 10/10/13 (fls. 91-92 do Apenso), e passaram a
ajustar os detalhes das entregas de novas remessas de dinheiro em
espécie.
136. No dia 5/11/13, JOÃO NOGUEIRA trocou mensagens com
BENEDITO e este com PEDRO AUGUSTO sobre os procedimentos
para recolhimento do dinheiro encaminhado pela construtora a
FERNANDO PIMENTEL. Nessa oportunidade, PEDRO informou a
BENEDITO o número 1605 correspondente ao quarto do hotel Quality
Moema em São Paulo-SP, onde estava hospedado (fl. 93 e 117 do
Apenso). Na sequência, BENEDITO repassou a JOÃO NOGUEIRA
a referência 1605 e recebeu dele a senha manteiga, para ser
informada ao emissário da construtora que portava a quantia em
dinheiro.
137. Em 6/11/13, PEDRO AUGUSTO informou a BENEDITO que o
procedimento de entrega dos valores havia sido Concluído (fl. 94 do
Apenso). No dia 12/11/13, nova remessa de valores da ODEBRECHT
a FERNANDO PIMENTEL foi entregue a PEDRO AUGUSTO em
procedimento gerenciado por BENEDITO e JOÃO NOGUEIRA.
Nessa oportunidade, PEDRO informou a BENEDITO o número 107
do quarto do hotel, dado que foi transmitido a JOÃO NOGUEIRA, que
repassou a senha manga para ser dita ao portador do pacote de
dinheiro (fls. 95-96 do Apenso).
138. A mesma dinâmica ocorreu em 20/11/13, quando PEDRO
AUGUSTO informou a BENEDITO o número 710, correspondente ao
quarto do hotel. Informado, JOÃO NOGUEIRA encaminhou a senha
alface para recebimento de nova remessa da vantagem indevida
ajustada entre FERNANDO e MARCELO (fls. 96-100 e 116 do
Apenso 1).
139. Em 26/11/13, o número do quarto do hotel informado por PEDRO
AUGUSTO foi o 1306, e a palavra utilizada como senha foi escada,
conforme mensagens trocadas entre BENEDITO e JOÃO
NOGUEIRA, na articulação para entrega da vantagem indevida (fls.
100-101 e 116 do Apenso 1).
140. Outra remessa de valores ocorreu em 4/2/14, quando PEDRO
AUGUSTO informou a BENEDITO o número do quarto 1605 do hotel
localizado na cidade paulista. O dado foi transmitido ao diretor JOÃO
NOGUEIRA, que comunicou a senha algodão para recebimento de
novo pacote de dinheiro (fl. 102 do Apenso 1).
141. Cada entrega correspondeu à quantia de pelo menos 500 mil reais
em espécie, dinheiro que foi transportado por PEDRO AUGUSTO
para Brasília/DF e mantido por BENEDITO, atendendo determinações
de FERNANDO PIMENTEL. Na sequência, as quantias foram
utilizadas para pagamento de despesas não declaradas da campanha
eleitoral ao governo de Minas Gerais, inclusive pessoais.
142. A partir da aprovação condicional da CAMEX ao seguro-garantia
do financiamento contratado pela Construtora Norberto Odebrecht para
construção da via em Maputo, Moçambique, as demandas da empresa
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Superior Tribunal de Justiça
foram direcionadas ao Ministério da Fazenda.
143. Como se percebe, existe nos autos uma série de mensagens
encontradas nos aparelhos te telefonia móvel dos denunciados que, ao
menos em tese, escoltam a narrativa constante da denúncia.
144. Há, ainda, a localização mapedada pelas antenas ERB acerca da
reunião dos denunciados, o que comprova terem estado juntos nas
datas e locais apontadas na denúncia.
145. Também corroboram, em juízo de aparência, a narrativa da
acusação, os registros de hospedagem juntados aos autos, os processoa
administrativos encartados e as atas de reuniões nos quais foram
deliberados os interesses da ODEBRECHT.
146. A isso ainda se somam os depoimentos de MARCELO
ODEBRECHT, JOÃO MARIZ NOGUEIRA e BENEDITO
RODRIGUES DE OLIVEIRA NETO, cônsonos e uníssonos na
confirmação dos fatos decantados na inicial acusatória.
147. JOÃO NOGUEIRA confirmou que recebeu de FERNANDO
PIMENTEL, primeiro através de BENEDITO RODRIGUES DE
OLIVEIRA NETO, depois por EDUARDO LUCAS SILVA
SERRANO, a solicitação, sem menção expressa ao valor, de 15
milhões de reais, para que o então Ministro FERNANDO PIMENTEL
utilizasse na sua campanha para o governo de Minas Gerais. Informou
que, “por não ter alçada”, levou o pleito a seus superiores. Noticiou que
ouviu FERNANDO PIMENTEL dizer, explicitamente, a MARCELO
ODEBRECHT, que “contava com tal colaboração”. Endossou a
efetiva realização dos pagamentos narrados na inicial, realizados na
sistemática orientada pela empresa empregadora e tal como descrito na
denúncia. Corroborou o vínculo entre os dois projetos de interesse da
empresa – soterramento da linha ferroviária de Sarmiento e execução
do corredor interurbano de transporte público de Maputo – e as
contribuições dadas a Fernando Pimentel, as quais compuseram o
“caixa 2” de sua campanha. Acrescentou que viu nas doações uma
forma de “não se indispor com o Ministro”, comparando esse
pagamento a um “seguro de vida”, que evitaria que o então Ministro
FERNANDO PIMENTEL alterasse sua “postura prestimosa”.
Encareceu que, depois do pagamento, a relação, que já era boa,
melhorou. O “atendimento, sempre existente, passou a ser menos
protocolar”. O pagamento das “contribuições” causou um “benefício
estrutural” na relação entre a Odebrecht e o então Ministro
FERNANDO PIMENTEL. Concluiu pontuando que a atuação de
FERNANDO PIMENTEL nos dois projetos citados estava “de alguma
forma relacionada ao recebimento ou mesmo à expectativa de
recebimento das doações”. Acresceu que “ele não recebeu para fazer
o que não devia; nem para deixar de fazer o que devia; mas sim para
fazer o que devia mesmo fazer”.
148. MARCELO ODEBRECHT também afirmou que os pagamentos
procedidos por JOÃO MARIS NOGUEIRA a FERNANDO
PIMENTEL deram-se a título de contribuição de campanha ao governo
de Minas Gerais. Noticiou que os recursos se originaram do “caixa 2”
da Odebrecht e foram destinados a FERNANDO PIMENTEL, então
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Superior Tribunal de Justiça
Ministro.
149. BENEDITO RODRIGUES DE OLIVEIRA NETO, da mesma
forma, noticiou que em maio de 2013 EDUARDO SERRANO solicitou
a ele, BENEDITO, que procurasse JOÃO NOGUEIRA para viabilizar
pagamentos para intervenção na Secretaria de Comércio Exterior do
Ministério do Desenvolvimento, Indústria e Comércio e BNDES para
aprovação e liberação de recursos para as obras do metrô de Buenos
Aires e em Moçambique, ao total de aproximadamente 15 (quinze)
milhões de reais. Confessou que parte desse valor foi recebida entre
junho de 2013 e junho de 2014, em espécie, mediante entrega de
parcelas de 500 mil reais, em hotéis em São Paulo.
150. Denúncia recebida, diante de prova de materialidade consistente
em mensagens de texto, mapeamento de localização dos denunciados e
seus encontros e depoimentos colhidos em 3 (três) colaborações
premiadas, duas delas no âmbito do STF.

CONCLUSÃO

151. Denúncia recebida para deflagrar Ação Penal contra:


FERNANDO DAMATA PIMENTEL pelo crime contido no artigo
317, caput, c/c artigo 327, § 2.º, do Código Penal; EDUARDO
LUCAS SILVA SERRANO e BENEDITO RODRIGUES DE
OLIVEIRA NETO, pelo crime descrito no artigo 317, caput, c/c
artigos 29 e 30 do mesmo Diploma; PEDRO AUGUSTO DE
MEDEIROS, pelo tipo penal contido no artigo 317, caput, do Código
Penal, c/c artigo 29 do mesmo codex; MARCELO BAHIA
ODEBRECHT e JOÃO CARLOS MARIZ NOGUEIRA, pelo crime
tipificado no artigo 333, caput, também do Código Penal.

AFASTAMENTO DO CARGO

152. Afastamento de FERNANDO DAMATA PIMENTEL do cargo


de Governador de Estado que, ao menos por ora, não se faz necessário,
tendo em conta que não se tem conhecimento – até o momento atual –
da existência de atos concretos que justifiquem a imposição de medida
cautelar dessa natureza.
Nada impede, todavia, que, oportunamente e diante de fatos que
motivem a suspensão do exercício da função pública, seja ela
determinada, como medida cautelar processual, no curso deste
processo ou por ocasião do eventual recebimento das outras duas
denúncias já oferecidas (APn 836/DF e APn 865/DF).

ACÓRDÃO

Vistos, relatados e discutidos os autos em que são partes as acima


indicadas, acordam os Ministros da Corte Especial do Superior Tribunal de Justiça:
"Prosseguindo no julgamento, após o voto-vista em mesa do Sr. Ministro Og
Fernandes acompanhando o voto do Sr. Ministro Relator, a Corte Especial, por
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Superior Tribunal de Justiça
unanimidade, rejeitou as preliminares e recebeu integralmente a denúncia, nos termos
do voto do Sr. Ministro Relator. Os Srs. Ministros Jorge Mussi, Og Fernandes, Luis
Felipe Salomão, Mauro Campbell Marques, Benedito Gonçalves, Raul Araújo,
Nancy Andrighi, Humberto Martins e Maria Thereza de Assis Moura votaram com o
Sr. Ministro Relator.
Não participaram do julgamento os Srs. Ministros Francisco Falcão e
Napoleão Nunes Maia Filho.
Ausentes, justificadamente, os Srs. Ministros Felix Fischer e João
Otávio de Noronha."

Brasília, 06 de dezembro de 2017(data do julgamento)..

MINISTRA LAURITA VAZ


Presidente

MINISTRO HERMAN BENJAMIN


Relator

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Superior Tribunal de Justiça
AÇÃO PENAL Nº 843 - DF (2016/0246838-0)
RELATOR : MINISTRO HERMAN BENJAMIN
AUTOR : MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL
RÉU : FERNANDO DAMATA PIMENTEL
ADVOGADOS : EUGENIO PACELLI DE OLIVEIRA - DF045288
SILVIA MARIA DE OLIVEIRA - MG083845
ISABELA DE MOURA OLIVEIRA - MG149413
REBECA DE HOLANDA BRAGA ROCHA - MA010219
MATHEUS OLIVEIRA DE CARVALHO - MG171502
PEDRO IVO DE MOURA OLIVEIRA - MG133367
REBECA DE HOLANDA BRAGA ROCHA - DF053642
RÉU : EDUARDO LUCAS SILVA SERRANO
ADVOGADOS : MARCELO LEONARDO - MG025328
FRANCISCO JOSÉ DA SILVA PORTO FILHO - MG079560
ROGÉRIO M LEONARDO BATISTA - MG093779
SÉRGIO RODRIGUES LEONARDO - MG085000
ADVOGADOS : CAROLINA DE QUEIROZ FRANCO OLIVEIRA - SP259644
CAROLINA LUJAN RODRIGUES LEONARDO - MG098800
CRISTIANE LUJAN RODRIGUES LEONARDO GUSMÃO
VIANNA - MG107900
JUSSARA CARNEIRO - MG125001
MARCELO DE SIQUEIRA ZERBINI - DF044555
AMANDA CONSTANTINO GONÇALVES - SP338987
VANIA MARIA RODRIGUES LEONARDO - MG025345
ROSELY MOLNAR LEONEL FERREIRA - SP130864
RÉU : BENEDITO RODRIGUES DE OLIVEIRA NETO
ADVOGADOS : ROBERTO GARCIA LOPES PAGLIUSO - SP112335
FABIANA ZANATTA VIANA - SP221614
ANNA LUIZA RIBEIRO DOS SANTOS DE SOUSA - DF038965
GABRIELA FRAGALI PEREIRA - SP313640
RÉU : PEDRO AUGUSTO DE MEDEIROS
ADVOGADO : RICARDO ANTONIO BORGES FILHO - DF016927
RÉU : MARCELO BAHIA ODEBRECHT
ADVOGADOS : JOÃO HENRIQUE CAMPOS FONSECA - DF013480
ANTÔNIO NABOR AREIAS BULHÕES - DF001465A
EDUARDO SANZ DE OLIVEIRA E SILVA - PR038716
IGOR MARQUES PONTES - SP184994
SOC. de ADV. : BULHOES & ADVOGADOS ASSOCIADOS S/S
EDUARDO SANZ ADVOGADOS ASSOCIADOS
RÉU : JOAO CARLOS MARIZ NOGUEIRA
ADVOGADOS : ANTONIO CLAUDIO MARIZ DE OLIVEIRA - SP023183
SERGIO EDUARDO MENDONÇA DE ALVARENGA -
SP125822
PAOLA ZANELATO - SP123013
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Superior Tribunal de Justiça
RODRIGO SENZI RIBEIRO DE MENDONÇA - SP162093
ADVOGADOS : RENATA CASTELLO BRANCO MARIZ DE OLIVEIRA
MENDONÇA DE ALVARENGA - SP154097
FAUSTO LATUF SILVEIRA - SP199379
REGINA MARIA BUENO DE GODOY CAMACHO - SP183207
JORGE URBANI SALOMÃO - SP274322
FABIO CASTELLO BRANCO MARIZ DE OLIVEIRA -
SP314266
LAURA SOARES DE GODOY - SP354595
GEORGE VICTOR ROBERTO DA SILVA - SP321633
FELIPE SALUM ZAK ZAK - SP377835
MARIANA SANTORO DI SESSA MACHADO - SP351734

RELATÓRIO

O EXMO. SR. MINISTRO HERMAN BENJAMIN (Relator):

ÃO PENAL Nº 843 - DF (2016/0246838-0)


RELATOR : MINISTRO HERMAN BENJAMIN
AUTOR : MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL
RÉU : FERNANDO DAMATA PIMENTEL
ADVOGADOS : EUGENIO PACELLI DE OLIVEIRA - DF045288
SILVIA MARIA DE OLIVEIRA - MG083845
ISABELA DE MOURA OLIVEIRA - MG149413
REBECA DE HOLANDA BRAGA ROCHA - MA010219
MATHEUS OLIVEIRA DE CARVALHO - MG171502
PEDRO IVO DE MOURA OLIVEIRA - MG133367
REBECA DE HOLANDA BRAGA ROCHA - DF053642
RÉU : EDUARDO LUCAS SILVA SERRANO
ADVOGADOS : MARCELO LEONARDO - MG025328
FRANCISCO JOSÉ DA SILVA PORTO FILHO - MG079560
ROGÉRIO M LEONARDO BATISTA - MG093779
SÉRGIO RODRIGUES LEONARDO - MG085000
ADVOGADOS : CAROLINA DE QUEIROZ FRANCO OLIVEIRA - SP259644
CAROLINA LUJAN RODRIGUES LEONARDO - MG098800
CRISTIANE LUJAN RODRIGUES LEONARDO GUSMÃO
VIANNA - MG107900
JUSSARA CARNEIRO - MG125001
MARCELO DE SIQUEIRA ZERBINI - DF044555
AMANDA CONSTANTINO GONÇALVES - SP338987
VANIA MARIA RODRIGUES LEONARDO - MG025345
ROSELY MOLNAR LEONEL FERREIRA - SP130864
RÉU : BENEDITO RODRIGUES DE OLIVEIRA NETO
ADVOGADOS : ROBERTO GARCIA LOPES PAGLIUSO - SP112335
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Superior Tribunal de Justiça
FABIANA ZANATTA VIANA - SP221614
ANNA LUIZA RIBEIRO DOS SANTOS DE SOUSA - DF038965
GABRIELA FRAGALI PEREIRA - SP313640
RÉU : PEDRO AUGUSTO DE MEDEIROS
ADVOGADO : RICARDO ANTONIO BORGES FILHO - DF016927
RÉU : MARCELO BAHIA ODEBRECHT
ADVOGADOS : JOÃO HENRIQUE CAMPOS FONSECA - DF013480
ANTÔNIO NABOR AREIAS BULHÕES - DF001465A
EDUARDO SANZ DE OLIVEIRA E SILVA - PR038716
IGOR MARQUES PONTES - SP184994
SOC. de ADV. : BULHOES & ADVOGADOS ASSOCIADOS S/S
EDUARDO SANZ ADVOGADOS ASSOCIADOS
RÉU : JOAO CARLOS MARIZ NOGUEIRA
ADVOGADOS : ANTONIO CLAUDIO MARIZ DE OLIVEIRA - SP023183
SERGIO EDUARDO MENDONÇA DE ALVARENGA -
SP125822
PAOLA ZANELATO - SP123013
RODRIGO SENZI RIBEIRO DE MENDONÇA - SP162093
ADVOGADOS : RENATA CASTELLO BRANCO MARIZ DE OLIVEIRA
MENDONÇA DE ALVARENGA - SP154097
FAUSTO LATUF SILVEIRA - SP199379
REGINA MARIA BUENO DE GODOY CAMACHO - SP183207
JORGE URBANI SALOMÃO - SP274322
FABIO CASTELLO BRANCO MARIZ DE OLIVEIRA -
SP314266
LAURA SOARES DE GODOY - SP354595
GEORGE VICTOR ROBERTO DA SILVA - SP321633
FELIPE SALUM ZAK ZAK - SP377835
MARIANA SANTORO DI SESSA MACHADO - SP351734

RELATÓRIO

O EXMO. SR. MINISTRO HERMAN BENJAMIN (Relator):

O Ministério Público Federal ofereceu denúncia contra FERNANDO


DAMATA PIMENTEL, EDUARDO LUCAS SILVA SERRANO, BENEDITO
RODRIGUES DE OLIVEIRA NETO, PEDRO AUGUSTO DE MEDEIROS, MARCELO
BAHIA ODEBRECHT e JOÃO CARLOS MARIZ NOGUEIRA, imputando ao primeiro os
crimes capitulados no artigo 317, caput, c/c art. 327, § 2.º, do Código Penal; ao segundo, ao
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Superior Tribunal de Justiça
terceiro e ao quatro os crimes inscritos no artigo 317, caput, e aos dois últimos os delitos
insertos no artigo 333, caput, todos do mesmo códex.
Expõe a denúncia que FERNANDO DAMATA PIMENTEL, atual
governador do Estado de Minas Gerais, entre 1.º/1/2011 e 12/2/2014, na qualidade de
Ministro de Estado do Desenvolvimento, Indústria e Comércio Exterior, presidiu a Câmara de
Comércio Exterior – CAMEX, órgão que tem atribuição para fixação das diretrizes para a
política de financiamento das exportações de bens e de serviços, bem como para a cobertura
dos riscos de operações a prazo, inclusive as relativas ao seguro de crédito às exportações
(art. 2º, IX, do Decreto 4.732/03).
Conforme a denúncia, o acompanhamento dessas medidas incumbe ao Comitê
de Financiamento e Garantia das Exportações, colegiado com função de enquadrar e
acompanhar as operações do Programa de Financiamento às Exportações – PROEX e do
Fundo de Garantia à Exportação – FGE, estabelecendo os parâmetros e condições para
concessão de assistência financeira às exportações e de prestação de garantia da União.
As deliberações desse comitê dependiam da chancela da CAMEX, que era
presidida pelo então Ministro FERNANDO PIMENTEL. Nessa época, EDUARDO
SERRANO era o chefe de gabinete do Ministro, a quem ele incumbiu de promover tratativas
sobre demandas de empresários no órgão.
Diz a denúncia que FERNANDO DAMATA PIMENTEL, com auxílio de
EDUARDO SERRANO e de BENEDITO OLIVEIRA, solicitou, em setembro de 2012,
vantagem indevida a MARCELO ODEBRECHT e a JOÃO MARIZ NOGUEIRA, à ordem
de 20 (vinte) milhões de reais, para atender a duas demandas da Construtora Norberto
Odebrecht na CAMEX.
O primeiro assunto de interesse da empresa era o Projeto de Soterramento da
Linha Ferroviária de Sarmiento, localizada em Buenos Aires, Argentina, por meio do qual a
Construtora Norberto Odebrecht S/A pretendia a cobertura do Seguro de Crédito à
Exportação ao financiamento concedido pelo Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico
e Social – BNDES, no valor de aproximadamente 1,5 bilhão de dólares americanos.
O segundo tinha por objeto a garantia do Seguro de Crédito à Exportação, ao

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Superior Tribunal de Justiça
amparo do Fundo de Garantia à Exportação e Equalização de Taxas de Juros do Proex, para
exportação de bens e serviços destinados à execução do corredor interurbano de transporte
público da cidade de Maputo, Moçambique, contratado com a Construtora Odebrecht S/A
por 180 milhões de dólares americanos.
Em 6/2/2012, FERNANDO PIMENTEL teria se encontrado com
MARCELO ODEBRECHT na residência de JOÃO MARIZ NOGUEIRA para tratar do
assunto. EDUARDO SERRANO, então, contatou BENEDITO OLIVEIRA para que este
intermediasse valores com o representante da empresa, passando a BENEDITO o número de
telefone de JOÃO NOGUEIRA, então Diretor de Crédito e Exportação da Empresa, para
consolidação do acerto.
A partir daí, teriam se seguido sucessivos encontros entre BENEDITO
OLIVEIRA e JOÃO MARIZ NOGUEIRA, nos quais foram explicitadas as demandas e as
contrapartidas.
A vantagem de 20 (vinte) milhões de reais foi efetivamente solicitada em
setembro de 2012.
JOÃO NOGUEIRA, atendendo ao desígnio de MARCELO ODEBRECHT,
concordou com a solicitação e prometeu 15 (quinze) milhões de reais como vantagem
indevida, a fim de obter a aprovação dos pedidos e facilitar o trâmite das demandas na
Câmara de Comércio Exterior.
Os pagamentos teriam passado a ocorrer em espécie, seguindo cronograma e
logística estruturada da empresa, que consistia na entrega de pacotes de dinheiro em hotéis de
São Paulo/SP, mediante a apresentação de uma senha ao portador da quantia.
BENEDITO teria, então, contado com o auxílio de PEDRO AUGUSTO, que
passou a se deslocar frequentemente à capital paulista, para recolher as parcelas do ajuste.
Uma dessas recolhas ocorreu em 18/9/2012, conforme noticia a inicial.
Em janeiro de 2013, a Construtora Norberto Odebrecht submeteu consulta ao
BNDES solicitando financiamento à exportação de bens e serviços para transformação da
linha ferroviária argentina de Sarmiento em subterrânea, conforme informação prestada pelo
banco (transcrição de parte do documento à fl. 52 do Inquérito).

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Depois de alcançar esse financiamento, o processo foi submetido à CAMEX
para aprovação da cobertura do Seguro de Crédito à Exportação, tema que FERNANDO
PIMENTEL, na condição de presidente do colegiado, havia se comprometido mediante
vantagem indevida.
Assim, em 11/3/13 e 25/3/13, BENEDITO e JOÃO NOGUEIRA teriam se
encontrado em Brasília-DF, nas proximidades da remessa de novas parcelas do ajuste
financeiro ilícito firmado entre FERNANDO PIMENTEL e MARCELO ODEBRECHT (fls.
73-74 do Apenso 1).
Relata a denúncia que, em 25/3/13, BENEDITO acionou PEDRO
AUGUSTO, por mensagens telefônicas, para que ele comparecesse ao seu escritório e
ajustou com JOÃO NOGUEIRA os horários para as entregas das quantias.
Na sequência, a denúncia relata vários acertos entre JOÃO MARIZ,
BENEDITO e PEDRO, sobre a entrega das parcelas indicando locais, datas e senhas usadas.
A partir de julho de 2013, BENEDITO e JOÃO MARIZ passaram a tratar da
tramitação do processo para concessão da garantia ao financiamento da obra de interesse da
construtora. Nesse sentido, em 15/7/13, JOÃO NOGUEIRA avisou: "Amigo, o tema dos
Hermanos é fundamental amanha” (fl. 84 do Apenso 1).
A operação de cobertura do financiamento pelo Seguro de Crédito à
Exportação foi aprovada pela CAMEX, na 96ª reunião do Conselho de Ministros da Câmara
de Comércio Exterior, realizada em 16/7/13, sob a presidência do então Ministro
FERNANDO PIMENTEL (fls. 191-195 do Inquérito).
No dia seguinte (17/7/13), BENEDITO encaminhou mensagem ao interlocutor
de MARCELO ODEBRECHT dizendo "Deu certo ne!!! Nosso amigo acabou de me
falar", referindo-se a informação passada por FERNANDO PIMENTEL.
JOÃO NOGUEIRA respondeu "Sim deu certo. Viajo ainda hoje. Nos
vemos na segunda?". BENEDITO afirmou em resposta que "Vc não pede camarada. Você
manda!!! Falei q a nossa turma é comprometida !!! Abs e parabéns!!!" (fl. 85 do Apenso
1).
Ainda nesse dia 17/7/13, JOÃO NOGUEIRA e MARCELO ODEBRECHT

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encontraram-se com FERNANDO PIMENTEL em Brasília-DF, como anunciado
anteriormente em mensagem trocadas entre eles: "Marcelo e eu vamos ver o nosso amigo
agora, antes de viajar" (fl. 85 do Apenso 1).
MARCELO ODEBRECHT estava em Brasília-DF para reunião do Conselho
de Desenvolvimento Econômico e Social, vinculado à Secretaria de Assuntos Estratégicos da
Presidência da República, conforme dados gravados em mídias apreendidas por ordem
judicial, prova compartilhada pelo Juízo da 13ª Vara Federal de Curitiba-PR (fls. 65-73 do
Inquérito).
Embora aprovado pelo BNDES e pela CAMEX, o Contrato de Colaboração
Financeira relacionado a essa operação não chegou a ser assinado com a República Argentina,
por divergências em cláusulas contratuais e maior exposição do país a riscos de crédito
provocados pela interrupção do pagamento de dívidas com credores internacionais (fls. 60-63
do Inquérito).
Não obstante isso, a solicitação e a promessa de vantagens indevidas
relacionadas à aprovação do pedido já tinham sido acordadas e executadas em parte pelos
denunciados.
A partir de agosto de 2013, BENEDITO e JOÃO NOGUEIRA passaram a
tratar do segundo processo de garantia a financiamento de exportação de serviços de interesse
da Construtora Norberto Odebrecht na CAMEX.
Tratava-se do Seguro de Crédito à Exportação, ao amparo do Fundo de
Garantia à Exportação e Equalização de Taxas de Juros do Proex, para execução do projeto
corredor interurbano de transporte público da cidade de Maputo, Moçambique.
JOÃO NOGUEIRA, então, marcou reunião com BENEDITO no dia 30/8/13,
no restaurante New Koto, localizado na SQS 212, em Brasília-DF (fl. 86 do Apenso 1).
O processo que apreciaria a chancela da CAMEX para a cobertura do
financiamento da obra de Moçambique seria apreciado na 97ª reunião do Conselho de
Ministros da Câmara de Comércio Exterior de 9/9/13, mas foi retirado de pauta (fl. 79 do
Inquérito).
Por causa disso, no mesmo dia (9/9/13), JOÃO NOGUEIRA encaminhou

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mensagem a BENEDITO dizendo "Deu errado Moçambique. Estou na Colombia.
Podemos falar na quinta?" (fl. 87 do Apenso 1).
Naquela ocasião, JOÃO NOGUEIRA avisou que "Moçambique precisa dar
certo" e BENEDITO então respondeu "Ele tem limite", referindo-se aos parâmetros que
FERNANDO PIMENTEL tinha que respeitar (fl. 87 do Apenso 1).
A questão envolvendo esse processo dizia respeito ao limite de risco do crédito
para países como Moçambique, considerando a sustentabilidade de dívida externa do país,
que era monitorada pelo Fundo Monetário Internacional.
Para viabilizar novas operações de seguro e crédito à exportação para os
países africanos, foi necessário aprovar uma alteração dos limites de exposição do Fundo de
Garantia à Exportação – FGE para esses países, conforme 96ª reunião do Conselho de
Ministros da CAMEX, realizada em 16/7/13 sob a presidência de FERNANDO PIMENTEL.
Entretanto, a República de Moçambique ainda possuía restrições pelo nível de
sua dívida externa, o que exigiu mais deliberações da CAMEX para aprovar a cobertura do
seguro pretendida pela Construtora Norberto Odebrecht.
Ao encerrar o contato ocorrido em 9/9/13, BENEDITO disse a JOÃO
NOGUEIRA para ficar tranquilo q o der pra fazer sera feito (fl. 88 do Apenso 1).
Nesse contexto, JOÃO encaminhou mensagens a BENEDITO em 30/9/13
dizendo Quero fazer um encontro entre o Chefe e o meu. Semana que vem (fl. 89 do
Apenso 1).
Cumprindo o ajuste, FERNANDO PIMENTEL e MARCELO ODEBRECHT
encontraram-se na residência de JOÃO NOGUEIRA em Brasília no dia 9/10/13, como
comprovariam os registros eletrônicos encontrados no aparelho telefônico de MARCELO e
em equipamentos apreendidos em suas empresas (fls. 93-94 do Inquérito – prova
compartilhada).
Naquela ocasião, FERNANDO PIMENTEL efetivou duas ligações telefônicas
por celular, às 20h49 e 21h23, que utilizaram a antena da companhia telefônica instalada nas
proximidades da residência de diretor da Odebrecht, revelando a posição do Ministro onde
ocorreu o encontro (fls. 93-96 do Inquérito).

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Nessa época, a CAMEX, sob a presidência de FERNANDO PIMENTEL,
havia aprovado a concessão da garantia do Seguro de Crédito à Exportação para o projeto de
Maputo, Moçambique, mas condicionada ao aumento, pelo FMI, do limite de financiamentos
não concessionais, conforme 98ª reunião do colegiado realizada em 3/10/13 (fls. 216-219 do
Inquérito).
Depois daquela reunião, FERNANDO PIMENTEL convocou BENEDITO
para um encontro, como consta de mensagens que ele enviou a JOÃO NOGUEIRA em
10/10/13: "Amigo. Imprevisto!!! Ele me chamou, não seu se libero até as 15hs" (fl. 91 do
Apenso).
Em resposta, JOÃO NOGUEIRA avisou: "[…] Diga que vai estar comigo de
tarde para fazer o debriefing. Posso te encontrar um pouco depois das 15 hs, sem
problemas. Prefiro te atualizar para você atualiza-lo tb. Pois o tema evoluiu de ontem
para hoje." (fl. 91 do Apenso).
Ambos reuniram-se logo após essa troca de mensagens, ainda no dia 10/10/13
(fls. 91-92 do Apenso), e passaram a ajustar os detalhes das entregas de novas remessas de
dinheiro em espécie.
No dia 5/11/13, JOÃO NOGUEIRA trocou mensagens com BENEDITO e
este com PEDRO AUGUSTO sobre os procedimentos para recolhimento do dinheiro
encaminhado pela construtora a FERNANDO PIMENTEL.
Nessa oportunidade, PEDRO informou a BENEDITO o número 1605
correspondente ao quarto do hotel Quality Moema em São Paulo-SP, onde estava hospedado
(fl. 93 e 117 do Apenso).
Na sequência, BENEDITO repassou a JOÃO NOGUEIRA a referência 1605
e recebeu dele a senha manteiga, para ser informada ao emissário da construtora que portava
a quantia em dinheiro.
Em 6/11/13, PEDRO AUGUSTO informou a BENEDITO que o
procedimento de entrega dos valores havia sido Concluído (fl. 94 do Apenso).
No dia 12/11/13, nova remessa de valores da ODEBRECHT a FERNANDO
PIMENTEL foi entregue a PEDRO AUGUSTO em procedimento gerenciado por

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BENEDITO e JOÃO NOGUEIRA.
Nessa oportunidade, PEDRO informou a BENEDITO o número 107 do quarto
do hotel, dado que foi transmitido a JOÃO NOGUEIRA, que repassou a senha manga para
ser dita ao portador do pacote de dinheiro (fls. 95-96 do Apenso).
A mesma dinâmica ocorreu em 20/11/13, quando PEDRO AUGUSTO
informou a BENEDITO o número 710, correspondente ao quarto do hotel. Informado, JOÃO
NOGUEIRA encaminhou a senha alface para recebimento de nova remessa da vantagem
indevida ajustada entre FERNANDO e MARCELO (fls. 96-100 e 116 do Apenso 1).
Em 26/11/13, o número do quarto do hotel informado por PEDRO
AUGUSTO foi o 1306, e a palavra utilizada como senha foi escada, conforme mensagens
trocadas entre BENEDITO e JOÃO NOGUEIRA, na articulação para entrega da vantagem
indevida (fls. 100-101 e 116 do Apenso 1).
Outra remessa de valores ocorreu em 4/2/14, quando PEDRO AUGUSTO
informou a BENEDITO o número do quarto 1605 do hotel localizado na cidade paulista. O
dado foi transmitido ao diretor JOÃO NOGUEIRA, que comunicou a senha algodão para
recebimento de novo pacote de dinheiro (fl. 102 do Apenso 1).
Cada entrega correspondeu à quantia de pelo menos 500 mil reais em espécie,
dinheiro que foi transportado por PEDRO AUGUSTO para Brasília/DF e mantido por
BENEDITO, atendendo determinações de FERNANDO PIMENTEL. Na sequência, as
quantias foram utilizadas para pagamento de despesas não declaradas da campanha eleitoral
ao governo de Minas Gerais, inclusive pessoais.
A partir da aprovação condicional da CAMEX ao seguro-garantia do
financiamento contratado pela Construtora Norberto Odebrecht para construção da via em
Maputo, Moçambique, as demandas da empresa foram direcionadas ao Ministério da
Fazenda.
Os denunciados foram notificados (fls. 212, 213, 249 e 206) e apresentaram
suas respostas.
João Carlos Mariz Nogueira (fls. 289-298) explicou ter celebrado acordo de
colaboração premiada com o Ministério Público Federal. Disse que, em depoimento longo e

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completo, esclareceu toda a sua participação nos fatos objeto da denúncia, depoimento esse
que ratificou. Confirmou que recebeu de FERNANDO PIMENTEL, primeiro através de
BENEDITO RODRIGUES DE OLIVEIRA NETO, depois por EDUARDO LUCAS SILVA
SERRANO, a solicitação, sem menção expressa ao valor, de 15 milhões de reais, para que o
então Ministro FERNANDO PIMENTEL utilizasse na sua campanha para o governo de
Minas Gerais.
Informou que, “por não ter alçada”, levou o pleito a seus superiores. Noticiou
que ouviu FERNANDO PIMENTEL dizer, explicitamente, a MARCELO ODEBRECHT,
que “contava com tal colaboração”.
Endossou a efetiva realização dos pagamentos narrados na inicial, realizados na
sistemática orientada pela empresa empregadora e tal como descrito na denúncia. Corroborou
o vínculo entre os dois projetos de interesse da empresa – soterramento da linha ferroviária de
Sarmiento e execução do corredor interurbano de transporte público de Maputo – e as
contribuições dadas a Fernando Pimentel, as quais compuseram o “caixa 2” de sua campanha.
Acrescentou que viu nas doações uma forma de “não se indispor com o
Ministro”, comparando esse pagamento a um “seguro de vida”, que evitaria que o então
Ministro FERNANDO PIMENTEL alterasse sua “postura prestimosa”.
Encareceu que, depois do pagamento, a relação, que já era boa, melhorou. O
“atendimento, sempre existente, passou a ser menos protocolar”. O pagamento das
“contribuições” causou um “benefício estrutural” na relação entre a Odebrecht e o então
Ministro FERNANDO PIMENTEL.
Concluiu pontuando que a atuação de FERNANDO PIMENTEL nos dois
projetos citados estava “de alguma forma relacionada ao recebimento ou mesmo à expectativa
de recebimento das doações”. Acresceu que “ele não recebeu para fazer o que não devia;
nem para deixar de fazer o que devia; mas sim para fazer o que devia mesmo fazer”.
Requereu fosse dada eficácia à colaboração avençada e desde logo arrolou
testemunhas.
Marcelo Odebrecht, por sua vez (fls. 302-416), da mesma forma adotada por
João Mariz, advertiu para a existência de acordo de colaboração premiada pactuado com o

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Ministério Público Federal e homologado pela Eminente Ministra Carmen Lúcia, no âmbito do
Supremo Tribunal Federal.
Expôs a existência do ANEXO 8.4, intitulado “Doações para as eleições para
o Governo Estadual de Minas Gerais em 2014 – FERNANDO PIMENTEL”, que trata
especificamente do objeto da denúncia deste processo.
Afirmou “peremptoriamente” que os pagamentos procedidos por JOÃO
MARIS NOGUEIRA a FERNANDO PIMENTEL deram-se a título de contribuição de
campanha ao governo de Minas Gerais. Noticiou que os recursos se originaram do “caixa 2”
da Odebrecht e foram destinados a FERNANDO PIMENTEL, então Ministro. Sustentou não
haver vínculo entre esses pagamentos e atos de ofício praticados pelo então Ministro.
Pediu que o Ministério Público Federal desista da acusação quanto a ele,
porque a denúncia precede ao acordo de colaboração entabulado. Diz que a denúncia
considera crime de corrupção ativa fatos relatados no acordo de colaboração e que só
poderiam servir para caracterizar corrupção ativa por parte de agentes públicos. Em
decorrência do acordo, assere que não há qualquer ilícito penal quanto a ele, motivo pelo qual
pede que o Ministério Público Federal "desista da acusação" antes do exame de recebimento
ou "se manifeste pela rejeição da aludida exordial acusatória".
Em relação aos fatos, asseverou a atipicidade da conduta de corrupção ativa
porque o que teria ocorrido teria sido uma solicitação de vantagem indevida por parte de
“agente público (FERNANDO PIMENTEL) e outros” a MARCELO ODEBRECHT e outro,
que teriam “simplesmente aceitado tal solicitação”. Citou trechos da denúncia para demonstrar
que esse foi o teor da acusação. Sob esse enfoque, sustentou que, “embora FERNANDO
PIMENTEL, EDUARDO SERRANO e BENEDITO RODRIGUES, ao solicitar vantagem
indevida a MARCELO ODEBRECHT e JOÃONOGUEIRA, possam ter cometido o delito
de corrupção passiva (art. 317 do CP), seguramente estes últimos, ao simplesmente aceitar a
solicitação, não teriam incorrido no crime de corrupção ativa (art. 333 do CP)”. Ressaltou a
inexistência de oferecimento ou de promessa de vantagem indevida. Ponderou contradição na
denúncia, que teria asseverado que MARCELO ODEBRECHT e JOÃO NOGUEIRA teriam
aceitado a solicitação de vantagem indevida e ao mesmo tempo prometido o pagamento dela.

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Argumentou que mesmo que se pudesse admitir a existência desse crime, ele
poderia ser imputado apenas a JOÃO NOGUEIRA, pois teria sido ele quem pagou
efetivamente os valores solicitados por FERNANDO PIMENTEL e outros. Sublinhou pontos
da colaboração premiada estabelecida entre o MPF e João Nogueira, na qual ele teria
confirmado que pagou os valores solicitados por FERNANDO PIMENTEL, mas sem
intervenção de MARCELO ODEBRECHT.
Transcreveu trechos do acordo e sustentou, ainda, que os pagamentos
ocorreram a título de contribuição de campanha, e não de pagamento de vantagem indevida.
Argumenta que os crimes de corrupção ativa e passiva não são
necessariamente bilaterais, e que um pode existir sem o outro. Colacionou jurisprudência e
pediu a rejeição da denúncia, por falta de justa causa.
EDUARDO LUCAS SILVA SERRANO (fls. 418-423), em sua resposta,
afirmou que, pelo exame do material apresentado pelo acusador, que estaria limitado a
colaborações premiadas, não se poderia afirmar que houvesse prova mínima de sua
participação no crime de corrupção passiva. Diz que nenhum dos colaboradores afirmou que
ele tivesse participação ou conhecimento de “pedido de propina ou contraprestação (vantagem
indevida) por qualquer ato de ofício praticado, ou a ser praticado, por FERNANDO
PIMENTEL”.
Sustentou que os diálogos que o mencionam condizem a contribuições para
campanhas eleitorais municipais de 2012 e ao governo de Minas Gerais de 2014.
Asseverou que o MPF considerou como provas exclusivamente os termos de
colaborações premiadas, o que contrariaria o artigo 4.º, § 16, da Lei 12.850/03.
Pediu a rejeição da denúncia, por falta de justa causa.
PEDRO AUGUSTO DE MEDEIROS (fls. 425-448) afirmou ser inepta a
inicial, por não descrever nenhuma conduta praticada por ele. Diz que a peça foi lavrada com
elevada dose de subjetividade, com redação genérica e que impede o exercício do seu direito
de defesa.
Sustentou ter sido envolvido em cenário criminoso e disse que trabalhava como
mero “office-boy” de BENEDITO GONÇALVES, em que pese haver grau de parentesco.

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Pondera que não usufruía de qualquer benefício. Acrescenta que fazia atividades cotidianas a
mando de BENEDITO, atuando como mestre de obras, levando veículos para revisão e
reparo, fazia compras de supermercado, entre outras “atividades triviais”.
Afirmou, também ausente justa causa para a deflagração da Ação Penal, pela
ausência de elementos que permitissem a conclusão de sua atuação dolosa.
Sustentou a nulidade das buscas e apreensões, porque não haveria nos autos os
termos de busca, salvo a de 16/5/2016. Acresceu, ademais, que não houve lacre no material
apreendido, de forma que documentos retidos com acusados diferentes poderiam ter sido
misturados.
Asseverou cerceamento de defesa, por não ter tido acesso ao inteiro teor de
colaboração premiada firmada por BENEDITO RODRIGUES e por VANESSA
DANIELLA PIMENTA RIBEIRO.
Na matéria de fundo, alegou que a prova aponta que ele seria mero executor de
demandas, a mando de BENEDITO. Afirmou não agir com dolo e acreditar que aqueles
valores eram destinados a BENEDITO. Pontuou não conhecer nem o corruptor nem o
corrompido.
Requereu acolhimento das preliminares e absolvição sumária.
FERNANDO DAMATA PIMENTEL, por sua vez (fls. 450-501), aviou
defesa na qual pretendeu a declaração de invalidade de provas colhidas nas fases incipientes
da denominada “Operação Acrônimo”, ainda na Justiça Federal de Primeiro Grau, com a
consequente nulidade de todos os atos praticados na Ação Penal, inclusive na fase de
Inquérito.
Alegou, em síntese: (a) insubsistência da prisão em flagrante que originou a
investigação, porque não identificada a fonte da informação que motivou a constrição, notícia
essa que não teria sido formalizada, de onde despontaria suspeita de denúncia anônima; (b) o
Inquérito foi aberto apenas para respaldar e legitimar as constrições ocorridas na ocasião das
apreensões; (c) a notícia anônima consubstanciava “vingança eleitoreira” e que já se sabia que
o alvo da investigação seria o governador eleito; (d) ausência de justa causa porque a
investigação foi indevidamente mantida em primeiro grau, embora se conhecesse que o

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investigado era Governador de Estado, o que violaria o princípio do juiz natural; (e) ausência
de justa causa por nulidade das apreensões, ante inexistência de situação de flagrância,
inclusive pela não lavratura de auto de flagrante; (f) a posse de dinheiro em espécie não
caracteriza prática de crime a justificar flagrante; (g) são inidôneos os motivos indicados pela
Autoridade Policial para deflagrar a investigação; (h) na ocasião do flagrante, Benedito
Rodrigues de Oliveira Neto disse ser prestador de serviços de gráfica para “diversas
campanhas políticas”; (i) mensagens acessadas pela Polícia Federal em outubro de 2014
indicavam a existência de relação profissional e de amizade entre Benedito de Oliveira Neto e
o acusado; (j) já na abordagem ao avião foi encontrada tabela de pagamentos e prazos da
campanha do denunciado ao governo do Estado; (k) a competência seria, decorrência disso,
do STJ, e que, como tal, o juízo de primeiro grau era incompetente para autorizar as buscas e
apreensões.
Também requereu a exclusão do conteúdo do acordo de colaboração premiada
estabelecido entre o Ministério Público Federal e Benedito Rodrigues de Oliveira Neto, sem o
qual, a seu ver, não subsistiria justa causa para a Ação Penal. Afirma ter legitimidade e
interesse porque foi acusado por Benedito da prática de diversas infrações penais e porque o
ato teria sido manifestamente ilegal, em prejuízo ao devido processo legal. Consigna que foram
oferecidos ao colaborador vantagens não previstas em lei, as quais enumera.
Esclarece que o objeto da impugnação é a validade formal e material do
acordo, e não o conteúdo das declarações do colaborador, as quais, explica, serão
impugnadas em momento oportuno.
Discorre sobre a ilegalidade dos “prêmios” oferecidos a Benedito Rodrigues de
Oliveira Neto, que destoam daqueles catalogados na Lei 12.850/13, designadamente: (a) a
fixação, por antecipação, de penas impostas ao colaborados; (b) possibilidade de suspensão
das demais ações propostas contra o colaborador; (c) limitação prévia do tempo máximo de
cumprimento das penas; (d) o ajuste sobre o regime de pena privativa de liberdade e
substituição por prisão domiciliar, recolhimento noturno e recolhimento aos finais de semana.
Acrescenta, ademais, que não existe colaboração premiada atinente a “todo e
qualquer delito”, como constante do termo de acordo pactuado, a par de buscar afastar a

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existência de organização criminosa, o que esmaeceria a possibilidade de aplicação da Lei
12.850/13.
Finaliza ponderando que, a lattere da ilegalidade dessas cláusulas
homologadas, também a vontade do colaborador teria sido viciada, porque nasceu
condicionada aos benefícios específicos ilegais constantes da proposta.
Requereu a invalidade do material colhido, reservou para momento oportuno o
exame do mérito e pediu a produção de provas.
O Ministério Público Federal manifestou-se sobre o requerimento de
MARCELO BAHIA ODEBRECHT (fls. 687-693), que pretendia a rejeição da denúncia,
ratificando integralmente a peça acusatória. Disse que não "caso de desistência, aditamento ou
rejeição daquilo que foi imputado". Asseverou que os elementos colhidos durante a
investigação são concludentes quanto à materialidade e à autoria e que o conjunto dessas
evidências é formado por mensagens telefônicas, registros de hospedagem, processos
administrativos e atas de reunião.
No mais, disse que a íntegra dos acordos de colaboração que apresentou já
consta dos autos, inclusive mídia digital, à fl. 205.
Esse o relatório.

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AÇÃO PENAL Nº 843 - DF (2016/0246838-0)

VOTO

O EXMO. SR. MINISTRO HERMAN BENJAMIN (Relator):

2. Preliminares

Inicio o exame da matéria pela ordem de prejudicialidade das preliminares,


independentemente de quem as tenha arguido.

2.1. Alegada inépcia da inicial, a impedir a compreensão da acusação e o


exercício do direito de defesa

No que se refere à arguida deficiência da peça de acusação, segundo


entendimento jurisprudencial consolidado, a eventual inépcia da denúncia só pode ser acolhida
quando demonstrada inequívoca deficiência a impedir a compreensão da acusação que se
imputa, em flagrante prejuízo à defesa, ou na ocorrência de qualquer das situações apontadas
no artigo 395 do CPP.
Tal orientação é consentânea com os julgados do Superior Tribunal de Justiça
(HC 52949, Quinta Turma, Rel. Ministro Gilson Dipp, DJ 1º/8/2006; REsp 623.519, Sexta
Turma, Rel. Ministro Og Fernandes, DJe 7/12/2009; HC 173.212, Quinta Turma, Relª.
Ministra Laurita Vaz, DJe 1º/12/2011).
No caso em exame, a denúncia demonstrou com perfeita acuidade o fato
indigitado aos acusados, não se demitindo de descrever de modo acendrado e compreensível
a conduta e o modo de agir dos autores dos fatos. Também indicou o tempo e o resultado
material do crime.
A peça indica pormenorizadamente a ação de cada um dos sequazes dos
episódios, de forma individualizada e detalhada, com narração exata da ação de cada um.
Desse modo, a denúncia atende às prescrições do artigo 41 do Código de
Processo Penal, uma vez que narrada a conduta proibida, quem a praticou (quis), os meios
empregados (quibus auxilis), o gravame causado (quid), o motivo da conduta (cur), a
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maneira empregada (quomodo), o tempo (quando) e o local (ubi).
Não há, portanto, como reconhecer a afirmada inépcia.

2.2. Alegação de MARCELO BAHIA ODEBRECHT de


descumprimento do acordo de colaboração premiada pactuado com o Ministério
Público Federal e homologado pelo STF

Sustentou a defesa de MARCELO ODEBRECHT que "ao celebrar acordo de


colaboração e aceitar os termos apresentados em anexo pelo colaborador, o Ministério
Público Federal fica adstrito aos fatos ali revelados, delimitados e checados durante o
processo de negociação. Daí decorre que, uma vez homologado o acordo, o colaborador não
pode ser processado por outros fatos nos quais não tenha admitido sua participação, salvo em
caso de comprovada violação de seus deveres e de suas responsabilidades contratuais".
Como o colaborador MARCELO ODEBRECHT, no acordo celebrado, teria
se limitado a informar doações de campanha a FERNANDO PIMENTEL, em recurso cuja
origem foi o "caixa 2" da empresa, entendeu a sua defesa que não pudesse ele ser acusado de
corrupção ativa, subsistindo apenas a corrupção passiva por parte do agente público.
Dessa forma, a seu ver, se naquela ocasião o Ministério Público Federal
contentou-se com estes fatos, teria se comprometido e obrigado com eles, não podendo,
agora, dar interpretação diversa e entender ter ocorrido corrupção ativa por parte de
MARCELO ODEBRECHT.
Ouvido a respeito (fls. 687-693), o Ministério Público Federal ratificou
integralmente a denúncia e afirmou não ser caso de desistência, aditamento ou rejeição. Disse
que os elementos colhidos durante a investigação são concludentes quanto à materialidade e à
autoria de corrupção ativa e passiva e que "o conjunto dessas evidências é formado por
mensagens telefônicas, registros de hospedagem, processos administrativos e atas de reunião
que, somado às declarações colhidas junto a um operador financeiro do agente público,
revelou, para além de qualquer dúvida, a relação entre os pagamentos e os atos
administrativos descritos na inicial".

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Superior Tribunal de Justiça
Rechaçou a interpretação dos fatos dada pela defesa e requereu o
prosseguimento da Ação Penal.
Diante desse cenário, não há como dar respaldo à tese da defesa. Cabe ao
Ministério Público Federal, como dominus litis, titular do direito de Ação Penal, deliberar
sobre a propositura ou não da denúncia.
No caso dos autos, o acusador entendeu que o acordo de colaboração
premiada estabelecido no âmbito do STF não impede a propositura desta ação criminal.
Efetivamente, a divergência de interpretações dada ao episódio — de um lado,
a defesa alegando que o denunciado noticiou fato criminoso, mas não se comprometeu com
ele; de outro, a leitura dada pela acusação, no sentido de que o colaborador, ora acusado, é
autor do intento criminoso — não justifica a rejeição da denúncia, no ponto.
Não existe cláusula no acordo pactuado que impeça a propositura da presente
denúncia e a divergência de interpretação entre acusação e defesa não permite que se recuse a
peça inicial, ao argumento de que ela vilipendia o contrato celebrado.
Os fatos foram decantados pelo colaborador, na ocasião do acordo de
colaboração, e são exatamente esses os que ora são objeto da denúncia. Não vislumbro,
assim, qualquer ineditismo ou imputação extraordinária, destoante do acordo de colaboração.
Não há, portanto, elemento legal ou contratual que tenha sido estipulado e que
impeça o Ministério Público Federal de oferecer a presente denúncia contra MARCELO
ODEBRECHT.
Ao que parece, em verdade, há arrependimento ou reserva mental do
colaborador, que, neste momento, tenta justificar a sua ampla confissão dada na ocasião da
colaboração, para tentar esquivar-se de responsabilidade.
Como quer que seja, esses elementos só poderão ser avaliados no curso do
processo, quando, inclusive, poder-se-á verificar quebra do acordo de colaboração por parte
de MARCELO ODEBRECHT, a ser oportunamente informada ao STF, caso se constate o
propósito de indigitar responsabilidade a terceiros, furtando-se da própria.
Certo é que não há nos autos o que impeça o Ministério Público de oferecer a
denúncia, não se verificando, ao menos por parte do acusador, nenhuma quebra do acordo

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que pactuou.
Afasto, portanto, a prejudicial.

2.3. Reiteração por FERNANDO DAMATA PIMENTEL de pedido já


analisado – matéria antes decidida

FERNANDO DAMATA PIMENTEL articulou anteriormente preliminares


idênticas àquelas que ora traz, as quais foram repelidas, primeiro, em decisão datada de
2/9/2015, que transcrevo parcialmente:

Por vezes, noto que os argumentos são formalizados tais quais se


impugnasse uma sentença condenatória, que está embasada num juízo de certeza.
Com efeito, como toda medida cautelar, as buscas e apreensões
deferidas até o momento necessitavam apenas da fumaça do bom direito e do
perigo da demora, o que, de fato, existiam.
Saliento, por oportuno, que as decisões do julgador monocrático
estão fundamentadas concretamente, o que só reforça a legitimidade das medidas
cautelares adotadas até então.
Forte nas razões acima, indefiro: a) os pedidos de nulidade
das decisões proferidas pelo juiz de primeiro grau, antes do deslocamento
da competência para o STJ; b) os requerimentos, a exemplo do de fls.
500-509, para determinar que a Autoridade Policial se abstenha de
periciar os objetos apreendidos, sejam eles físicos ou virtuais.

Posteriormente, reaviou a mesma matéria, que foi decidida em 31/10/2016 (fls.


72-94). Contra essa decisão, opôs Agravo Regimental, do qual, posteriormente, desistiu.
Os tópicos foram decididos, a primeira decisão não foi impugnada no tempo e
na forma devida e houve desistência do recurso desafiado contra a segunda.
Permitir que a mesma problemática seja reaberta a todo instante implica
eternizar a discussão e inviabilizar o término do processo.
Tenho, portanto, que sobre a matéria de direito versada operou-se a preclusão,
motivo pelo qual, a meu sentir, essas preliminares sequer deveriam ser examinadas.
Como quer que seja, reexamino cada uma delas.

2.4. Cronologia da Investigação

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Primeiramente, importa destacar que o denunciado FERNANDO DAMATA
PIMENTEL adquiriu prerrogativa de foro apenas em 1.º de janeiro de 2015, data da posse
no cargo de Governador de Estado.
A apreensão de valor em pecúnia, documentos e telefones de passageiros de
aeronave particular aconteceu em 7 de outubro de 2014. Já a instauração do Inquérito para
apuração do episódio, conforme Portaria constante de fls. 04-05 do Apenso 1, ocorreu em 8
de outubro de 2014.
Em 9 de outubro de 2014, a Autoridade Policial representou pelo acesso ao
conteúdo dos telefones e demais eletrônicos apreendidos, tal como mostra o Ofício
7.563/2014, juntado às fls. 2-4 do Apenso 26. A autorização foi concedida em 28 de
outubro de 2014, conforme fls. 13-15 do mesmo Apenso.
Em 13 de abril de 2015, o Delegado de Polícia Federal representou ao Juiz de
Primeiro Grau pela autorização de buscas e apreensões (fls. 3-50 do Apenso 24), as quais
foram deferidas em 12 de maio de 2015 (fls. 65-74 do mesmo Apenso 24). Executaram-se
as medidas em 29 de maio daquele ano.
Em 12 de junho de 2015, com base em elementos complementares coletados
nas buscas anteriores, a Autoridade Policial informou ao Juízo de primeiro grau da
possibilidade de envolvimento do ora acusado nos fatos, conforme Ofício juntado às fls.
441-451 do Apenso 2. A remessa dos autos ao STJ foi determinada em 17 de junho do
mesmo ano, consoante decisão de fls. 451-457, também do Apenso 2.
Conforme se vê, no que condiz com a alegação de incompetência do Juízo
de Primeiro Grau, esse argumento – se pudesse ser reconhecido como válido, o que
não ocorre – atingiria uma única decisão judicial, datada de 12 de maio de 2015 (e que
não diz respeito aos fatos versados nesta Ação Penal), na medida em que os demais
atos foram todos praticados quando o denunciado não tinha prerrogativa de foro, o
que passou a existir apenas depois de 1.º de janeiro de 2015.

2.5. Improcedência das preliminares de nulidade das provas colhidas em


1.º grau — apreensão de telefones e acesso ao seu conteúdo — arguidas por

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FERNANDO DAMATA PIMENTEL: superveniência de 3 (três) colaborações
premiadas, duas das quais no âmbito do STF, que descortinam as ações perpetradas e
que constituem fonte autônoma e independente de prova - Pet 6732/DF/STF —, e uma
no STJ, na qual o proprietário do telefone, BENEDITO RODRIGUES DE
OLIVEIRA NETO, compromete-se a entregar toda a prova de que dispuser, o que
inclui o referido aparelho

Sustenta a defesa de FERNANDO DAMATA PIMENTEL a ilegalidade das


provas colhidas pela Autoridade Policial em busca realizada por ocasião de flagrante, como
adiante se verá, e porque o Juízo de 1.º grau, onde a investigação teve origem, teria praticado
atos, mesmo ciente de que um dos investigados — FERNANDO PIMENTEL — havia sido
eleito governador de Estado.
Todavia, esses argumentos de nulidade das provas são esmaecidos pela
manifestação voluntária de três colaboradores, o que consubstancia, na linha da jurisprudência
pátria, fonte independente de prova, a ratificar aquelas alegadamente obtidas de forma
indevida, de modo a se apresentarem como autônomas, não remanescendo nexo causal com
qualquer ilicitude originária que pudesse ser eventualmente reconhecida.
Em 1.º/12/2016, JOÃO CARLOS MARIZ NOGUEIRA firmou Acordo de
Colaboração Premiada com o Ministério Público Federal (fls. 582-654).
Em 2/12/2016, MARCELO BAHIA ODEBRECHT celebrou idêntico pacto
(fls. 633-643).
Esses dois acordos foram estabelecidos no âmbito da "Operação Lava-Jato",
no Supremo Tribunal Federal.
Às fls. 183-188, consta pedido formulado pelo MPF e endereçado ao
Eminente Ministro Edson Fachin de permissão para emprego dos termos de depoimento e
material correlato aos acordos de colaboração no STJ, no que diz respeito a FERNANDO
DAMATA PIMENTEL.
A permissão foi concedida por Sua Excelência, o Ministro Edson Fachin, pela
decisão de fls. 192-196, de 4/4/2017, constante da Pet 6732/DF—STF, que determinou o

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levantamento do sigilo dos acordos de colaboração atrás citados e deferiu o pedido formulado
pelo Procurador-Geral da República, autorizando o envio de cópia dos depoimentos
prestados por MARCELO BAHIA ODEBECHT e por JOÃO CARLOS MARIZ
NOGUEIRA ao STJ, tal como efetivamente ocorreu.
Os depoimentos prestados por esses dois colaboradores confirmaram o teor
das conclusões que advieram da prova já existente nos autos desta Ação Penal. Ou seja, a
prova ora impugnada pela defesa é aquela que levou à descoberta da existência de
JOÃO MARIZ NOGUEIRA e dos pagamentos procedidos pela ODEBRECHT,
exclusivamente a constante no aparelho de telefonia móvel de BENEDITO
RODRIGUES DE OLIVEIRA NETO.
Mas, a partir do instante em que MARCELO ODEBRECHT e JOÃO
NOGUEIRA, em outro processo, no âmbito do STF, de forma autônoma, espontânea e
voluntária, relatam, em confissão, os fatos tidos por ilícitos nesta Ação Penal, surge fonte
absolutamente independente de prova, na exata dicção do artigo 157, § 1.º, parte final, do
CPP, e rompe-se qualquer nexo de causalidade entre a prova afirmadamente licita e o
resultado que dela adveio, o que inviabiliza declaração de nulidade. Eis o teor do referido
parágrafo:

Art. 157...
§ 1o São também inadmissíveis as provas derivadas das ilícitas,
salvo quando não evidenciado o nexo de causalidade entre umas e outras, ou
quando as derivadas puderem ser obtidas por uma fonte independente
das primeiras. (Incluído pela Lei nº 11.690, de 2008)

O mesmo se diga em relação a BENEDITO RODRIGUES DE OLIVEIRA


NETO. Este, igualmente, de forma espontânea e voluntária, também firmou com o Ministério
Público o Acordo de Colaboração Premiada, no âmbito desta própria Ação Penal.
Exatamente isso — existência de fonte absolutamente independente e
rompimento do nexo entre a prova e sua fonte — é o que ocorre em relação às mensagens de
texto encontradas no telefone de BENEDITO RODRIGUES DE OLIVEIRA NETO,

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apreendido em busca e apreensão realizada pela Polícia Federal. Assim consta da alínea "d" da
Cláusula 6.ª e da alínea "d" da Cláusula 7.ª do Acordo adunado às fls. 7-22 do Apenso 75
dos autos (Acordo de Colaboração pactuado entre o MPF e BENEDITO RODRIGUES DE
OLIVEIRA NETO):

CLÁUSULA 6.ª - Para que o presente acordo possa produzir os


benefícios nele relacionados, especialmente os constantes da cláusula anterior, a
colaboração voluntária, será ampla, efetiva, eficaz e conducente aos seguintes
resultados:
...
e) o fornecimento de documentos e outras provas materiais,
notadamente em relação aos fatos referidos nos anexos a este acordo.

CLÁUSULA 7.ª - Para tanto, o COLABORADOR se obriga,


sem malícia ou reserva mental, a:
...
d) entregar todos os documentos, papéis, escritos, fotografias,
banco de dados, arquivos elerônicos, de que disponha, estejam em seu poder ou
sob a guarda de terceiros, salvo se, diante da eventual impossibilidade da
obtenção direta de tais documentos ou provas, indicar ao Ministério Público a
pessoa que o guarda e o local em que poderá ser obtido, para a adoção das
providências cabíveis, a que possam contribuir, a juízo do Ministério Público, para
elucidação dos crimes que são objeto da presente investigação.

É dizer, em relação à apreensão do telefone, que, mesmo que se


declarasse nula a constrição, com extirpação dessa prova porque obtida por suposto
meio ilegítimo, a mesma prova — o exame das mensagens constantes do telefone —
seria integralmente reconstituída, por força do acordo de colaboração celebrado por
BENEDITO RODRIGUES DE OLIVEIRA NETO, proprietário do aparelho de
telefone, que se comprometeu à entrega de todo meio de prova de que dispuser.
Daí a total irrelevância dos argumentos de FERNANDO DAMATA
PIMENTEL.
Nessa linha, a jurisprudência do STJ:

HABEAS CORPUS SUBSTITUTIVO DE RECURSO


ESPECIAL. DESCABIMENTO. PROCESSO PENAL. PORTE ILEGAL
DE ARMA DE FOGO. TRÁFICO DE DROGAS. EXTRAÇÃO DE FOTO
DO APARELHO CELULAR. AUSÊNCIA DE AUTORIZAÇÃO
JUDICIAL PARA O ACESSO AOS DADOS. DIREITOS FUNDAMENTAIS
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À INTIMIDADE E À PRIVACIDADE. NULIDADE DA PROVA.
DEPOIMENTO DE TESTEMUNHA. PRISÃO EM FLAGRANTE.
FONTES INDEPENDENTES. CONDENAÇÃO FUNDADA EM PROVAS
AUTÔNOMAS. FLAGRANTE ILEGALIDADE NÃO EVIDENCIADA.
WRIT NÃO CONHECIDO.
1. Conforme entendimento recentemente adotado no STJ, é
ilícito, como regra, o acesso a dados mantidos em aparelho celular diretamente
por autoridades policiais, sem prévia autorização judicial.
2. Hipótese em que não restou demonstrada nenhuma razão que
justificasse, em caráter excepcional, o imediato acesso aos dados contidos
no aparelho, restando desproporcionalmente restringidos os direitos
fundamentais à intimidade e à privacidade da titular do dispositivo (CF, art. 5º,
X). Reconhecida a nulidade do acesso aos dados do celular, deve ser
desconsiderada, como prova, a fotografia dele extraída.
3. A nulidade deve ser, em princípio, estendida às provas,
supostamente lícitas e admissíveis, obtidas a partir daquela colhida de forma
ilícita, por força da teoria dos frutos da árvore envenenada (fruits of the
poisonous tree), de origem norte-americana, consagrada no art. 5º, inciso
LVI, da Constituição Federal.
4. A regra de exclusão (exclusionary rule) das provas derivadas
das ilícitas comporta, na jurisprudência da Suprema Corte dos EUA, diversas
exceções, tendo sido recepcionadas no ordenamento jurídico brasileiro, no art.
157, §§ 1º e 2º do CPP, ao menos duas delas: a) fonte independente e b)
descoberta inevitável.
5. No caso concreto, após o acesso ilegítimo a dados contidos
no celular da testemunha, esta prestou voluntariamente informações às
autoridades policiais, as quais, diligenciando prontamente ao local indicado,
prenderam o paciente em flagrante, na posse ilegal de arma de fogo e de drogas.
6. A manifestação voluntária da testemunha consubstancia,
na linha da jurisprudência pátria, fonte independente, de modo que as
provas assim obtidas apresentam-se como autônomas, não restando
evidenciado nexo causal com a ilicitude originária.
7. Ausência de ilegalidade flagrante. Writ não conhecido.
(HC 378.374/MG, Rel. Ministra MARIA THEREZA DE ASSIS
MOURA, SEXTA TURMA, julgado em 14/3/2017, DJe 30/3/2017)

No mesmo sentido, entendimento sedimentado na decisão de recebimento de


denúncia na APn 856/DF, datada de 18/10/2017, Relatoria da Eminente Ministra Nancy
Andrighi, assim ementada:

AÇÃO PENAL ORIGINÁRIA. COOPERAÇÃO JURÍDICA


INTERNACIONAL. PROVA PRODUZIDA NO EXTERIOR. PARÂMETRO
DE VALIDADE. ADMISSIBILIDADE NO PROCESSO. ORDEM
PÚBLICA, SOBERANIA NACIONAL E BONS COSTUMES. VIOLAÇÃO.
INOCORRÊNCIA. PROVAS ILÍCITAS DERIVADAS. FRUTOS DA
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ÁRVORE ENVENENADA. EXCEÇÕES. TEORIA DA MANCHA
PURGADA. NEXO DE CAUSALIDADE. ATENUAÇÃO.
PRERROGATIVA DE FORO. CONEXÃO E CONTINÊNCIA.
COMPETÊNCIA. DESMEMBRAMENTO. FORO PREVALENTE. ART. 78
DO CPP. PREJUÍZO CONCRETO. DEFESA. AUSÊNCIA. CORRUPÇÃO
PASSIVA QUALIFICADA. APTIDÃO DA DENÚNCIA. LAVAGEM DE
DINHEIRO. CONSUNÇÃO. MATÉRIA DE PROVA. ATIPICIDADE.
INOCORRÊNCIA. RECEBIMENTO.
...
4. A teoria dos frutos da árvore envenenada tem sua
incidência delimitada pela exigência de que seja direto e imediato o nexo
causal entre a obtenção ilícita de uma prova primária e a aquisição da
prova secundária.
5. De acordo com a teoria do nexo causal atenuado ou da
mancha purgada, i) o lapso temporal decorrido entre a prova primária e a
secundária; ii) as circunstâncias intervenientes na cadeia probatória; iii) a
menor relevância da ilegalidade; ou iv) a vontade do agente em colaborar
com a persecução criminal, entre outros elementos, atenuam a ilicitude
originária, expurgando qualquer vício que possa recair sobre a prova
secundária e afastando a inadmissibilidade de referida prova.
...

14. Preliminares rejeitadas. Denúncia recebida. (Destaquei)

Do magistral Voto, colhe-se:

A teoria dos frutos da árvore envenenada tem, contudo, sua


incidência delimitada pela exigência de que o nexo causal entre a obtenção ilícita
de uma prova primária e a aquisição da prova secundária supostamente derivada
seja direto e imediato. Essa limitação é esclarecida pelas seguintes teorias: a) da
fonte independente; b) da descoberta inevitável; e c) do nexo causal atenuado ou
da mancha purgada.
Dessas três, a que tem relevo no caso concreto refere-se ao nexo
causal atenuado ou à mancha purgada. Segundo essa teoria, que afasta a
caracterização da prova ilícita por derivação, atenuam a ilicitude originária,
expurgando qualquer vício que possa recair sobre a prova secundária, entre
outros elementos: i) o lapso temporal decorrido entre a prova primária e a
secundária; ii) as circunstâncias intervenientes na cadeia probatória; iii) a menor
relevância da ilegalidade; ou iv) a vontade do agente em colaborar com a
persecução criminal.
De fato, esses fatores, quando verificados no caso concreto,
diluem o vício inicialmente verificado na obtenção da prova primária, quebrando a
cadeia lógica consequencial entre a prova primária e a aquisição da prova
secundária. Assim, afastam a inadmissibilidade da prova secundária e a aplicação
da teoria dos frutos da árvore envenenada.
...
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Desse modo, mesmo que se considerasse ilegal a atuação do


agente infiltrado segundo o padrão legal brasileiro, a atitude da pessoa “B17”
de contribuir espontaneamente com a investigação – transferindo aos
investigadores documentação que estava em sua posse e que pertenceria
à pessoa investigada na Suíça – é circunstância interveniente na cadeia
probatória que atenua a o nexo causal com a prova tida por ilícita pelo
julgado suíço.
Assim, ainda que a ilegalidade na obtenção da prova por
agente infiltrado também fosse verificada no ordenamento nacional, a
prova secundária, referente aos documentos cedidos pela funcionária B17
aos órgãos de investigação, teria existência independente, a qual, apesar
de ter origem remota na citada ilegalidade, seria admissível no processo,
como incidência da teoria do nexo causal atenuado ou da mancha purgada.
Diante disso, não existindo nexo de causalidade direto e imediato
entre as provas obtidas pelo agente infiltrado e as provas referentes ao Caso
ALSTOM, encaminhadas ao MPF brasileiro, não há motivos para o trancamento
da ação penal, razão pela qual NÃO ACOLHO a preliminar de ilicitude do acervo
probatório que ensejou a investigação conduzida no território nacional.

Bem por isso, a alegação de nulidade da prova obtida através da apreensão do


telefone de BENEDITO RODRIGUES DE OLIVEIRA NETO, que poderia e efetivamente
seria reconstruída a todo e qualquer momento, mediante o compromisso de entrega voluntária
do aparelho de telefone, é absolutamente inócua.

2.6. Não apontamento pela defesa de FERNANDO DAMATA


PIMENTEL de quais provas seriam contaminadas por eventual nulidade —
inexistência de atos probatórios que interessem a esta Ação Penal praticados entre
1.º/1/2015 e 17/6/2015

Dispõe o artigo 157 do Código Penal:

Art. 157. São inadmissíveis, devendo ser desentranhadas do


processo, as provas ilícitas, assim entendidas as obtidas em violação a normas
constitucionais ou legais. (Redação dada pela Lei nº 11.690, de 2008)
§ 1o São também inadmissíveis as provas derivadas das ilícitas,
salvo quando não evidenciado o nexo de causalidade entre umas e outras, ou
quando as derivadas puderem ser obtidas por uma fonte independente das
primeiras. (Incluído pela Lei nº 11.690, de 2008)
Documento: 1661800 - Inteiro Teor do Acórdão - Site certificado - DJe: 01/02/2018 Página 61 de 7
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§ 2o Considera-se fonte independente aquela que por si só,
seguindo os trâmites típicos e de praxe, próprios da investigação ou instrução
criminal, seria capaz de conduzir ao fato objeto da prova. (Incluído pela Lei nº
11.690, de 2008)
§ 3o Preclusa a decisão de desentranhamento da prova declarada
inadmissível, esta será inutilizada por decisão judicial, facultado às partes
acompanhar o incidente.

De meridiana clareza que a consequência única da declaração de nulidade da


prova é o desentranhamento desta dos autos.
Sem descer, neste momento, à planície valorativa de se saber se FERNANDO
DAMATA PIMENTEL, na data da posse como governador — 1.º/1/2015 — já poderia ser
considerado "investigado", como afirma a defesa, o que farei em item posterior, fato é que
incumbia a ele ter apontado, especificamente, quais atos probatórios teriam sido autorizados
pelo Juízo de 1.ª grau e que estariam eivados de nulidade em decorrência da incompetência
absoluta, atos esses posteriores à posse de FERNANDO DAMATA PIMENTEL no cargo
de Governador.
Ocorre que, examinando-se os autos, percebe-se que, entre 1.º/1/2015 e
17/6/2015, nenhum ato probatório que interesse a esta Ação Penal foi produzido em 1.º
grau.
Em síntese: a defesa despendeu inúmeras laudas para afirmar ilícitas as
provas colhidas entre a posse de FERNANDO PIMENTEL no cargo de governador e
a remessa dos autos ao STJ. Não atentou, porém, para o fato de que nenhuma prova
constante destes autos foi produzida no interregno.
Ou seja, ainda que pudessem ser reconhecidos todos os vícios que sustentou
existentes, não há consequência a ser declarada, pela simples ausência de atos praticados
nesse período pelo Juízo tido por incompetente.
Ao que parece, a defesa confunde "eleição" com diplomação e posse.
Mesmo que o candidato tenha sido eleito em primeiro turno em outubro de
2014, a prerrogativa de foro só foi adquirida com a investidura no cargo, e, nesse ínterim,
todos os atos praticados pelo Juízo de 1.º grau são plenamente válidos.

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Dessa forma, não há ato processual a ser invalidado por incompetência
absoluta do Juízo de 1.º grau, salientando-se que a defesa sequer indicou quais seriam esses
atos — todos inexistentes, como visto.
Como se vê, essas duas últimas razões e, especialmente, a superveniência das
três colaborações premiadas, são suficientes para repelir qualquer das preliminares invocadas
pela defesa de FERNANDO PIMENTEL, motivo pelo qual nem se faria necessário o
enfrentamento dos pontos específicos que trouxe.
Seja como for, apenas para não deixar passar em branco, examino
individualmente cada um.

2.7. Alegação de FERNANDO DAMATA PIMENTEL de investigação


deflagrada por denúncia anônima

É pacífico o entendimento jurisprudencial do STJ e do STF no sentido de não


admitir notícia-crime veiculada por meio de denúncia anônima, considerando que ela não é
meio hábil para embasar, por si só, a instauração de Inquérito Policial ou medidas restritivas de
direitos fundamentais, como é o caso de busca e apreensão.
Na jurisprudência do STJ: APn 300/ES, Corte Especial, DJ 6/8/2007; QO na
NC 280/TO, Corte Especial, Min. NILSON NAVES, DJ 5/9/2005; HC 119702/PE, Sexta
Turma, Min. JANE SILVA (Desembargadora convocada do TJ/MG), DJe de 2/3/2009.
Do STF: HC 98345, Rel. Min. MARCO AURÉLIO, Relator p/ Acórdão: Min.
DIAS TOFFOLI, Primeira Turma, DJe de 17/9/2010; HC 115773 AgR, Rel. Min. CELSO
DE MELLO, Segunda Turma, DJe de 3/9/2014; RHC 120551, Rel. Min. RICARDO
LEWANDOWSKI, Segunda Turma, DJe de 28/4/2014; Inq 1957, Rel. Min. CARLOS
VELLOSO, Tribunal Pleno, DJ 11/11/2005. É ilustrativo, a propósito, o acórdão da lavra do
Ministro CELSO DE MELLO, no Inq 1957, Tribunal Pleno, em cujo voto se lê:

“(a) os escritos anônimos não podem justificar, só por si, desde


que isoladamente considerados, a imediata instauração da persecutio criminis,
eis que peças apócrifas não podem ser incorporadas, formalmente, ao processo,
salvo quando tais documentos forem produzidos pelo acusado, ou, ainda, quando
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constituírem, eles próprios, o corpo de delito (como sucede com bilhetes de
resgate no delito de extorsão mediante sequestro, ou como ocorre com cartas que
evidenciem a prática de crimes contra a honra, ou que corporifiquem o delito de
ameaça ou que materializem o crimen falsi, p. ex.); (b) nada impede, contudo,
que o Poder Público, provocado por delação anônima (disque-denúncia p.
ex.), adote medidas informais destinadas a apurar, previamente, em
averiguação sumária, com prudência e discrição, a possível ocorrência de
eventual situação de ilicitude penal, desde que o faça com o objetivo de
conferir a verossimilhança dos fatos nela denunciados, em ordem a
promover, então, em caso positivo, a formal instauração da persecutio
criminis, mantendo-se, assim, completa desvinculação desse
procedimento em relação às peças apócrifas; (c) o Ministério Público, de
outro lado, independente da prévia instauração de inquérito policial, também pode
formar a sua opinio delicti com apoio em outros elementos de convicção que
evidenciem a materialidade do fato delituoso e a existência de indícios suficientes
de sua autoria, desde que os dados informativos que são suporte à acusação penal
não tenham, como único fundamento causal, documentos ou escritos anônimos”
(grifei).

No caso, extrai-se do documento de fls. 3-50 do Apenso 24 a justificativa para


a instauração do Inquérito:

2. O presente inquérito policial foi instaurado para apurar possível


ocorrência de crime de lavagem de dinheiro, em função da apreensão de R$
113.280,00 (cento e treze mil, duzentos e oitenta reais) em aeronave que
aterrissou no aeroporto desta Capital Federal, oriunda de Belo Horizonte/MG,
valores esses, a priori, sem origem lícita comprovada.
3. Com efeito, na data de 07/10/2014, chegou a esta unidade da
Polícia Federal a informação de que aterrissaria avião com valores de
procedência ilícita, o que levou à abordagem da aeronave e busca tanto naquela
como nas bagagens, e pessoal nos passageiros e tripulantes daquele voo.
Conforme termos de oitivas de fI. 7-8, 20-21, 36-37, 46-47 e 49-50, constatou-se
que BENEDITO RODRIGUES DE OLIVEIRA NETO, PEDRO AUGUSTO
DE MEDEIROS e MARClER TROMBIERE MOREIRA trouxeram os valores
acima citados daquela cidade mineira para Brasilia/DF, em voo operado pelos
tripulantes MÁRIO HENRIQUE GUIMARÃES FERREIRA e SÉRGIO
GOMES FERREIRA, aeronave de prefixo PR-PEG.

2.8. Constatações preliminares em conferência da alegada denúncia


anônima - realização de averiguações prévias

Conforme se percebe, não está clara a forma como a notícia do pouso do avião
Documento: 1661800 - Inteiro Teor do Acórdão - Site certificado - DJe: 01/02/2018 Página 64 de 7
Superior Tribunal de Justiça
que transportaria dinheiro de procedência ilícita chegou à Superintendência da Polícia Federal
em Brasília.
Entretanto, diante da informação obtida, a Autoridade Policial pôde confirmar
os elementos que lhe foram dispostos, designadamente a origem, o prefixo da aeronave, a data
da chegada e o histórico pessoal dos ocupantes do avião.
Atestada a convergência desses fragmentos, os passageiros foram abordados e
procedeu-se à busca no interior da aeronave.
Importante destacar que se averiguou que um dos passageiros havia respondido
a processo por crime descrito no artigo 12, caput, da Lei 6.368/76 (e não por uso de
entorpecente, como sustentou a defesa de FERNANDO DAMATA PIMENTEL), tal como
consta da Rede Infoseg, e o outro estampou reportagem da Revista Veja, que mencionava
envolvimento com espionagem, enriquecimento vertiginoso e contratos suspeitos com o
Governo Federal.
Como se vê, foram realizadas pesquisas e averiguações que propiciaram à
Autoridade Policial razoável juízo de que se estava diante de ocorrência de crime. Não houve
crédito cego à afirmada denúncia anônima, motivo pelo qual nãoo se mostra adequada a
assertiva da ocorrência de investigação desencadeada puramente a partir de denúncia
apócrifa.

2.9. Estado de flagrância

Como é cediço, o transporte do produto de delito, no caso, dinheiro, a ser


posteriormente dissimulado e ocultado, é ciclo da lavagem de dinheiro e, como tal, é
inequívoco o estado de flagrância que ali se tinha.
Ainda que a polícia judiciária, por mera prudência e como meio de evitar uso
equivocado da constrição pessoal, não tenha lavrado o respectivo auto e procedido às prisões
em flagrante – atuar esse cauteloso, porque até aquele momento ainda não tinha juízo absoluto
de certeza sobre a origem do dinheiro –, isso não desnatura a situação de flagrante delito
desenhada.

Documento: 1661800 - Inteiro Teor do Acórdão - Site certificado - DJe: 01/02/2018 Página 65 de 7
Superior Tribunal de Justiça
Verifica-se, portanto, que se estava diante de estado de flagrância, caso que
era de prisão, o que, de per si, autorizava a busca na aeronave.
Esse o teor dos artigos 240 e 244 do Código de Processo Penal:

Art. 240 ...


...
§ 2o Proceder-se-á à busca pessoal quando houver fundada
suspeita de que alguém oculte consigo arma proibida ou objetos mencionados nas
letras b a f e letra h do parágrafo anterior.
...
Art. 244. A busca pessoal independerá de mandado, no caso de
prisão ou quando houver fundada suspeita de que a pessoa esteja na posse de
arma proibida ou de objetos ou papéis que constituam corpo de delito, ou quando a
medida for determinada no curso de busca domiciliar.

A busca em veículo, convém assinalar, equipara-se à busca pessoal:

HABEAS CORPUS. CARTEL. INVESTIGAÇÃO POLICIAL.


MEDIDA DE BUSCA E APREENSÃO. AUTO CIRCUNSTANCIADO.
LAVRATURA. ART. 245, § 7º, DO CPC. ENCERRAMENTO DA
DILIGÊNCIA. REABERTURA DA BUSCA E APREENSÃO. NOVA
ORDEM JUDICIAL AUTORIZADORA. NECESSIDADE. FUNDADA
SUSPEITA DE POSSE DE OBJETOS OU PAPÉIS QUE CONSTITUAM
CORPO DE DELITO. OCORRÊNCIA. BUSCA EM VEÍCULO.
EQUIPARAÇÃO À BUSCA PESSOAL. MANDADO JUDICIAL.
PRESCINDIBILIDADE.
1. Nos termos do art. 245, § 7º, do Código de Processo Penal,
finda a busca domiciliar, os executores da medida lavrarão auto circunstanciado,
assinando-o com duas testemunhas presenciais, momento em que se considerará
encerrada a diligência.
2. Após o encerramento da busca domiciliar, as autoridades
responsáveis por sua execução não podem, horas depois, reabri-la e realizar
novas buscas e apreensões sem nova ordem judicial autorizadora.
3. Havendo fundada suspeita de que a pessoa esteja na posse de
objetos ou papéis que constituam corpo de delito, como no caso, a busca em
veículo, a qual é equiparada à busca pessoal, independerá da existência
de mandado judicial para a sua realização.
4. Ordem denegada. (Grifei)
(STJ, HC 216437, Sexta Turma, Rel Ministro Sebastião Reis
Júnior, j. em 20/9/2012, grifei)

Mesmo que se admitisse que a origem da informação foi anônima, fato esse que
perde contorno de relevo diante da averiguação prévia dos dados atinentes à chegada do
avião, é desimportante que a fonte de informação tenha origem desconhecida, quando
Documento: 1661800 - Inteiro Teor do Acórdão - Site certificado - DJe: 01/02/2018 Página 66 de 7
Superior Tribunal de Justiça
as circunstâncias apontam para a ocorrência atual de crime..
Nesse sentido, remansosa jurisprudência:

PROCESSUAL PENAL. HABEAS CORPUS


SUBSTITUTIVO DE RECURSO ESPECIAL. NÃO CABIMENTO.
TRÁFICO DE ENTORPECENTES. ALEGADA VIOLAÇÃO DE
DOMICÍLIO. CRIME PERMANENTE QUE CARACTERIZA ESTADO
DE FLAGRÂNCIA. PRESCINDIBILIDADE DO MANDADO DE BUSCA E
APREENSÃO. HABEAS CORPUS NÃO CONHECIDO.
I - A Terceira Seção desta Corte, seguindo entendimento firmado
pela Primeira Turma do col. Pretório Excelso, firmou orientação no sentido
de não admitir a impetração de habeas corpus em substituição ao recurso
adequado, situação que implica o não-conhecimento da impetração,
ressalvados casos excepcionais em que, configurada flagrante ilegalidade
apta a gerar constrangimento ilegal, seja possível a concessão da ordem da
ordem de ofício.
II - Tratando-se de crimes de natureza permanente, como é o
caso do tráfico ilícito de entorpecentes, mostra-se prescindível o mandado de
busca e apreensão para que os policiais adentrem o domicílio do acusado, não
havendo se falar em eventuais ilegalidades relativas ao cumprimento da medida
(precedentes).
III - Ademais, a defesa, em sua apelação, somente suscitou
a nulidade da ação policial que teria sido conduzida em razão de denúncia
anônima. Por outro lado, in casu, houve contato policial com informantes
(usuários de drogas), a indicar a fundada justificativa da medida de busca e
apreensão.
Habeas corpus não conhecido.
(HC 345.424/SC, Rel. Ministro Felix Fischer, Quinta Turma,
julgado em 18/08/2016, DJe 16/09/2016)

PROCESSO PENAL. HABEAS CORPUS. HOMICÍDIO


QUALIFICADO. IRREGULARIDADES NA PRISÃO EM FLAGRANTE E
NA BUSCA E APREENSÃO. REEXAME FÁTICO-PROBATÓRIO.
IMPOSSIBILIDADE. SUPERVENIÊNCIA DA PRISÃO PREVENTIVA.
TESE SUPERADA. FLAGRANTE VÁLIDO. NULIDADE POR
DERIVAÇÃO. INADMISSÍVEL. ORDEM DENEGADA.
1. Não há que se falar em ilegalidade da prisão em flagrante do
paciente, pelo ingresso dos policiais em seu domicílio no período noturno, vez que
a Constituição Federal, em seu artigo 5º, inciso XI, autoriza a entrada da
autoridade policial, seja durante o dia, seja durante a noite, independente da
expedição de mandado judicial, nos casos de flagrante delito.
2. Para se concluir que não havia situação de flagrância, seria
necessário reexaminar o contexto fático-probatório dos autos, o que se afigura
inviável na estreita via eleita.
3. Não há mais que se falar em irregularidade da prisão em
flagrante, porquanto encontra-se superada com a superveniência do decreto de

Documento: 1661800 - Inteiro Teor do Acórdão - Site certificado - DJe: 01/02/2018 Página 67 de 7
Superior Tribunal de Justiça
prisão preventiva, que é o novo título judicial ensejador da custódia cautelar.
4. Se não existiu nulidade na prisão em flagrante, não há que se
falar em nulidade por derivação da busca e apreensão.
5. Habeas corpus denegado.
(HC 345.547/SP, Rel. Ministra Maria Thereza de Assis Moura,
Sexta Turma, julgado em 15/03/2016, DJe 28/03/2016)

RECURSO ORDINÁRIO EM HABEAS CORPUS. TRÁFICO


DE ENTORPECENTES E PORTE ILEGAL DE ARMA DE FOGO. PRISÃO
EM FLAGRANTE. CRIME PERMANENTE. AUSÊNCIA DE NULIDADE.
DENÚNCIA ANÔNIMA. POSSIBILIDADE. PRISÃO PREVENTIVA.
GRAVIDADE ABSTRATA. AUSÊNCIA DE INDÍCIOS DE AUTORIA
DELITIVA. REVOLVIMENTO DE MATÉRIA FÁTICO-PROBATÓRIA.
INVIABILIDADE NA VIA ELEITA. RECURSO PARCIALMENTE
PROVIDO.
1. A garantia constitucional ao domicílio é excepcionada nas
hipóteses de flagrante delito, situação em que se enquadra o crime permanente de
tráfico de drogas pela posse de substância entorpecente.
2. Não atende à constitucional exigência da motivação dos
requisitos alternativos da prisão preventiva (riscos à ordem pública, à instrução
criminal ou à aplicação da lei penal) a fundamentação em fatos considerados no
exame do flagrante, na determinação de autoria ou materialidade, assim como
fundamentos de cautelares anteriormente decididas ou manifestações das partes,
salvo explícita remissão.
3. No caso, ainda que parágrafos antes mencione a quantidade e
natureza das drogas apreendidas, no exame dos requisitos alternativos o decreto
encontra-se destituído de motivação concreta, fazendo referência a dispositivos
legais e fundamentação acerca da gravidade do delito em abstrato ou de genérica
regulação da prisão preventiva, o que demonstra a ausência de fundamentos para
o decreto prisional.
4. A verificação de ausência dos indícios de autoria, por demandar
revolvimento de matéria fático-probatória, é operação inviável na estreita via do
habeas corpus, ação constitucional de rito célere e cognição sumária.
5. Recurso em habeas corpus parcialmente provido para
determinar a soltura do recorrente, o que não impede nova e fundamentada
decisão cautelar penal, inclusive menos gravosa do que a prisão processual.
(Destaquei)
(STJ, Sexta Turma, HC 67.555/GO, Rel. Min. Nefi Cordeiro, j. em
23/2/2016)

HABEAS CORPUS SUBSTITUTIVO DE RECURSO


ORDINÁRIO. DESCABIMENTO. COMPETÊNCIA DO SUPREMO
TRIBUNAL FEDERAL E DESTE SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA.
MATÉRIA DE DIREITO ESTRITO. MODIFICAÇÃO DE ENTENDIMENTO
DO STJ, EM CONSONÂNCIA COM O DO STF. PROCESSO PENAL.
POSSE DE ENTORPECENTE PARA USO PRÓPRIO E PORTE ILEGAL
DE ARMA DE FOGO COM NUMERAÇÃO RASPADA. AUSÊNCIA DE
Documento: 1661800 - Inteiro Teor do Acórdão - Site certificado - DJe: 01/02/2018 Página 68 de 7
Superior Tribunal de Justiça
INDÍCIOS DE AUTORIA DELITIVA. REVOLVIMENTO DE MATÉRIA
FÁTICO-PROBATÓRIA. INVIABILIDADE NA VIA ELEITA. PRISÃO
EM FLAGRANTE. CRIME PERMANENTE. AUSÊNCIA DE
NULIDADE. DENÚNCIA ANÔNIMA. POSSIBILIDADE DE
INVESTIGAÇÕES PRELIMINARES. GARANTIA DA ORDEM
PÚBLICA. PRISÃO CONCRETAMENTE FUNDAMENTADA. RECEIO
FUNDADO DE REITERAÇÃO CRIMINOSA. MEDIDAS CAUTELARES
DIVERSAS DA PRISÃO. INSUFICIÊNCIA. CONDIÇÕES PESSOAIS
FAVORÁVEIS. IRRELEVÂNCIA NA ESPÉCIE. ORDEM DE HABEAS
CORPUS NÃO CONHECIDA. [...] 2. Por demandar revolvimento de matéria
fático-probatória, a verificação de suposta ausência de indícios de autoria delitiva
é operação inviável na estreita via do habeas corpus, ação constitucional de rito
célere e cognição sumária. 3. Tratando-se de crime permanente, não há se falar
em ilegalidade da prisão em flagrante por violação de domicílio, uma vez que a
Constituição Federal, em seu art. 5º, inciso XI, autoriza a entrada da autoridade
policial, seja durante o dia, seja durante a noite, independente da expedição de
mandado judicial. 4. Conquanto não preste como fundamento exclusivo à
instauração de inquérito policial, tampouco - e por razões mais fortes - ao
início de persecutio criminis, a denúncia anônima é elemento hábil para a
apuração preliminar de fatos apontados como criminosos, a serem
confirmados posteriormente por outros meios de prova. [...] 8. Ordem de
habeas corpus não conhecida (HC n. 273.141/SC, Quinta Turma, Rel. Ministra
Laurita Vaz, DJe de 5/11/2013, grifei).

AGRAVO REGIMENTAL NO RECURSO ESPECIAL.


TRÁFICO DE ENTORPECENTES. CRIME PERMANENTE. FLAGRANTE.
INVIOLABILIDADE DO DOMICÍLIO. MANDADO DE BUSCA E
APREENSÃO. DESNECESSIDADE. INSURGÊNCIA DESPROVIDA.
PARTE DISPOSITIVA. ERRO MATERIAL. CORREÇÃO DE OFÍCIO.
1. O crime de tráfico de drogas é de natureza permanente, ficando
o agente em estado de flagrância enquanto não cessada a sua conduta.
2. Embora o artigo 5º, inciso XI, da Constituição Federal, garanta
ao indivíduo a inviolabilidade de seu domicílio, tal direito não é absoluto, sendo
excepcionado, por exemplo, em casos de flagrante delito, hipótese em que os
policiais podem ingressar na residência sem necessidade de mandado, e sem que
haja prévia autorização do morador.
3. Agravo Regimental desprovido. 4. Corrigindo-se erro material
verificado na parte dispositiva da decisão monocrática, os autos deverão retornar
ao Tribunal de origem para prosseguir na análise das apelações
(STJ, AGREsp 1423159, Quinta Turma, Rel. Ministro Jorge Mussi,
DJe 17/11/2015)

Mais do que isso, acrescento que, ainda que se pudesse dar respaldo à
afirmação da defesa de FERNANDO PIMENTEL, no sentido de que já se tinha
conhecimento da prática de crime naquele momento, aí se estaria diante do denominado
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Superior Tribunal de Justiça
flagrante esperado, igualmente válido e apto a respaldar a busca e as apreensões.

2.10. Fundada suspeita de posse de elementos característicos de corpo


de delito

Já não fosse suficiente para autorizar a busca pessoal e veicular a situação de


flagrância, também era inconteste a existência de concreta suspeita de que os passageiros do
avião estivessem na posse de papéis (em sentido amplo, hoje incluindo registros em agendas
eletrônicas, telefones com conteúdos diversos, notas fiscais, encartes de propaganda e tabelas
com informações variadas) que caracterizam corpo de delito.
Convém rememorar que, diante da existência de fundado receio de que as
pessoas estivessem na posse de papéis que constituíam corpo de delito, não havia necessidade
de mandado judicial para legitimar a busca e apreensão, o que a faz válida, independentemente
de haver ou não sido lavrado auto de prisão em flagrante.
Nesse sentido, o STF, no RHC 117.767/DF, Rel. Ministro Teori Zavascki, j.
em 11/10/2016. Eis a ementa:

RECURSO ORDINÁRIO EM HABEAS CORPUS. CRIME


CONTRA A ORDEM ECONÔMICA. FORMAÇÃO DE
CARTEL.DISTRIBUIÇÃO E REVENDA DE GÁS DE COZINHA. BUSCA
PESSOAL. APREENSÃO DE DOCUMENTOS EM
AUTOMÓVEL.INEXISTÊNCIA DE ILEGALIDADE.
1. Apreensões de documentos realizadas em automóvel, por
constituir típica busca pessoal, prescinde de autorização judicial, quando presente
fundada suspeita de que nele estão ocultados elementos de prova ou qualquer
elemento de convicção à elucidação dos fatos investigados, a teor do § 2º do art.
240 do Código de Processo Penal.
2. No dia em que realizadas as diligências de busca domiciliar na
residência do recorrente eram obtidas informações, via interceptação telefônica
(não contestadas), de que provas relevantes à elucidação dos fatos eram
ocultadas no interior de seu veículo e que poderiam, conforme ele próprio afirmou,
culminar na sua prisão. Diante dessa fundada suspeita, procedeu-se a busca
pessoal no veículo do recorrente, estacionado, no exato momento da apreensão
dos documentos, em logradouro público. Conforme atestado pelas instâncias
ordinárias, o recorrente estava presente na ocasião da vistoria do veículo.
3. Recurso ordinário a que se nega provimento.

Diante disso, é inexorável a conclusão de que a busca e apreensão


realizada nos passageiros e na aeronave foi plenamente legítima, tanto pela situação
Documento: 1661800 - Inteiro Teor do Acórdão - Site certificado - DJe: 01/02/2018 Página 70 de 7
Superior Tribunal de Justiça
de flagrância, quanto pela mais do que plausível e justificável suspeita da posse de
elementos característicos de corpo de delito e de dinheiro obtido por meio criminoso.
E tanto é assim que a apreensão motivou a deflagração de Inquérito.
Diz a Portaria de instauração:

PORTARIA

GUILHERME TORRES, Delegado de Polícia


Federal, lotado e em exercício nesta SR/DPF/DF, em Brasília/DF,
no uso de suas atribuições legais previstas no art. 144, § 1º, I e IV,
da Constituição Federal de 1988, no art. 4° e segs., do Código de
Processo Penal, e na Lei 12.830/2013;Considerando os termos do
Memorando nº 5.268/2014, registrado nesta Superintendência
Regional do Departamento de Policia Federal sob o n.º
08280.004036/2014-89, o qual dá conta da apreensão de cerca de
mais de R$ 110.000,00 (cento e dez mil reais) com três pessoas
que retornavam de Belo Horizonte/MG a esta cidade em avião
particular;
Considerando que a abordagem da aeronave
acima, levada a cabo por policiais federais desta descentralizada,
deu-se em razão de informação repassada separadamente, pela
SR/DPF/MG e também pelo MPF, de que pousaria no aeroporto
desta capital avião particular de prefixo PR-PEG, possivelmente
trazendo valores ilícitos;
Considerando que os detentores dos valores não
apresentaram justificativas plausíveis para o transporte do dinheiro
em mãos, ao invés de se utilizarem do sistema financeiro;
Considerando que um dos envolvidos possui
condenação por tráfico de drogas e outro foi citado por fontes
abertas (jornais, revistas e sites) como participante de casos de
desvio de recursos públicos;

Instaurar Inquérito Policial, para investigar possível ocorrência do


delito previsto no(s) art. 10, caput, da Lei n.º 9.613/1998, de sorte que se possa
averiguar a origem ilícita ou não dos valores ora apreendidos.
Autuada esta e os documentos acima mencionados, com anexos;
feitos os registros e anotações de praxe, DETERMINO sejam adotadas,
preliminarmente, as seguintes providências:
1. Expeça-se ofício à Procuradoria da República comunicando a
instauração deste procedimento.
2. Encaminhem-se os valores apreendidos para depósito bancário
em conta à disposição da Justiça Federal.
3. Encaminhem-se documentos apreendidos para análise dos os
policiais deste núcleo.
4. Encaminhem-se as mídias apreendidas para perícia, conforme
minuta de memorando que ofereço em apartado.
Documento: 1661800 - Inteiro Teor do Acórdão - Site certificado - DJe: 01/02/2018 Página 71 de 7
Superior Tribunal de Justiça
5. Após, conclusos para novas diligências.

Concluis-se, portanto, que não ilicitude a ser declarada.

2.11. Desnecessidade de formalização escrita de denúncia oriunda de


fonte humana. Procedimento não exigido por lei ou ato normativo. Alegação de
FERNANDO DAMATA PIMENTEL

Diz a defesa de FERNANDO PIMENTEL que há nulidade advinda da não


formalização de denúncia alegadamente anônima. Tal como atrás visto, não está claro nos
autos o modo como a informação sobre o pouso do avião em que o dinheiro era transportado
chegou à Superintendência da Polícia Federal no Distrito Federal. Consta apenas a notícia de
que ela foi repassada tanto pelo Ministério Público Federal quanto pela Superintendência da
Polícia Federal em Belo Horizonte.
De qualquer forma, certo é que para a instauração do Inquérito Policial é
que se exigem averiguações preliminares e indícios mínimos da ocorrência do delito. E
isso, tal como anteriormente exposto, adveio das circunstâncias da apreensão, da
existência de dinheiro cuja origem os passageiros, indagados, não souberam explicar
de modo satisfatório etc. Também satisfaziam a necessidade de instaurar a investigação as
notícias veiculadas na imprensa sobre Benedito Rodrigues de Oliveira Neto, tal como aquela
que pode ser encontrada no link
http://veja.abril.com.br/infograficos/rede-escandalos/perfil/benedito-rodrigues-de-oliveira-neto.
shtml?scrollto=conteudo-rede, datada de 17/4/2012, na Revista Veja eletrônica. Conforme se
vê, havia notícia de que Benedito, um dos passageiros abordados, enriquecia vertiginosamente,
manipulava licitações e tinha envolvimento com espionagem. Aliás, foram justamente essas
notícias que levantaram suspeitas sobre Benedito, conforme constou da Portaria de
instauração do Inquérito:

Considerando que um dos envolvidos possui condenação por


tráfico de drogas e outro foi citado por fontes abertas (jornais, revistas e sites)
como participante de casos de desvio de recursos públicos;
Documento: 1661800 - Inteiro Teor do Acórdão - Site certificado - DJe: 01/02/2018 Página 72 de 7
Superior Tribunal de Justiça

Dessarte, diante de dinheiro de origem suspeita transportado em avião


particular por passageiro que havia respondido a processo por tráfico de entorpecentes – e
não por uso, como asseverado pela defesa, informação facilmente constatada na Rede Infoseg
(que não se confunde com a informação impressa extraída do SINIC e posteriormente juntada
aos autos, citada pela defesa de FERNANDO DAMATA PIMETEL), a qual, na época, não
mencionava ter havido absolvição e tampouco trazia notícia da alegada sentença extintiva de
punibilidade — e outro que figurava no noticiário nacional por envolvimento em negócios
suspeitos e espionagem, sobejavam motivos para a apreensão de numerário e telefones e
instauração do Inquérito.
De mais a mais, em relação à afirmada denúncia anônima que noticiava
flagrante, diferentemente do que ocorre para a instauração do Inquérito ou para a adoção de
providências cautelares de outra ordem, a formalização dos informes advindos de fonte
humana é desnecessária e nem se coaduna com a sistemática vigente, de informações
recebidas pelo “disque-denúncia” ou por outros meios de coleta de elementos informais.
O propósito que imbuiu eventual delator não é fator relevante e não há ato
normativo que exija que informações que desencadeiem averiguações prévias sejam
formalizadas. Isso porque a maneira como a informação chega à Autoridade Policial é
desinfluente. Tomando ela conhecimento da existência de um crime – quanto mais em situação
de flagrância, como a tida neste caso –, é seu dever proceder ao exame da veracidade da
notícia, inclusive pela oportunidade que poderia ser irrepetível.
Desnecessária a formalização de simples informações oriundas de fonte humana
(rememorando-se que, aqui, nem sequer se pode afirmar que tenha havido a denúncia anônima
preconizada pela defesa de FERNANDO PIMENTEL):

PENAL. TRÁFICO DE ENTORPECENTES. PLEITO


ABSOLUTÓRIO. DEPOIMENTO DE POLICIAIS. FORMALIZAÇÃO DE
DENÚNCIAS ANÔNIMAS. CONCLUSÃO NEGATIVA EM LAUDO DE
PERÍCIA PAPILOSCÓPICA.
Depoimentos oriundos de agentes policiais, não contraditados ou
desqualificados, uniformes a apontar a autoria do delito, fazem-se merecedores de

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Superior Tribunal de Justiça
fé na medida em que provêm de agentes públicos no exercício de suas funções e
não destoam do conjunto probatório, fazendo-se, ao reverso, absolutamente
consonantes com os demais elementos de prova carreados aos autos.
Suficiente à configuração do ilícito a plena subsunção da conduta
do acusado a um dos verbos constantes do art. 12 da Lei /76, porquanto tipo penal
de conteúdo múltiplo.
Evidenciada nos autos a detenção pelos agentes policiais de dados
pessoais do apelante, confirmados às inteiras pela prisão em flagrante, não
releva à defesa a inexistência de formalização das denúncias anônimas
nos autos do processo.
Conclusão negativa do Laudo de Perícia Papiloscópica não basta a
inocentar acusado quando o mesmo dispõe contra si de um robusto conjunto
probatório indicativo do exercício de traficância.
Apelação improvida.
(TJDFT, ACR 2003 01 1 061575-9, Primeira Turma Criminal, Rel.
Desembargador Mario Machado, j. em 17/6/2004)

Portanto, nulidade alguma existe em decorrência da não formalização de uma


suposta delação anônima, para fins de início de coleta de informações preliminares.
Finalizo pontuando a inaplicabilidade do artigo 9.º do CPP à situação em
trato, como sustentou a defesa de Fernando Pimentel, porque tal dispositivo versa
sobre as formalidades do Inquérito Policial, não sobre procedimentos que são a ele
preliminares e que podem ou não justificar a instauração de procedimento
persecutório.

2.12. Alteração da competência por fato superveniente não afeta a


validade dos atos processuais anteriormente praticados perante o Juízo então
competente. Ratificação dos atos decisórios. Preliminar suscitada por FERNANDO
DAMATA PIMENTEL

Como antes dito, Fernando Damata Pimentel foi investido no cargo de


Governador de Estado apenas em 1.º/1/2015, data em que passou a ter prerrogativa de foro
no STJ.
Sua participação nos episódios investigados foi desvelada em junho de
2015, operando-se a remessa dos autos ao STJ de forma quase que instantânea, cerca
de uma semana depois.
Documento: 1661800 - Inteiro Teor do Acórdão - Site certificado - DJe: 01/02/2018 Página 74 de 7
Superior Tribunal de Justiça
A alteração da competência por fato superveniente não afeta a validade dos
atos processuais anteriormente praticados perante o Juízo então competente.
Nos termos da decisão de fls. 185-198 do Apenso 27, este Relator reconheceu
a competência do STJ e prosseguiu no exame das representações propostas pelo Delegado de
Polícia Federal.
Dispõe o artigo 108, § 1.º, do CPP:

Art. 108 ...

§ 1o Se, ouvido o Ministério Público, for aceita a declinatória, o


feito será remetido ao juízo competente, onde, ratificados os atos anteriores, o
processo prosseguirá.

Reconhecida a competência e tendo sido dado seguimento ao Inquérito, o


Tribunal ratificou os atos decisórios prolatados pelo Juízo de Primeiro Grau, os quais foram
aproveitados como elementos informativos no desenrolar da investigação. E tanto foram
ratificados que expressamente se negou pedido no qual se pretendia que a Autoridade Policial
se abstivesse de periciar os objetos apreendidos na busca autorizada em maio de 2015,
conforme fls. 1.457-1.464. Também naquela ocasião foram repelidas as alegações de nulidade
das decisões da instância originária.
A jurisprudência do STF admite a ratificação de decisões pelo Juízo original,
como se vê dos seguintes precedentes:

“Habeas Corpus.
2. Crimes de Estelionato.
3. Alegações de: a) ausência de indícios de autoria e
materialidade; b) falta de fundamentação da preventiva; c) violação ao princípio
do juiz natural; e d) excesso de prazo da prisão preventiva.
4. Prejudicialidade parcial do pedido, o qual prossegue apenas com
relação à alegada violação ao princípio do juiz natural.
5. Em princípio, a jurisprudência desta Corte entendia que, para os
casos de incompetência absoluta, somente os atos decisórios seriam anulados.
Sendo possível, portanto, a ratificação de atos não-decisórios. Precedentes
citados: HC nº 71.278/PR, Rel. Min. Néri da Silveira, 2ª Turma, julgado em
31.10.1994, DJ de 27.09.1996 e RHC nº 72.962/GO, Rel. Min. Maurício Corrêa,
2ª Turma, julgado em 12.09.1995, DJ de 20.10.1995.
6. Posteriormente, a partir do julgamento do HC nº 83.006-SP,
Pleno, por maioria, Rel. Min. Ellen Gracie, DJ 29.08.2003, a jurisprudência do
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Superior Tribunal de Justiça
Tribunal evoluiu para admitir a possibilidade de ratificação pelo juízo competente
inclusive quanto aos atos decisórios.
7. Declinada a competência pelo Juízo Estadual, o juízo de origem
federal ao ratificar o seqüestro de bens (medida determinada pela justiça comum),
fez referência expressa a uma série de indícios plausíveis acerca da origem ilícita
dos bens como a incompatibilidade do patrimônio do paciente em relação aos
rendimentos declarados.
8. No decreto cautelar, ainda, a manifestação da Juíza da Vara
Federal Criminal é expressa no sentido de que, da análise dos autos, há elementos
de materialidade do crime e indícios de autoria.
9. Ordem indeferida”.
(HC 88.262, segundo julgamento, Rel. Min. Gilmar Mendes, 2ª
Turma, Dj 30.3.2007) (Grifei)

“AGRAVO REGIMENTAL NO RECURSO


EXTRAORDINÁRIO. PROCESSUAL PENAL. INCOMPETÊNCIA
ABSOLUTA. ATOS DECISÓRIOS. POSSIBILIDADE DE RATIFICAÇÃO.
1. Este Tribunal fixara anteriormente entendimento no sentido de
que, nos casos de incompetência absoluta, somente os atos decisórios
seriam anulados, sendo possível a ratificação dos atos sem caráter
decisório. Posteriormente, passou a admitir a possibilidade de ratificação
inclusive dos atos decisórios. Precedentes. Agravo regimental a que se nega
seguimento”. (RE 464.894 AgR, Rel. Min. Eros Grau, 2ª Turma, Dje-152,
15.8.2008) (Grifei)

Nesse sentido decidiu a Corte Especial do STJ, na APn 856/DF, Relatoria da


Eminente Ministra Nancy Andrighi, em 18/10/2017:

A verificação do nexo lógico de validade entre os atos é realizada,


todavia, de modo diverso nas nulidades decorrentes da incompetência do juízo.
Nessa hipótese, nos termos do art. 567 do CPP, somente devem ser anulados os
atos decisórios, pois “a intenção da lei é a de preservar atos instrutórios e
outros que não tenham o conteúdo de decisão” (Idem, ibidem, p. 352).
Além de não ser possível a declaração de nulidade de atos
instrutórios e a despeito da posição contrária da doutrina, que restringe a
aplicação do art. 567 do CPP apenas aos casos de incompetência relativa, a
Corte Especial foi além, prevendo a possibilidade de ratificação dos atos
praticados, inclusive decisórios, mesmo sendo absoluta a incompetência.
Fixou, quanto ao tema, a orientação de que “constatada a incompetência
absoluta, os autos devem ser remetidos ao Juízo competente, que pode
ratificar ou não os atos já praticados, inclusive os decisórios, nos termos do
artigo 567 do CPP, e 113, § 2º, do CPC” (AgRg na APn 675/GO, Corte
Especial, DJe 01/02/2013, sem destaque no original).
De fato, o posicionamento desta Corte é o de que “constatada a
incompetência absoluta, os autos devem ser remetidos ao Juízo competente,
que pode ratificar ou não os atos já praticados, nos termos do artigo 567
do Código de Processo Penal, e 113, § 2º, do Código de Processo Civil”
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Superior Tribunal de Justiça
(CC 112.424/PR, 3ª Seção, Rel. Min. Gilson Dipp, DJe de 17.11.2011). De igual
maneira, os seguintes julgados: EDcl no RHC 52.549/MT, 6ª Turma, DJe
31/08/2017; RHC 23.500/SP, 5ª Turma, DJe de 24.06.2011; e HC 76.946/SP, 5ª
Turma, DJe de 16.03.2009.
O STF também tem jurisprudência no mesmo sentido, asseverando
que “admite-se a possibilidade de ratificação pelo juízo competente de atos
decisórios” (STF, RHC 122966, Primeira Turma, DJe 05/11/2014, sem
destaque no original). Igualmente: STF, RHC 129809, Segunda Turma, DJe
19/04/2016.

Disso se conclui que, mesmo que fosse viável a admissão da tese de que a
busca e apreensão autorizada pelo Juízo de Primeiro Grau em 12/5/2015 (cerca de um
mês antes do declínio de competência) ocorreu quando já se sabia ter o Governador
participação nos delitos – o que se admite unicamente ad argumentandum tantum,
porque não existe a mínima evidência disso –, a medida cautelar ainda assim seria
válida, porque ratificada pelo julgador competente.
Mais a mais, referida busca e apreensão — autorizada pelo Juízo de 1.º
Grau — não colheu elementos ligados a este processo, mas sim a outra investigação
(desmembrada), de sorte que, mesmo que nula fosse, nenhum reflexo teria nesta Ação
Penal.
A isso ainda se soma a inexistência de demonstração de qualquer prejuízo
concreto ao denunciado, seja absoluto, seja relativo.
Colhe-se do atrás citado entendimento da Corte Especial, na APn 856/DF:
III.5. Da necessidade de demonstração de prejuízo
Em relação às nulidades, vigora no processo penal o princípio da
necessidade da demonstração de prejuízo concreto à defesa, sem o qual não se
pronuncia a invalidade de determinado ato processual, seja decorrente de vício
relativo ou absoluto. De fato, “além da arguição opportune tempore da suposta
nulidade, seja ela relativa ou absoluta, a demonstração de prejuízo concreto
é igualmente essencial para seu reconhecimento, de acordo com o princípio
do pas de nullité sans grief, presente no art. 563 do Código de Processo
Penal” (STF, HC 134408, Segunda Turma, DJe 28/08/2017, sem destaque no
original).
A mesma orientação é seguida pela jurisprudência do STJ, que
consigna que “o reconhecimento de nulidade dos atos processuais demanda,
em regra, a demonstração do efetivo prejuízo causado à defesa técnica [...]
Vale dizer, o pedido deve expor, claramente, como o novo ato beneficiaria o

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acusado” (AgRg no HC 369.825/SC, Quinta Turma, DJe 31/08/2017). No
mesmo sentido: REsp 1340069/SC, Sexta Turma, DJe 28/08/2017.

Por todas essas razões, é iníqua a presente discussão, portanto.


Sendo assim, afasto a preliminar de nulidade, simplesmente porque não existiu
ato processual correlato a esta Ação Penal no período e porque, mesmo que existente, não
estaroa nulo, conforme fundamentação supra.

2.13. Alegação de conhecimento prévio de que a investigação tinha por


alvo Fernando Damata Pimentel e consequente usurpação de competência do STJ

Primeiramente, é necessário que se desfaça falsa premissa sobre a qual a defesa


de FENANDO PIMENTEL construiu parte de seu silogismo.
Na resposta escrita oferecida, FERNANDO PIMENTEL transcreveu cinco
tópicos de denúncia oferecida em outro processo — Ação Penal 836/DF, na qual também
figura como acusado —, objetivando mostrar que mensagens transcritas pela acusação
naqueles itens deixavam claro que o investigado era o Governador, ainda em 2014. São os
seguintes os itens que a defesa transcreveu:

54. Ainda no contexto da vantagem indevida, FERNANDO


PIMENTEL se reuniu com MACIEL no dia 15/12/14, num escritório localizado
na Rua Outro Preto, n. 1.488, 2º andar, Belo Horizonte-MG, onde estava instalada
a empresa OPR.
55. Consoante trocas de mensagens entre BENEDITO e
MACIEL que se seguiram ao encontro, FERNANDO PIMENTEL se
comprometeu a fazer gestões para que os benefícios tributários da CAOA
fossem prorrogados:
MACIEL: A decisão vai ser tomada hoje. Precisamos muito da
ajuda. É urgente, caso ainda não tenha sido falado, seria fundamental um
telefonema urgente. Abraço. (dia 16/1/15, 12h04)
BENEDITO: Esteve quarta em bsb... Assunto falado. (dia
16/1/15, 12h50)
56. Mas, com a troca do Ministro do MDIC, a pretensão da
CAOA não foi atendida:
BENEDITO: Me dê notícia da consulta com o Oncologista!!!
Onde estou a internet tá ruim. Ele havia me falado q ficou muito em cima. (dia
20/1/15, 20h17)
MACIEL: Resultado negativo. Muito ruim. O médico novo
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assumiu o controle. Ele não tem coração. Escreveu uma receita muito dura para
justificar. (dia 20/1/15, 21h31)
57. Outra reunião foi marcada por FERNANDO PIMENTEL em
Belo Horizonte, no dia 20/5/15, já na condição de governador de Minas Gerais, da
qual participaram, além dele, BENEDITO, CARLOS ALBERTO e MACIEL.
58. Nas trocas de mensagens seguintes, MACIEL questionou
BENEDITO:
MACIEL: Dr. Carlos pediu para perguntar se você já conseguiu
falar com o médico que ele indicou. Abraço. (dia 26/5/15, 21h41)
Uma última reunião registrada nos telefones periciados ocorreu na
residência de CARLOS ALBERTO, presentes FERNANDO PIMENTEL e
MACIEL.

Diz FERNANDO DAMATA PIMENTEL que "a própria peça acusatória na


referida Ação Penal transcreveu trechos de mensagens reputadas relevantes para a acusação,
realizadas ainda em 2014 e início de 2015 — antes, portanto, da declinação de competência
para este E. STJ — que, a juízo do MPF, são indicativas da participação do agravante (sic)
nos fatos.
Todavia — crê este Relator que não por má-fé, mas por mera apreciação
equivocada da prova dos autos — a defesa de FERNANDO PIMENTEL não expôs que
esses dados foram extraídos do telefone celular de ANTÔNIO DOS SANTOS MACIEL
NETO, apreendido em busca e apreensão realizada na sua residência, ocorrida na 3.ª fase da
Operação Acrônimo, mais especificamente em 1.ª/10/2015. Ou seja: essa prova só foi
desvelada meses depois de haver declínio de competência para o STJ, e não antes,
como tenta a defesa fazer crer.
Aliás, as mensagens citadas pela defesa podem ser encontradas no RMA
(Relatório de Material Apreendido) 45, alusivo ao Auto de Apreensão SP-03, encartado no
Volume 16 do Inquérito 1.059/DF, fl. 4.066 — Relatório datado de 24/2/2016.
Feita essa relevante correção, passo ao exame da alegação.
Afirma o denunciado FERNANDO PIMENTEL que a Autoridade Policial,
desde o princípio, tinha conhecimento de que o investigado era ele, fato esse que deduz
porque: (a) foi indagado aos passageiros da aeronave, na ocasião da abordagem, se eles
“prestavam serviços para diversas campanhas políticas”, se “eram filiados a partidos”, se
“trabalharam para algum candidato” e se trabalharam para Fernando Pimentel ou mantiveram

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contatos com políticos de Minas Gerais; (b) foi apreendida com Benedito Rodrigues de
Oliveira Neto tabela de pagamentos e prazos referentes à campanha eleitoral de Fernando
Pimentel; (c) mensagens acessadas pela Polícia Federal em 2014 indicavam relações de
amizade e profissionais entre Benedito Rodrigues e Fernando Damata Pimentel; (d) foi
promovida busca ilegal em endereço de morada que também lhe pertencia.
Primeiramente, registro que essa questão exerce reflexo insignificante para a
investigação. Isso porque, conforme já explicitei ao traçar a cronologia dos fatos,
FERNANDO PMENTEL adquiriu prerrogativa de foro apenas em 1.º de janeiro de 2015.
A apreensão do dinheiro e dos telefones, a instauração do Inquérito e a
autorização de acesso ao conteúdo dos eletrônicos ocorreram antes da sua investidura no
cargo de Governador, quando a competência era, indiscutivelmente, do Juízo de Primeiro grau,
juízo esse natural para o exame das medidas cautelares deferidas naquelas ocasiões.
Portanto, há um só ato – repito: um só ato – que poderia ser questionado
pelo prisma exposto pela defesa, qual seja, a busca e apreensão judicialmente autorizada em
12 de maio de 2015, tendo em vista que os demais foram todos praticados quando o
investigado não tinha prerrogativa de foro.
À luz disso, se houvesse qualquer nulidade decorrente de usurpação de
competência – e não há, como adiante ver-se-á –, esta atingiria única e tão somente o
ato datado de 12/5/2015, que não condiz com os fatos apurados nesta Ação Penal, e
não a integralidade do processo, como pretende a defesa.
Ocorre que não se verifica a menor plausibilidade nos argumentos esgrimidos
pelo acusado.
Embora a questão alusiva à aeronave, por se encontrar fora do marco temporal
relativo à prerrogativa de foro, não tenha maiores consequências de enlevo, não me furto a
examinar o ponto.

(a) Perguntas formuladas a passageiros e tripulantes

Naquilo que condiz com as perguntas formuladas aos passageiros, atinentes a

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ligações com partidos ou envolvimento com campanhas – ressaltando que a Autoridade
Policial indagou genericamente sobre prestação de serviços “para diversas campanhas
políticas”, filiação partidária e se “trabalharam para algum candidato” –, não causam mínima
estranheza e se inserem perfeitamente no contexto da apreensão do dinheiro e dos
documentos arrecadados.
Benedito Rodrigues disse naquela oportunidade ser proprietário de gráfica e
com ele foi encontrado material impresso de campanha. A consequência lógica disso e o
comportamento esperado de Autoridade Policial que atuasse com mínima diligência seria a de
indagar sobre relacionamento com campanhas, políticos ou com o candidato que estampava o
material impresso. E isso foi exatamente o que se fez.
Ademais, a pertinência das perguntas era perfeitamente justificável, à vista
daquilo que a Revista Veja estampou em reportagem de destaque tempo antes – acima
transcrita – sobre Benedito Rodrigues, quando trouxe informações sobre as ligações dele com
políticos, favorecimento pessoal e enriquecimento sem causa decorrente de licitações. E nada
mais lógico do que também indagar, especificamente, sobre Fernando Pimentel, mas não só
sobre ele, diante do porte de material gráfico daquele candidato.

(b) Documentos apreendidos com passageiros

O mesmo se diga acerca da tabela de pagamento de serviço gráfico


encontrada. Aliás, essa tabela não foi objeto de qualquer dos Inquéritos decorrentes ou
alvo de investigação, porque, aparentemente, condizia mesmo ao trabalho impresso
cujo resultado era trazido em formato de cartazes publicitários por Benedito. Não foi citada
nem como elemento indiciário.
Daí não haver nada que indicasse ser Fernando Damata Pimentel o alvo da
investigação, na sua nascente.

(c) Teor das mensagens

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No mais, FERNANDO PIMENTEL ainda assevera que, pelo teor das
mensagens analisadas pela Polícia Federal em 2014 poder-se-ia inferir sua implicação na
investigação. Entretanto, esmiuçando-se o conteúdo da comunicação transcrita pela defesa,
nada além de menções genéricas ao nome de Fernando Damata Pimentel e
comentários acerca de sua desenvoltura na campanha eleitoral pode ser encontrado.
Não há no teor daqueles textos o menor indício de participação ativa em
ilícito penal que dali possa ser extraído. Essas as ditas mensagens:

a) Gravação de mensagem trocada por Benedito com pessoa não


identificada, em 12 de junho de 2014 (itens 2492 e 2493 na "linha do tempo " do
Relatório de Extração item I):
Desconhecido:
- 'Tomara que o pessoal goste da campanha, viu ... ? Eu senti que
tucanaram demais! As cores, a trilha ... Mas tudo com a mais alta qualidade. Se a
intenção é afastar o Pimentel do PT, a estratégia está perfeita! Não sei se
combinaram com os vermelhos.kkkk"
Benedito:
- "Pois eh. Vamos ver. Tu vem? "
b) Gravação de mensagem trocada por Benedito com pessoa não
identificada, em 17 de junho de 2014 (itens 2343, 2345 e 2346 na "linha do
tempo " do Relatório de Extração Item I):
Benedito:
- "Segundo tempo to ai"
Número desconhecido (o mesmo do diálogo anterior):
- ., Vem que tem!"
- " Traz o candidato pra ele misturar no povão!"
c) Gravação de mensagem trocada por Benedito com pessoa não
identificada, em 18 de junho de 2014 (itens 2296 e 2297 na "linha do tempo " do
Relatório de Extração Item 1):
Benedito:
- "Alinha ai com a turma para fazer as gravações regionais com o
Fernando.
Afina com o Helvécio Magalhães (coordenador) e o Chico. O
Fernando está cobrando isso.
Número desconhecido (o mesmo dos diálogos anteriores):

- “Blz! Amanhã com o reforço da Carol fica mais credenciado.


Vamos nos reunir na rua do Ouro às 9:00h"
d) Gravação de mensagem trocada por Benedito com pessoa não
identificada (provavelmente com o Comandante de voo), em 12 de julho de 2014
(itens 1860 a /865 na "linha do tempo" do Relatório de Extração Item I):
Desconhecido:
- "Pátio em Vitoria amanhã confirmado"
Benedito:
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Superior Tribunal de Justiça
- "Ok"
- "Mudou ida a Vitória para quinta-feira"
- " Vou precisar que venha mais tarde para vc conversar com o
Helvécio Sobre o plano de vôo"
- "Coordenar as viagens do Fernando.
e) Gravação de mensagem trocada por Benedito com pessoa não
identificada, em 11, 12 c 15 de julho de 2014 (itens /960, /988 e /995 na "linha
do tempo" do Relatório de Extração item 1):
Benedito:
- "Outra coisa, Quarta estarei com o Fernando em São Paulo .. ,
Se pudermos encontrar me da um toque. Abs. "
- "Obrigado!! Vamos tentar encontrar terça em Seio Paulo
com O Fernando ",
- "Fernando já deve estar chegando" (enviada dia 15, que era
terça feira).
f) Gravação de mensagem trocada por Benedito com pessoa não
identificada, em 19 de setembro de 2014 (item 767 na "linha do tempo " do
Relatório de Extração f tem 2):
Benedito (retomando uma ligação perdida feita por um número
desconhecido):
- " Tô numa agenda com o Fernando ".
g) Gravação de mensagem trocada por Benedito, em 25 de setembro
c primeiro de outubro de 2014 (itens 450. 454 na "linha do tempo" do Relatório
de Extração Item 2):
Cláudio (Aviança Sp):
- Bene. Pode comemora, depois dessa do Pimenta da Veiga o
Governador e o Pimentel. Estamos juntos.
Benedito:
- "Opa!!! "
h) Gravação de mensagens deixadas a Benedito por pessoas não
identificadas, em 5 de outubro de 2014 (itens 149, 159 e 168 na "linha do
tempo" do Relatório de Extração Item 1) :
- "Parabéns para todos, especialmente para você!"
- "Parabéns aí! Imagino agora a concentração para o 1º Lugar do
Brasil .. . "
- "Parabéns pela bonita vitória!!! Abs." (esse número não é
desconhecido. É de pessoa nominada por Zeca)

Conforme se percebe claramente do teor dessas mensagens, não há nada nelas


além de comentários tecidos por terceiros sobre cores empregadas na publicidade de
campanha, trato geral sobre atos públicos igualmente relacionados à campanha eleitoral e
comemoração por desempenho. Nem mesmo há diálogo direto entre o Governador
Fernando Pimentel e as pessoas cujos telefones foram apreendidos.
É de clareza palmar que daí não se extrai vestígio sequer de conduta que possa

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ser tida por delituosa ou que justificasse a remessa dos autos ao STJ, com a posse do
denunciado no cargo de Governador. Simples verificar que não se fala em propina, em
comissão, em favores, em pagamentos diretos ou indiretos, em relação com
empresários, em pedidos de doações; enfim, absolutamente nada que, naquele
momento, indicasse que a investigação devesse se voltar ao candidato e depois
Governador Fernando Damata Pimentel.
A assertiva da defesa, portanto, afasta-se da realidade dos autos.
Como sabido, a simples menção ao nome de autoridades detentoras de
prerrogativa de foro, seja em depoimentos prestados por testemunhas ou investigados, seja na
captação de diálogos travados por alvos de censura telefônica judicialmente autorizada, assim
como a existência de informações, até então, fluidas e dispersas a seu respeito, é insuficiente
para o deslocamento da competência para o juízo hierarquicamente superior. Para que haja a
atração da causa para outro foro, é imprescindível a constatação da existência de
indícios da participação ativa e concreta do titular da prerrogativa em ilícitos penais.
Vide o que foi decidido pelo Plenário do Supremo Tribunal Federal na Rcl
2.101/DF-AgR, Relatora Ministra Ellen Gracie, DJ de 20/9/2002:

“Reclamação. Negativa de seguimento. Agravo regimental. Art.


102, I, b da Constituição Federal. Foro privilegiado. A simples menção de
nomes de parlamentares, por pessoas que estão sendo investigadas em
inquérito policial, não tem o condão de ensejar a competência do Supremo
Tribunal Federal para o processamento do inquérito, à revelia dos
pressupostos necessários para tanto dispostos no art. 102, I, b da Constituição.
Agravo regimental improvido” (Grifei)

No mesmo sentido, o HC 82.647/PR, Segunda Turma, Relator o Ministro


Carlos Velloso, DJ de 25/4/2003:

“CONSTITUCIONAL. PENAL. PROCESSUAL


PENAL.HABEAS CORPUS. INQUÉRITO POLICIAL.
NULIDADE.DEPUTADO FEDERAL. TRAMITAÇÃO PERANTE A
JUSTIÇAFEDERAL. INOCORRÊNCIA. C.F., ART. 102, I, b.
I. - Inquérito policial em tramitação perante a Justiça Federal de
primeira instância, para apurar possível prática de crime de sonegação fiscal e
lavagem de dinheiro por pessoasque não gozam de foro por prerrogativa de
função.

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II. - A simples menção de nome de parlamentar, em
depoimentos prestados pelos investigados, não tem o condão de firmar a
competência do Supremo Tribunal para o processamento de inquérito.
III. - H.C. Indeferido” (grifei).

Cito, ainda, a AP 933-QO/PB, Segunda Turma, Rel. Min. Dias Toffoli, DJe de
3/2/2016.
É exatamente o caso dos autos. Tudo que havia nos diálogos acessados pela
Polícia Federal três meses antes da posse de FERNANDO PIMENTEL no cargo de
Governador era indício de algum relacionamento – que nem de amizade pode ser afirmado,
porque nem isso pode ser extraído da conversação – entre ele e um dos abordados no avião
meses antes.
Haver apoio político de Benedito Rodrigues a Fernando Damata Pimentel, sem
que nenhum outro indício da ligação supostamente criminosa existente entre eles fosse
conhecido, por óbvio, não justificaria o pretendido deslocamento de competência para o STJ.
A suspeita de participação do acusado despontou apenas depois da
busca e apreensão ocorrida em maio de 2015, conforme Ofício 24/2015 –
NIP/SR/DPF/DF, de 12/6/2015, quando foi descoberto suposto pagamento de
hospedagem no “Kiaroa Eco Luxury Resort”, na Bahia, feito por Benedito Rodrigues
de Oliveira Neto a Fernando Damata Pimentel, por meio da Gráfica e Editora Brasil,
no valor de R$ 12.127,50 (doze mil, cento e vinte e sete reais e cinquenta centavos).
Também foi a partir dessa constatação que se descobriu que a viagem aérea para
deslocamento até esse local poderia ter igualmente sido custeada por Benedito.
Percebendo isso, em relação temporal quase que instantânea, a Autoridade
Policial representou pelo declínio de competência, que foi decidido em 17/6/2015 (fls.
458-460 do Apenso 2), com a remessa dos autos ao STJ.

(d) Busca e apreensão em endereço supostamente compartilhado por


FERNANDO DAMATA PIMENTEL

Afirmou a defesa de FERNANDO PIMENTEL que a busca e apreensão

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determinada pelo Juízo de Primeiro Grau foi realizada em endereço que, por ser de Carolina
Oliveira, sito na SQS 114, Bl. B, apartamento 406, Asa Sul, Brasília/DF, também era o do
Governador.
Assevera que o denunciado se casou com Carolina Oliveira em 6 de abril de
2015, fato que não poderia ser ignorado, e que, por isso, a diligência não poderia ter sido
cumprida nesse apartamento.
Esse ato processual, conforme já explicitado, com coaduna com esta
Ação Penal e carene de nexo causal entre as provas nessa busca amealhadas e o
acervo que estriba este processo.
Importante assinalar que o Juízo de Primeiro Grau direcionou a
investigação a Carolina Oliveira porque a Autoridade Policial descobriu que, no
endereço cadastral de uma das empresas titularizadas por Benedito Rodrigues, qual
seja, a PP&I, funcionava, na verdade, a OLI Comunicação, que tinha Carolina como
principal sócia. Todas as empresas associadas direta ou indiretamente a Benedito
Rodrigues, assim como seus sócios, foram alvo de busca e apreensão, conforme se
percebe da Representação da Autoridade Policial e da decisão do Juízo de Primeiro
Grau.
Ademais, não há notícia de que Fernando Damata Pimentel tenha
residido ou residisse naquele imóvel, mesmo porque, conforme dicção do art. 76 do
Código Civil e por obrigação legal e funcional, seu domicílio e residência haveria de
ser Belo Horizonte, Capital do Estado que governa, e não o Distrito Federal.
O domicílio necessário do denunciado é o de Belo Horizonte, onde deve ter
residência, e uma alegada coabitação passada não é suficiente para impedir cumprimento de
mandado de busca e apreensão, quanto mais quando não é dever das Autoridades
conhecerem recente casamento ou relacionamento não oficial prévio.
Por fim, registro que o endereço declarado pelo acusado na primeira
procuração juntada ao Inquérito, em 19/6/2015, conforme fl. 471 da APn 836/DF, é em
Belo Horizonte/MG.

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2.14. Alegada ausência de justa causa por falta de dolo de PEDRO
AUGUSTO MEDEIROS

No que condiz à afirmada ausência de justa causa para a deflagração da Ação


Penal, na mesma esteira, a preliminar não se sustenta.
A peça incoativa decanta com esmero de detalhes a participação de PERO
AUGUSTO DE MEDEIROS, mostrando as datas de viagens a São Paulo, os hotéis e
apartamentos em que se hospedou. Ao que consta da denúncia, PEDRO tinha pleno
conhecimento de que recebia de forma clandestina e transportava pacotes de dinheiro, até
porque recebia tais pacotes mediante entrega de senhas e contra-senhas.
Não há como se encampar, diante desses elementos, e neste momento
processual, a alegação de que desconhecia a ilicitude da conduta e de que agia sem dolo.
À luz do denominado "homem-médio", PEDRO MEDEIROS tinha,
aparentemente, plenas condições de perceber a anormalidade do papel a que se prestou.
Como quer que seja, a fixação do dolo no seu atuar só pode ser definida com a
instauração e curso válido da Ação Penal.
Rejeito, portanto, a preliminar.

2.15. Alegada falta de justa causa por atipicidade da conduta perpetrada


por MARCELO ODEBRECHT e por JOÃO NOGUEIRA

Sustentou a defesa de MARCELO ODEBRECHT que a conduta por ele


praticada seria atípica, porque não houve solicitação de vantagem indevida a agentes públicos.
A seu ver, MARCELO ODEBRECHT e JOÃO NOGUEIRA teriam, eles sim, aceitado
pedido de valores indevidos por parte de FERNANDO PIMENTEL e outros.
A alegação de atipicidade da conduta não se sustenta.
Diz o artigo 333 do Código Penal:

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Art. 333. Oferecer ou prometer vantagem indevida a funcionário
público, para determiná-lo a praticar, omitir ou retardar ato de ofício:
Pena – reclusão, de 2 (dois) a 12 (doze) anos, e multa.
* Pena determinada pela Lei 10.763/2003.
Parágrafo único. A pena é aumentada de um terço, se, em razão
da vantagem ou promessa, o funcionário retarda ou omite ato de ofício, ou o
pratica infringindo dever funcional.

A corrupção ativa, como se vê, consiste em oferecer ou prometer vantagem


indevida a funcionário público para determiná-lo a praticar, omitir ou retardar ato de ofício.
A lei não distingue se a oferta ou promessa se faz por sugestão ou solicitação
do funcionário.
Nesse sentido, a jurisprudência:

Habeas Corpus. Máfia dos Fiscais. Corrupção ativa. Art. 333 do


Código Penal. Denúncia que imputou ao paciente ter oferecido vantagem
pecuniária a funcionário público, em contraproposta ao valor por este solicitado
para que deixasse de praticar ato de ofício, consistente na lavratura de multas
relativas a um imóvel de propriedade do paciente. Impertinência da alegação de
falta de justa causa para a ação penal, pois pode o Ministério Público, dispondo de
elementos suficientes acerca da materialidade do crime e de indícios de autoria,
dar início à ação penal, não sendo imprescindível a existência de inquérito policial
(RTJ 76/741 e 64/343 e HC nº 80.405/SP). Inteligência do art. 12 do Código de
Processo Penal, segundo o qual os autos do inquérito acompanharão a denúncia
ou queixa sempre que servir de base a uma ou outra, sendo evidente sua
desnecessidade quando a ação penal tem como esteio elementos colhidos fora da
esfera policial. Inexistência de vício quando o Ministério Público, ao oferecer a
denúncia, requisita diligências complementares visando à melhor elucidação dos
fatos, como lhe permite o art. 47 do Código de Processo Penal. A pretendida
inépcia da denúncia, por não ser possível a coexistência, pelos mesmos
fatos, dos crimes de concussão e de corrupção ativa, não se faz possível
na via do writ, pois, diante dos termos da acusação, que aponta
expressamente ter havido solicitação e não exigência por parte do
funcionário público para que não praticasse ato de ofício (configurando a
transação ou comércio com o cargo por ele exercido), bem como em
decorrência da instrução probatória, é possível que se evidencie, para o
juiz da instrução, a hipótese de desclassificação do crime de concussão
imputado ao Sr. Gilberto Trama para o de corrupção passiva (art. 317,
caput e parágrafos do CP), caso em que sua coexistência com o crime de
corrupção ativa, imputado ao paciente, se apresentaria possível. Habeas
corpus indeferido.
(STF, HC 81.303/SP, Primeira Turma, Relª. Ministra Elen Gracie,
j. em 5/2/2002)
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PENAL. CORRUPÇÃO ATIVA. ALEGAÇÃO DE


OCORRÊNCIA DE CONCUSSÃO. REQUISIÇÃO DE DILIGÊNCIAS
PELO MINISTÉRIO PÚBLICO APÓS O OFERECIMENTO DA
DENÚNCIA. POSSIBILIDADE. CPC, ART. 47
1 . Mesmo que impulsionado, a partir do momento que
o particular, buscando obter vantagem indevida, paga a funcionário
público para que não realize atos legítimos do seu oficio, em detrimento
da Administração Pública, resta configurado o delito de corrupção ativa.
2 . Não obstante ter entendido o membro do órgão ministerial
pela existência de elementos probatórios suficientes para o oferecimento da
denúncia, é perfeitamente possível que requisite novas diligências para melhor
instruir e facilitar o julgamento da ação penal.
3 . Pedido de Habeas Corpus conhecido, mas indeferido
(STJ, HC 16.779/SP, Quinta Turma, Rel Ministro Edson Vidigal, j.
em 7/8/2001)

PENAL. PROCESSUAL PENAL. ELEMENTOS COLHIDOS


EXTRAJUDICIALMENTE CORROBORADOS POR DIVERSAS PROVAS
PRODUZIDAS EM JUÍZO. EXISTÊNCIA DE PROVA DA
FALSIFICAÇÃO. INTRODUÇÃO DE INFORMAÇÕES FALSAS NO
SISTEMA DO INSS. INAPLICABILIDADE DO PRINCÍPIO DA
CONSUNÇÃO ENTRE OS DELITOS DE CORRUPÇÃO PASSIVA E O
DELITO DE FALSIDADE IDEOLÓGICA. ADMISSIBILIDADE DO
ESTELIONATO CONTRA PESSOA JURÍDICA. INEXISTÊNCIA DE ERRO
DE TIPO NO TOCANTE A ELEMENTAR VANTAGEM INDEVIDA.
PRÁTICA DO DELITO DESCRITO NO ART. 333 DO CPB (CORRUPÇÃO
ATIVA) PELA SEGUNDA ACUSADA. CONTINUIDADE DELITIVA
ENTRE OS DELITOS DE CORRUPÇÃO ATIVA E CORRUPÇÃO
PASSIVA.
...
6. Para configuração do crime capitulado no art. 333 do CPB
(corrupção ativa) basta a conduta comissiva do particular de entregar a
vantagem, atendendo à solicitação feita pelo funcionário público (que
responde pelo delito de corrupção passiva), sendo irrelevante, portanto,
que a oferta ou promessa seja feita por sugestão ou solicitação do
funcionário.
...
(TRF 5.ª Região, ACR 4099, Segunda Turma, Rel.
Desembargador Federal Napoleão Nunes Maia Filho, DJ 18/5/2006, p. 179)

HABEAS CORPUS. TRANCAMENTO DE AÇÃO PENAL.


PACIENTES ENCARREGADOS DE FISCALIZAR OBRAS. CORRUPÇÃO
ATIVA. ARQUIVAMENTO IMPLÍCITO.
1 - ...
2 - Noutro feito, quanto à ausência de justa causa formal,
traduzida em atipicidade das condutas, quanto aos tipos penais dos artigos 317 e
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333, ambos do Código Penal. A tese desenvolvida neste writ está adstrita à
análise dos verbos — solicitar e receber — do artigo 317, do Código Penal, que
trata da corrupção passiva, e dos verbos — oferecer ou prometer — do artigo
333, do Código Penal, que cuida de corrupção ativa, para efeito de caracterizar o
delito como bilateral, só quando o funcionário público recebesse a vantagem
indevida, e não quando solicitasse, pois isso implicaria no fato de que, como regra,
o particular houvesse oferecido, ou prometido a referida vantagem.
3 – O STJ, no HC 16779, mutatis mutandis, analisou questão
similar, destacando-se da ementa do acórdão: “1 – Mesmo que impulsionado, a
partir do momento que o particular, buscando obter vantagem indevida, paga a
funcionário público para que não realize atos legítimos do seu ofício, em
detrimento da Administração Pública, resta configurado o delito de corrupção
ativa";.
4 - Na hipótese enfocada, o que se apurou foi que os pacientes
não se limitaram a ceder, e sim colaboraram para a prática de atos ilegítimos, em
benefício próprio, na medida em que Guilherme Frederico Flach, na qualidade de
engenheiro da CEF, encarregado de fiscalizar as obras dos pacientes, solicitou
vantagem indevida, para atestar falso andamento dos trabalhos de molde a
ensejar a liberação indevida de parcela do financiamento celebrado em favor
daqueles, a caracterizar, sob este flanco, o tipo do art. 333, do Código Penal.
Nesta ótica, cabe destacar, que os fatos, delineados na ação penal que se objetiva
trancar, merecem ser aprofundados na instrução probatória respectiva, não sendo
o habeas corpus o meio adequado para tanto, na linha do julgado do Supremo
Tribunal Federal, no HC 83022, DJ 3/10/03, rel. Min. Celso de Mello.
...
8 – Denegada a ordem.
(TRF 2.ª Região, HC 00142617020034020000, Rel.
Desembargador Federal Poul Erik Dyrlund, j. em 17/12/2003)

Não se desconhece que no crime de corrupção podem concorrer as


modalidades ativa e passiva ou se apresentar somente uma delas, em determinadas
circunstâncias específicas, designadamente quando a solicitação específica parte do
funcionário.
Entretanto, não importa que a solicitação ou sugestão aberta advenha do
funcionário, não excluindo o tipo, dessa forma, a iniciativa do corrompido.
No caso dos autos, a vantagem pecuniária foi paga pelos corruptores, em
valores por eles mesmos definidos, conforme depoimento de JOÃO NOGUEIRA. Não
houve, aparentemente, pedido que não pudesses ser recusado, havendo indícios de que
ocorreu negociata entre as partes envolvidas.
Neste momento processual, sem o desenrolar válido da instrução e a coleta
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regular da prova, não há como definir com exatidão como se deu o atuar de cada um e
estabelecer a correta compreensão das condutas, o que demanda o desencadeamento da
Ação Penal.
Também aqui não se pode acolher a alegação de MARCELO ODEBRECHT,
de que a iniciativa delituosa houvesse partido de JOÃO NOGUEIRA, sem sua participação
ou assentimento.
Em juízo perfunctório característico da delibação para exame de admissibilidade
da denúncia, inviável se mostra a alegação de ausência de justa causa calcada em afirmação de
tal estirpe.
Considerando a vultosa quantia envolvida, 15 milhões de reais, não parece
lógico admitir que o subordinado tivesse tão elevado grau de autonomia para, a seu talante,
fixar o valor a ser pago aos agentes públicos e autorizar a liberação, sem aval do gestor maior.
Mais a mais, é indiferente que a oferta ou promessa seja feita ao funcionário
pelo corruptor diretamente ou per interpositam personam.
No desenrolar do processo é que se estabelecerá de quem teria partido a
iniciativa do ataque ao bem jurídico, ou seja, da mercancia da função pública, e o grau exato
de participação de cada um dos implicados.
Afasto, portanto, essa alegação de ausência de justa causa.

2.16. Alegação de nulidade das buscas e apreensões por PEDRO


AUGUSTO DE MEDEIROS, em decorrência de ausência de dois autos de busca e
apreensão e deficiência daquele encontrado nos autos – falta de lacres

Diz a defesa de Pedro Augusto de Medeiros que, embora tenha sido alvo de 4
(quatro) buscas e apreensões (uma decorrente de flagrante e outras três de ordens judiciais),
apenas o auto de apreensão da medida cautelar executada em maio de 2016 constaria dos
autos. Não obstante, o malote a ele referente não teria sido lacrado, motivos que, a seu ver,
constituem cerceamento de defesa.
Não lhe assiste razão, sob nenhum aspecto.
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Superior Tribunal de Justiça
Primeiro porque, diferentemente do que diz a defesa, o denunciado foi alvo de
3 (três) medidas de busca e apreensão, e não de 4 (quatro), como afirmou: a primeira, na
ocasião da abordagem policial, em 7 de outubro de 2014. A segunda, no cumprimento do
mandado de busca e apreensão determinado pelo Juízo de Primeiro grau, em 26 de maio de
2015. E, a terceira, por determinação deste Relator, em 5 de maio de 2016.
Todos os autos de apreensão constam do processo e são exaustivos ao
discriminar os petrechos arrecadados. Os referentes à busca pessoal realizada em 7/10/2014
(Autos de Busca e Apreensão 473/2014, 474/2014, 476/2014 e 477/2014) estão nas fls.
31/32, 33/34, 35/36 e 37/38 do Apenso 10.
O Auto de Busca e Apreensão relacionado à constrição operada em 29/5/2015
está nas fls. 133/136 do mesmo Apenso.
E, por fim, o documento vinculado à medida executada em 5/5/2016 está na
fl. 176 do Apenso 3.
Todos esses Autos dizem explicitamente quem foi o alvo da medida, o dia,
horário e local em que ela foi executada, listam de forma pormenorizada os artefatos
amealhados, são assinados por testemunhas e pelo advogado presente e indicam onde
estavam os elementos que foram constritos.
Portanto, a afirmação de que os bens apreendidos não foram individualizados
não encontra respaldo no caderno processual.
Quanto à afirmada ausência de lacres, é questão de todo irrelevante.
Simples afirmação de que não havia lacre não é suficiente para nulificar as buscas e
apreensões. A um, porque não há lei que exija que o material apreendido seja lacrado; a dois,
porque a defesa não apontou qual achado não pertenceria ao acusado ou posse de qual bem
não tinha; a três, porque tampouco há elemento faltante e que pudesse ter relevância
processual.
Os autos estão individualizados, separados por investigado, e a possibilidade de
mistura de pertences é mera elucubração, sem nenhum indício concreto de ocorrência.
Esses documentos possuem presunção de veracidade, cabendo ao denunciado
o ônus de comprovar eventual divergência, ônus do qual não se desincumbiu.
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Portanto, se não há prejuízo e nem lei que obrigue a lacração, não há nulidade.
Não obstante o dito acima, fato é que, diferente do que disse a defesa, o
material apreendido no cumprimento dos mandados de busca e apreensão foi, sim, lacrado.
No Auto de Apreensão 469/2015, lê-se "lacre 0021831”. Já no Auto de Apreensão
241/2016, lê-se "Lacre 0030110”.
Só não houve lacração do material referente à busca pessoal realizada em
7/10/2014 porque não decorreu de ordem judicial e, nesse caso, sequer há como lacrar-se
aquilo que é encontrado ocasionalmente com o cidadão.
Afasto, portanto, a nulidade alegada.

2.17. Alegação feita por PEDRO AUGUSTO DE MEDEIROS de


cerceamento de defesa por não ter acessado à integralidade dos acordos de
colaboração premiada firmados entre o Ministério Público Federal e BENEDITO
RODRIGUES e VANESSA DANIELA PIMENTA RIBEIRO

O sigilo dos acordos de colaboração pactuado com BENEDITO


RODRIGUES DE OLIVEIRA NETO foi levantado muito antes do oferecimento da denúncia
e os autos da avença permaneceram, desde então, à disposição das partes e advogados, na
Coordenadoria da Corte Especial.
Quanto ao documento firmado por Vanessa Daniela Pimenta Ribeiro, não diz
respeito a esta Ação Penal – os fatos lá decantados não são objeto da denúncia – e, ainda que
fossem, tal documento igualmente esteve à disposição das partes envolvidas.
Dessa forma, não houve a afirmada negativa de acesso, tanto que todas as
demais defesas acederam a esses papéis, sem nenhuma reclamação outra nesse sentido.
Afasto a preliminar.

2.18. Afirmada de FERNANDO DAMATA PIMENTEL de ilegalidade


do acordo de colaboração premiada estabelecido entre o Ministério Público Federal e
Benedito Rodrigues de Oliveira Neto por ausência de manifestação do Colegiado
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sobre a homologação e sobre a validade das cláusulas

Alegou a defesa de FERNANDO DAMATA PIMENTEL que "as funções de


Relator nas ações originárias não podem ir a ponto de lhe permitir subtração da jurisdição do
Tribunal, a quem compete, ao fim e ao cabo, julgar a acusação e, após a avaliação da eficácia,
do acordo aplicar ou não a redução das penas nos limites legais ou mesmo de perdão judicial,
quando e se for o caso".
A tese sustentada, entretanto, foi recentemente apreciada pelo Plenário do STF,
no julgamento da Questão de Ordem e do Agravo Regimental na Pet 7074/DF, na qual se
discutiu, exatamente, os limites de atuação do ministro-relator na homologação do acordo de
colaboração premiada.
No dia 28/6/2017, os Ministros do Supremo Tribunal decidiram que compete
ao Relator homologar acordo de colaboração premiada, exercendo o controle da
regularidade, legalidade e espontaneidade. Ao Colegiado cabe, posteriormente, analisar se os
termos do acordo foram cumpridos e a eficácia da colaboração.
Esse o teor da decisão, que pode ser consultada no sítio eletrônico do STF na
internet, tendo em vista ainda não ter ocorrido publicação do Acórdão:

Decisão: Preliminarmente, o Tribunal, por maioria, vencidos os


Ministros Marco Aurélio e Gilmar Mendes, resolveu questão de ordem suscitada
pelo Ministro Marco Aurélio no sentido de que o entendimento adotado no
julgamento da questão de ordem na PET 7074 se estende a outros casos. Em
seguida, o Tribunal, nos termos do voto do Relator, ora reajustado, resolveu
questão de ordem no sentido de reafirmar, nos limites dos § 7º e § 11 do art. 4º da
Lei 12.850/2013, e incs. I e II do art. 21 do RI/STF: i) a atribuição do Relator
para, monocraticamente, homologar acordos de colaboração premiada,
oportunidade na qual se limita ao juízo de regularidade, legalidade e
voluntariedade da avença, vencidos os Ministros Gilmar Mendes e
Marco Aurélio; ii) a competência colegiada do Supremo Tribunal Federal, em
decisão final de mérito, para avaliar o cumprimento dos termos bem como a
eficácia do acordo, vencidos, nos termos de seus votos, os Ministros Ricardo
Lewandowski, Gilmar Mendes e Marco Aurélio; iii) que o acordo homologado
como regular, voluntário e legal em regra haverá de ser observado mediante o
cumprimento dos deveres assumidos pelo colaborador, sendo possível ao Plenário
a análise de sua legalidade, nos termos do § 4º do art. 966 do CPC. Ausente o
Ministro Ricardo Lewandowski, participando do Seminário de Verão 2017, na
Faculdade de Direito da Universidade de Coimbra, em Portugal. Presidiu o
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julgamento a Ministra Cármen Lúcia. Plenário, 29.6.2017.

Dessa forma, tendo o Plenário do Supremo Tribunal Federal assentado


entendimento de que a homologação do acordo de colaboração compete ao Relator, não há
como se acolher a tese do acusado, pelo que rejeito a preliminar.

2.19. Afirmada invalidade do acordo de colaboração premiada


estabelecido entre o Ministério Público Federal e Benedito Rodrigues de Oliveira
Neto por ilegalidade das cláusulas e vícios de vontade - alegação de FERNANDO
DAMATA PIMENTEL

FERNANDO DAMATA PIMENTEL impugna, como dito, as cláusulas do


Acordo de Colaboração premiada entabulado entre o Ministério Público Federal e Benedito
Rodrigues de Oliveira Neto.
Este o teor da decisão que homologou a pactuação:

Norma régia da colaboração premiada

Ordinariamente, os benefícios da colaboração premiada constam


de vários artigos da legislação esparsa e consistem em diminuição da pena,
substituição da pena privativa de liberdade por restritivas de direitos ou, até
mesmo, o perdão judicial, conforme se verifica no artigo 7.º da Lei 8.012/90, no
artigo 6.º da Lei 9.034/95, no artigo 1.º, § 2.º, da Lei 9.080/95, no artigo 1.º da Lei
9.269/96, no artigo 1.º, § 5.º, da Lei 9.613/98, artigos 13 e 14 da Lei 9.807/1999,
artigo 41 da Lei 11.343/06, e nos artigos 4.º, 5.º, 6.º e 7.º da Lei 12.850/13,
transcritos abaixo:

Art. 4o da Lei 12.850/2013


“O juiz poderá, a requerimento das partes,
conceder o perdão judicial, reduzir em até 2/3 (dois terços) a pena
privativa de liberdade ou substituí-la por restritiva de direitos
daquele que tenha colaborado efetiva e voluntariamente com a
investigação e com o processo criminal, desde que dessa
colaboração advenha um ou mais dos seguintes resultados:
I - a identificação dos demais coautores e
partícipes da organização criminosa e das infrações penais por eles
praticadas;
II - a revelação da estrutura hierárquica e da
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divisão de tarefas da organização criminosa;
III - a prevenção de infrações penais decorrentes
das atividades da organização criminosa;
IV - a recuperação total ou parcial do produto ou
do proveito das infrações penais praticadas pela organização
criminosa;
V - a localização de eventual vítima com a sua
integridade física preservada.
§ 1o Em qualquer caso, a concessão do benefício
levará em conta a personalidade do colaborador, a natureza, as
circunstâncias, a gravidade e a repercussão social do fato
criminoso e a eficácia da colaboração.
§ 2o Considerando a relevância da colaboração
prestada, o Ministério Público, a qualquer tempo, e o delegado de
polícia, nos autos do inquérito policial, com a manifestação do
Ministério Público, poderão requerer ou representar ao juiz pela
concessão de perdão judicial ao colaborador, ainda que esse
benefício não tenha sido previsto na proposta inicial, aplicando-se,
no que couber, o art. 28 do Decreto-Lei nº 3.689, de 3 de outubro
de 1941 (Código de Processo Penal).
§ 3o O prazo para oferecimento de denúncia ou o
processo, relativos ao colaborador, poderá ser suspenso por até 6
(seis) meses, prorrogáveis por igual período, até que sejam
cumpridas as medidas de colaboração, suspendendo-se o
respectivo prazo prescricional.
§ 4o Nas mesmas hipóteses do caput, o Ministério
Público poderá deixar de oferecer denúncia se o colaborador:
I - não for o líder da organização criminosa;
II - for o primeiro a prestar efetiva colaboração nos
termos deste artigo.
§ 5o Se a colaboração for posterior à sentença, a
pena poderá ser reduzida até a metade ou será admitida a
progressão de regime ainda que ausentes os requisitos objetivos.
§ 6o O juiz não participará das negociações
realizadas entre as partes para a formalização do acordo de
colaboração, que ocorrerá entre o delegado de polícia, o
investigado e o defensor, com a manifestação do Ministério
Público, ou, conforme o caso, entre o Ministério Público e o
investigado ou acusado e seu defensor.
§ 7o Realizado o acordo na forma do § 6o, o
respectivo termo, acompanhado das declarações do colaborador e
de cópia da investigação, será remetido ao juiz para homologação,
o qual deverá verificar sua regularidade, legalidade e
voluntariedade, podendo para este fim, sigilosamente, ouvir o
colaborador, na presença de seu defensor.
§ 8o O juiz poderá recusar homologação à
proposta que não atender aos requisitos legais, ou adequá-la ao
caso concreto.
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§ 9o Depois de homologado o acordo, o
colaborador poderá, sempre acompanhado pelo seu defensor, ser
ouvido pelo membro do Ministério Público ou pelo delegado de
polícia responsável pelas investigações.
§ 10. As partes podem retratar-se da proposta,
caso em que as provas autoincriminatórias produzidas pelo
colaborador não poderão ser utilizadas exclusivamente em seu
desfavor.
§ 11. A sentença apreciará os termos do acordo
homologado e sua eficácia.
§ 12. Ainda que beneficiado por perdão judicial ou
não denunciado, o colaborador poderá ser ouvido em juízo a
requerimento das partes ou por iniciativa da autoridade judicial.
§ 13. Sempre que possível, o registro dos atos de
colaboração será feito pelos meios ou recursos de gravação
magnética, estenotipia, digital ou técnica similar, inclusive
audiovisual, destinados a obter maior fidelidade das informações.
§ 14. Nos depoimentos que prestar, o colaborador
renunciará, na presença de seu defensor, ao direito ao silêncio e
estará sujeito ao compromisso legal de dizer a verdade.
§ 15. Em todos os atos de negociação,
confirmação e execução da colaboração, o colaborador deverá
estar assistido por defensor.
§ 16. Nenhuma sentença condenatória será
proferida com fundamento apenas nas declarações de agente
colaborador.”

Art. 5º da Lei 12.850/2013


“São direitos do colaborador:
I - usufruir das medidas de proteção previstas na
legislação específica;
II - ter nome, qualificação, imagem e demais
informações pessoais preservados;
III - ser conduzido, em juízo, separadamente dos
demais coautores e partícipes;
IV - participar das audiências sem contato visual
com os outros acusados;
V - não ter sua identidade revelada pelos meios de
comunicação, nem ser fotografado ou filmado, sem sua prévia
autorização por escrito;
VI - cumprir pena em estabelecimento penal
diverso dos demais corréus ou condenados.”

Art. 6º da Lei 12.850/2013


“O termo de acordo da colaboração premiada
deverá ser feito por escrito e conter:
I - o relato da colaboração e seus possíveis
resultados;
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II - as condições da proposta do Ministério Público
ou do delegado de polícia;
III - a declaração de aceitação do colaborador e de
seu defensor;
IV - as assinaturas do representante do Ministério
Público ou do delegado de polícia, do colaborador e de seu
defensor;
V - a especificação das medidas de proteção ao
colaborador e à sua família, quando necessário.”

Art. 7º da Lei 12.850/2013


“O pedido de homologação do acordo será
sigilosamente distribuído, contendo apenas informações que não
possam identificar o colaborador e o seu objeto.
§ 1º As informações pormenorizadas da
colaboração serão dirigidas diretamente ao juiz a que recair a
distribuição, que decidirá no prazo de 48 (quarenta e oito) horas.
§ 2º O acesso aos autos será restrito ao juiz, ao
Ministério Público e ao delegado de polícia, como forma de
garantir o êxito das investigações, assegurando-se ao defensor, no
interesse do representado, amplo acesso aos elementos de prova
que digam respeito ao exercício do direito de defesa, devidamente
precedido de autorização judicial, ressalvados os referentes às
diligências em andamento.
§ 3º O acordo de colaboração premiada deixa de
ser sigiloso assim que recebida a denúncia, observado o disposto
no art. 5º.”

2.2 Natureza bifásica do procedimento

O caput do artigo 4.º da Lei 12.850/13 é a norma régia da


colaboração premiada.
É dizer que eventuais benefícios que poderão ser concedidos ao
colaborador dependem da efetividade da colaboração para o processo criminal ou
para as investigações, impondo a Lei que da colaboração advenha um ou mais
dos resultados estipulados nos incisos I a V do referido dispositivo.
A concessão dos benefícios deverá levar em conta, conforme
explícita exigência da Lei, "a personalidade do colaborador, a natureza, as
circunstâncias, a gravidade e a repercussão social do fato criminoso e a eficácia
da colaboração", elementos esses que são passíveis de aferição tão somente
depois do desenrolar do processo.
Disso deflui que a homologação prévia tem como escopo a mera
verificação da regularidade, voluntariedade e legalidade do procedimento, nas
lindes bem demarcadas do § 7.º do art. 4.º da Lei 12.850/13.
Daí a natureza bifásica do procedimento: inicialmente, uma
decisão homologatória de controle genérico dos três núcleos atrás referidos.
Em momento posterior e depois do desenrolar da instrução
probatória, por ocasião do julgamento, outra decisão, esta de mérito, na qual, se

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houver condenação, poderão incidir os benefícios entabulados, no todo ou em
parte, a depender da efetividade, da extensão da colaboração e do alcance de um
ou mais dos resultados elencados no caput do artigo 4.ª da Lei 12.850/13.
Dessa forma, em que pese da colaboração possam advir reflexos
favoráveis ao denunciado, conforme sua disposição em cooperar, efetivamente,
com o esclarecimento da verdade, e assim for reconhecido judicialmente, a
aplicação do instituto, porque ligado, intimamente, à resposta sancionatória a ser
estabelecida, concretamente pelo Estado-Juiz, reclama obediência ao devido
processo legal, de cognição exauriente, própria dos provimentos de mérito
emitidos ao final da instrução, haja vista que o colaborador pode, como em
qualquer outra demanda criminal, ser absolvido (CPP, artigo 386), ter a pena
reduzida em quantum inferior àquele constante no acordo, ou, ainda, ser
beneficiado pela prescrição, o que àquele certamente será mais benéfico.

2.3. Exame dos requisitos de regularidade, voluntariedade e


legalidade

Consoante dicção do artigo 4.º, § 7.º, da Lei 12.850/13, neste


momento processual compete ao magistrado apenas a verificação da
regularidade, da legalidade e da voluntariedade do Termo de Acordo.
No aspecto da regularidade, constato que foram observados os
requisitos exigidos pela Lei, pois o pacto foi celebrado na presença do denunciado,
de seu defensor e de representante do Ministério Público Federal. Ademais,
respeitou a forma escrita, relatou a colaboração e seus possíveis resultados,
estipulou as condições da proposta, trouxe declaração de aceitação do
colaborador e de seu defensor e foi devidamente assinado, atendendo, assim, às
imposições do artigo 6.º do suso diploma legal.
O termo, acompanhado da mídia e de cópia do processo, foi
encaminhado documentado a este Relator, tal como determina a Lei 12.850/13.
Quanto à voluntariedade, verifico que não houve vício de vontade,
conforme se extrai da mídia eletrônica anexa ao acordo e porque o colaborador
foi orientado por seus causídicos e subscreveu o termo acompanhado por eles,
que também firmaram o documento.
Já no atinente à legalidade, não há, em análise superficial, cláusula
de vilipêndio à lei, à moral, à ordem pública ou aos bons costumes.

3. Dispositivo

Pelo exposto, HOMOLOGO o "Termo de Acordo de Colaboração


Premiadae" firmado entre o Ministério Público Federal e Benedito Rodrigues de
Oliveira Neto, a fim de que surta seus devidos efeitos legais, nesta ou em outra
instância, independentemente de ratificação, nos termos da fundamentação supra.
Conforme dispõe o art. 7.º, § 3.º, da Lei 12.850/13, e porque no
rito da Lei 8.038/90 a defesa prévia antecede o recebimento da denúncia, levanto
o sigilo do acordo de colaboração aos demais denunciados na Ação Penal 836/DF
e a seus defensores, mantendo restrito o acesso a terceiros, ao menos neste
momento.
Com o oferecimento eventual de outras denúncias, o acesso
poderá ser franqueado a futuros quiçá acusados.
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Superior Tribunal de Justiça
Intimem-se o Ministério Público Federal, a defesa do colaborador
e a defesa dos denunciados na Ação Penal, a fim de que tomem ciência da
homologação e, em relação aos últimos, da existência do acordo.

Primeiramente, pondero que as cláusulas desse acordo em nada diferem de


tantos outros homologados pelo STF e pelo STJ. Alias, são idênticas, inclusive como se
percebe dos acordos homologados pelo Eminente Ministro Edson Fachin, trazidos a estes
autos pelo Ministério Público Federal e que podem ser encontrados às fls. 633-655.
Reconhecer, aqui, a invalidade dessas cláusulas seria asseverar que
todos os acordos homologados no âmbito do STF são igualmente nulos.
Como se percebe da leitura da decisão de homologação supratranscrita, ela, de
modo claro e compreensível, enfatizou que competirá ao órgão julgador, no momento
oportuno e no julgamento da Ação Penal, deliberar sobre a incidência e extensão dos
benefícios pactuados.
É dizer, em outras palavras, que o poder de aplicar ou não as vantagens
prometidas competirá ao magistrado e dependerá “da efetividade, da extensão da colaboração
e do alcance de um ou mais dos resultados elencados no caput do artigo 4.ª da Lei
12.850/13”, conforme constou da decisão homologatória.
A mera homologação, portanto, não gera direito subjetivo aos pactuantes,
limitando-se a expectativa de direito.
Dessa forma, não se traduzindo a homologação do Acordo de Colaboração em
ato de efeitos concretos definitivos – pelo menos não antes do julgamento –, não há interesse
jurídico que autorize a hostilização, quanto mais por quem não é parte, dos benefícios
entabulados, cuja eficácia imediata restringe-se ao Ministério Público Federal — que se
compromete a pleiteá-los em favor do colaborador, mas sem direito subjetivo de acolhimento
— e ao próprio colaborador, que assume certos deveres de comportamento.
Sendo assim, o momento adequado para a impugnação das cláusulas é aquele
posterior ao eventual julgamento, quando esses benefícios poderão, à luz dos elementos
agregados à instrução criminal, concretizar-se. Não antes, quando constituem apenas

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expectativa de direito.
A Corte Especial do STJ teve oportunidade de apreciar alegação idêntica, a
que ora é trazida, no julgamento do AgRg no Inq 1093/DF, de relatoria da Eminente Ministra
Nancy Andrighi, em 6/9/2017, cujo Acórdão é assim ementado:

PROCESSUAL PENAL. INQUÉRITO. COLABORAÇÃO


PREMIADA. ART. 4º DA LEI 12.850/13. EXISTÊNCIA, VALIDADE E
EFICÁCIA. QUESTIONAMENTO. DELATADO. LEGITIMIDADE E
INTERESSE. AUSÊNCIA. NEGÓCIO JURÍDICO PROCESSUAL. EFEITOS.
RESTRIÇÃO. NATUREZA JURÍDICA PROCESSUAL. DELATIO
CRIMINIS. CONTEÚDO. ELEMENTOS DE CONVICÇÃO.
DESTINATÁRIO. ÓRGÃO DA ACUSAÇÃO.
1. O propósito recursal é determinar se o agravante, citado nas
informações prestadas por colaborador, tem interesse e legitimidade para
impugnar a existência, validade e eficácia de acordo de colaboração premiada ou
se existem razões para o imediato trancamento do presente inquérito por meio da
concessão de habeas corpus de ofício.
2. Como reflexo dos princípios do devido processo legal, da
presunção de inocência e da ampla defesa, impõe-se à acusação o ônus de
colher, preambularmente, um lastro indiciário mínimo para o exercício da
pretensão penal punitiva, o que corresponde ao dever de demonstrar a justa
causa, conforme previsto no art. 395, III, do CPP.
3. A colaboração premiada somou à já existente previsão de
qualquer pessoa do povo contribuir com a investigação criminal de crime de ação
penal pública incondicionada (arts. 5º, § 3º, e 27 do CPP) a possibilidade de,
quando se tratar de coautor ou partícipe, obter benefícios processuais e materiais
penais.
4. Quanto ao aspecto processual, a natureza jurídica da
colaboração premiada é de delatio criminis, porquanto é mero recurso à
formação da convicção da acusação e não elemento de prova, sendo insuficiente
para subsidiar, por si só, a condenação de alguém.
5. O acordo de colaboração não se confunde com seu conteúdo e
as cláusulas de referido acordo não repercutem, nem sequer remotamente, na
esfera jurídica de terceiros, razão pela qual não têm esses terceiros interesse
jurídico nem legitimidade para sua impugnação.
6. Na presente hipótese, o agravante questiona a validade de
acordo de colaboração, por ter sido firmado por órgão do Ministério Público que
não possuiria atribuições e homologado por juiz que não possuiria competência
para tratar de fatos que envolvessem autoridade com prerrogativa de foro no
STJ. Argumenta, ademais, que a colaboração se referiria a crime diverso daquele
envolvido do acordo, o que evidenciaria a ilicitude de seu objeto.
7. As indagações referentes à atribuição do membro do Parquet
ou do juiz que o homologa o acordo não afetam a existência, validade ou
veracidade dos elementos de convicção fornecidos ao órgão de acusação, os
quais podem ser contraditados no momento processual adequado. Ademais, os
crimes objeto do acordo têm íntima relação com aquele supostamente praticado
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pelo agravante.
8. Agravo regimental improvido.
(AgRg no Inq 1093/DF, Cosrte Especial, Rel. Ministra Nancy
Andrghi, j.6/9/2017)

Assim deliberou a Corte Especial do STJ, no citado julgamento:

V – Do reflexo da colaboração e do seu conteúdo na esfera


jurídica de terceiros
O acordo de colaboração não se confunde com seu conteúdo e as
cláusulas de referido acordo não repercutem, nem sequer remotamente, na esfera
jurídica de terceiros, razão pela qual não têm esses terceiros interesse jurídico em
sua impugnação. Realmente, “a eventual desconstituição de acordo de
colaboração premiada tem âmbito de eficácia restrito às partes que o
firmaram, não beneficiando nem prejudicando terceiros” (STF, HC 127.483,
Tribunal Pleno, DJe de 4.2.2016).
O STF adotou o posicionamento de que “até mesmo em caso de
revogação do acordo, o material probatório colhido em decorrência dele
pode ainda assim ser utilizado em face de terceiros, razão pela qual não
ostentam eles, em princípio, interesse jurídico em pleitear sua
desconstituição” (STF, Inq 3983, Tribunal Pleno, DJe 12/05/2016).
De fato, o material probatório colhido em decorrência da
colaboração pode ser utilizado em face de terceiros, os quais, no momento
oportuno, podem formular contestações quanto ao seu conteúdo. Nesse sentido
(STF, Inq 3983, Tribunal Pleno, DJe 12/05/2016).
Com efeito, não é o acordo de colaboração ou sua homologação
que afetam a situação jurídica de terceiros, mas sim as informações nela contidas,
cujo exame sequer é realizado pelo juiz no momento do juízo de delibação do art.
4º, § 7º, da Lei 12.850/2013.
Conforme destacado pela jurisprudência do STF, “a
homologação do acordo de colaboração, por si só, não produz nenhum
efeito na esfera jurídica do delatado, uma vez que não é o acordo
propriamente dito que poderá atingi-la, mas sim as imputações constantes
dos depoimentos do colaborador ou as medidas restritivas de direitos
fundamentais que vierem a ser adotadas com base nesses depoimentos e nas
provas por ele indicadas ou apresentadas” (Rcl 21258 AgR, Segunda Turma,
DJe 20/04/2016).

V – Da obtenção de elementos de convicção dissociados


dos fatos envolvidos no acordo de colaboração premiada – encontro
fortuito de provas
Os elementos de convicção fornecidos pelo colaborador têm,
realmente, existência autônoma em relação ao acordo de colaboração premiada,
que se constitui em negócio jurídico personalíssimo, firmado entre a acusação e o
colaborador.
Sendo a colaboração premiada um meio de obtenção de elementos
de convicção, as informações prestadas pelo colaborador podem referir-se até

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Superior Tribunal de Justiça
mesmo a crimes diversos daqueles que dão causa ao acordo, configurando-se,
nessa situação, a hipótese da descoberta fortuita de provas.
Conforme assinalado pela jurisprudência do Pretório Excelso,
“esses elementos informativos (art. 155, CPP) sobre crimes outros, sem
conexão com a investigação primária [...] devem receber o mesmo
tratamento conferido à descoberta fortuita ou ao encontro fortuito de provas
em outros meios de obtenção de prova, como a busca e apreensão e a
interceptação telefônica” (STF, Inq 4130 QO, Tribunal Pleno, DJe 03/02/2016,
sem destaque no original).
O encontro fortuito de elementos de convicção referentes a crime
diverso do envolvido no acordo de colaboração não altera a validade dessas
informações pois, segundo a jurisprudência do STJ, “o denominado encontro
fortuito de provas (serendipidade) – é fato legítimo, não gerando
irregularidade do inquérito policial, tampouco ilegalidade na instauração
da ação penal” (RHC 81.964/RS, Sexta Turma, DJe 15/05/2017).
Outra consequência do encontro fortuito de provas é a incidência
da teoria do juízo aparente, segundo a qual é legítima a obtenção por juiz que até
então seja competente de elementos de convicção relacionados a pessoa que
detenha foro por prerrogativa de função.
Nos termos da jurisprudência do STF, “a simples menção de
nome de parlamentar, em depoimentos prestados pelos investigados, não tem
o condão de firmar a competência do Supremo Tribunal para o
processamento de inquérito” (STF, HC 82647, Segunda Turma, DJ
25/04/2003).

VI – Da hipótese concreta
Na hipótese dos autos, o Grupo de Atuação Especial de Combate
ao Crime Organizado – GAECO com atuação em Londrina/PR obteve indícios,
mediante a colaboração de Luiz Antônio de Souza, auditor fiscal do Estado do
Paraná, de que o indiciado teria recebido valores ilícitos captados por organização
criminosa atuante na Receita Estadual do Paraná e aplicados em sua campanha
eleitoral ao Governo do Estado do Paraná nas Eleições 2014.
O acordo de colaboração foi firmado em 02/05/2015, tendo
ocorrido sua homologação em 12/05/2015.
O agravante questiona a validade de referido acordo, pois teria
sido firmado por órgão do Ministério Público que não possuiria atribuições e
homologado por juiz que não possuiria competência para tratar de fatos que
envolvessem autoridade com prerrogativa de foro no STJ.
Argumenta, ademais, que a colaboração se referiria a crime
diverso daquele envolvido do acordo, o que evidenciaria a ilicitude do objeto de
referido negócio jurídico processual.
Essas questões, todavia, não prejudicam o agravante, pois, como
visto, o acordo de colaboração premiada é negócio jurídico processual com
eficácia restrita ao colaborador e à acusação. Por esse motivo, o agravante não
tem interesse nem legitimidade para questionar sua validade.
De fato, as indagações referentes à atribuição do membro do
Parquet que firma o acordo ou do juiz que o homologa não afetam a existência,
validade ou veracidade dos elementos de convicção fornecidos ao órgão de
acusação, os quais podem ser contraditados no momento processual adequado.
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Superior Tribunal de Justiça
Ademais, deve ser ressaltado que o colaborador não só era
investigado pela suposta prática de crimes de natureza sexual, mas também por
crimes de corrupção passiva e ativa, lavagem de dinheiro, falsidade ideológica e
formação de organização criminosa em virtude de supostas infrações penais
praticadas contra a Receita do Estado do Paraná; delitos que têm relação íntima
com os fatos apurados no presente procedimento investigatório.
Por esse motivo, não se vislumbram ilegalidades capazes de afetar
o curso do presente inquérito, tampouco para autorizar a concessão, de ofício, de
ordem de habeas corpus.

Também o Supremo Tribunal Federal, por seu Plenário, em voto da relatoria do


Ministro Dias Toffoli, nos autos do HC 127.483/PR, assentou o entendimento de que a
colaboração premiada, para além de técnica especial de investigação, é negócio jurídico
processual personalíssimo, pois, por meio dele, se pretende a cooperação do imputado para a
investigação e para o processo penal, o qual poderá redundar em benefícios de natureza penal
premial, sendo necessário que a ele aquiesça, voluntariamente, que esteja no pleno gozo de
sua capacidade civil, e consciente dos efeitos decorrentes de sua realização.
Assim diz o voto:

A colaboração premiada é um negócio jurídico processual, uma


vez que, além de ser qualificada expressamente pela lei como “meio de obtenção
de prova”, seu objeto é a cooperação do imputado para a investigação e para o
processo criminal, atividade de natureza processual, ainda que se agregue a esse
negócio jurídico o efeito substancial (de direito material)concernente à sanção
premial a ser atribuída a essa colaboração. Dito de outro modo, embora a
colaboração premiada tenha repercussão no direito penal material (ao estabelecer
as sanções premiais a que fará jus o imputado-colaborador, se resultar exitosa sua
cooperação), elas e destina precipuamente a produzir efeitos no âmbito do
processo penal.
Note-se que a Lei nº 12.850/13 expressamente se refere a um
“acordo de colaboração” e às “negociações” para a sua formalização, a serem
realizadas “entre o delegado de polícia, o investigado e o defensor, com a
manifestação do Ministério Público, ou, conforme ocaso, entre o Ministério
Público e o investigado ou acusado e seu defensor” (art. 4º, § 6º), a confirmar que
se trata de um negócio jurídico processual.
[...}
Dentre os relevantes efeitos processuais do acordo de
colaboração, destacam-se os previstos no art. 4º da Lei nº 12.850/13: I) “o prazo
para oferecimento de denúncia ou o processo, relativos ao colaborador, poderá
ser suspenso por até 6 (seis) meses, prorrogáveis por igual período, até que sejam
cumpridas as medidas de colaboração, suspendendo-se o respectivo prazo
prescricional” (§3º); II) “o Ministério Público poderá deixar de oferecer denúncia
se o colaborador não for o líder da organização criminosa ou for o primeiro a
prestar efetiva colaboração (§ 4º); e III) “nos depoimentos que prestar, o
colaborador renunciará, na presença de seu defensor, ao direito ao silêncio e
estará sujeito ao compromisso legal de dizer a verdade” (§ 14). Além disso, nos
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termos do art. 5º da Lei nº12.850/13, o acordo de colaboração judicialmente
homologado confere ao colaborador o direito de: I) ”usufruir das medidas de
proteção previstas na legislação específica”; II) “ter nome, qualificação, imagem
e demais informações pessoais preservados”; III) “ser conduzido, em juízo,
separadamente dos demais coautores e partícipes”, e IV) “participar das
audiências sem contato visual com os outros acusados”. Indubitável, portanto,
tratar-se de um negócio jurídico processual.
[...]
No caso da colaboração premiada, uma vez aceita por uma das
partes a proposta formulada pela outra, forma-se o acordo de colaboração, que,
ao ser formalizado por escrito, passa a existir(plano da existência). Não se
confundem, assim, “proposta” e “acordo”, tanto que a “proposta” é retratável, nos
termos do art. 4º,§ 10, da Lei nº 12.850/13, mas não o acordo. Se o colaborador
não mais quiser cumprir seus termos, não se cuidará de retratação, mas de
simples inexecução de um negócio jurídico perfeito. O art. 6º, da Lei nº 12.850/13
estabelece os elementos de existência do acordo de colaboração premiada. Esse
acordo deverá ser feito por escrito e conter: I) o relato da colaboração e seus
possíveis resultados; II) as condições da proposta do Ministério Público ou do
delegado de polícia; III) a declaração de aceitação do colaborador e de seu
defensor; e IV) as assinaturas do representante do Ministério Público ou do
delegado de polícia, do colaborador e de seu defensor.
Por sua vez, “a especificação das medidas de proteção ao
colaborador e à sua família”, prevista no inciso V do referido dispositivo legal,
afigura-se um elemento particular eventual, uma vez que o acordo somente
disporá sobre tais medidas “quando necessário”. Quanto ao plano subsequente da
validade, o acordo de colaboração somente será válido se: I) a declaração de
vontade do colaborador for a) resultante de um processo volitivo; b) querida com
plena consciência da realidade; c) escolhida com liberdade e d)deliberada sem
má-fé; e II) o seu objeto for lícito, possível e determinado ou determinável. Nesse
sentido, aliás, o art. 4º, caput seu § 7º, da Lei nº 12.850/13 exige, como requisitos
de validade do acordo de colaboração, a voluntariedade do agente, a regularidade
e a legalidade dos seus termos. Destaco que requisito de validade do acordo é a
liberdade psíquica do agente, e não a sua liberdade de locomoção. A declaração
de vontade do agente deve ser produto de uma escolha com liberdade (=
liberdade psíquica), e não necessariamente em liberdade, no sentido de liberdade
física.
[...]
Finalmente, superados os planos da existência e da validade,
chega-se ao plano da eficácia: o acordo existente e válido somente será eficaz se
for submetido à homologação judicial (art. 4º, § 7º, da Lei nº 12.850/13). Esse
provimento interlocutório, que não julga o mérito da pretensão acusatória, mas sim
resolve uma questão incidente, tem natureza meramente homologatória,
limitando-se a se pronunciar sobre a “regularidade, legalidade e voluntariedade”
do acordo (art. 4º, § 7º, da Lei nº 12.850/13).
[...]
Nessa atividade de delibação, o juiz, ao homologar o acordo de
colaboração, não emite nenhum juízo de valor a respeito das declarações
eventualmente já prestadas pelo colaborador à autoridade policial ou ao Ministério
Público, tampouco confere o signo da idoneidade a seus depoimentos posteriores.
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[...]
A homologação judicial constitui simples fator de atribuição de
eficácia do acordo de colaboração.
[...]
Finalmente, havendo um acordo de colaboração existente, válido e
eficaz, nos termos do art. 4º, I a V, da Lei nº 12.850/13, a aplicação da sanção
premial nele prevista dependerá do efetivo cumprimento pelo colaborador das
obrigações por ele assumidas, com a produção de um ou mais dos seguintes
resultados:
a) identificação dos demais coautores e partícipes da organização
criminosa e das infrações penais por eles praticadas; b) revelação da estrutura
hierárquica e da divisão de tarefas da organização criminosa; c) prevenção de
infrações penais decorrentes das atividades da organização criminosa; d)
recuperação total ou parcial do produto ou do proveito das infrações penais
praticadas pela organização criminosa; e) localização de eventual vítima com a
sua integridade física preservada.
Se não sobrevier nenhum desses resultados concretos para a
investigação, restará demonstrado o inadimplemento do acordo por parte do
colaborador, e não se produzirá a consequência por ele almejada (aplicação da
sanção premial).
[...]
Por se tratar de um negócio jurídico processual personalíssimo, o
acordo de colaboração premiada não pode ser impugnado por coautores ou
partícipes do colaborador na organização criminosa e nas infrações penais por ela
praticadas, ainda que venham a ser expressamente nominados no respectivo
instrumento quando do “relato da colaboração e seus possíveis resultados” (art.
6º, I, da Lei nº 12.850/13). O acordo de colaboração, como negócio jurídico
personalíssimo, não vincula o delatado e não atinge diretamente sua esfera
jurídica: res inter alios acta. A delação premiada, como já tive oportunidade de
assentar, é um benefício de natureza personalíssima, cujos efeitos não são
extensíveis a corréus (RHC nº124.192/PR, Primeira Turma, de minha relatoria,
DJe de 8/4/15). Esse negócio jurídico processual tem por finalidade precípua a
aplicação da sanção premial ao colaborador, com base nos resultados concretos
que trouxer para a investigação e o processo criminal. Assim, a homologação do
acordo de colaboração, por si só, não produz nenhum efeito na esfera jurídica do
delatado, uma vez que não é o acordo propriamente dito que poderá atingi-la, mas
sim as imputações constantes dos depoimentos do colaborador ou as medidas
restritivas de direitos fundamentais que vierem a ser adotadas com base nesses
depoimentos e nas provas por ele indicadas ou apresentadas - o que, aliás, poderia
ocorrer antes, ou mesmo independentemente, de um acordo de colaboração.
Tanto isso é verdade que o direito do imputado colaborador às sanções premiais
decorrentes da delação premiada prevista no art. 14 da Lei nº9.807/99; no art. 1º,
§ 5º, da Lei nº 9.613/98 (Lavagem de Dinheiro); no art. 159, § 4º, do Código
Penal, na redação dada pela Lei nº9.269/96 (extorsão mediante sequestro); no art.
25, § 2º, da Lei nº7.492/86 e no art. 41 da Lei nº 11.343/06 (Lei de Drogas),
independe da existência de um acordo formal homologado judicialmente. Ao
disciplinarem a delação premiada, esses outros diplomas legais reputam suficiente,
para a aplicação das sanções premiais, a colaboração efetiva do agente para a
apuração das infrações penais, identificação de coautores ou partícipes,
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localização de bens, direito sou valores auferidos com a prática do crime ou
libertação da vítima, a demonstrar, mais uma vez, que não é o acordo
propriamente dito que atinge a esfera jurídica de terceiros. Corroborando essa
assertiva, ainda que o colaborador, por descumprir alguma condição do acordo,
não faça jus a qualquer sanção premial por ocasião da sentença (art. 4º, § 11, da
Lei nº 12.850/13), suas declarações, desde que amparadas por outras provas
idôneas (art. 4º, § 16, da Lei nº12.850/13), poderão ser consideradas meio de
prova válido para fundamentar a condenação de coautores e partícipes da
organização criminosa. Por sua vez, o fato de o art. 4º, § 9º, da Lei nº 12.850/13
prever que “depois de homologado o acordo, o colaborador poderá, sempre
acompanhado pelo seu defensor, ser ouvido pelo membro do Ministério Público ou
pelo delegado de polícia responsável pelas investigações” não significa, como
pretendem fazer crer impetrantes nas razões do agravo regimental interposto, que
suas declarações somente poderão ser tomadas após a decisão homologatória.
Significa apenas que, após a homologação do acordo, os depoimentos do
colaborador se sujeitarão ao regime jurídico instituído pelo referido diploma legal.
A toda evidência, subsistem válidos os depoimentos anteriormente prestados pelo
colaborador, que poderão, oportunamente, ser confrontados e valorados pelas
partes e pelo juízo. Em suma, nos procedimentos em que figurarem como
imputados, os coautores ou partícipes delatados terão legitimidade para
confrontar, em juízo, as afirmações sobre fatos relevantes feitas pelo colaborador
e as provas por ele indicadas, bem como para impugnar, a qualquer tempo, as
medidas restritivas de direitos fundamentais eventualmente adotadas em seu
desfavor com base naquelas declarações e provas, inclusive sustentando sua
inidoneidade para servir de plataforma indiciária para a decretação daquelas
medidas - mas não, repita-se, para impugnar os termos do acordo de colaboração
feito por terceiro. Outrossim, negar-se ao delatado o direito de impugnar o acordo
de colaboração não implica desproteção a seus interesses. A uma porque a
própria Lei nº 12.850/13 estabelece que “nenhuma sentença condenatória será
proferida com fundamento apenas nas declarações de agente colaborador” (art.
4º, § 16). A duas porque, como já exposto, será assegurado ao delatado, pelo
contraditório judicial, o direito de confrontar as declarações do colaborador e as
provas com base nela obtidas.
[...]
Por essa razão, Gustavo Badaró e Pierpaolo Cruz Bottini, embora
cuidando da delação premiada prevista no art. 1º, § 5º, da Lei nº9.613/98,
(Lavagem de Dinheiro), afirmam que as declarações do delator, para serem
consideradas meios de prova, deverão encontrar amparo em outros elementos de
prova existentes nos autos que corroborem seu conteúdo, bem como, caso
tenham sido prestadas na fase extrajudicial ou em procedimento criminal diverso,
deverão ser confirmadas em juízo, assegurando-se ao delatado o
contraditório(Lavagem de dinheiro: aspectos penais e processuais penais.
Comentários à Lei 9.613/1998, com as alterações da Lei12.683/2012. 2. ed. São
Paulo: Revista dos Tribunais, 2013, pp.174-175, grifo nosso). A propósito, Gustavo
dos Reis Gazzola, ao tratar do direito de o delatado contrastar as informações
prestadas pelo colaborador, aduz que a delação premiada no curso do processo
pode gerar duas situações:
“Primeira, o delatado é corréu no processo. Deve, portanto, o
delatado, por meio de advogado, poder contrastar as informações prestadas pelo
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delator no curso da própria relação processual, o que se dará pela possibilidade de
perguntas, quer em audiência de interrogatório, quer em audiência designada para
essa finalidade. Segunda, o delatado não é corréu no processo. A delação será
objeto de contraditório no processo a que eventualmente estiver respondendo o
delatado, ou no mesmo em que se deu a delação, caso haja aditamento da
denúncia (...)” (Delação premiada. In: Limites constitucionais da investigação.
Coord. Rogério Sanches Cunha, Pedro Taques e Luiz Flávio Gomes. São Paulo:
Revista dos Tribunais, 2009. p.180).
Também Frederico Valdez Pereira assenta a indispensabilidade de
se assegurar aos delatados pelo colaborador o direito de confrontar em juízo o
arrependido, com o intuito de retirar ou abalar a credibilidade de suas declarações,
aduzindo que o exercício desse direito representa
“(...) verdadeiro método indireto de controle da atuação dos
órgãos de persecução no momento prévio de se definir por embasar a estratégia
investigativa e de imputação em pretensos colaboradores, pois deverão então
considerar, antecipadamente, o exame a que serão submetidos na fase judicial os
declarantes, limitando-se, desse modo, a favorecer apenas sujeitos que pareçam
fiáveis e constantes na opção colaborativa. (…) portanto, acaso se pretenda
utilizar as informações advindas da delação para sustentar um juízo condenatório,
ostentando a condição de meio de prova, é indispensável submeter o agente
colaborador ao contraditório em juízo” (op. cit., p. 146-147).
Neste particular, o art. 4º, § 12, da Lei nº 12.850/13 determina que,
“ainda que beneficiado por perdão judicial ou não denunciado, o colaborador
poderá ser ouvido em juízo a requerimento das partes ou por iniciativa da
autoridade judicial”. Por sua vez, a Convenção Americana de Direitos Humanos
(Pacto de São José da Costa Rica), no art. 8º, inciso 2, f, estabelece, como
garantia judicial, “o direito da defesa de inquirir as testemunhas presentes no
Tribunal e de obter o comparecimento, como testemunhas ou peritos, de outras
pessoas que possam lançar luz sobre os fatos”. Não resta dúvida, portanto, de
que o delatado, no exercício do contraditório, terá o direito de inquirir o
colaborador, seja na audiência de interrogatório, seja em audiência
especificamente designada para esse fim. Assegura-se, dessa forma, a “paridade
de armas” entre o delatado e o órgão acusador, entendida como “o indispensável
equilíbrio que deve existir entre as oportunidades concedidas às partes para que,
ao apresentar suas provas e alegações ao juiz ou tribunal, não seja colocado
[...]
Neste particular, o art. 4º, § 16, da Lei nº 12.850/13, ao prever que
“nenhuma sentença condenatória será proferida com fundamento apenas nas
declarações de agente colaborador”, inspira-se nitidamente no citado art. 192, §
3º, do Código de Processo Penal italiano, que não exclui a utilizabilidade probatória
das declarações feitas por coimputado sobre a responsabilidade alheia, mas, ao
impor sua valoração conjunta com outros elementos que confirmem sua
credibilidade (“attendibilità”), subordina sua utilização à necessidade de
corroboração por elementos externos de verificação (GREVI, Vittorio.
Compendio di procedura penale. 6. ed. p. 323-324).

Eis a ementa do julgado:

Habeas corpus. Impetração contra ato de Ministro do Supremo


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Tribunal Federal. Conhecimento. Empate na votação. Prevalência da decisão
mais favorável ao paciente (art. 146, parágrafo único, do Regimento Interno do
Supremo Tribunal Federal). Inteligência do art.102, I, i, da Constituição Federal.
Mérito. Acordo de colaboração premiada. Homologação judicial (art. 4º, § 7º, da
Lei nº 12.850/13). Competência do relator (art. 21, I e II, do Regimento Interno do
Supremo Tribunal Federal). Decisão que, no exercício de atividade de delibação,
se limita a aferir a regularidade, a voluntariedade e a legalidade do acordo.
Ausência de emissão de qualquer juízo de valor sobre as declarações do
colaborador. Negócio jurídico processual personalíssimo. Impugnação por
coautores ou partícipes do colaborador. Inadmissibilidade. Possibilidade de, em
juízo, os partícipes ou os coautores confrontarem as declarações do colaborador e
de impugnarem, a qualquer tempo, medidas restritivas de direitos fundamentais
adotadas em seu desfavor. Personalidade do colaborador. Pretendida valoração
como requisito de validade do acordo de colaboração. Descabimento. Vetor a ser
considerado no estabelecimento das cláusulas do acordo de colaboração
-notadamente na escolha da sanção premial a que fará jus o colaborador -, bem
como no momento da aplicação dessa sanção pelo juiz na sentença (art. 4º, § 11,
da Lei nº 12.850/13). Descumprimento de anterior acordo de colaboração.
Irrelevância. Inadimplemento que se restringiu ao negócio jurídico pretérito, sem o
condão de contaminar, a priori, futuros acordos de mesma natureza. Confisco.
Disposição, no acordo de colaboração, sobre os efeitos extrapenais de natureza
patrimonial da condenação. Admissibilidade. Interpretação do art. 26.1 da
Convenção das Nações Unidas contra o Crime Organizado Transnacional
(Convenção de Palermo), e do art. 37.2 da Convenção das Nações Unidas
Contra a Corrupção (Convenção de Mérida). Sanção premial. Direito subjetivo do
colaborador caso sua colaboração seja efetiva e produza os resultados almejados.
Incidência dos princípios da segurança jurídica e da proteção da confiança.
Precedente. Habeas corpus do qual se conhece. Ordem denegada. 1. Diante do
empate na votação quanto ao conhecimento de habeas corpus impetrado para o
Pleno contra ato de Ministro, prevalece a decisão mais favorável ao paciente, nos
termos do art. 146, parágrafo único, do Regimento Interno do Supremo Tribunal
Federal. Conhecimento do habeas corpus, nos termos do art. 102, I, “i”, da
Constituição Federal. 2.Nos termos do art. 21, I e II, do Regimento Interno do
Tribunal Federal, o relator tem poderes instrutórios para ordenar,
monocraticamente, a realização de quaisquer meios de obtenção de prova (v.g.,
busca e apreensão, interceptação telefônica, afastamento de sigilo bancário e
fiscal). 3. Considerando-se que o acordo decolaboração premiada constitui meio
de obtenção de prova (art. 3º da Lei nº 12.850/13), é indubitável que o relator tem
poderes para, monocraticamente, homologá-lo (art. 4º, § 7º, da Lei nº 12.850/13).
4.A colaboração premiada é um negócio jurídico processual, uma vez que, além
de ser qualificada expressamente pela lei como “meio de obtenção de prova”, seu
objeto é a cooperação do imputado para a investigação e para o processo
criminal, atividade de natureza processual, ainda que se agregue a esse negócio
jurídico o efeito substancial (de direito material) concernente à sanção premial a
ser atribuída a essa colaboração. 5. A homologação judicial do acordo de
colaboração, por consistir em exercício de atividade de delibação, limita-se a
aferir a regularidade, a voluntariedade e a legalidade do acordo, não havendo
qualquer juízo de valor a respeito das declarações do colaborador. 6. Por se tratar
de negócio jurídico personalíssimo, o acordo de colaboração premiada não pode
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ser impugnado por coautores ou partícipes do colaborador na organização
criminosa e nas infrações penais por ela praticadas, ainda que venham a ser
expressamente nominados no respectivo instrumento no “relato da colaboração e
seus possíveis resultados” (art. 6º, I, da Lei nº 12.850/13). 7. De todo modo, nos
procedimentos em que figurarem como imputados, os coautores ou partícipes
delatados - no exercício do contraditório - poderão confrontar, em juízo, as
declarações do colaborador e as provas por ele indicadas, bem como impugnar, a
qualquer tempo, as medidas restritivas de direitos fundamentais eventualmente
adotadas em seu desfavor. 8. A personalidade do colaborador não constitui
requisito de validade do acordo de colaboração, mas sim vetor a ser considerado
no estabelecimento de suas cláusulas, notadamente na escolha da sanção premial
a que fará jus o colaborador, bem como no momento da aplicação dessa sanção
pelo juiz na sentença (art. 4º, § 11, da Lei nº 12.850/13). 9. A confiança no agente
colaborador não constitui elemento de existência ou requisito de validade do
acordo de colaboração. 10. Havendo previsão em Convenções firmadas pelo
Brasil para que sejam adotadas “as medidas adequadas para encorajar” formas
de colaboração premiada (art. 26.1 da Convenção de Palermo) e para “mitigação
da pena” (art. 37.2 da Convenção de Mérida), no sentido de abrandamento das
consequências do crime, o acordo de colaboração, ao estabelecer as sanções
premiais a que fará jus o colaborador, pode dispor sobre questões de caráter
patrimonial, como o destino de bens adquiridos com o produto da infração pelo
agente colaborador. 11. Os princípios da segurança jurídica e da proteção da
confiança tornam indeclinável o dever estatal de honrar o compromisso assumido
no acordo de colaboração, concedendo a sanção premial estipulada,
contraprestação ao adimplemento da obrigação por parte do colaborador. 12.
Habeas corpus do qual se conhece. Ordem denegada. (HC 127483, Rel. Min.
DIAS TOFFOLI, Tribunal Pleno, julgado em 27/8/2015, PROCESSO
ELETRÔNICO DJe-021DIVULG 3-2-2016 PUBLIC 4-2-2016).

Como visto, diante da natureza de negócio jurídico processual personalíssimo,


bem como por se tratar de meio de obtenção de prova, e não de efetiva prova, a
legitimidade para questionar a legalidade do acordo de colaboração premiada é restrita às
próprias partes que o celebraram, carecendo de legitimação os coinvestigados ou corréus, na
condição de coautores ou partícipes, que eventualmente tenham sido citados na delação, para
questionarem as declarações efetivamente prestadas pelo colaborador.
O Supremo Tribunal Federal, em outras ocasiões, novamente se posicionou no
sentido da inviabilidade de corréus questionarem acordos de colaboração premiada
celebrados por outrem:

INQUÉRITO. IMPUTAÇÃO DOS CRIMES PREVISTOS NOS


ARTS.317 DO CÓDIGO PENAL E 1°, V, VI, VII, DA LEI 9.613/1998. FORO
POR PRERROGATIVA DE FUNÇÃO: HIPÓTESE EM QUE NÃO É
RECOMENDÁVEL CISÃO DO PROCESSO. PRESIDENTEDA CÂMARA
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DOS DEPUTADOS: NÃO CABIMENTO DEAPLICAÇÃO ANALÓGICA
DO ART. 86, § 4º DA CONSTITUIÇÃO. CERCEAMENTO DE DEFESA E
ILICITUDE DE PROVA: INEXISTÊNCIA. PRELIMINARES REJEITADAS.
COLABORAÇÃO PREMIADA: REGIME DE SIGILO E EFICÁCIA
PERANTE TERCEIROS. REQUISITOS DO ART. 41 DO CPP: INDÍCIOS
DE AUTORIA E MATERIALIDADE DEMONSTRADOS EM RELAÇÃO À
SEGUNDA PARTE DA DENÚNCIA. DENÚNCIA PARCIALMENTE
RECEBIDA. 1. Segundo entendimento afirmado por seu Plenário, cabe ao
Supremo Tribunal Federal, ao exercer sua prerrogativa exclusiva de decidir sobre
a cisão de processos envolvendo agentes com prerrogativa de foro, promover, em
regra, o seu desmembramento, a fim de manter sob sua jurisdição apenas o que
envolva especificamente essas autoridades, segundo as circunstâncias de cada
caso (Inq 3515 AgR, Relator(a): Min. MARCO AURÉLIO, Tribunal Pleno,
julgado em 13/02/2014, DJe de 14/3/2014). Ressalvam-se, todavia, situações em
que os fatos se revelem “de tal forma imbricados que a cisão por si só implique
prejuízo a esclarecimento” (AP 853, Relator(a): Min. ROSA WEBER, DJe
de22/5/2014), como ocorre no caso. 2. À luz dos precedentes do Supremo
Tribunal, a garantia contra a autoincriminação se estende às testemunhas, no
tocante às indagações cujas respostas possam, de alguma forma, causar-lhes
prejuízo (cf. HC 79812, Tribunal Pleno, DJ de 16-02-2001). 3. A previsão
constitucional do art. 86, § 4º, da Constituição da República se destina
expressamente ao Chefe do Poder Executivo da União, não autorizando, por sua
natureza restritiva, qualquer interpretação que amplie sua incidência a outras
autoridades, nomeadamente do Poder Legislativo. Precedentes. 4.Tratando-se de
colaboração premiada contendo diversos depoimentos, envolvendo diferentes
pessoas e, possivelmente, diferentes organizações criminosas, tendo sido
prestados em ocasiões diferentes, em termos de declaração separados, dando
origem a diferentes procedimentos investigatórios, em diferentes estágios de
diligências, não assiste a um determinado denunciado o acesso universal a todos
os depoimentos prestados. O que a lei lhe assegura é o acesso aos elementos da
colaboração premiada que lhe digam respeito. 5. Eventual desconstituição de
acordo de colaboração premiada tem âmbito de eficácia restrito às partes que o
firmaram, não beneficiando e nem prejudicando terceiros (HC 127483,Relator(a):
Min. DIAS TOFFOLI, Tribunal Pleno, DJe de 4/2/2016).Até mesmo em caso de
revogação do acordo, o material probatório colhido em decorrência dele pode
ainda assim ser utilizado em face de terceiros, razão pela qual não ostentam eles,
em princípio, interesse jurídico em pleitear sua desconstituição, sem prejuízo,
obviamente, de formular, no momento próprio, as contestações que entenderem
cabíveis quanto ao seu conteúdo. 6. Preservado o conteúdo das informações
prestadas pelo colaborador, eventuais divergências de literalidade entre o
documento escrito e a gravação dos depoimentos, quando realizada, não importa,
automaticamente, a nulidade do ato, reservando-se ao interessado, se for o caso,
no âmbito da ação penal, insurgir-se contra eventuais inconsistências existentes
na versão escrita, podendo demandar do colaborador os esclarecimentos que
forem necessários. 7. Não há nulidade na realização de busca e apreensão
deferida após o oferecimento da denúncia, quando a medida cautelar visa
especificamente coletar elementos referentes a fatos circunscritos a outra
investigação e os elementos probatórios colhidos não foram utilizados ou
considerados para o específico juízo de recebimento da denúncia. 8. Não se
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fazem presentes elementos mínimos de autoria, exigidos para o recebimento da
denúncia, em relação à efetiva participação dos denunciados nos supostos crimes
ocorridos nos anos de 2006 e 2007, ou mesmo que tenham eles, no período
imediato, recebido vantagem indevida em razão do mandato parlamentar. 9.
Todavia, em sua segunda parte, a denúncia, reforçada pelo aditamento, contém
adequada indicação da conduta delituosa imputada, a partir de elementos aptos a
tornar plausível a acusação e permitir o pleno exercício do direito de defesa, o que
autoriza, nesse ponto, o recebimento da denúncia. 10. É incabível a causa de
aumento do art. 327, § 2º, do Código Penal pelo mero exercício do mandato
parlamentar, sem prejuízo da causa de aumento contemplada no art. 317, § 1º. A
jurisprudência desta Corte, conquanto revolvida nos últimos anos (Inq 2606,
Relator(a): Min. LUIZ FUX, Tribunal Pleno, julgado em 11/11/2014, DJe-236
DIVULG 01-12-2014 PUBLIC 02-12-2014), exige uma imposição hierárquica ou
de direção (Inq 2191, Relator(a): Min. CARLOS BRITTO, Tribunal Pleno,
julgado em 08/05/2008, PROCESSO ELETRÔNICO DJe-084 DIVULG
07-05-2009 PUBLIC 08-05-2009) que não se acha nem demonstrada nem
descrita nos presentes autos.11. Denúncia parcialmente recebida, prejudicados os
agravos regimentais. (Inq. 3983/DF, Rel. Min. TEORI ZAVASCKI, TRIBUNAL
PLENO, Dje 3/3/2016).

Conforme se vê e por tudo o que foi dito, não há interesse jurídico nem
legitimidade do denunciado FERNANDO PIMENTEL para a impugnação de Acordo do qual
não foi parte.
Voto, portanto, por afastar a preliminar e indeferir o desentranhamento do
Acordo de Colaboração Premiada firmado entre o Ministério Público Federal e Benedito
Rodrigues de Oliveira Neto, estendendo a mesma conclusão aos acordos pactuados entre
MARCELO BAHIA ODEBRECHT e JOÃO CARLOS MARIZ NOGUEIRA, estes
homologados pelo STF. .

2.20. Alegada falta de justa causa porque a denúncia se embasaria


unicamente em colaborações premiadas — EDUARDO SERRANO — e alegação de
falta de justa causa porque os diálogos referidos diriam respeito a doações de
campanha eleitoral

Diferentemente do que alega o acusado, no sentido de que a denúncia é


escorada tão somente nas colaborações premiadas de BENEDITO OLIVEIRA NETO,
MARCELO ODEBRECHT e JOAO NOGUEIRA, importante destacar que as duas últimas

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colaborações premiadas, firmadas no âmbito do STF, são posteriores à denúncia. Esta foi
proposta em 5/11/2016, ao passo que as colaborações pactuadas entre MARCELO
ODEBRECHT e JOÃO NOGUEIRA datam de dezembro do mesmo ano. Portanto, não se
pode dizer que a denúncia tenha tido por suporte essas três colaborações, quando duas delas
são elementos de prova ulteriores.
Já a colaboração premiada estabelecida entre MPF e BENEDITO
RODRIGUES DE OLIVEIRA NETO, embora anteceda a denúncia, não é o que a lastreia
com exclusividade.
Colhe-se da denúncia:
10. Para determinar sua atuação nesses processos,
FERNANDO PIMENTEL, com o auxílio de EDUARDO SERRANO e
BENEDITO, solicitou vantagem indevida a MARCELO ODEBRECHT e JOÃO
NOGUEIRA, que aceitaram a solicitação e prometeram uma determinada
quantia, paga em espécie, num procedimento dissimulatório estruturado pela
empresa.
...
13. Por volta desse período, EDUARDO SERRANO, então
chefe de gabinete de FERNANDO PIMENTEL no Ministério do
Desenvolvimento, Indústria e Comércio Exterior, plenamente ciente das
demandas da Construtora Norberto Odebrecht na CAMEX e do propósito de
solicitação de vantagem indevida, agindo por determinação do então Ministro,
contatou BENEDITO para que ele intermediasse valores com o representante da
empresa, correspondente aos interesses da companhia na administração pública
federal.
14. Nessa oportunidade, EDUARDO SERANO forneceu a
BENEDITO o contato telefônico de JOÃO NOGUEIRA, então Diretor de
Crédito à Exportação da empresa, para o desenvolvimento da negociata.
15. A partir das indicações de EDUARDO SERRANO e
agindo em unidade de desígnios com ele e FERNANDO PIMENTEL,
BENEDITO realizou uma série de encontros com JOÃO NOGUEIRA em
restaurantes localizados em Brasília-DF, quando foram apontados os interesses
da construtora na CAMEX, relacionados aos seguros dos financiamentos de
obras a serem executadas pela empresa na Argentina e em Moçambique.
...
19. A partir desse acerto, BENEDITO, munido de informações
repassadas por FERNANDO PIMENTEL e EDUARDO SERRANO sobre a
tramitação dos feitos de interesse da Construtora Norberto Odebrecht na
CAMEX, manteve diversos contatos pessoais e telefônicos com JOÃO
NOGUEIRA.

Os depoimentos colhidos no acordo são cônsonas com as mensagens de texto

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trocadas entre as partes, e a compreensão exata do grau de ciência e participação de
EDUARDO SERRANO na intermediação entre JOÃO NOGUEIRA e FERNANDO
PIMENTEL só poderá ser definida com o desenrolar válido da instrução.
BENEDITO RODRIGUES DE OLIVEIRA NETO não teria motivo algum
para, gratuitamente, impingir responsabilidade a EDUARDO SERRANO, noticiando fatos
falsos em relação a ele, quando isso não era necessário para o acordo com o Ministério
Público Federal.
Com esmero de detalhes, BENEDITO explicou que EDUARDO SERRANO
foi o responsável por solicitar que fosse estabelecido contato com JOÃO NOGUEIRA pelo
fato de a ODEBRECHT "estar disposta a auxiliar financeiramente a campanha eleitoral de
2014 ao governo de Minas Gerais".
BENEDITO ainda expôs que, questionando FERNANDO PIMENTEL a
respeito do tema, este confirmou a asseveração de SERRANO e acrescentou que a empresa
tinha "diversas demandas no MDIC/BNDES".
Fica claro, portanto, que a "doação" referida tratava de solicitação de dinheiro
em contrapartida à facilitação dos interesses da ODEBRECHT em demandas estabelecidas no
Ministério e no BNDES.
No mais, ao menos para juízo de admissibilidade da acusação, refoge à lógica
que EDUARDO SERRANO, como chefe de gabinete de FERNANDO PIMENTEL
justamente no Ministério do Desenvolvimento, Indústria e Comércio, não fosse capaz de
compreender o vínculo existente entre a alegada intenção da ODEBRECHT de doar valores
para a futura campanha do Ministro com a facilitação das causas tratadas no âmbito do
Ministério.
JOÃO NOGUEIRA também confirmou ter sido procurado por EDUARDO
SERRANO com pedidos de doações.
Ocorre que o mero fato de o Chefe de Gabinete de Ministro de Estado
responsável pela liberação de financiamentos procurar por executivos de empresa interessada
na obtenção dos financiamentos, durante o período de apreciação dos requerimentos, com tal
tipo de solicitação, já é característico de crime de corrupção.

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De qualquer forma, esses elementos deverão ser melhor esclarecidos no curso
do processo, onde a ação e a responsabilidade de cada um poderão ser aferidos e
mensurados.
E, se o conteúdo de colaborações premiadas não pode ser empregado, com
exclusividade, para a prolação de édito condenatório — embora aqui haja outros elementos,
antes citados, que se agregam aos depoimentos prestados pelos colaboradores —, como diz a
lei, para juízo de admissibilidade da acusação são satisfatórios.
Certo é que há elementos suficientes que autorizam o início da persecução,
motivo pelo qual afasto a alegação de ausência de justa causa.

3. Análise do conteúdo da denúncia

Diz a denúncia que FERNANDO DAMATA PIMENTEL, com auxílio de


EDUARDO SERRANO e de BENEDITO OLIVEIRA, solicitou, em setembro de 2012,
vantagem indevida a MARCELO ODEBRECHT e a JOÃO MARIZ NOGUEIRA, à ordem
de 20 (vinte) milhões de reais, para atender a duas demandas da Construtora Norberto
Odebrecht na CAMEX.
O primeiro assunto de interesse da empresa era o Projeto de Soterramento da
Linha Ferroviária de Sarmiento, localizada em Buenos Aires, Argentina, por meio do qual a
Construtora Norberto Odebrecht S/A pretendia a cobertura do Seguro de Crédito à
Exportação ao financiamento concedido pelo Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico
e Social – BNDES, no valor de aproximadamente 1,5 bilhão de dólares americanos.
O segundo tinha por objeto a garantia do Seguro de Crédito à Exportação, ao
amparo do Fundo de Garantia à Exportação e Equalização de Taxas de Juros do Proex, para
exportação de bens e serviços destinados à execução do corredor interurbano de transporte
público da cidade de Maputo, Moçambique, contratado com a Construtora Odebrecht S/A
por 180 milhões de dólares americanos.
O exame dos elementos de prova trazidos nos autos permite que se constate,
em juízo perfunctório e em cognição superficial e limitada, típico do mero exame de

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admissibilidade da acusação, a presença de elementos que indicam a existência de atos ilícitos
e indícios de autoria.
Em 6/2/2012, FERNANDO PIMENTEL teria se encontrado com
MARCELO ODEBRECHT na residência de JOÃO MARIZ NOGUEIRA para tratar do
assunto. EDUARDO SERRANO, então, contatou BENEDITO OLIVEIRA para que este
intermediasse valores com o representante da empresa, passando a BENEDITO o número de
telefone de JOÃO NOGUEIRA, Diretor de Crédito e Exportação da Empresa, para
consolidação do acerto.
A partir daí, teriam se seguido sucessivos encontros entre BENEDITO
OLIVEIRA e JOÃO MARIZ NOGUEIRA, nos quais foram explicitadas as demandas e as
contrapartidas.
A vantagem de 20 (vinte) milhões de reais teria sido efetivamente solicitada em
setembro de 2012.
JOÃO NOGUEIRA, atendendo ao desígnio de MARCELO ODEBRECHT,
teria concordado com a solicitação e prometido 15 (quinze) milhões de reais como vantagem
indevida, a fim de obter a aprovação dos pedidos e facilitar o trâmite das demandas na
Câmara de Comércio Exterior.
Os pagamentos teriam passado a ocorrer em espécie, seguindo cronograma e
logística estruturada da empresa, que consistia na entrega de pacotes de dinheiro em hotéis de
São Paulo/SP, mediante a apresentação de uma senha ao portador da quantia.
BENEDITO teria, então, contado com o auxílio de PEDRO AUGUSTO, que
passou a se deslocar frequentemente à capital paulista, para recolher as parcelas do ajuste.
Uma dessas recolhas ocorreu em 18/9/2012, conforme noticia a inicial.
Em janeiro de 2013, a Construtora Norberto Odebrecht submeteu consulta ao
BNDES solicitando financiamento à exportação de bens e serviços para transformação da
linha ferroviária argentina de Sarmiento em subterrânea, conforme informação prestada pelo
banco (transcrição de parte do documento à fl. 52 do Inquérito).
Depois de alcançar esse financiamento, o processo foi submetido à CAMEX
para aprovação da cobertura do Seguro de Crédito à Exportação, tema que FERNANDO

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Superior Tribunal de Justiça
PIMENTEL, na condição de presidente do colegiado, havia se comprometido mediante
vantagem indevida.
Assim, em 11/3/13 e 25/3/13, BENEDITO e JOÃO NOGUEIRA teriam se
encontrado em Brasília-DF, nas proximidades da remessa de novas parcelas do ajuste
financeiro ilícito firmado entre FERNANDO PIMENTEL e MARCELO ODEBRECHT (fls.
73-74 do Apenso 1).
Relata a denúncia que, em 25/3/13, BENEDITO acionou PEDRO
AUGUSTO, por mensagens telefônicas, para que ele comparecesse ao seu escritório e
ajustou com JOÃO NOGUEIRA os horários para as entregas das quantias.
Na sequência, a denúncia relata vários acertos entre JOÃO MARIZ,
BENEDITO e PEDRO, sobre a entrega das parcelas indicando locais, datas e senhas usadas.
A partir de julho de 2013, BENEDITO e JOÃO MARIZ passaram a tratar da
tramitação do processo para concessão da garantia ao financiamento da obra de interesse da
construtora.
Nesse sentido, mensagem datada de 15/7/13, na qual JOÃO NOGUEIRA
avisou: "Amigo, o tema dos Hermanos é fundamental amanha” (fl. 84 do Apenso 1).
A operação de cobertura do financiamento pelo Seguro de Crédito à
Exportação foi aprovada pela CAMEX, na 96ª reunião do Conselho de Ministros da Câmara
de Comércio Exterior, realizada em 16/7/13, sob a presidência do então Ministro
FERNANDO PIMENTEL (fls. 191-195 do Inquérito).
No dia seguinte (17/7/13), BENEDITO encaminhou mensagem ao interlocutor
de MARCELO ODEBRECHT dizendo "Deu certo ne!!! Nosso amigo acabou de me
falar", referindo-se a informação passada por FERNANDO PIMENTEL.
JOÃO NOGUEIRA respondeu "Sim deu certo. Viajo ainda hoje. Nos
vemos na segunda?". BENEDITO afirmou em resposta que "Vc não pede camarada. Você
manda!!! Falei q a nossa turma é comprometida !!! Abs e parabéns!!!" (fl. 85 do Apenso
1).
Ainda nesse dia 17/7/13, JOÃO NOGUEIRA e MARCELO ODEBRECHT
encontraram-se com FERNANDO PIMENTEL em Brasília-DF, como anunciado

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anteriormente em mensagem trocada entre eles: "Marcelo e eu vamos ver o nosso amigo
agora, antes de viajar" (fl. 85 do Apenso 1).
MARCELO ODEBRECHT estava em Brasília-DF para reunião do Conselho
de Desenvolvimento Econômico e Social, vinculado à Secretaria de Assuntos Estratégicos da
Presidência da República, conforme dados gravados em mídias apreendidas por ordem
judicial, prova compartilhada pelo Juízo da 13ª Vara Federal de Curitiba-PR (fls. 65-73 do
Inquérito).
Embora aprovado pelo BNDES e pela CAMEX, o Contrato de Colaboração
Financeira relacionado a essa operação não chegou a ser assinado com a República Argentina,
por divergências em cláusulas contratuais e maior exposição do país a riscos de crédito
provocados pela interrupção do pagamento de dívidas com credores internacionais (fls. 60-63
do Inquérito).
Não obstante isso, a solicitação e a promessa de vantagens indevidas
relacionadas à aprovação do pedido já tinham sido acordadas e executadas em parte pelos
denunciados.
A partir de agosto de 2013, BENEDITO e JOÃO NOGUEIRA passaram a
tratar do segundo processo de garantia a financiamento de exportação de serviços de interesse
da Construtora Norberto Odebrecht na CAMEX.
Tratava-se do Seguro de Crédito à Exportação, ao amparo do Fundo de
Garantia à Exportação e Equalização de Taxas de Juros do Proex, para execução do projeto
corredor interurbano de transporte público da cidade de Maputo, Moçambique.
JOÃO NOGUEIRA, então, marcou reunião com BENEDITO no dia 30/8/13,
no restaurante New Koto, localizado na SQS 212, em Brasília-DF (fl. 86 do Apenso 1).
O processo que apreciaria a chancela da CAMEX para a cobertura do
financiamento da obra de Moçambique seria apreciado na 97ª reunião do Conselho de
Ministros da Câmara de Comércio Exterior de 9/9/13, mas foi retirado de pauta (fl. 79 do
Inquérito).
Por causa disso, no mesmo dia (9/9/13), JOÃO NOGUEIRA encaminhou
mensagem a BENEDITO dizendo "Deu errado Moçambique. Estou na Colombia.

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Podemos falar na quinta?" (fl. 87 do Apenso 1).
Naquela ocasião, JOÃO NOGUEIRA avisou que "Moçambique precisa dar
certo" e BENEDITO então respondeu "Ele tem limite", referindo-se aos parâmetros que
FERNANDO PIMENTEL tinha que respeitar (fl. 87 do Apenso 1).
A questão envolvendo esse processo dizia respeito ao limite de risco do crédito
para países como Moçambique, considerando a sustentabilidade de dívida externa do país,
que era monitorada pelo Fundo Monetário Internacional.
Para viabilizar novas operações de seguro e crédito à exportação para os
países africanos, foi necessário aprovar uma alteração dos limites de exposição do Fundo de
Garantia à Exportação – FGE para esses países, conforme 96ª reunião do Conselho de
Ministros da CAMEX, realizada em 16/7/13 sob a presidência de FERNANDO PIMENTEL.
Entretanto, a República de Moçambique ainda possuía restrições pelo nível de
sua dívida externa, o que exigiu mais deliberações da CAMEX para aprovar a cobertura do
seguro pretendida pela Construtora Norberto Odebrecht.
Ao encerrar o contato ocorrido em 9/9/13, BENEDITO disse a JOÃO
NOGUEIRA para ficar tranquilo q o der pra fazer sera feito (fl. 88 do Apenso 1).
Nesse contexto, JOÃO encaminhou mensagens a BENEDITO em 30/9/13
dizendo Quero fazer um encontro entre o Chefe e o meu. Semana que vem (fl. 89 do
Apenso 1).
Cumprindo o ajuste, FERNANDO PIMENTEL e MARCELO ODEBRECHT
encontraram-se na residência de JOÃO NOGUEIRA em Brasília no dia 9/10/13, como
comprovariam os registros eletrônicos encontrados no aparelho telefônico de MARCELO e
em equipamentos apreendidos em suas empresas (fls. 93-94 do Inquérito – prova
compartilhada).
Naquela ocasião, FERNANDO PIMENTEL efetivou duas ligações telefônicas
por celular, às 20h49 e 21h23, que utilizaram a antena da companhia telefônica instalada nas
proximidades da residência de diretor da Odebrecht, revelando a posição do Ministro onde
ocorreu o encontro (fls. 93-96 do Inquérito).
Nessa época, a CAMEX, sob a presidência de FERNANDO PIMENTEL,

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havia aprovado a concessão da garantia do Seguro de Crédito à Exportação para o projeto de
Maputo, Moçambique, mas condicionada ao aumento, pelo FMI, do limite de financiamentos
não concessionais, conforme 98ª reunião do colegiado realizada em 3/10/13 (fls. 216-219 do
Inquérito).
Depois daquela reunião, FERNANDO PIMENTEL convocou BENEDITO
para um encontro, como consta de mensagens que ele enviou a JOÃO NOGUEIRA em
10/10/13: "Amigo. Imprevisto!!! Ele me chamou, não seu se libero até as 15hs" (fl. 91 do
Apenso).
Em resposta, JOÃO NOGUEIRA avisou: "[…] Diga que vai estar comigo de
tarde para fazer o debriefing. Posso te encontrar um pouco depois das 15 hs, sem
problemas. Prefiro te atualizar para você atualiza-lo tb. Pois o tema evoluiu de ontem
para hoje." (fl. 91 do Apenso).
Ambos reuniram-se logo após essa troca de mensagens, ainda no dia 10/10/13
(fls. 91-92 do Apenso), e passaram a ajustar os detalhes das entregas de novas remessas de
dinheiro em espécie.
No dia 5/11/13, JOÃO NOGUEIRA trocou mensagens com BENEDITO e
este com PEDRO AUGUSTO sobre os procedimentos para recolhimento do dinheiro
encaminhado pela construtora a FERNANDO PIMENTEL.
Nessa oportunidade, PEDRO informou a BENEDITO o número 1605
correspondente ao quarto do hotel Quality Moema em São Paulo-SP, onde estava hospedado
(fl. 93 e 117 do Apenso).
Na sequência, BENEDITO repassou a JOÃO NOGUEIRA a referência 1605
e recebeu dele a senha manteiga, para ser informada ao emissário da construtora que portava
a quantia em dinheiro.
Em 6/11/13, PEDRO AUGUSTO informou a BENEDITO que o
procedimento de entrega dos valores havia sido Concluído (fl. 94 do Apenso).
No dia 12/11/13, nova remessa de valores da ODEBRECHT a FERNANDO
PIMENTEL foi entregue a PEDRO AUGUSTO em procedimento gerenciado por
BENEDITO e JOÃO NOGUEIRA.

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Nessa oportunidade, PEDRO informou a BENEDITO o número 107 do quarto
do hotel, dado que foi transmitido a JOÃO NOGUEIRA, que repassou a senha manga para
ser dita ao portador do pacote de dinheiro (fls. 95-96 do Apenso).
A mesma dinâmica ocorreu em 20/11/13, quando PEDRO AUGUSTO
informou a BENEDITO o número 710, correspondente ao quarto do hotel. Informado, JOÃO
NOGUEIRA encaminhou a senha alface para recebimento de nova remessa da vantagem
indevida ajustada entre FERNANDO e MARCELO (fls. 96-100 e 116 do Apenso 1).
Em 26/11/13, o número do quarto do hotel informado por PEDRO
AUGUSTO foi o 1306, e a palavra utilizada como senha foi escada, conforme mensagens
trocadas entre BENEDITO e JOÃO NOGUEIRA, na articulação para entrega da vantagem
indevida (fls. 100-101 e 116 do Apenso 1).
Outra remessa de valores ocorreu em 4/2/14, quando PEDRO AUGUSTO
informou a BENEDITO o número do quarto 1605 do hotel localizado na cidade paulista. O
dado foi transmitido ao diretor JOÃO NOGUEIRA, que comunicou a senha algodão para
recebimento de novo pacote de dinheiro (fl. 102 do Apenso 1).
Cada entrega correspondeu à quantia de pelo menos 500 mil reais em espécie,
dinheiro que foi transportado por PEDRO AUGUSTO para Brasília/DF e mantido por
BENEDITO, atendendo determinações de FERNANDO PIMENTEL. Na sequência, as
quantias foram utilizadas para pagamento de despesas não declaradas da campanha eleitoral
ao governo de Minas Gerais, inclusive pessoais.
A partir da aprovação condicional da CAMEX ao seguro-garantia do
financiamento contratado pela Construtora Norberto Odebrecht para construção da via em
Maputo, Moçambique, as demandas da empresa foram direcionadas ao Ministério da
Fazenda.
Como se percebe, existe nos autos uma série de mensagens encontradas nos
aparelhos te telefonia móvel dos denunciados que, ao menos em tese, escoltam a narrativa
constante da denúncia.
Há, ainda, a localização mapedada pelas antenas ERB acerca da reunião dos
denunciados, o que comprova terem estado juntos nas datas e locais apontadas na denúncia.

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Também corroboram, em juízo de aparência, a narrativa da acusação, os
registros de hospedagem juntados aos autos, os processoa administrativos encartados e as
atas de reuniões nos quais foram deliberados os interesses da ODEBRECHT.
A isso ainda se somam os depoimentos de MARCELO ODEBRECHT, JOÃO
MARIZ NOGUEIRA e BENEDITO RODRIGUES DE OLIVEIRA NETO, onsônos e
uníssonos na confirmação dos fatos decantados na inicial acusatória.
JOÃO NOGUEIRA confirmou que recebeu de FERNANDO PIMENTEL,
primeiro através de BENEDITO RODRIGUES DE OLIVEIRA NETO, depois por
EDUARDO LUCAS SILVA SERRANO, a solicitação, sem menção expressa ao valor, de
15 milhões de reais, para que o então Ministro FERNANDO PIMENTEL utilizasse na sua
campanha para o governo de Minas Gerais.
Informou que, “por não ter alçada”, levou o pleito a seus superiores. Noticiou
que ouviu FERNANDO PIMENTEL dizer, explicitamente, a MARCELO ODEBRECHT,
que “contava com tal colaboração”.
Endossou a efetiva realização dos pagamentos narrados na inicial, realizados na
sistemática orientada pela empresa empregadora e tal como descrito na denúncia. Corroborou
o vínculo entre os dois projetos de interesse da empresa – soterramento da linha ferroviária de
Sarmiento e execução do corredor interurbano de transporte público de Maputo – e as
contribuições dadas a Fernando Pimentel, as quais compuseram o “caixa 2” de sua campanha.
Acrescentou que viu nas doações uma forma de “não se indispor com o
Ministro”, comparando esse pagamento a um “seguro de vida”, que evitaria que o então
Ministro FERNANDO PIMENTEL alterasse sua “postura prestimosa”.
Encareceu que, depois do pagamento, a relação, que já era boa, melhorou. O
“atendimento, sempre existente, passou a ser menos protocolar”. O pagamento das
“contribuições” causou um “benefício estrutural” na relação entre a Odebrecht e o então
Ministro FERNANDO PIMENTEL.
Concluiu pontuando que a atuação de FERNANDO PIMENTEL nos dois
projetos citados estava “de alguma forma relacionada ao recebimento ou mesmo à expectativa
de recebimento das doações”. Acresceu que “ele não recebeu para fazer o que não devia;

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nem para deixar de fazer o que devia; mas sim para fazer o que devia mesmo fazer”.
MARCELO ODEBRECHT também afirmou que os pagamentos procedidos
por JOÃO MARIS NOGUEIRA a FERNANDO PIMENTEL deram-se a título de
contribuição de campanha ao governo de Minas Gerais. Noticiou que os recursos se
originaram do “caixa 2” da Odebrecht e foram destinados a FERNANDO PIMENTEL, então
Ministro.
BENEDITO RODRIGUES DE OLIVEIRA NETO, da mesma forma, noticiou
que em maio de 2013 EDUARDO SERRANO solicitou a ele, BENEDITO, que procurasse
JOÃO NOGUEIRA para viabilizar pagamentos para intervenção na Secretaria de Comércio
Exterior do Ministério do Desenvolvimento, Indústria e Comércio e BNDES para aprovação
e liberação de recursos para as obras do metrô de Buenos Aires e em Moçambique, ao total
de aproximadamente 15 (quinze) milhões de reais. Confessou que parte desse valor foi
recebida entre junho de 2013 e junho de 2014, em espécie, mediante entrega de parcelas de
500 mil reais, em hotéis em São Paulo.
Dessa forma, diante de prova de materialidade consistente em mensagens de
texto, mapeamento de localização dos denunciados e seus encontros e depoimentos
testemunhais, voto pelo recebimento integral da denúncia.
No mais, acrescento a esta Decisão de recebimento de denúncia as razões
lançadas no Voto do Eminente Ministro Og Fernandes.

4. Afastamento do Cargo

Ao menos nesta fase do processo, o afastamento de FERNANDO DAMATA


PIMENTEL do cargo de Governador de Estado não se faz necessário, tendo em conta que
não se tem conhecimento — ao menos, até agora — da existência de atos concretos que
justifiquem a imposição de medida cautelar dessa natureza.
Nada impede, todavia, que, oportunamente e diante de fatos que motivem a
suspensão do exercício da função pública, seja ela determinada por este Relator, como medida
cautelar processual, no curso deste processo ou por ocasião do eventual recebimento das

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outras duas denúncias já oferecidas (APn 836/DF e APn 865/DF).

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CERTIDÃO DE JULGAMENTO
CORTE ESPECIAL

Número Registro: 2016/0246838-0 PROCESSO ELETRÔNICO APn 843 / DF


MATÉRIA CRIMINAL

Número Origem: 10962016

PAUTA: 29/11/2017 JULGADO: 29/11/2017

Relator
Exmo. Sr. Ministro HERMAN BENJAMIN
Presidente da Sessão
Exma. Sra. Ministra LAURITA VAZ
Subprocurador-Geral da República
Exmo. Sr. Dr. LUCIANO MARIZ MAIA
Secretária
Bela. VÂNIA MARIA SOARES ROCHA

AUTUAÇÃO
AUTOR : MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL
RÉU : FERNANDO DAMATA PIMENTEL
ADVOGADOS : EUGENIO PACELLI DE OLIVEIRA - DF045288
SILVIA MARIA DE OLIVEIRA - MG083845
ISABELA DE MOURA OLIVEIRA - MG149413
REBECA DE HOLANDA BRAGA ROCHA - MA010219
MATHEUS OLIVEIRA DE CARVALHO - MG171502
PEDRO IVO DE MOURA OLIVEIRA - MG133367
REBECA DE HOLANDA BRAGA ROCHA - DF053642
RÉU : EDUARDO LUCAS SILVA SERRANO
ADVOGADOS : MARCELO LEONARDO - MG025328
FRANCISCO JOSÉ DA SILVA PORTO FILHO - MG079560
ROGÉRIO M LEONARDO BATISTA - MG093779
SÉRGIO RODRIGUES LEONARDO - MG085000
ADVOGADOS : CAROLINA DE QUEIROZ FRANCO OLIVEIRA - SP259644
CAROLINA LUJAN RODRIGUES LEONARDO - MG098800
CRISTIANE LUJAN RODRIGUES LEONARDO GUSMÃO VIANNA -
MG107900
JUSSARA CARNEIRO - MG125001
MARCELO DE SIQUEIRA ZERBINI - DF044555
AMANDA CONSTANTINO GONÇALVES - SP338987
VANIA MARIA RODRIGUES LEONARDO - MG025345
ROSELY MOLNAR LEONEL FERREIRA - SP130864
RÉU : BENEDITO RODRIGUES DE OLIVEIRA NETO
ADVOGADOS : ROBERTO GARCIA LOPES PAGLIUSO - SP112335
FABIANA ZANATTA VIANA - SP221614
ANNA LUIZA RIBEIRO DOS SANTOS DE SOUSA - DF038965
GABRIELA FRAGALI PEREIRA - SP313640
RÉU : PEDRO AUGUSTO DE MEDEIROS
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ADVOGADO : RICARDO ANTONIO BORGES FILHO - DF016927
RÉU : MARCELO BAHIA ODEBRECHT
ADVOGADOS : JOÃO HENRIQUE CAMPOS FONSECA - DF013480
ANTÔNIO NABOR AREIAS BULHÕES - DF001465A
EDUARDO SANZ DE OLIVEIRA E SILVA - PR038716
IGOR MARQUES PONTES - SP184994
SOC. de ADV. : BULHOES & ADVOGADOS ASSOCIADOS S/S
EDUARDO SANZ ADVOGADOS ASSOCIADOS
RÉU : JOAO CARLOS MARIZ NOGUEIRA
ADVOGADOS : ANTONIO CLAUDIO MARIZ DE OLIVEIRA - SP023183
SERGIO EDUARDO MENDONÇA DE ALVARENGA - SP125822
PAOLA ZANELATO - SP123013
RODRIGO SENZI RIBEIRO DE MENDONÇA - SP162093
ADVOGADOS : RENATA CASTELLO BRANCO MARIZ DE OLIVEIRA MENDONÇA DE
ALVARENGA - SP154097
FAUSTO LATUF SILVEIRA - SP199379
REGINA MARIA BUENO DE GODOY CAMACHO - SP183207
JORGE URBANI SALOMÃO - SP274322
FABIO CASTELLO BRANCO MARIZ DE OLIVEIRA - SP314266
LAURA SOARES DE GODOY - SP354595
GEORGE VICTOR ROBERTO DA SILVA - SP321633
FELIPE SALUM ZAK ZAK - SP377835
MARIANA SANTORO DI SESSA MACHADO - SP351734

ASSUNTO: DIREITO PENAL

SUSTENTAÇÃO ORAL
Sustentaram oralmente o Dr. Luciano Mariz Maia, Vice-Procurador-Geral da República, o Dr.
Eugenio Pacelli de Oliveira, por Fernando Damata Pimentel, e o
Dr. Marcelo Leonardo, por Eduardo Lucas Silva Serrano.

CERTIDÃO
Certifico que a egrégia CORTE ESPECIAL, ao apreciar o processo em epígrafe na sessão
realizada nesta data, proferiu a seguinte decisão:
Após o voto do Sr. Ministro Relator rejeitando as preliminares e recebendo integralmente
a denúncia, no que foi acompanhado pelo Sr. Ministro Jorge Mussi, pediu vista o Sr. Ministro Og
Fernandes.
Aguardam os Srs. Ministros Luis Felipe Salomão, Mauro Campbell Marques, Benedito
Gonçalves, Raul Araújo, Sérgio Kukina, Felix Fischer, Nancy Andrighi, João Otávio de Noronha,
Humberto Martins e Maria Thereza de Assis Moura.
Ausentes, justificadamente, os Srs. Ministros Francisco Falcão e Napoleão Nunes Maia
Filho.
Convocado o Sr. Ministro Sérgio Kukina.

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AÇÃO PENAL Nº 843 - DF (2016/0246838-0)

VOTO-VISTA

O SR. MINISTRO OG FERNANDES: Primeiramente, esclareço que, na


sessão da Corte Especial realizada em 29 de novembro do corrente ano, a presente
ação penal foi levada a julgamento pelo eminente Relator, Ministro Herman Benjamin,
que, após a manifestação do Ministério Público Federal e a sustentação oral das
defesas de Fernando Pimentel e Eduardo Lucas Silva Serrano, apresentou voto para
rejeitar as preliminares levantadas pelos acusados e receber a denúncia, nos termos
em que formulada pelo Parquet, contra todos os denunciados.
Ato contínuo, o Ministro Jorge Mussi acompanhou integralmente o voto do
Relator. Na sequência, pedi vista dos autos. A sessão da Corte Especial foi suspensa
naquela ocasião e está sendo retomada na presente assentada, motivo pelo qual
apresento, nesta data, o voto-vista em mesa.
Cuida-se de oferecimento de denúncia pelo Ministério Público Federal
contra Fernando Damata Pimentel, Eduardo Lucas Silva Serrano, Benedito Rodrigues
de Oliveira Neto, Pedro Augusto de Medeiros, Marcelo Bahia Odebrecht e João Carlos
Mariz Nogueira, o primeiro como incurso no art. 317, caput, c/c o art. 327, § 2º, do
Código Penal; o segundo, terceiro e quarto como incursos no art. 317, caput; e os
demais como insertos no art. 333, caput, todos do Código Penal.
Em síntese, versa a denúncia sobre suposta rede de favorecimento
formada pelos ora acusados entre 1º/1/2011 e 12/2/2014, período no qual Fernando
Pimentel foi Ministro de Estado do Ministério do Desenvolvimento, Indústria e Comércio
Exterior – MDIC e, nessa condição, presidiu a CAMEX.
Segundo se extrai da denúncia, FERNANDO PIMENTEL, com o auxílio de
EDUARDO SERRANO e BENEDITO RODRIGUES DE OLIVEIRA NETO, teria
solicitado vantagem indevida a MARCELO ODEBRECHT e JOÃO NOGUEIRA, que
aceitaram a solicitação e prometeram determinada quantia, paga em espécie, visando,
em resumo, obter a garantia do Seguro de Crédito à Exportação, ao amparo do Fundo
de Garantia à Exportação e Equalização de Taxas de Juros do Proex, para a
exportação de bens e serviços destinados à execução do Projeto de Soterramento da
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Linha Ferroviária de Sarmiento, localizada em Buenos Aires/Argentina, bem como do
corredor interurbano de transporte público da cidade de Maputo, na República de
Moçambique (denúncia às e-STJ, fls. 2/19).
Após a apresentação das respostas preliminares, o ilustre Relator
apresentou minucioso voto, no qual afastou todas as preliminares suscitadas pelas
defesas técnicas dos acusados e, ao final, recebeu a denúncia nos termos em que
formulada.
Considerando o brilhantismo das sustentações orais realizadas, pedi vista
dos autos, a fim de lapidar minha convicção, notadamente sobre as alegações de
nulidade levantadas pela defesa de Fernando Pimentel e a configuração de justa causa
para o recebimento da denúncia em relação a Eduardo Lucas Silva Serrano.
Depois do estudo detalhado das teses apresentadas pelos causídicos e
do cotejo com as peças de informação advindas do denso e elaborado Inquérito n.
1.123/STJ, no qual se baseia a presente denúncia, não me restam dúvidas em
acompanhar integralmente as bem lançadas palavras do eminente Relator.
Em virtude disso e da forma exaustiva e diligente com que as matérias
foram tratadas no voto do ilustre Relator, permito-me, neste momento, apenas expor, de
maneira concisa e sem delongas, as conclusões a que cheguei acerca dos
questionamentos que mais me chamaram a atenção em algumas das respostas à
acusação apresentadas.

Defesa de Fernando Pimentel (e-STJ, fls. 450/605):


1) Ocultação do alvo originário da investigação e violação do juiz natural.
Requer a defesa o reconhecimento da nulidade do presente feito,
alegando, entre outras questões, que a investigação originária desta ação penal
buscava, desde o início, imputar atos criminosos ao Governador eleito de Minas
Gerais, sendo que, desde o primeiro momento, ou seja, apreensão de valor em
pecúnia, documentos e telefones de passageiros de aeronave particular, em outubro de
2014, o alvo era Pimentel.
Entretanto, não se mostra crível esta afirmação, não havendo por parte da
defesa a indicação de qualquer elemento contundente nesse sentido. Note-se que, por
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mais que o primeiro ato, diga-se, o início das investigações que culminaram na
presente denúncia, tenha se dado por ocasião da interceptação da aeronave, em 7 de
outubro de 2014, constando entre os passageiros o ora denunciado Benedito, é certo
que, nesse momento, nada que dissesse respeito aos fatos em apuração na presente
ação penal fora encontrado. Nem é possível afirmar que as autoridades policiais tinham
o intuito, desde então, de chegar até o candidato a governador Fernando Pimentel.
Na verdade, naquele momento, nada estava ainda esclarecido, e o que se
sabia era apenas não haver origem lícita para os mais de cem mil reais transportados
em espécie na aeronave. Não havia nenhum indício concreto sobre qualquer ilícito
porventura praticado por Fernando Pimentel e, ainda que houvesse, este ainda não
gozava de prerrogativa de foro, o que só obteve em 1º/1/2015, quando tomou posse
como Governador de Estado.
Os trechos de mensagem telefônica citada pela defesa, os quais teriam
sido acessados pela polícia em decorrência da apreensão do celular de Benedito na
abordagem da aeronave, não versam sobre os fatos aqui denunciados, mas, sim,
sobre aqueles relativos ao grupo CAOA, objeto de outra ação penal nesta Corte de
Justiça (e-STJ, fls. 453/454).
Além disso, os demais trechos destacados pela defesa tratam de
conversações travadas entre Benedito e interpostas pessoas, absolutamente normais
em época de campanha eleitoral, sem nada apontar de irregular no que tange à figura
do então candidato a Governador, Fernando Pimentel.
Não bastasse isso, conforme bem destacado pelo eminente Relator, as
provas que lastreiam a presente denúncia constituem fonte independente e autônoma
em relação à busca e apreensão ocorrida na aeronave, não havendo que se cogitar de
qualquer irregularidade nesse ponto.
Com efeito, Benedito Rodrigues de Oliveira Neto firmou Acordo de
Colaboração Premiada com o MPF, no âmbito desta Ação Penal (843), e autorizou,
como parte do acordo, o acesso a quaisquer bancos de dados, arquivos eletrônicos,
documentos, papéis, escritos ou fotografias, que possam ajudar na elucidação dos
delitos, incluindo-se aí, logicamente, o acesso ao conteúdo retirado dos telefones
celulares de propriedade do co-denunciado Benedito.
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Logo, se a única ligação que se podia estabelecer entre a apreensão da
aeronave e os fatos que ensejaram a presente denúncia eram os dados constantes do
telefone de Benedito, apreendido naquela ocasião, e, mesmo assim, com certa dúvida,
é certo que a superveniência da delação de Benedito, com a autorização de acesso a
todos os dados necessários a esta ação penal, torna clara a licitude dos elementos
probatórios até então produzidos nos autos.
Nem se diga que a autoridade policial tinha conhecimento do envolvimento
do Governador antes do envio dos autos a esta Corte de Justiça.
Resta patente, ao contrário, que, assim que colhidos indícios reais de sua
participação em condutas delituosas – o que só se deu após a busca e apreensão
ocorrida em maio de 2015, com autorização judicial, quando foi descoberto suposto
pagamento de hospedagem em resort de luxo na Bahia feito por Benedito a Fernando
Pimentel, por meio da Gráfica e Editora Brasil, no valor de R$ 12.127,50 –, houve
representação no sentido da mudança de foro.
Destarte, após referida data, a autoridade policial representou, quase que
imediatamente, pelo declínio da competência, decidido em 17/6/2015 (e-STJ, fls.
458/460 do Apenso 2), não se vislumbrando, portanto, qualquer irregularidade nesta
fase embrionária das investigações.
A esse propósito, em reforço, destaco o posicionamento do Supremo
Tribunal Federal, considerando regular a remessa do feito à autoridade competente
quando ocorre na fase embrionária das investigações, como se deu na espécie, sem
que se verifique intenção de burlar a competência dos órgãos superiores.
No ponto:

AGRAVO REGIMENTAL – ALEGAÇÃO DE USURPAÇÃO DE


COMPETÊNCIA DO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL – FORO POR
PRERROGATIVA DE FUNÇÃO - HIPÓTESE NÃO CARACTERIZADA –
INQUÉRITO INSTAURADO CONTRA PESSOAS FÍSICAS E JURÍDICAS
SEM PRERROGATIVA - ENCONTRO FORTUITO DE ELEMENTOS
INDICIÁRIOS – A SIMPLES CIRCUNSTANCIA DE O PARLAMENTAR
SER SÓCIO DA EMPRESA INVESTIGADA NÃO É SUFICIENTE PARA
FIRMAR A COMPETÊNCIA DESTA SUPREMA CORTE - REMESSA
REGULAR DO FEITO – FASE EMBRIONÁRIA DAS INVESTIGAÇÕES -
NULIDADE NÃO RECONHECIDA - AGRAVO AO QUAL SE NEGA
PROVIMENTO.
I - Ao tomar conhecimento de que poderia haver, potencialmente, o
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envolvimento de autoridades com foro privilegiado nas condutas
investigadas, tanto a autoridade policial responsável pelas investigações,
quanto o próprio Ministério Público foram diligentes e não agiram
propositalmente para manter, artificialmente, as investigações no primeiro
grau de jurisdição;
II - O roteiro descrito nos autos revela, de forma segura, que, na verdade,
houve o encontro fortuito de elementos meramente indiciários da prática,
em tese, de ilícitos penais por parte de autoridade com foro por
prerrogativa de função;
III - A simples circunstância de o parlamentar ser sócio da empresa
investigada não é suficiente para firmar a competência desta Suprema
Corte. Assim, ao contrário do que sustentado pela defesa, não houve
supressão da competência do Supremo Tribunal Federal, ainda mais
nesta fase embrionária de apuração dos fatos. IV - Agravo regimental a
que se nega provimento.
(Inq 4.183 AgR, Rel. Ministro RICARDO LEWANDOWSKI, SEGUNDA
TURMA, julgado em 21/3/2017, ACÓRDÃO ELETRÔNICO DJe-074
DIVULG 10-4-2017 PUBLIC 11-4-2017)

Destaco que a propalada medida judicial de busca e apreensão,


autorizada em 12/5/2015 e realizada em 29/5/2015, a partir da qual se colheram
vestígios de participação do governador eleito em condutas delituosas, foi devidamente
ratificada nesta Corte de Justiça pelo Ministro Relator, por ocasião da remessa dos
autos a este Tribunal, em providência que se mostra absolutamente compatível com a
doutrina e jurisprudência.
A propósito, recentes julgados proferidos pela Corte Suprema:

AGRAVO REGIMENTAL NO RECURSO EXTRAORDINÁRIO COM


AGRAVO. PENAL E PROCESSO PENAL. OFENSA AO PRINCÍPIO DA
COLEGIALIDADE. INEXISTÊNCIA. POSSIBILIDADE DE JULGAMENTO
MONOCRÁTICO PELO RELATOR E PRESUNÇÃO DE
REPERCUSSÃO GERAL. OFENSA DIRETA À CONSTITUIÇÃO. ART.
96, III, DA CF. COMPETÊNCIA PARA INVESTIGAÇÃO DE JUIZ DE
DIREITO. HOMICÍDIO CULPOSO NA DIREÇÃO DE VEÍCULO
AUTOMOTOR. INQUÉRITO INICIADO POR AUTORIDADE POLICIAL.
ALEGADA OFENSA AO ART. 33 DA LOMAN. ATOS INSTRUTÓRIOS
RATIFICADOS PELO JUÍZO COMPETENTE. POSSIBILIDADE.
NULIDADE DO RECEBIMENTO DA DENÚNCIA PELO TRIBUNAL DE
JUSTIÇA. NÃO OCORRÊNCIA. AGRAVO A QUE SE NEGA
PROVIMENTO. I – Permite-se o julgamento monocrático pelo relator e
presume-se a repercussão geral no recurso extraordinário interposto de
decisão contrária à jurisprudência dominante do STF, nos termos do arts.
543-A, § 3°, do CPC/1973 e art. 1.035, § 3°, I, do CPC/2015. II – Com o
extraordinário, objetivou-se a apreciação de ofensa direta à Constituição,

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Superior Tribunal de Justiça
pois a competência em discussão nos autos encontra-se prevista no art.
96, III, da mesma Carta. III – A possibilidade de ratificação de atos
instrutórios – e até mesmo de atos decisórios – pela autoridade
competente encontra-se em harmonia com a jurisprudência deste
Supremo Tribunal. Precedentes. IV – Inquérito judicial concluído sob a
presidência de Desembargador do Tribunal de Justiça e denúncia
oferecida pela Procuradoria-Geral de Justiça do Estado. Ausência de
nulidade no acórdão alusivo ao recebimento da denúncia. V – Agravo
regimental a que se nega provimento.
(RE 730.579 AgR, Rel. Ministro Min. RICARDO LEWANDOWSKI,
SEGUNDA TURMA, julgado em 23/6/2017, PROCESSO ELETRÔNICO
DJe-143 DIVULG 29-6-2017 PUBLIC 30-6-2017)

RECURSO ORDINÁRIO EM HABEAS CORPUS. IMPETRAÇÃO


DENEGADA NO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA POR
INADEQUAÇÃO DA VIA ELEITA. NULIDADE PROCESSUAL.
MODIFICAÇÃO DE COMPETÊNCIA POR PRERROGATIVA DE
FUNÇÃO. DIPLOMAÇÃO DO ACUSADO NO CARGO DE PREFEITO
MUNICIPAL. RATIFICAÇÃO DE ATOS PROCESSUAIS. FALTA DE
INTIMAÇÃO PARA AS DILIGÊNCIAS DO ART. 10 DA LEI 8.038/1990.
PROVA EMPRESTADA NÃO ADMITIDA NO JUÍZO CONDENATÓRIO.
INOCORRÊNCIA DE PREJUÍZO. 1. O Superior Tribunal de Justiça
observou os precedentes da Primeira Turma desta Suprema Corte que
não vem admitindo a utilização de habeas corpus em substituição a
recurso constitucional. 2. A ratificação dos atos processuais encontrou
fundamento nos princípios da instrumentalidade das formas e da razoável
duração do processo, regularmente apreciados no contexto das
peculiaridades do caso concreto, em que a imediata modificação da
competência decorreu da prerrogativa de foro por diplomação
superveniente do Recorrente no cargo de Prefeito Municipal. 3. Inexiste o
cerceamento de defesa decorrente da falta de intimação para as
diligências do art. 10 da Lei 8.038/1990, sequer admitida na avaliação das
provas pelo juízo condenatório a prova emprestada posteriormente
colacionada aos autos. 4. Sem a demonstração de efetivo dano à defesa,
incide o princípio maior que rege o tema, segundo o qual sem prejuízo não
se reconhece a nulidade, a teor do art. 563 do Código de Processo Penal.
5. Recurso ordinário em habeas corpus ao qual se nega provimento.
(RHC 120.356, Rel. Ministra Min. ROSA WEBER, PRIMEIRA TURMA,
julgado em 1º/4/2014, PROCESSO ELETRÔNICO DJe-213 DIVULG
29-10-2014 PUBLIC 30-10-2014)

E, ainda, do Superior Tribunal de Justiça:

PROCESSO PENAL. INCOMPETÊNCIA ABSOLUTA. RETIFICAÇÃO DE


ATOS PELO JUÍZO COMPETENTE. POSSIBILIDADE.
1. Constatada a incompetência absoluta, os autos devem ser remetidos
ao Juízo competente, que pode ratificar ou não os atos já praticados,
inclusive os decisórios, nos termos do artigo 567 do CPP, e 113, § 2º, do
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CPC.
2. Agravo a que se nega provimento.
(AgRg na APn 675/GO, Rel. Ministra NANCY ANDRIGHI, CORTE
ESPECIAL, julgado em 19/9/2012, DJe 1º/2/2013)

De outro lado, embora os elementos decorrentes dessa busca e


apreensão tenham levado ao envolvimento do Governador em ilícitos penais, as
informações ali obtidas não constituem base para a presente ação, versando, na
verdade, sobre outros fatos, desmembrados em outra ação penal.
Importante considerar que nem mesmo a busca e apreensão realizada na
residência da esposa de Fernando Pimentel, Carolina Oliveira, na mesma data das
demais buscas realizadas, em 29/5/2015, caracterizava perseguição no sentido do
envolvimento do atual Governador. Isso porque o "alvo" das investigações naquela
ocasião era Benedito Rodrigues, de forma que todas as suas empresas, assim como
seus sócios, se submeteram às buscas e apreensões, consoante se verifica do Apenso
10 dos autos.
Além disso, o casamento entre Carolina e Fernando Pimentel ocorrera em
6 de abril de 2015, um mês apenas antes das buscas e apreensões realizadas, sendo
certo que a indicação da residência de Carolina (na SQS 114, Asa Sul, Brasília/DF)
não se confundia com a do Governador de Minas, a qual se situava, como não poderia
deixar de ser, em Belo Horizonte/MG, motivo pelo qual compartilho da opinião
externada pelo douto Relator de que não havia como, em tais circunstâncias, exigir da
autoridade policial o conhecimento de que se tratava de medida a ser cumprida em
residência de alguém que gozava de prerrogativa de foro.
Assim, ao que se extrai dos autos, convence o argumento de que não
houve atuação direcionada para eventual autoridade com prerrogativa de foro, visando
burlar regra de competência constitucional.
De mais a mais, os elementos colhidos através dessa medida de busca e
apreensão, autorizada pelo juiz de primeira instância, não se coadunam com os fatos
em apuração na presente ação penal, o que afasta eventual nulidade por ausência de
contaminação ao acervo probatório que norteia este processo.
Não bastasse isso, a defesa não apontou com clareza, em sua resposta à

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acusação, qual ato em específico visa anular, mas, sim, postulou, de forma genérica, a
invalidação de todo o procedimento investigatório que culminou na denúncia aqui
analisada, pedido este que, por todos os fundamentos acima elencados, não merece
guarida.
De tudo quanto exposto, não vislumbro qualquer irregularidade no
desenrolar das investigações que culminaram na presente denúncia.

2) Nulidade do Acordo de Colaboração Premiada firmado por Benedito


Rodrigues de Oliveira.
Quanto à alegação da defesa de Fernando Pimentel de que caberia a
esta Corte Especial avaliar a eficácia do Acordo de Delação firmado por Benedito
Rodrigues, além de aplicar, ou não, a redução de penas ou conceder perdão judicial,
entendo que não merece prosperar, pois o Supremo Tribunal Federal, no julgamento da
Questão de Ordem e do Agravo Regimental na Pet 7.074/DF, em junho deste ano,
decidiu que compete ao relator homologar acordo de colaboração premiada,
exercendo o controle de regularidade, legalidade e espontaneidade do pacto firmado.
Eis o teor do julgado:
O Plenário, por maioria, resolveu a questão de ordem no sentido de
reafirmar – nos limites dos §§ 7º e 11 do art. 4º (1) da Lei 12.850/2013 e
incisos I e II do art. 21 (2) do Regimento Interno do STF (RISTF) – a
atribuição do relator para, monocraticamente, homologar acordos de
colaboração premiada, oportunidade na qual se limita ao juízo de
regularidade, legalidade e voluntariedade da avença. Reafirmou, também,
a competência colegiada do STF para avaliar, em decisão final de mérito,
o cumprimento dos termos bem como a eficácia do acordo. Além disso,
consignou que acordo homologado como regular, voluntário e legal gera
vinculação condicionada ao cumprimento dos deveres assumidos pela
colaboração. Salientou, ainda, que ao órgão colegiado é facultada a
possibilidade de analisar fatos supervenientes ou de conhecimento
posterior que firam a legalidade, nos termos do § 4º do art. 966 (3) do
Código de Processo Civil/2015 (CPC/2015).

Assim, não há que se questionar, na hipótese, a homologação do acordo


de delação promovida pelo Relator, Ministro Herman Benjamin.
Sobre as cláusulas pactuadas, é certo que em muito se assemelham aos
demais acordos de delação homologados pelo Supremo Tribunal Federal, inclusive

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aos relativos a outros corréus nesta ação penal, diga-se, Marcelo Odebrecht e João
Carlos Mariz Nogueira, o que denota, ao menos em princípio, sua regularidade.
Ademais, o momento adequado para debater a validade das cláusulas do
Acordo de Delação, mediante impugnação, é posterior ao julgamento, quando pode ser
verificado o cumprimento do avençado e efetivada a concessão dos benefícios.
Acrescento, conforme bem delineado pelo Relator, que a legitimidade
para questionar a legalidade de acordo de colaboração premiada é restrita às próprias
partes que o celebraram, carecendo de legitimação os coinvestigados ou corréus, na
condição de coautores ou partícipes, que eventualmente tenham sido citados na
delação, para questionarem as declarações efetivamente prestadas pelo colaborador.
No mesmo sentido, e exatamente nesses termos, vem decidindo o STF:

3. Considerando-se que o acordo de colaboração premiada constitui meio


de obtenção de prova (art. 3º da Lei nº 12.850/13), é indubitável que o
relator tem poderes para, monocraticamente, homologá-lo (art. 4º, § 7º, da
Lei nº 12.850/13).
4. A colaboração premiada é um negócio jurídico processual, uma vez
que, além de ser qualificada expressamente pela lei como "meio de
obtenção de prova", seu objeto é a cooperação do imputado para a
investigação e para o processo criminal, atividade de natureza
processual, ainda que se agregue a esse negócio jurídico o efeito
substancial (de direito material) concernente à sanção premial a ser
atribuída a essa colaboração.
5. A homologação judicial do acordo de colaboração, por consistir em
exercício de atividade de delibação, limita-se a aferir a regularidade, a
voluntariedade e a legalidade do acordo, não havendo qualquer juízo de
valor a respeito das declarações do colaborador.
6. Por se tratar de negócio jurídico personalíssimo, o acordo de
colaboração premiada não pode ser impugnado por coautores ou
partícipes do colaborador na organização criminosa e nas infrações
penais por ela praticadas, ainda que venham a ser expressamente
nominados no respectivo instrumento no "relato da colaboração e seus
possíveis resultados" (art. 6º, I, da Lei nº 12.850/13).
7. De todo modo, nos procedimentos em que figurarem como imputados,
os coautores ou partícipes delatados - no exercício do contraditório -
poderão confrontar, em juízo, as declarações do colaborador e as provas
por ele indicadas, bem como impugnar, a qualquer tempo, as medidas
restritivas de direitos fundamentais eventualmente adotadas em seu
desfavor.
8. A personalidade do colaborador não constitui requisito de validade do
acordo de colaboração, mas sim vetor a ser considerado no
estabelecimento de suas cláusulas, notadamente na escolha da sanção
premial a que fará jus o colaborador, bem como no momento da
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Superior Tribunal de Justiça
aplicação dessa sanção pelo juiz na sentença (art. 4º, § 11, da Lei nº
12.850/13).
9. A confiança no agente colaborador não constitui elemento de existência
ou requisito de validade do acordo de colaboração.
10. Havendo previsão em Convenções firmadas pelo Brasil para que
sejam adotadas "as medidas adequadas para encorajar" formas de
colaboração premiada (art. 26.1 da Convenção de Palermo) e para
"mitigação da pena" (art. 37.2 da Convenção de Mérida), no sentido de
abrandamento das consequências do crime, o acordo de colaboração, ao
estabelecer as sanções premiais a que fará jus o colaborador, pode
dispor sobre questões de caráter patrimonial, como o destino de bens
adquiridos com o produto da infração pelo agente colaborador.
11. Os princípios da segurança jurídica e da proteção da confiança
tornam indeclinável o dever estatal de honrar o compromisso assumido
no acordo de colaboração, concedendo a sanção premial estipulada,
legítima contraprestação ao adimplemento da obrigação por parte do
colaborador.
12. Habeas corpus do qual se conhece. Ordem denegada.
(HC 127.483, Rel. Ministro DIAS TOFFOLI, TRIBUNAL PLENO, julgado
em 27/8/2015, PROCESSO ELETRÔNICO DJe-021 DIVULG 3-2-2016
PUBLIC 4-2-2016)

INQUÉRITO. IMPUTAÇÃO DOS CRIMES PREVISTOS NOS ARTS. 317


DO CÓDIGO PENAL E 1°, V, VI, VII, DA LEI 9.613/1998. FORO POR
PRERROGATIVA DE FUNÇÃO: HIPÓTESE EM QUE NÃO É
RECOMENDÁVEL CISÃO DO PROCESSO. PRESIDENTE DA CÂMARA
DOS DEPUTADOS: NÃO CABIMENTO DE APLICAÇÃO ANALÓGICA DO
ART. 86, § 4º DA CONSTITUIÇÃO. CERCEAMENTO DE DEFESA E
ILICITUDE DE PROVA: INEXISTÊNCIA. PRELIMINARES REJEITADAS.
COLABORAÇÃO PREMIADA: REGIME DE SIGILO E EFICÁCIA
PERANTE TERCEIROS. REQUISITOS DO ART. 41 DO CPP: INDÍCIOS
DE AUTORIA E MATERIALIDADE DEMONSTRADOS EM RELAÇÃO À
SEGUNDA PARTE DA DENÚNCIA. DENÚNCIA PARCIALMENTE
RECEBIDA.
[...]
3. A previsão constitucional do art. 86, § 4º, da Constituição da República
se destina expressamente ao Chefe do Poder Executivo da União, não
autorizando, por sua natureza restritiva, qualquer interpretação que amplie
sua incidência a outras autoridades, nomeadamente do Poder Legislativo.
Precedentes.
4. Tratando-se de colaboração premiada contendo diversos depoimentos,
envolvendo diferentes pessoas e, possivelmente, diferentes organizações
criminosas, tendo sido prestados em ocasiões diferentes, em termos de
declaração separados, dando origem a diferentes procedimentos
investigatórios, em diferentes estágios de diligências, não assiste a um
determinado denunciado o acesso universal a todos os depoimentos
prestados. O que a lei lhe assegura é o acesso aos elementos da
colaboração premiada que lhe digam respeito.
5. Eventual desconstituição de acordo de colaboração premiada tem
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Superior Tribunal de Justiça
âmbito de eficácia restrito às partes que o firmaram, não beneficiando e
nem prejudicando terceiros (HC 127483, Relator(a): Min. DIAS TOFFOLI,
Tribunal Pleno, DJe de 4/2/2016). Até mesmo em caso de revogação do
acordo, o material probatório colhido em decorrência dele pode ainda
assim ser utilizado em face de terceiros, razão pela qual não ostentam
eles, em princípio, interesse jurídico em pleitear sua desconstituição, sem
prejuízo, obviamente, de formular, no momento próprio, as contestações
que entenderem cabíveis quanto ao seu conteúdo.
6. Preservado o conteúdo das informações prestadas pelo colaborador,
eventuais divergências de literalidade entre o documento escrito e a
gravação dos depoimentos, quando realizada, não importa,
automaticamente, a nulidade do ato, reservando-se ao interessado, se for
o caso, no âmbito da ação penal, insurgir-se contra eventuais
inconsistências existentes na versão escrita, podendo demandar do
colaborador os esclarecimentos que forem necessários.
7. Não há nulidade na realização de busca e apreensão deferida após o
oferecimento da denúncia, quando a medida cautelar visa
especificamente coletar elementos referentes a fatos circunscritos a outra
investigação e os elementos probatórios colhidos não foram utilizados ou
considerados para o específico juízo de recebimento da denúncia.
8. Não se fazem presentes elementos mínimos de autoria, exigidos para o
recebimento da denúncia, em relação à efetiva participação dos
denunciados nos supostos crimes ocorridos nos anos de 2006 e 2007, ou
mesmo que tenham eles, no período imediato, recebido vantagem
indevida em razão do mandato parlamentar.
9. Todavia, em sua segunda parte, a denúncia, reforçada pelo aditamento,
contém adequada indicação da conduta delituosa imputada, a partir de
elementos aptos a tornar plausível a acusação e permitir o pleno exercício
do direito de defesa, o que autoriza, nesse ponto, o recebimento da
denúncia.
10. É incabível a causa de aumento do art. 327, § 2º, do Código Penal
pelo mero exercício do mandato parlamentar, sem prejuízo da causa de
aumento contemplada no art. 317, § 1º. A jurisprudência desta Corte,
conquanto revolvida nos últimos anos (Inq 2606, Relator(a): Min. LUIZ
FUX, Tribunal Pleno, julgado em 11/11/2014, DJe-236 DIVULG 01-12-2014
PUBLIC 02-12-2014), exige uma imposição hierárquica ou de direção (Inq
2191, Relator(a): Min. CARLOS BRITTO, Tribunal Pleno, julgado em
08/05/2008, PROCESSO ELETRÔNICO DJe-084 DIVULG 07-05-2009
PUBLIC 08-05-2009) que não se acha nem demonstrada nem descrita
nos presentes autos.
11. Denúncia parcialmente recebida, prejudicados os agravos
regimentais.
(Inq 3.983, Rel. Ministro TEORI ZAVASCKI, TRIBUNAL PLENO, julgado
em 3/3/2016, ACÓRDÃO ELETRÔNICO DJe-095 DIVULG 11-5-2016
PUBLIC 12-5-2016)

Dessa forma, não se mostra cabível a impugnação por parte da defesa de

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Fernando Pimentel contra acordo de delação do qual não foi parte.
Com essas breves considerações, afasto as preliminares levantadas.

Defesa de Pedro Augusto de Medeiros (e-STJ, fls. 425/448):

1) Alegação de nulidade das buscas e apreensões.


Não prospera a alegação de que os autos de busca e apreensão a que foi
submetido não constam dos autos, e no único que consta, referente à medida
executada em maio de 2016, não haveria menção ao número do lacre supostamente
utilizado por ocasião do recolhimento do material.
De fato, todos os autos de apreensão lavrados contra o acusado, que são
três, e não quatro, constam do Apenso 10 dos autos, às e-STJ, fls. 31/32, 33/34, 35/36
e 37/38 – concernentes à medida do dia 7/10/2014; às e-STJ, fls. 133/136 – medida
executada em 29/5/2015; além daquele juntado à e-STJ, fl. 176, do Apenso 3, como a
própria defesa indicou (e-STJ, fl. 436), de maio de 2016.
A descrição em cada um é feita de forma detalhada, com a lista dos
objetos amealhados e assinatura de testemunhas e advogado presente, não havendo
razão para a alegação de nulidade.
Quanto à afirmada ausência de lacres, não se vislumbra nesse aspecto
substrato para o reconhecimento de vício na execução das medidas de busca e
apreensão. Com efeito, a defesa não demonstra ou indica qual objeto não pertenceria
ao acusado, ou, ainda, aponta algum elemento que não tenha sido devolvido, deixando
de explicitar, portanto, em que consistiria o prejuízo experimentado pelo denunciado.
Mister ressaltar que, no processo penal, também impera o brocardo pas
de nullité sans grief, não se admitindo a declaração de nulidade sem a demonstração
do prejuízo.
Em idêntica direção, a iterativa jurisprudência desta Corte de Justiça:

PROCESSUAL PENAL. AÇÃO PENAL ORIGINÁRIA. ACUSADOS SEM


FORO POR PRERROGATIVA DE FUNÇÃO. DESMEMBRAMENTO.
PRÉVIA OITIVA. DECISÕES CONFLITANTES. PREJUÍZO.
INOCORRÊNCIA.

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Superior Tribunal de Justiça
1. O propósito recursal é determinar se a decisão que desmembra a ação
penal e que mantém o processamento no STJ apenas da autoridade que
possui foro por prerrogativa de função é capaz de gerar prejuízos aos
demais denunciados que não ocupam cargos que atraiam a competência
desta Corte.
2. No Processo Penal, a ocorrência da conexão e da continência acarreta
a reunião dos processos que seriam julgados pelos juízos naturais em
um único juízo, com a finalidade de permitir a este único julgador uma
melhor visão do quadro probatório e de a entrega de uma prestação
jurisdicional uniforme.
3. Tendo em vista a excepcionalidade do foro por prerrogativa de função,
o relator deve promover, sempre que possível, o desmembramento de
inquérito e peças de investigação correspondentes, para manter sob sua
jurisdição, em regra, apenas aqueles que envolvam autoridades com
prerrogativa de foro. Precedentes do STJ e do STF.
4. Com a cisão do processo, os demais denunciados poderão exercer
sua defesa de forma ampla perante seus respectivos juízos naturais,
sendo possível, inclusive, a interposição de recursos para o saneamento
de eventual contradição com o entendimento do STJ.
5. A decisão de desmembramento fixa o juízo natural e garante, assim,
benefício à defesa, não havendo nulidade a ser declarada em razão da
ausência de sua oitiva prévia à adoção dessa medida. Aplicação do
princípio pas de nullité sans grief.
6. Agravo regimental improvido.
(AgRg na APn 810/DF, Rel. Ministra NANCY ANDRIGHI, CORTE
ESPECIAL, julgado em 1º/8/2017, DJe 7/8/2017)

PROCESSUAL PENAL. EMBARGOS DE DECLARAÇÃO NA AÇÃO


PENAL. RECEBIMENTO DA DENÚNCIA. INCLUSÃO EM PAUTA POR
TRÊS VEZES CONSECUTIVAS. APRESENTAÇÃO EM MESA PARA
JULGAMENTO NA SEGUNDA SESSÃO POSTERIOR À ÚLTIMA
INCLUSÃO EM PAUTA. ALEGAÇÃO DE NULIDADE ABSOLUTA. NÃO
OCORRÊNCIA. MERA IRREGULARIDADE. SUSTENTAÇÃO ORAL
REGULARMENTE REALIZADA. PREJUÍZO NÃO DEMONSTRADO.
INTIMAÇÃO REGULAR DO ACÓRDÃO. NO MÉRITO, INEXISTÊNCIA DE
OMISSÃO. INAPLICABILIDADE DO ART. 159 E SEGUINTES DO
CÓDIGO DE PROCESSO PENAL.
1. Dispõe o artigo 566 do CPPl que não será declarada a nulidade de ato
processual que não houver influído na apuração da verdade substancial
ou na decisão da causa.
2. A ausência de reinclusão do processo em pauta não gerou mínima
redução ao direito de ampla defesa do acusado, vez que o defensor já
havia exercido seu direito à sustentação oral anteriormente.
3. O dispositivo consagra o princípio pas de nullité sans grief, segundo o
qual não há nulidade sem prejuízo. No caso, não houve alegação
especifica de prejuízo na defesa do acusado. Houve, portanto, mera
irregularidade, incapaz de gerar qualquer prejuízo à parte.
4. O recebimento da denúncia, de forma sólida, e em presente fase
processual, qual seja a do seu recebimento, deve se restringir a
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adequada apreciação dos seus elementos autorizadores, não havendo
que se falar em omissão em virtude de mero requerimento, quando
realizada a tal prova pericial. Inaplicabilidade do art. 159 e seguintes do
CPP.
5. Embargos de declaração rejeitados.
(EDcl na APn 703/GO, Rel. Ministro BENEDITO GONÇALVES, CORTE
ESPECIAL, julgado em 29/3/2017, DJe 4/4/2017)

PENAL E PROCESSO PENAL. AGRAVO REGIMENTAL. PENDÊNCIA


DE JULGAMENTO DE HABEAS CORPUS EM INSTÂNCIA SUPERIOR.
AUSÊNCIA DE PROVIMENTO LIMINAR. NÃO SUSPENSÃO DA AÇÃO
PENAL. EMBARGOS DE DECLARAÇÃO OPOSTOS AO ACÓRDÃO DE
RECEBIMENTO DA DENÚNCIA. REGRA REGIMENTAL
VIGENTE.DESNECESSIDADE DE INCLUSÃO EM PAUTA. PRINCÍPIO
TEMPUS REGIT ACTUM. DESIGNAÇÃO DE AUDIÊNCIA DE
INSTRUÇÃO POR JUIZ INSTRUTOR.POSSIBILIDADE. NÃO
COMPARECIMENTO DO ADVOGADO CONSTITUÍDO. NOMEAÇÃO DE
DEFENSOR DATIVO. AUSÊNCIA DE INTIMAÇÃO PESSOAL DO RÉU
PARA A AUDIÊNCIA. NULIDADES RELATIVAS. PREJUÍZOS
INEXISTENTES. PEDIDO GENÉRICO DE PERÍCIA. INDEFERIMENTO.
CONCLUSÃO DE DILIGÊNCIAS APÓS O INTERROGATÓRIO.
POSSIBILIDADE. INTIMAÇÃO PRÉVIA DO ADVOGADO PARA
JULGAMENTO DO AGRAVO REGIMENTAL. DESNECESSIDADE.
1. A pendência de julgamento de habeas corpus por instância superior
sem que haja provimento liminar não impede o curso da ação penal na
instância a quo.
2. A regra vigente do art. 264 do RISTJ não impunha a inserção em pauta
para julgamento dos embargos de declaração opostos ao acórdão de
recebimento da denúncia. Princípio tempus regit actum.
3. A simples leitura da ementa não vicia o julgamento, porquanto aos
Ministros é disponibilizado previamente o conteúdo do voto, a evidenciar
aptidão dos julgadores para decidir.
4. O inciso III do art. 3º da Lei n. 8.038/90 confere ao juiz instrutor poderes
para designar audiências e decidir questões pertinentes à instrução
processual, ressalvadas as competências exclusivas do relator.
5. Se a defesa tinha plena ciência de que as testemunhas seriam ouvidas
por videoconferência nas cidades onde se encontravam, não se
justificando o comparecimento do advogado em cidade estranha ao local
onde devia realizar-se o ato processual, correta a designação de defensor
dativo pelo juiz instrutor, nos termos do art. 265, § 2º, do Código de
Processo Penal. Aplicação da Súmula n. 523 do STF.
6. Embora seja conveniente, não é obrigatória nem indispensável a
presença do acusado para a validade do ato processual. Trata-se de
nulidade relativa, que demanda a demonstração de concreto prejuízo.
7. As nulidades suscitadas pela parte agravante demanda a comprovação
do efetivo prejuízo, nos termos do art. 563 do Código de Processo Penal.
Vigora, no direito processual penal, o princípio pas de nullité sans grief.
8. O pedido genérico de prova pericial merece indeferimento,
principalmente quando a denúncia vem acompanhada de fartos relatórios
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técnicos de análise.
9. Não há nulidade quando as diligências determinadas no curso da ação
penal findam após o interrogatório, conforme o disposto no art. 402 do
CPC.
10. Não há, no Regimento Interno do STJ, previsão para a intimação
prévia do advogado para ser cientificado do julgamento de agravo
regimental, que será apresentado em mesa, tampouco previsão da
possibilidade de sustentação oral.
11. Agravo regimental desprovido.
(AgRg na APn 702/AP, Rel. Ministro JOÃO OTÁVIO DE NORONHA,
CORTE ESPECIAL, julgado em 1º/6/2016, DJe 16/6/2016)

De toda forma, segundo mencionado no voto do Relator (fl. 45), há, sim,
referência ao lacre no Auto de Apreensão n. 241/2016, argumento que por si só afasta
a alegação de nulidade ora defendida.
Da mesma maneira, o apontado cerceamento de defesa por ausência de
acesso ao conteúdo dos acordos de colaboração premiada firmados entre o Ministério
Público Federal e Benedito Rodrigues e Vanessa Daniela Pimenta Ribeiro não merece
prosperar; a uma, porque os fatos descritos por Vanessa não têm relação com o objeto
da presente ação penal; a duas, porque o conteúdo das delações prestadas pelos
codenunciados se encontra, sim, disponível nos autos (e-STJ, fls. 179/205, e Apenso 8,
fl. 128).
Diante disso, rejeito também as preliminares levantadas pela defesa de
Pedro Augusto.
Ressalto, como mencionado anteriormente, que me limito, nesta
assentada, a tecer breves considerações acerca dos pontos que me causaram alguma
dúvida por ocasião das sustentações orais e da leitura do voto do Relator.
Quanto ao mais, após o estudo minucioso dos autos e das alegações
formuladas pelas partes, acolho as razões lançadas no voto do Relator, sem ressalvas.
Sendo assim, rejeitadas as preliminares, passo a analisar o mérito
concernente ao recebimento da denúncia.

Configuração de justa causa para o recebimento da ação penal em


relação a todos os acusados:

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Superior Tribunal de Justiça
A análise atenta da denúncia não deixa margem de dúvida quanto à
configuração de justa causa, diga-se, indícios suficientes de materialidade e autoria em
relação aos denunciados.
Os fatos são descritos de maneira detalhada e individualizada, apontando
os elementos probatórios colhidos durante a investigação, destacando-se, de início, os
seguintes trechos:

11. Segundo o material probatório colhido durante a investigação, no dia


6/2/12, FERNANDO PIMENTEL encontrou-se com MARCELO
ODEBRECHT na residência de JOÃO NOGUEIRA localizada na SfflS QI
9, conjunto 10, casa 13, Brasília-DF, conforme anotações gravadas no
celular do empresário apreendido por ordem judicial (fls. 100-101 do
Inquérito – prova compartilhada).
12. Nessa oportunidade, FERNANDO PIMENTEL efetuou uma ligação
telefônica de celular, o que permitiu a identificação de seu aparelho pela
antena da operadora que atende a área da residência do diretor da
Odebrecht, revelando sua posição (fls. 101-102).
13. Por volta desse período, EDUARDO SERRANO, então chefe de
gabinete de FERNANDO PIMENTEL no Ministério do Desenvolvimento,
Indústria e Comércio Exterior, plenamente ciente das demandas da
Construtora Norberto Odebrecht na CAMEX e do propósito de solicitação
de vantagem indevida, agindo por determinação do então Ministro,
contatou BENEDITO para que ele intermediasse valores com o
representante da empresa, correspondente aos interesses da companhia
na administração pública federal.
14. Nessa oportunidade, EDUARDO SERANO forneceu a BENEDITO o
contato telefônico de JOÃO NOGUEIRA, então Diretor de Crédito à
Exportação da empresa, para o desenvolvimento da negociata.
15. A partir das indicações de EDUARDO SERRANO e agindo em
unidade de desígnios com ele e FERNANDO PIMENTEL, BENEDITO
realizou uma série de encontros com JOÃO NOGUEIRA em restaurantes
localizados em Brasília-DF, quando foram apontados os interesses da
construtora na CAMEX, relacionados aos seguros dos financiamentos de
obras a serem executadas pela empresa na Argentina e em Moçambique.
16. Por volta de setembro de 2012, na cidade de Brasília-DF, depois de
receber instruções específicas de FERNANDO PIMENTEL, BENEDITO
solicitou vantagem indevida em nome daquele de 20 milhões de reais de
MARCELO ODEBRECHT e JOÃO NOGUEIRA, para acolher as
demandas da Construtora Norberto Odebrecht na CAMEX.
17. Nessa oportunidade, JOÃO NOGUEIRA, atendendo aos desígnios de
MARCELO ODEBRECHT, aceitou em nome deste a solicitação e
prometeu 15 milhões de reais como vantagem indevida, para determinar a
aprovação dos pedidos e facilitar o trâmite das demandas da empresa na
Câmara de Comércio Exterior.
18. Eles ajustaram o pagamento dos valores em espécie, seguindo um
Documento: 1661800 - Inteiro Teor do Acórdão - Site certificado - DJe: 01/02/2018 Página 142 de 7
Superior Tribunal de Justiça
cronograma e logística estruturada da empresa, que consistia na entrega
de pacotes de dinheiro em hotéis de São Paulo-SP, mediante a
apresentação de uma senha ao emissário da quantia.
19. A partir desse acerto, BENEDITO, munido de informações
repassadas por FERNANDO PIMENTEL e EDUARDO SERRANO sobre
a tramitação dos feitos de interesse da Construtora Norberto Odebrecht
na CAMEX, manteve diversos contatos pessoais e telefônicos com JOÃO
NOGUEIRA.
20. Em 12/9/12 e 17/9/12, BENEDITO e JOÃO NOGUEIRA realizaram
encontros em Brasília-DF destinadas a ajustar a entrega de parte da
propina, conforme mensagens telefônicas trocadas entre eles (fls. 69-70
do Apenso 1).
21. Para essa finalidade específica, BENEDITO contou com o auxílio de
PEDRO AUGUSTO, que, livre e consciente do acerto ilícito ajustado,
deslocou-se diversas vezes para São Paulo-SP para recolher as parcelas
do ajuste.

A partir dai, o MPF colaciona várias mensagens trocadas entre Benedito,


Pedro Augusto e João Nogueira, no intuito de viabilizar o pagamento de valores em
espécie.
Verifico, assim, que a exordial descreve com minúcias a participação de
PEDRO AUGUSTO, mostrando as datas das viagens a São Paulo, os hotéis e
apartamentos onde se hospedava, bem como a circunstância de que tinha
conhecimento sobre a origem espúria do dinheiro que recebia e transportava de forma
clandestina, mesmo porque tudo isso era feito mediante o recebimento e fornecimento
de senhas, constantemente alteradas e informadas apenas no dia das transações.
Outrossim, não é possível, neste momento, traçar de forma definitiva os
contornos acerca do elemento subjetivo qualificador da conduta, tal qual requerido pela
defesa de Pedro Augusto, que argumenta a ausência de dolo do acusado.
Basta, neste juízo de prelibação, a prova da materialidade do delito e
indícios suficientes de autoria, requisitos que considero presentes na hipótese,
devendo, a meu ver, ser recebida a ação penal em relação a Pedro Augusto.
Por outro lado, mister afastar também a alegada ausência de justa causa
sustentada pela defesa de MARCELO ODEBRECHT.
Assevera a sua defesa que a conduta por ele praticada seria atípica,
porque, segundo as declarações que prestou no Acordo de Delação Premiada firmado
e homologado pelo Supremo Tribunal Federal, não houve solicitação de vantagem
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Superior Tribunal de Justiça
indevida a agentes públicos, mas tão só pagamento de valores como doação a
campanha eleitoral. Alega, assim, que Marcelo e João Nogueira teriam apenas
aceitado pagar valores a título de contribuição para a campanha, porém desvinculados
da prática de atos de ofício pelo então Ministro do MDIC, não existindo, na hipótese,
qualquer solicitação ou obtenção de vantagem por parte da Odebrecht.
Ocorre que a denúncia assim descreve:

27. Na seqüência, em 18/1/13, BENEDITO e JOÃO NOGUEIRA


reuniram-se no Marieta Café da SHIS QI 8, em Brasília-DF, conforme
mensagens eletrônicas gravadas num dos celulares apreendidos durante
a investigação (fl. 72 do Apenso 1).
28. Após encontrar-se com JOÃO NOGUEIRA, BENEDITO reuniu-se
em 20/1/13 com FERNANDO PIMENTEL em Brasília-DF (fls. 72-73 do
Apenso 1).
29. Foi também em janeiro de 2013 que a Construtora Norberto
Odebrecht submeteu consulta ao BNDES solicitando financiamento à
exportação de bens e serviços para transformação da linha ferroviária
argentina de Sarmiento em subterrânea, conforme informação prestada
pelo banco (transcrição de parte do documento à fl. 52 do Inquérito).
30. Depois de alcançar esse financiamento, o processo foi submetido à
CAMEX para aprovação da cobertura do Seguro de Crédito à Exportação,
tema que FERNANDO PIMENTEL, na condição de presidente do
colegiado, havia se comprometido mediante vantagem indevida.
31. Assim, em 11/3/13 e 25/3/13, BENEDITO e JOÃO NOGUEIRA
encontraram-se em Brasília-DF, nas proximidades da remessa de novas
parcelas do ajuste financeiro ilícito firmado entre FERNANDO PIMENTEL
e MARCELO ODEBRECHT (fls. 73-74 do Apenso 1).
[...]
40. Entre 174/13 e 3/3/13, BENEDITO e JOÃO NOGUEIRA,
representando os interesses de FERNANDO PIMENTEL e MARCELO
ODEBRECHT, respectivamente, trocaram novas mensagens para ajustar
outra entrega de valores.
41. Nessa oportunidade, JOÃO NOGUEIRA passou a BENEDITO a
senha 4-Branco 5-Pimenta. para que fosse utilizada junto ao emissário
dos valores ilícitos, como contraprova de que estavam tratando da
entrega da quantia destinada a FERNANDO PIMENTEL (fl. 79 do Apenso
1).
42. No dia 3/4/13, BENEDITO encaminhou mensagem a JOÃO
NOGUEIRA informando o número 1405 (fl. 81 do Apenso 1),
correspondente ao quarto do Hotel Quality Moema, localizado em São
Paulo-SP, onde PEDRO AUGUSTO estava hospedado, conforme
documentos encaminhados pela empresa hoteleira (fl. 116 do Apenso 1).
43. Em 4/4/13 e 5/4/13, JOÃO NOGUEIRA e BENEDITO trocaram
mensagens confirmando que a entrega havia sido realizada (fl. 82 do
Apenso 1).
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Superior Tribunal de Justiça
44. A partir de julho de 2013, ambos passaram a tratar da tramitação do
processo para concessão da garantia ao financiamento da obra de
interesse da construtora. Nesse sentido, em 15/7/13, JOÃO NOGUEIRA
avisou Amigo, o tema dos Hermanos é fundamental amanha" (fl. 84 do
Apenso 1).
45. A operação de cobertura do financiamento pelo Seguro de Crédito à
Exportação foi aprovada pela CAMEX, na 96a reunião do Conselho de
Ministros da Câmara de Comércio Exterior realizada em 16/7/13, sob a
presidência do então Ministro FERNANDO PIMENTEL (fls. 191-195 do
Inquérito).
46. No dia seguinte (17/7/13), BENEDITO encaminhou mensagem ao
interlocutor de MARCELO ODEBRECHT dizendo Deu certo ne?! Nosso
amigo acabou de me falar, referindo-se a informação passada por
FERNANDO PIMENTEL.
47. JOÃO NOGUEIRA respondeu Sim deu certo. Viajo ainda hoje. Nos
vemos na segunda? BENEDITO afirmou em resposta que Vc não pede
camarada. Voce manda!!! Falei q a nossa turma é comprometida!!! Abs e
parabéns!!! (fl. 85 do Apenso 1).
48. Ainda nesse dia 17/7/13, JOÃO NOGUEIRA e MARCELO
ODEBRECHT encontraram-se com FERNANDO PIMENTEL em Brasília-
DF, como anunciado anteriormente em mensagem trocadas entre eles:
Marcelo e eu vamos ver o nosso amigo agora, antes de viajar (fl. 85 do
Apenso 1).
49. MARCELO ODEBRECHT encontrava-se em Brasília-DF para
reunião do Conselho de Desenvolvimento Econômico e Social, vinculado
à Secretaria de Assuntos Estratégicos da Presidência da República,
conforme dados gravados mídias apreendidas por ordem judicial, prova
compartilhada pelo Juízo da 13ª Vara Federal de Curitiba-PR (fls. 65-73 do
Inquérito).
50. Embora aprovado pelo BNDES e pela CAMEX, o Contrato de
Colaboração Financeira relacionado a essa operação não chegou a ser
assinado com a República Argentina, por divergências em cláusulas
contratuais e maior exposição do país a riscos de crédito provocados pela
interrupção do pagamento de dívidas com credores internacionais (fls.
60-63 do Inquérito).
51. Não obstante isso, a solicitação e s promessa de vantagens
indevidas relacionadas a aprovação do pedido já tinham sido acordadas e
executadas em parte pelos denunciados.
52. A partir de agosto de 2013, BENEDITO e JOÃO NOGUEIRA
passaram a tratar do segundo processo de garantia a financiamento de
exportação de serviços de interesse da Construtora Norberto Odebrecht
na CAMEX.
53. Tratava-se do Seguro de Crédito à Exportação, ao amparo do Fundo
de Garantia à Exportação e Equalização de Taxas de Juros do Proex,
para execução do projeto corredor interurbano de transporte público da
cidade de Maputo, República de Moçambique.
54. Nesse contexto, JOÃO NOGUEIRA marcou uma reunião com
BENEDITO no dia 30/8/13, no restaurante New Koto, localizado na SQS
212, em Brasília-DF (fl. 86 do Apenso 1).
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55. O processo que apreciaria a chancela da CAMEX para a cobertura
do financiamento da obra de Moçambique seria apreciado na 97a reunião
do Conselho de Ministros da Câmara de Comércio Exterior de 9/9/13,
mas foi retirado de pauta (fl. 79 do Inquérito).
56. Por causa disso, no mesmo dia (9/9/13), JOÃO NOGUEIRA
encaminhou mensagem a BENEDITO dizendo Deu errado Moçambique.
Estou na Colômbia. Podemos falar na quinta? (fl. 87 do Apenso 1).
57. Naquela ocasião, JOÃO NOGUEIRA avisou que Moçambique
precisa dar certo e BENEDITO então respondeu Ele tem limite,
referindo-se aos parâmetros que FERNANDO PIMENTEL tinha que
respeitar (fl. 87 do Apenso 1).
58. A questão envolvendo esse processo dizia respeito ao limite de risco
do crédito para países como a República de Moçambique, considerando a
sustentabilidade de sua dívida externa do país, que era monitorada pelo
Fundo Monetário Internacional.
59. Para viabilizar novas operações de seguro e crédito à exportação
para os países africanos, foi necessário aprovar uma alteração dos
limites de exposição do Fundo de Garantia à Exportação – FGE para
esses países, conforme 96ª reunião do Conselho de Ministros da CAMEX,
realizada em 16/7/13 sob a presidência de FERNANDO PIMENTEL.
60. Entretanto, a República de Moçambique ainda possuía restrições
pelo nível de sua dívida externa, o que exigiu maiores deliberações da
CAMEX para aprovar a cobertura do seguro pretendida pela Construtora
Norberto Odebrecht.
61. Ao encerrar o contato ocorrido em 9/9/13, BENEDITO disse a JOÃO
NOGUEIRA para ficar tranqüilo q o der pra fazer sera feito (fl. 88 do
Apenso 1).
62. Nesse contexto, JOÃO encaminhou mensagens a BENEDITO em
30/9/13 dizendo Quero fazer um encontro entre o Chefe e o meu.
Semana que vem (fl. 89 do Apenso 1).
63. Cumprindo o ajuste, FERNANDO PIMENTEL e MARCELO
ODEBRECHT encontraram-se na residência de JOÃO NOGUEIRA em
Brasília no dia 9/10/13, como comprovam os registros eletrônicos
encontrados no aparelho telefônico MARCELO e em equipamentos
apreendidos em suas empresas (fls. 93-94 do Inquérito - prova
compartilhada).
64. Naquela ocasião, FERNANDO PIMENTEL efetivou duas ligações
telefônicas por celular às 20h49 e 21h23, que utilizaram a antena da
companhia telefônica instalada nas proximidades da residência de diretor
da Odebrecht, revelando a posição do Ministro onde ocorreu o encontro
(fls. 93-96 do Inquérito).
65. Nessa época, a CAMEX, sob a presidência de FERNANDO
PIMENTEL, havia aprovado a concessão da garantia do Seguro de
Crédito à Exportação para o projeto de Maputo, Moçambique, mas
condicionada ao aumento, pelo FMI, do limite de financiamentos não
concessionais, conforme 98ª reunião do colegiado realizada em 3/10/13
(fls. 216-219 do Inquérito).
66. Depois daquela reunião, FERNANDO PIMENTEL convocou
BENEDITO para um encontro, como é possível verificar nas mensagens
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Superior Tribunal de Justiça
que ele enviou a JOÃO NOGUEIRA em 10/10/13: Amigo. Imprevisto!!! Ele
me chamou, não seu se libero até as 15hs (fl. 91 do Apenso).
67. Em resposta, JOÃO NOGUEIRA avisou: [...] Diga que vai estar
comigo de tarde para fazer o debriefing. Posso te encontrar um pouco
depois das 15 hs, sem problemas. Prefiro te atualizar para você
atualiza-lo tb. Pois o tema evoluiu de ontem para hoje. (fl. 91 do Apenso).
68. Ambos reuniram-se logo após essa troca de mensagens, ainda no
dia 10/10/13 (fls. 91-92 do Apenso), e passaram a ajustar os detalhes das
entregas de novas remessas de dinheiro em espécie.
69. No dia 5/11/13, JOÃO NOGUEIRA trocou mensagens com
BENEDITO e este com PEDRO AUGUSTO sobre os procedimentos para
recolhimento do dinheiro encaminhado pela construtora a FERNANDO
PIMENTEL.

Com base no cruzamento de informações e na descrição dos fatos


realizada na denúncia, com a prova da materialidade decorrente de mensagens de
texto, depoimentos de testemunhas, mapeamento da localização dos denunciados e
seus encontros, associados ao contexto de liberação dos processos de interesse da
Odebrecht pela CAMEX, não vejo como, neste momento, reconhecer a atipicidade da
conduta, tal qual requerido por Marcelo Odebrecht.
Tampouco entendo razoável afastar a ausência de justa causa por parte
de FERNANDO PIMENTEL, sob o argumento de que não teria partido dele a
solicitação de pagamento em dinheiro de Marcelo Odebrecht nem que teria praticado
atos diferentes dos intrínsecos à sua função como Ministro de Estado no intuito de
beneficiar a empresa cujo sócio era Marcelo Odebrecht.
Com efeito, as versões das defesas são antagônicas entre si e vão contra
a elucidação dos fatos apresentada pelo Parquet, não sendo possível, neste momento
processual, assumir uma ou outra alegação como verdadeira, o que só se permitirá a
partir de cognição ampla e exauriente, a ser obtida mediante o decorrer da instrução
processual, com a ampla colheita de provas, na forma do contraditório e ampla defesa
prevista em lei.
A defesa de EDUARDO SERRANO (e-STJ, fls. 418/423) aduz também
não haver justa causa para o recebimento da denúncia em relação a ele, na medida em
que o material apresentado pelo acusador estaria limitado a colaborações premiadas.
Sobre esse aspecto, destaco, de início, que o Supremo Tribunal Federal
entende que o conteúdo de delações premiadas é suficiente para ensejar o juízo de
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Superior Tribunal de Justiça
prelibação necessário ao recebimento da denúncia.
Confira-se:

INQUÉRITO. CORRUPÇÃO PASSIVA MAJORADA E LAVAGEM DE


CAPITAIS (ART. 317, § 1º, C/C ART. 327, § 2º, DO CÓDIGO PENAL E
ART. 1º, CAPUT E § 4º, DA LEI 9.613/1998). INÉPCIA DA DENÚNCIA.
REJEIÇÃO. INDÍCIOS DE AUTORIA E MATERIALIDADE
DEMONSTRADOS. SUBSTRATO PROBATÓRIO MÍNIMO PRESENTE.
ATENDIMENTO DOS REQUISITOS DO ART. 41 DO CPP. DENÚNCIA
RECEBIDA EM PARTE.
1. Não contém mácula a impedir a deflagração de ação penal denúncia
que descreve, de forma lógica e coerente, a imputação no contexto em
que se insere, permitindo ao acusado compreendê-la e exercer seu direito
de defesa (Ap 560, Rel. Min. DIAS TOFFOLI, Segunda Turma, DJe de
11.06.2015; Inq 3.204, Rel. Min. GILMAR MENDES, Segunda Turma, DJe
de 03.08.2015).
2. O juízo de recebimento da denúncia é de mera delibação, nunca de
cognição exauriente. Assim, há que se diferenciar os requisitos para o
recebimento da exordial acusatória, delineados no art. 41 do Código de
Processo Penal, com o juízo de procedência da imputação criminal. 3.
Conforme já anunciado pelo Plenário do Supremo Tribunal Federal, o
conteúdo dos depoimentos colhidos em colaboração premiada não é
prova por si só eficaz, tanto que descabe condenação lastreada
exclusivamente neles, nos termos do art. 4º, § 16, da Lei 12.850/2013.
São suficientes, todavia, como indício de autoria para fins de recebimento
da denúncia (Inq 3.983, Rel. Min. TEORI ZAVASCKI, Tribunal Pleno, DJe
de 12.05.2016). No caso, vislumbra-se substrato probatório mínimo de
materialidade e autoria.
4. É inviável a incidência da causa de aumento do art. 327, § 2º, do
Código Penal, pelo mero exercício do mandato parlamentar (Inq 3.983
Rel. Min. TEORI ZAVASKI, Tribunal Pleno, DJe de 12.05.2016; e Inq 3.997
Rel. Min. TEORI ZAVASKI, Tribunal Pleno, DJe de 26.09.2016), porquanto
a jurisprudência desta Corte determina a existência de uma imposição
hierárquica (Inq 2.191, Rel. Min. CARLOS BRITTO, Tribunal Pleno, DJe de
08.05.2009), sequer descrita nos presentes autos.
5. Denúncia recebida, em parte, com relação ao art. 317, § 1º, do Código
Penal e art. 1º, V e § 4º, da Lei 9.613/1998, na redação anterior à Lei
12.683/2012.
(Inq 3.982, Rel. Ministro EDSON FACHIN, SEGUNDA TURMA, julgado em
7/3/2017, ACÓRDÃO ELETRÔNICO DJe-117 DIVULG 2-6-2017 PUBLIC
5-6-2017)

Logo, levando em conta que o codenunciado foi citado expressamente por


Benedito Rodrigues de Oliveira Neto por ocasião de sua delação premiada (e-STJ, fl.
128, Apenso 8), como sendo a pessoa que fez a solicitação, em nome do então

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Ministro Pimentel, a fim de que Benedito intermediasse com João Nogueira o
procedimento para o recebimento de valores da empresa Odebrecht, tal circunstância
poderia ser considerada suficiente para o recebimento da denúncia, nos termos do
precedente citado.
Entretanto, colhem-se dos autos outros elementos probatórios que aludem
à figura de Eduardo Serrano nos fatos em apuração, dissociados do depoimento de
Benedito Rodrigues e que o corroboram.
De fato, no despacho de indiciamento do acusado, acostado à e-STJ, fl.
43, do Apenso 1, observo referência a agendamento extraído do celular de Marcelo
Odebrecht em que menciona a presença do então Chefe de Gabinete do Ministro
Pimentel em jantar realizado na casa de João Nogueira:

Considerando análise dos dados constante no celular de MARCELO


ODEBRECHT e do computador de sua secretária apreendido na sede da
ODEBRECHT permitiu identificar a existência de outro encontro ocorrido
no dia 20 ou 21 de maio de 2013 também na cidade de Brasília/DF. No
telefone celular de MARCELO ODEBRECHT há um lembrete para o dia
21/05/2013 designado "Jantar Ministro Pimentel", localização "Casa JCN -
BSB". A sigla "JCN" é utilizada por MARCELO ODEBRECHT para
designar a pessoa de JOÃO CARLOS NOGUEIRA. Assim, o jantar
possivelmente ocorreu na casa de JOÃO CARLOS. No lembrete ainda há
a seguinte informação: "Da parte do MDIC devem ir: Ministro FP, Mauro
Borges (Presidente da ABDI) e Eduardo Serrano (Chefe de Gabinete FP)".

Dessa maneira, lembrando que o juízo a ser feito no presente momento


não requer cognição exauriente, mas apenas indícios de autoria e prova de
materialidade, tal qual previsto no art. 41 do CPP, penso que está configurada a justa
causa para o recebimento da denúncia em relação a EDUARDO SERRANO,
possibilitando o melhor esclarecimento dos fatos no curso da instrução processual.
Já as defesas de JOÃO NOGUEIRA e BENEDITO RODRIGUES, ambos
colaboradores em acordos de delação premiada, não questionaram a possibilidade de
deflagração da ação penal, apenas reiterando a necessidade de cumprimento dos
Acordos de Delação por eles firmados.

Ante o exposto, em consonância com o voto do Ministro Relator, rejeito as

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preliminares levantadas pelos acusados e, no mérito, recebo in totum a denúncia.
No tocante ao afastamento de Fernando Pimentel do cargo de Governador
do Estado de Minas Gerais, o qual ocupa atualmente, entendo não haver elementos
que recomendem, ao menos por ora, a adoção do gravame. Destarte, os fatos em
apuração não guardam relação com o cargo ora ocupado pelo denunciado, e não
existem indícios de que o exercício deste tenha influenciado ou possa influenciar de
alguma forma na tramitação do presente feito, tanto que sequer houve pedido de
afastamento formulado pelo autor da ação penal.
É como voto.

Documento: 1661800 - Inteiro Teor do Acórdão - Site certificado - DJe: 01/02/2018 Página 150 de 7
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CERTIDÃO DE JULGAMENTO
CORTE ESPECIAL

Número Registro: 2016/0246838-0 PROCESSO ELETRÔNICO APn 843 / DF


MATÉRIA CRIMINAL

Número Origem: 10962016

PAUTA: 29/11/2017 JULGADO: 06/12/2017

Relator
Exmo. Sr. Ministro HERMAN BENJAMIN
Presidente da Sessão
Exma. Sra. Ministra LAURITA VAZ
Subprocurador-Geral da República
Exmo. Sr. Dr. LUCIANO MARIZ MAIA
Secretária
Bela. VÂNIA MARIA SOARES ROCHA

AUTUAÇÃO
AUTOR : MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL
RÉU : FERNANDO DAMATA PIMENTEL
ADVOGADOS : EUGENIO PACELLI DE OLIVEIRA - DF045288
SILVIA MARIA DE OLIVEIRA - MG083845
ISABELA DE MOURA OLIVEIRA - MG149413
REBECA DE HOLANDA BRAGA ROCHA - MA010219
MATHEUS OLIVEIRA DE CARVALHO - MG171502
PEDRO IVO DE MOURA OLIVEIRA - MG133367
REBECA DE HOLANDA BRAGA ROCHA - DF053642
RÉU : EDUARDO LUCAS SILVA SERRANO
ADVOGADOS : MARCELO LEONARDO - MG025328
FRANCISCO JOSÉ DA SILVA PORTO FILHO - MG079560
ROGÉRIO M LEONARDO BATISTA - MG093779
SÉRGIO RODRIGUES LEONARDO - MG085000
ADVOGADOS : CAROLINA DE QUEIROZ FRANCO OLIVEIRA - SP259644
CAROLINA LUJAN RODRIGUES LEONARDO - MG098800
CRISTIANE LUJAN RODRIGUES LEONARDO GUSMÃO VIANNA -
MG107900
JUSSARA CARNEIRO - MG125001
MARCELO DE SIQUEIRA ZERBINI - DF044555
AMANDA CONSTANTINO GONÇALVES - SP338987
VANIA MARIA RODRIGUES LEONARDO - MG025345
ROSELY MOLNAR LEONEL FERREIRA - SP130864
RÉU : BENEDITO RODRIGUES DE OLIVEIRA NETO
ADVOGADOS : ROBERTO GARCIA LOPES PAGLIUSO - SP112335
FABIANA ZANATTA VIANA - SP221614
ANNA LUIZA RIBEIRO DOS SANTOS DE SOUSA - DF038965
GABRIELA FRAGALI PEREIRA - SP313640
RÉU : PEDRO AUGUSTO DE MEDEIROS
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Superior Tribunal de Justiça
ADVOGADO : RICARDO ANTONIO BORGES FILHO - DF016927
RÉU : MARCELO BAHIA ODEBRECHT
ADVOGADOS : JOÃO HENRIQUE CAMPOS FONSECA - DF013480
ANTÔNIO NABOR AREIAS BULHÕES - DF001465A
EDUARDO SANZ DE OLIVEIRA E SILVA - PR038716
IGOR MARQUES PONTES - SP184994
SOC. de ADV. : BULHOES & ADVOGADOS ASSOCIADOS S/S
EDUARDO SANZ ADVOGADOS ASSOCIADOS
RÉU : JOAO CARLOS MARIZ NOGUEIRA
ADVOGADOS : ANTONIO CLAUDIO MARIZ DE OLIVEIRA - SP023183
SERGIO EDUARDO MENDONÇA DE ALVARENGA - SP125822
PAOLA ZANELATO - SP123013
RODRIGO SENZI RIBEIRO DE MENDONÇA - SP162093
ADVOGADOS : RENATA CASTELLO BRANCO MARIZ DE OLIVEIRA MENDONÇA DE
ALVARENGA - SP154097
FAUSTO LATUF SILVEIRA - SP199379
REGINA MARIA BUENO DE GODOY CAMACHO - SP183207
JORGE URBANI SALOMÃO - SP274322
FABIO CASTELLO BRANCO MARIZ DE OLIVEIRA - SP314266
LAURA SOARES DE GODOY - SP354595
GEORGE VICTOR ROBERTO DA SILVA - SP321633
FELIPE SALUM ZAK ZAK - SP377835
MARIANA SANTORO DI SESSA MACHADO - SP351734

ASSUNTO: DIREITO PENAL

CERTIDÃO
Certifico que a egrégia CORTE ESPECIAL, ao apreciar o processo em epígrafe na sessão
realizada nesta data, proferiu a seguinte decisão:
Prosseguindo no julgamento, após o voto-vista em mesa do Sr. Ministro Og Fernandes
acompanhando o voto do Sr. Ministro Relator, a Corte Especial, por unanimidade, rejeitou as
preliminares e recebeu integralmente a denúncia, nos termos do voto do Sr. Ministro Relator.
Os Srs. Ministros Jorge Mussi, Og Fernandes, Luis Felipe Salomão, Mauro Campbell
Marques, Benedito Gonçalves, Raul Araújo, Nancy Andrighi, Humberto Martins e Maria Thereza
de Assis Moura votaram com o Sr. Ministro Relator.
Não participaram do julgamento os Srs. Ministros Francisco Falcão e Napoleão Nunes
Maia Filho.
Ausentes, justificadamente, os Srs. Ministros Felix Fischer e João Otávio de Noronha.

Documento: 1661800 - Inteiro Teor do Acórdão - Site certificado - DJe: 01/02/2018 Página 152 de 7

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