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POLITICAS PUBLICAS EM TEMPOS DE AJUSTE FISCAL: CORTES QUANTITATIVOS QU QUALITATIVOS? Ludmita Kolb de Vargas Cavalli Resumo: A limitagao de recursos impGe a selecao de critérios quanto a efe- tivago de politicas puiblicas, em especial em contexto de crise econémica. Apesar disso, devem ser vistas com reservas as alegagGes de auséncia to- tal de verbas a serem dispensadas em programas de protecao social. Uma vez demonstrada a necessidade de cortes orgamentérios, o senso comum aponta & eliminacao de programas que envolvem grandes dotac6es, geral mente na érea de direitos sociais. Porém, a pretensa economia em alguns setores pode se traduzir em despesas futuras e entraves ao desenvolvi- mento humano e econémico. Deve ser previamente avaliado 0 impacto da adogao de cortes quantitativos ou qualitativos. Palavras-chave: politicas puiblicas crise direitos sociais, Abstract: The limitation of resources requires a selection criteria about the effective implementation of public policies, especially in the context of eco- nomic crisis. Despite that, it should be viewed with reservations the allega- tions of total money absence for social protection programs. Once demons- trated the need for budget cuts, common sense points to the elimination of programs involving large appropriations, usually in the social rights area. However, the supposed saving in some sectors may translate into future costs and barriers to human and economic development. It must be previou- sly measured the impact of the adoption of quantitative or qualitative cuts. Keywords: Public policies. Crisis. Social rights. z SétleEnsaios ” Ludmita Kolb de Vargas Cava 1 INTRODUCAO © presente trabalho pretende realizar uina reflexao acerca dos rumos das politicas publicas de efetivacao de direitos sociais em face da crise econémica que se abate sobre o Brasil nos dias atuais. Toma como impulso a pesquisa a necessidade de se estabelecer uma racionalidade para os cortes orgamentarios, delimitandose o thodo de escoltta dos pro- ‘gramas ou dreas a serem atingidos pela restricdo de verbas. Partese tam- bém da constatagao de em épocas de escassez de recursos hd forte apelo para a restrico de direitos sociais, em face de seu suposto elevado custo. Serao discutidas duas possibilidades centrais para a di inuigo dos gastos do poder piiblico. Adotase a distinggo entre cortes quantitati- vos e cortes qualitativos, como referéncia, respectivamente, a eliminago de despesas com base em parémetros de volume de recursos ou quanto & necessidade/utilidade das pol icas puiblicas atingidas. As hipdteses sero confrontadas face a conceitos onipresentes na discussao sobre a eficé- cia de direitos sociais, como a reserva do possivel e a inevitabilidade das chamadas “escolhas tragicas”. Alguns exemplos de ajustes orgamentérios em politicas puiblicas sociais sergo avaliados quanto a seus efeitos esper- ados ou alcancados, ilustrando a questo e fornecendo bases empiricas & andlise das formas de redugdo das despesas estatais. Também seré abor- dada a experiéncia internacional de enfrentamento de crise, avaliandose principalmente 0 posicionamento da Organizago Internacional do Tra- balho OIT acerca da reducdo da protegao social. © objetivo final nao é delimitar quais so as politicas puiblicas passiveis de revisdo e quais sdo as que devem permanecer inalteradas. A proposta do presente trabalho é de somar argumentos a discusso sobre © ajuste das contas publicas, elevando a discussio para além de ideologias ‘ou metas contabeis. COrgarizadores: Rogério Luz Nery da Si Dariéa Carine Palma Mattel, SBnia Mara Cardozo dos Santos Poltcas publicas em tempos. 2 POLITICAS PUBLICAS E A LIMITACAO DOS RECURSOS 2.1 AS ESCOLHAS DE ACAO Ainda que nao seja este 0 objetivo do presente trabalho, éimpor- tante tratar inicialmente do conceito de politica publica, a fim de esclare- cer os rumos da discussao a ser travada. ‘Ngo existe uma nica, nem melhor, definigéo sobre o que seja politica publica. Mead (1995) a define como um campo dentro do estudo da politica que analisa 0 governo a luz de grandes questées piblicas e tynn (1980), como um conjunto de ages do governo que irdo produzir efeitos especificos. Peters (1986) segue o mesmo veio: politica publica é 8 soma das atividades dos governos, que agem diretamente ou at- ravés de delegacdo, e que influenciam a vida dos cidadsos. Dye (1984) sintetiza a definicio de politica publica como “o ‘que 0 governo escolhe fazer ou nio fazer”. A definig8o mais conhecida continua sendo a de Laswell, ou seja, decisées fe andlises sobre politica publica implicam responder as Seguintes quest6es: quem ganha 6 que, por qué e que dif- renga faz.” (SOUZA, 2006). Podese identificar que um dos tlementos comuns aos diversos conceitos de politicas publ cas é a escolha, por parte dos agentes politicos, das reas onde ocorrerd a atuacio do Estado em favor da populacso. Chegandose 20 extremo reducionismo das concepsbes, podese falar em “escolhas de aco”, termo que seré 0 ponto de partida da presente analise e serd retomado mais adiante. As escolhas de ago também se revelam, muitas vezes, na op¢i0 por deixar de agir, ou seja, pela omissao. € justamente esta a implicagao imediata resultante dos cortes orgamentarios, a omissao do poder publi- co diante de necessidades ou formas de atuacdo que costumava adotar. Nao se pretende tratar da ina¢do como uma categoria & parte, mas apenas destacar a sua natureza para remeter a ideia de que mesmo o nao fazer a ‘omisso pode implicar em responsabilidade para a administracao publica. Assim, demonstrase de imediato a extrema relevancia de prévia analise quanto & forma de implementacao dos cortes orgamentérios. Série Enssios B 6 Ludmila Kolb de Vargas Cava 2.2 RECURSOS FINITOS E NECESSIDADES INFINITAS As politicas publicas adotadas por um governo podem seguir uma infindavel variedade de determinantes. Podem se voltar para os mais diversos aspectos da existéncia humana, sempre com ampla just ficagSo cientifica ou ideolégica, amparada em calhamagos de projetos e estudos. Podem ganhar 0 aplauso da maioria em uma submissao von- tade democrat ‘Mas nenhuma politica publica possui qualquer sentido. auténomo ou chance de existéncia sem recursos. Desde a folha de papel onde se anotam as intengdes de um grupo até as toneladas de concreto envolvidas na construcdo de uma ponte, tudo na administrac3o publica possui um custo. Dinheiro. Este sera sempre um fator limitador ao imple- mento das intengdes e programas de um governo, seja pela impossibil dade notéria de satisfacao de todas as infinddveis vontades humanas, seja pela discordancia de parte da populagao em abrir mao de mais e mais re- cursos préprios em favor de causas coletivas. Quando se fala nos recursos necessarios 3 efetivacdo de politicas publicas na verdade nao se esté apenas vinculando ao aporte financeiro. E certo que no modelo capitalista quase todos os bens possuem represen- taco econémica, porém a limitacao quantitativa de recursos pode ser al- heia a qualquer correlacdo pecunidria. Assim, por exemplo, a despeito de uma possivel profusdo de recursos, ndo sera vidvel 0 incremento da pesca ‘em uma regio onde grande parte da fauna marinha tenha sido extinta Do mesmo modo, findas as jazidas de minérios, de pouca ou nenhuma uti lidade sera uma politica publica de aumento na producao Crgarizadores: Rogério Luiz Nery da Silva, Darla Carine Palma Mattel, Sonia Mara Cardozo dos Santos Polticas piblicas em tempos. mineradora. Até mesmo os recursos humanos sao limitados. Ex- istirdo casos em que o contingente humano dispanivel & aco dos entes pilblicos no seré suficiente como resposta as necessidades da populagso. Seria, por exemplo, a hipétese de uma epidemia, enh que a quantidade de médicos e profissionais de satide se tornaria insuficiente ao tratamento dos pacientes. interessante notar que a questo é objeto de preocupacéo por parte dos governantes ha séculos.ilustrase o fato com curiosa passagem de decreto imperial chinés acerca da prestacao de servicos judiciarios © que ocorreria se 0s homens concebessem a falsa dia de {que teriam a sua disposicio uma justica acessivel e dgil. 0 {que ocorreria se pensassem que os juizes sio sérios e com. petentes. Se essa falsa idéia se formar, 05 ltigios ocorrerso fem niimero Infnito e a metade da populacio seré insuficl tente para julgar of litigios da outra metade (HANGS HS! ‘apud ANDRIGHI, 2000). Embora alegérica, a passagem destacada exprime & maestria aideia de que a prépria condigdo humana leva inexoravelmente a uma busca inces- sante por mais e mais bens, servicos e prestacGes em geral. A finitude de re- cursos é, portanto, uma certeza diante da voracidade do desejo humano. 2.3. RECURSOS PUBLICOS, NECESSIDADES INDIVIDUAIS E RESERVA DO POSSIVEL Atualmente a discussdo acerca da limitagao do orgamento em face das demandas puiblicas vem ocorrendo sob a bandeira do postulado da “reserva do possivel”. A ideia central da teoria € bastante légica: se 0 Estado no dispde de recursos financeiros suficientes, entao nao pode atender a todas as demandas socials. De acordo com a nogao de reserva do possvel, a efetividade dos direitos sociais a prestacGes materias estaria sob a reser- ‘va das capacidades financeiras do Estado, uma vez que seriam. Série Enssios ” 8 Ludmila Kolb de Vargas Cava direitos fundamentals dependentes de prestagbes financia- das pelos cofres publicos. (SARLET, FIGUEIREDO, 2008). Embora evidente a concluséo acerca da impossibilidade de aco do Estado em face da inexisténcia de recursos para tanto, a aplicagao prati- ca do principio se mostrou extremamente tortuosa. Parte da dificuldade se deve a extensio e amplitude do rol de direitos fundamentals sociais, de mesma hierarquia constitucional no ordenamento juridico brasileiro. © governo assume, em funcao disso, o dever de garantir prestagOes nas mais diferentes dreas, obrigandose a fornecer desde servigos basicos de satide e saneamento até o lazer e a preservagio da cultura, de modo que a realizacio plena de todos os projetos constitucionais se revela pouco provavel. O segundo problema se encontra no uso da reserva do possivel como uma espécie de salvo conduto para a mé administragao, desper- dicio de recursos piiblicos e descumprimento de direitos fundamentais. E 0 caso, por exemplo, de municipios que direcionam grandes volumes de recursos para obras de embelezamento da cidade ou para custeio de campanhas publicitérias, para depois alegar a inexisténcia de verba para a contratagdo de médicos. Infelizmente esta é uma realidade no plano municipal, estadual e federal, azo pela qual os tribunais jd vem decidin- do que a reserva do possivel s6 pode justificar a inércia do poder piiblico quanto cabalmente demonstrada a auséncia de condigdes econdmicas ea impossibilidade de obté-as. ‘Tomadas tais premissas, a anélise acerca da reserva do possivel ex- ige que sejam identificados os motivos da escassez de recursos, visto que esta pode ser decorrente tanto de circunstancias inevitéveis, como no caso da falta de 4gua por estiagem histérica, quanto da mé distribuigéo das ver- bas piiblicas, como ocorre nos casos de compra de carissimos equipamen- tos médicos para unidades que nao dispGem de pessoal para operé-los. Com relagio & ponderacio, haverd que se diferenciar entre a real impossibiidade de realizacio do direito no caso da COrganizadores: Rogério Luiz Nery da Sv, Darkéa Carine Palma Mattilo, Sra Maria Cardozo dos Santos Polticas piblias em tempos. escassez essencial de recursos, como, por exemplo, a inex- isténcia de drgaos para um transplante que poderia salvar {a vida de um individuo da impossibiidade contingencial, ou ‘seja, aquela que se mostra como resultado de uma alocac3o de recursos para fins diversos daqueles instituidos pela nor- rma de direito fundamental. Nao se pode perder de vista que ‘a protecdo dos direitos fundamentais é um dos objetivos do Estado brasileiro, como se depreende do art. 3° da Constitu- igdo Federal. Eles sio os instrumentos postos & disposiga0 do Estado e da sociedade para a construgdo de uma socie- dade livre, justa e solidéria, para a erradicacio da pobreza fe da marginalizacSo, e para a promogio do bem de todos. Neste sentido, a alegacao, pelos poderes piblicos, de que néo dispéem de recursos suficientes para a satisfaco de uma pretensio material deduzida em juizo deverd passar pelo crivo da proporcionalidade. Em outras palavras, esta fescasse2 de recursos deverd ser necesséria e proporcional. E importante destacar que quando se menciona a possibilidade de mé administracao do dinheiro piiblico nao se esta a tratar de desvios oriundos de atividades criminosas. A dilapidagdo do orgamento gover- namental em virtude de infragdes penais ¢ algo que deve ser objeto de anélise na esfera criminal, sob pena de se consagrar a improbidade como elemento natural administragio publica. A banalizagao da pratica no Bra- sil tem nos levado a considerar 0 ilicito como 0 fator principal a impedir a eficdcia dos programas governamentais, e talvez de fato assim o seja. Porém, uma discussao séria acerca de politicas publicas deve desconsider- aras perdas com corrupcio, ja que dentre as possiveis escolhas de aso de um governo nao se encontra a opgio pela conduta delituosa. 3 CORTES QUANTITATIVOS 3.10 SENSO COMUM E A CAGA AS BRUXAS EM PERIODO DE CRISE Como € notsrio, o Brasil tem passado por uma crise econémica de grandes proporcGes, em especial desde 0 inicio de 2015. Apds quase duas décadas de prosperidade e estabilidade, o pais voltou a conviver com altos Sétie Ensaios 80 Ludmila Kolb de Vargas Cava indices de inflacdo, recesséo e desemprego. Somada a tais circunstdncias, uma grave crise institucional se abate sobre a nacdo, expondo a ruina do orgamento piblico e a necessidade de revisdo dos gastos governamentais. Mais do que uma bravata de alguns setores conservadores da sociedade, a reviséo de politicas puiblicas de efetivacao de direitos sociais Passou a ser indispensavel para a recuperacao do pais, inclusive de sua credibilidade frente a investidores internacionais. Os recentes rebaixam- entos do Brasil quanto a sua nota de crédito perante agéncias de classifi- cago de riscos so a prova disso, da repercussao direta do desequilibrio das contas puiblicas na captaco de investimentos de nossa economia. Sendo, portanto, indiscutivel (a0 menos do ponto de vista econémico) a necessidade de ajuste fiscal, cumpre determinar os critérios a serem utilizados nos cortes orgamentarios, visto que a medida ndo pode ser desordenada, deve ter parametros previamente definidos. As duas principais perspectivas que se apresentam so a escolha Por revises de ordem quantitativa, ou seja, direcionadas a eliminar des- esas expressivas do oramento governamental, ou ainda de ordem qual- itativa, voltadas a cortes em setores considerados de menor relevancia ou necessidade. Aadogio de ajustes quantitativos parece tentadora do ponto de vista do senso comum. Quando se visualiza a fria planilha de gastos do governo, despesas de maior monta tendem a chamar a atengao, sinalizar ‘como um caminho facil para 0 equilibrio das contas. 0 cidado comum poderd imaginar, por exemplo, que reduzindo & metadé o numero de ser- vidores puiblicos municipais, cujos vencimentos consomem habitualmente boa parte do respectivo orgamento, a economia seria vultuosa e eficaz. Porém, é possivel que tal medida no apenas implicasse na perda de qual- idade ou agilidade dos servicos publicos, mas também inviabilizasse com- pletamente a manutencao de programas e realizacio de politicas publicas. ‘Onganizadores: Rogério Luz Nery da Siva, Dada Carine Palma Mattillo, Sn Maria Cardozo dos Santos Polticaspiblicas em tempos. Atualmente temse falado muito sobre cortes em programas as- sistenciais, voltandose os holofotes em especial para 0 programa Bolsa- Familia. Tratase de programa para 0 qual sao destinados grandes volumes de recursos, de forma a impactar as contas publicas. Em 2015, por exem- plo, o gasto foi de 27,1 bilhdes, atingindo cerca de 14 milhdes de famfias (PORTAL BRASIL, 2015). Portanto, 0 critério de ajuste aqui seria, a priori, quantitativo. Acritica (talvez superficial) que se costuma fazer ao programa é que o percentual de pessoas abrangidas pelo pagamento de bolsa men- sal é desproporcional a realidade econdmica da populagao. Em outras pa- lavras, ndo existem tantos necessitados. A afirmacao decorre, principat- mente, da constatago de que, se considerarmos que os grupos familiares possuem em média quatro integrantes, entao uma a cada quatro pessoas no Brasil recebe Bolsa Familia. A perplexidade provém, portanto, da infor- magio de que 25% da populagdo patria dependeria de transferéncia direta de renda para sua sobrevivéncia digna. ‘A adoco de tal premissa, de que o beneficio tem sido atrib do a pessoas que nao se enquadram nos critérios de necessidade, impli- ca diretamente na asser¢ao de que houve desvirtuamento da finalidade do programa. Assim, uma revisdo massiva das condicdes econémicas dos beneficidrios implicaria, em tese, em grande economia de verbas feder- ais. Contudo, a0 supor que o aluste fiscal vai apenas eliminar uma fonte de fraude, nao se esté adequando ou reformulando uma politica publica, mas sim exercitando um dever da administragao de zelar pela legalidade e moralidade. Remetese, aqui, ao ja exposto acerca das consideragdes quanto a desperdicio ilicito de recursos puiblicos. A revisSo de politicas piblicas no caso de corte quantitative no programa Bolsa Familia poderia ocorrer, por exemplo, na diminuigéo do valor dos beneficios, na restricao etéria dos beneficidrios ou na alteragao dos critérios econémicos para concesso. Suponhase que o beneficio pas- Série Ensaios ‘Ludmila Kolb de Vargas Cavall sasse a ser aplicdvel apenas a menores de 12 anos ou idosos acima de 70 anos, por exemplo. Muito provavelmente a economia resultante da me- dida seria significativa e imediata. Porém, mais tortuoso seria avaliar ou mesmo compensar 0 custo social envolvido na possivel precarizacdo da vida de milhares de pessoas CORTES PARA APORTES: O EXEMPLO DO BOLSA FAMILIA 33 Continuase a utilizar 0 exemplo do programa do Bolsa Familia Para ilustrar a questo atinente a cortes orgamentérios de viés exclusiva- mente ou predominantemente quantitativos. Seré tomado para analise 0 recente reajuste aplicado aos beneficios, que redundou em considerdvel aumento nas despesas do programa. Conforme foi veiculado pelo Ministério do Desenvolvimento Social € Combate a Fome (MDS) em sua pagina na internet, o reajuste médio dos beneficios do Bolsa Familia foi de 19,4%, indicando uma elevacao real média de &,6%.Em termos mais explicitos esse ganho real médio se distribuiu da seguinte forma: 2) 0 beneticio basco obteve um reajuste de 2,942, passando de R$ 68,00 para R$ 70,00; b) 0 beneficio variével, destinado as famfias que tenham em sua composicéo gestantes, nutrizes e criangas entre zero ¢ uinze anos, contou com um aumento de 45,452, pasando © valor minimo e maximo da mensalidade de, respectiva. ‘mente, R§ 22,00 e R$ 66,00 para R$ 32,00 e R$ 96,00; «) 0 beneficio varivel vinculado ao adolescente, destinado 3 familias que tenham em sua composigao adolescentes, com idade entre dezesseis e dezessete anos, foi acrescido ‘em 15,15% pasando os valores minimo e maximo da men. salidade de, respectivamente, Rg 33,00 e R$ 66,00 para RS 38,00 € RE 76,0 ‘As projegOes realizadas pelo Governo Federal indicam que a ‘medida deverd ocasionar um aumento nas despesas do Bo). 52 Familia da ordem de R$ 2,095 milhdes, 0 qual devers ser financiado por meio deremanejamentos internos do proprio orgamento do ministério (PUREZA, 2011). 82 Organizadores: Rogério Luiz Nery da Siva, Darkéa Carine Palma Matteo, Sonia Maria Cardozo dos Santos Plticas publics em tempos. Oaporte de dois bilhdes de reais para a majoracao dos beneticios de Bolsa Familia foi planejado a partir de um reenquadramento de verbas piilicas, Assim, para o investimento no programa, outros setores foram istério do Desenvolvi- objeto de cortes. Em documento elaborado pelo Mi mento Social e Combate & Fome é possivel visualizar quais as dotagdes orcamentérias parcialmente canceladas a fim de remanejar recursos para © reajuste dos beneficios (PUREZA, 2011). Destacamse os seguintes cortes para fins de andlise: a) aquisigdo de alimentos provenientes da agricultura farnilas R$ 64.007.462,00 (sessenta e sete milhdes sete mil quatro- centos e sessenta € dois reais); b) acesso 4 dgua para producdo de alimentos para auto con- ‘sumo: R$ 2.500.000,00 (dois milhées e quinhentos mil reais); ©) construcdo de cisternas para armazenamento de agua: R$ 12.419.691,00 (doze milhdes quatrocentos e dezenove mil seiscentos e noventa e um reais); 4d) promogéo da incluso produtiva: Ré 4-150.126,00 (quatro mil h6es cento e cinquenta mil cento e vinte e seis reals); e) servic sécioeducativo para jovens de 15 a 17 anos: RS 34.005.390,00 (trinta e quatro milhdes cinco mil trezentos e noventa reais). De acordo com o préprio Ministério do Desenvolvimento Social e Combate & Fome MDS, as finalidades ou objetivos principais do pro- grama so a reduso da pobreza, acessibilidade 4 educagao, incluséo so- cial e desenvolvimento familiar (MDS, 2015). Apesar disso, o que se obser- va na realocacao de recursos supra citada é que o reajuste do valor dos beneficios acabou por retirar recursos de outras reas também dedicadas Série Ensaios 8 Lucila Kolb de Vargas caval a0 combate a pobreza. Assim, nao se pode falar em um incremento na Prote¢o social, mas sim um rearranjo de dotacGes oramentaria Cabe observar que os beneficidrios dos programas obig cortes so pessoas em situagdo de vulnerabilidade social e econémica, assim como no caso do Bolsa Familia. Porém, o incentivo a agricultura fa- miliar, a garantia de dgua potdvel a populacées vitimas de seca, a incluso produtiva eo amparo educacional a jovens sao medidas de empoderamen- to de classes desprivilegiadas, que capacitam o individuo para vencer a pobreza. Por outro lado, a transferéncia direta de renda, apesar de todo o mérito pela eliminago imediata da fome e das condicdes indignas de vida, possui menor potencial transformagio e incluso social. Adotada como medida isolada, desarticulada de ages de integracao e capacitacdo, a ga- rantia de renda minima funciona apenas com um placebo na diminuicao da desigualdade social. © exemplo do Bolsa Familia revela, portanto, todo o perigo dos cortes quantitativos, quando planejadas politicas publicas sob 0 enfoque meramente contabil. Ainda que os cortes sejam apenas relativos a realo- cago de recursos dentro de um mesmo eixo de ado governamental, 0 que se observa ¢ que os efeitos a longo prazo podem ser negativos. 3:3. DIREITOS SOCIAIS SOB MIRA: A FALACIA DOS DIREITOS DE ALTO custo A agenda de cortes quantitativos costuma ser bastante pre- Visivel. Havendo necessidade de diminuico dos gastos governamentais, ‘as atengGes se voltam imediatamente para politicas publicas de efetivac3o de direitos sociais, sob o argumento principal de que seu elevado custo levaria invariavelmente a faléncia do Estado. Assim, formase de imediato © rol de culpados das despesas publicas, que, no caso brasileiro, estaria supostamente no tripé da seguridade social: previdéncia, satide e assistén- (Organizadores: Rogério Lulz Nery da Sita, Darléa Carine Palma Matti, Sénia Maria Cardozo dos Santos Polticas publicas em tempos. ia social. A posigdo encontra apoio principalmente na concep¢3o de que 0 direitos civis seriam menos onerosos aos cofres puiblicos, algo que ain- da se faz presente no debate politico e econdmico. E certo que os custos diretos dos direitos sociais se mostram vul- tuosos. Porém, mesmo os direitos civis apresentam repercussdo econdmi- ca, ainda que indireta. 0 direito a0 voto, por exemplo, s6 poderd ser exer- cido se o Estado fornecer ao cidadao locais e material de votacao, agentes Publicos de fiscalizagao e organizacao, sistemas de apuracao e até o poli- clamento necessario a seguranca de todo 0 processo. Mesmo nos casos em que o Estado se abstém de atuar, como no exercicio da liberdade reli- giosa, a implicagao financeira da garantia ao direito se faz presente, como nos impostos que deixam de ser arrecadados em virtude da imunidade tributéria dos templos. Contudo, quando se trata de politicas publicas de efetivacao de direitos sociais a andlise de custos ndo pode ser meramente contabil e di- recionada a efeitos imediatos. A seguridade social, por exemplo, pode ser comparada a uma espécie de investimento, visto que os efeitos futuros da adogao de medidas de carter protetivo importam em beneficios a coleti- vidade. possivel identificar dois principais eixos: diminuigSo de despesas futuras e aumento de arrecadaco em face do desenvolvimento econémi €o. O primeiro caso € de facil ilustracao, jd que na area da sauide os inves- timentos em medicina preventiva costumam gerar expressiva diminuico na necessidade de internamentos, cirurgias, uso de medicag3o e demais tratamentos curativos. Também se verifica nos programas de capaci ‘s80 de jovens e adultos, fator que pode amenizar as despesas com a con- cessao de seguro de desemprego e assisténcia social. Jé 0 segundo caso sera pormenorizado mais adiante, em que se demonstrard a experiéncia internacional de incremento & proteco social como elemento propulsor do desenvolvimento econémico. De todo modo, desde ja se revela que é Série Ensaios 85 86 Ludmila Kolb de Vargas Caval extremamente complexo avaliar 0 real custo dos direitos sociais, nao bas- tando, para tanto, o uso puro da matematica existencial 4 CORTES QUALITATIVOS 4.4 CRITERIOS PARA ELEICAO DE PRIORIDADES: DIREITOS FUNDAMENTAIS E MiNIMO A Uma vez demonstrado que 0 ajuste fiscalpode ter impacto social e econémiconegativo quando planejado apenas sob o enfoque quantita tivo, cumpre tracar qual a escolha de aco alternativa, a fim de propiciar © rearranjo das contas piblicas. A primeira hipétese que se apresenta é a adocdo de cortes pontuais, baseados no grau de relevancia de cada uma das esferas de atuacdo do poder ptiblico. Optamos por identificar estes ajustes como cortes qualitativos. A ideia de que o ajuste possa recair em um primeiro momento sobre bens juridicos de menor relevancia nao repousa na valorago dos direitos afetados quando individualmente considerados, ou seja, nao diz respeito a sua natureza intrinseca. Assim, é evidente que tanto 0 direito & moradia quanto 0 direito ao lazer so relevantes € igualmente se destinam € garantia de uma vida digna. Porém, na preserica de escassez de recursos, mostrandose necessaria a op¢do por alguns direitos em detrimento de outros, podese identificar uma ordem de preponderancia quanto a indis- pensabilidade de certas garantias minimas. Ha, por exemplo, maior urgén- ago cia no auxilio a desabrigados por eventos climaticos do que na re de apresentagGes artisticas. ‘ Reconhecer a impossibilidade momentanea ou circunstancial quanto aplicabilidade de determinados direitos fundamentais sociais no equivale a Ihes negar eficdcia nem tampouco implica em afastar a sua fundamentalidade. Significa apenas que momentos de crise fazem surgir COrgarizadores: Rogério Luiz Nery da Sv, Darga Carne Palma Matic, Série Maria Cardozo dos Santos Polticaspublicas em tempos.. conflitos especiais entre direitos fundamentais, tornando essencial 0 re- curso a ponderacao para o sopesamento dos valores envolvidos. A extensio do exercicio dos direitos fundamentais sociais ‘aumenta em crises econdmicas. Mas € exatamente nesses ‘momentos que pode haver pouco a ser distribuida. Parece plausivel a objecSo de que a existéncia de direitos sociais de- finitivos ainda que minimos tomaria impossivel a necesssria flexiblidade em tempos de crise e poderia transformar uma crise econdmica em uma crise constitucional. Contra essa abjesao é necessario observar, em primeiro lugar, que nem tudo’ aquilo que em um determinado momento é consid- cerado como direitos sociais € exigivel pelos direitos funda- ‘mentals sociais minimos; em segundo lugar, que, de acordo com 0 modelo aqui proposto, os necessarios sopesamentos podem conduzir, em circunstancias distintas, a direitos de- finitivos distintos; e, em terceiro lugar, que exatamente nos tempos de crise que a protec3o constitucional, ainda ‘que minima, de posic6es socials parece ser imprescindivel. (ALEXY, 2015). Quanto ao objeto dos cortes qualitativos, ressaltase que a escol- ha das dotacées afetadas pode ocorrer ndo apenas em razio dos bens juridicos diretamente afetados, mas também dos meios adotados para a sua consecugao. Frequentemente uma mesma politica publica pode ser desempenhada de diversas maneiras, podendo adotar varios modos de ago, inclusive de forma simultanea. Contudo, nem todas as ferramentas empregadas nos programas governamentais tergo a mesma indispensab- ilidade, fazendo com que mesmo nos casos de protecdo a valores consti- tucionais de primeira ordem seja possivel a adocao de cortes de despesas. E0 caso da publicidade adotada em muitas das ages do poder publico na rea de satide. Enquanto para a realizacao de massiva vacinacio infantil a ampla divulgacdo se revela imprescindivel, a veiculagio de propagandas acerca da aquisicgo de medicamentos ou contratagdo de profissionals como ocorre com o programa Mais Médicos ¢ absolutamente dispensdvel, podendo ser eliminada sem qualquer prejuizo para a satide publica. Ha, por fim, a possibilidade de restric3o de um direito fundamen- tal, ainda que essencial, no 4 mbito de sua abrangéncia. Direitos sociais cos- Série Ensaios % 88 Ludmila Kolb de Vargas Caval tumam se apresentar sob formulagdes abertas, amplas, permitindo uma certa flexibilidade quanto ao modo de realizacao. Assim, é possivel que em periodos de abundancia se instituam politicas publicas de vasta abrangén- cia, de modo a concretizar em niveis maximos as normas fundamentals. J em periodos de crise a ado governamental pode se mostrar mais timida, de modo a propiciar apenas o essencial. Em ambos 0s casos ocorre arealizago do direito, ainda que com grau de eficiéncia diferenciado. 4.2 AS CHAMADAS “ESCOLHAS TRAGICAS” E A REALIDADE ORCAMENTARIA Quando se trata da impossibilidade do Estado de prover todas as prestacdes sociais em face de escassez de recursos puiblicos, ¢ comum que se fale que existem limite insuperaveis, diante dos quais nem mesmo. as necessidades humanas mais basicas poderiam ser garantidas. Portanto, caberia ao poder ptiblico direcionar verbas para alguns setores essenciais. em detrimento de outros, frequentemente com implicac6es inclusive so- bre o direito a vida. Neste quadro de escassez, nod como realizar, hic et nunc, todos 05 direitos socials em seu grau maximo. © grau de desenvolvimento sécioecongpmico de cada pais imp6e lim ‘tes, que 0 mero voluntarismo de bacharéis ndo tem como superar. Portanto, ndo é (s6) por falta de vontade politica ‘que 0 grau de atendimento aos direitos socials no Brasil 4 muito inferior ao de um pals como a Suécia. A escassez ‘obriga o Estado em muitos casos a confrontarse com ver dadeiras “escolhas trgicas”, pois, diante da limitacSo de recursos, vése forcado a eleger prioridades dentre varias de- mandas igualmente legitimas. Melhorar a merenda escolar ou ampliar o numero de leitos na rede publica? Estender 0 saneamento basico para comunidades carentes ou adquirir medicamentos de iltima geracdo para o tratamento de al- ‘guma doenca rara? Aumentar 0 valor do salério minimo ou expandir o programa de habitacdo popular? Infelizmente, no mundo real nem sempre é possivel ter tudo ao mesmo ‘tempo. (SARMENTO, 2008). Corgarizadores: Rogério Liz Nery da Sv, Datléa Carne Palma Mati, Sela Maria Cardozo dos Santos Polticas publics em tempos. ‘As chamadas “escolhas tragicas”, embora constantemente in- vocadas quando da discussdo da implementacq, de politicas publicas de seguridade social, no se verificam com a mesma constancia no mundo dos fatos. Uma rapida andlise das contas publicas demonstra que o Esta- do brasileiro tem efetuado, por exemplo, grandes aportes financeiros nos setores de esporte e cultura, financiando eventos iriternacionais como a ‘Copa e as Olimpiadas e festas com artistas famosos, como no Reveillon de Copacabana de 2015, Seria falacioso considerar que um governo capaz de arcar com bilhdes para a construcao de estadios ndo teria condi¢6es finan: ceiras de garantir a entrega de medicamentos para transplantados, como vern ocorrendo silenciosamente na rede ptiblica de satide’. Os casos de real impossibilidade econémica sao rarissimos. Os tratamentos capazes de gerar custos estratosféricos s3o usualmente ex- perimentais ou inovadores, ou ainda realizados em outros paises, fugindo completamente a politica de satide delineada na’ Constituigo. Tais situ- ages ndo devem servir como fio condutor da elaboragao de programas de assisténcia a satide nem mesmo embasar a negativa judicial do acesso a tratamentos nao disponiveis no Sistema Unico de Satide SUS. Embora o pais vivencie atualmente contexto de crise econémica e de cortes nos gastos governamentais, hd ainda ampla margem de ac3o na simples revisao dos gastos desnecessarios, remanejo de dotacdes orca- mentérias e reducao das verbas destinadas a setores de menor urgéncia. 0 Estado se encontra em desequilibrio, mas nao falido nem incapaz de Tecuperar seu vigor econémico, como nos casos de nacées atingidas por uerras, eventos climaticos catastréficos, embargos internacionais e out- ‘0s fatos aqui mencionados so de conhecimento pablco e notério, amplamente ivulgades pela ‘midi, razSo pela qual optouse pela auséncia de referencias bibiogrficas. Remetemos 0 letor son sulta perante qualquer meio de comunicagio, destacando a profusso de noticias quanto a tals temas. SétieEnssios 89 30 Ludmila Kolb de Vargas Cavalli ras situag6es extremas, Portanto, a simples mencdo as chamadas “escol- has tragicas” deve ser vista com muitas reservas. 4.3 DIREITOS SOCIAIS COMO PROPULSORES DO DESENVOLVIMENTO 0s ajustes fiscais voltados a direitos sociais no séo novidade no terreno das politicas publicas. Desde a década de 80 compdem a agenda de muitos dos paises do eixo ocidental, em um movimento que se con- vencionou chamar de neoliberalismo. Uma das nagdes a adotar de forma ic6nica 0 modelo de ajuste neoliberal foi a Inglaterra. Em especial durante © periodo de atuacao da Primeiraministra Margaret Thatcher, 0 pais viven- ciou profundas restricdes em direitos sociais, acompanhadas de privat- izagSo em massa. O plano pretendia trazer desenvolvimento econémico e prosperidade, mas acabou por aumentar as taxas de desemprego e acen- tuar as desigualdades sociais. Diante dos resultados alcangados, foi pre- ciso reconhecer que a equidade é um valor essencial para uma sociedade estavel (GRAY, 2008). © Brasil também possui exemplos do fracasso de ajustes em matéria de protegdo social. 0 chamado Fator Previdencidrio foi instituido em 1999 como uma pretensa resposta ao deficit do sistema de Previdén- cia Social. Estruturouse sob a forma de uma equacao aplicada ao salério- debeneficio, de modo a reduzilo e diminuir os gastos do governo com o pagamento de aposentadorias, em especial aquelas concedidas precoce- mente. Porém, passados mais de dez anos de sua implementagao, nao se concretizou 0 almejado equillbrio financeiro do sistema securitério, que ocorreria mediante desestimulo &s aposentadorias precoces. © governo admite que 0 fator previdenciério néo cumpriu sev objetivo principal de postergar a aposentadoria dos trabalhadores do Regime Geral da Previdéncia Social e que ‘essa base de céleulo reduz em mais de 30% 0 valor final do COrganizadores: Rogério Luiz Nery da Siva, Datléa Carne Palma Matil, SOnia Maria Cardozo dos Santos Politcaspublicas em tempos. beneficio. 0 Executivo também nao possui uma alternative consolidada ao fator previdenciario, Esse diagnéstico foi apresentado, nesta tercafeira (27), pelo diretor do Regime Geral do Ministério da Previdencia Social, Rogério Costan- 2), em audigncia pablica sobre o assunto, promovida pelo Grupo de Trabalho Camara. NegociagaoDesenvolvimento Econdmico e Sociale pela Comissao de Trabalho, de Admin- Istragdo e Servigo Publico. Segundo 9 diretor, mesmo como fator previdencisto, criado em 1999, 0 governo no conse- {gui ampliar a idade media da aposentadoria, que se esta bilizou em 54 anos entre os homens e em 51 anos entre as mulheres desde 2002. “Temos observado que, em geral, as pessoas a0 completarem os 35 (homens) ou 30 anos (mul heres) de contribuigio preferem se aposenttar, mesmo sa bendo que vio ter um desconto que pode chegar a mais de 30% no valor do beneficio. Esses cidadSos preferem acumular ‘saldrio no curto prazo [trabalhando depois de se aposentar], mas geram um problema para o futuro, quando efetivamente perderem sua capacidade de trabalho e forem obrigados 3 viver com uma aposentadoria menor do que teriam se adias sem a saida do servico”, explicou Costanzi,reforgando que © Executivo ngo tem uma proposta consensual para reverter 2 situago. (AGENCIA CAMARA DE NOTICIAS, 2012). © resultado indireto da adoco do Fator Previdenciario, em uma anilise direta e breve, foi a manutenc3o do aposentado no mercado de trabalho, visto que seus proventos nao Ihe garantem plenamente o suste- nto. Assim, no apenas nao se efetivou a economica almejada como tam- bém houve um engessamento na dinamica do fluxo de trabalhadores. A constatagao leva a outro problema dos cortes nas politicas so- ciais. A economia realizada as custas de cerceamento de direitos e desa- mparo a riscos sociais se traduz em gastos futuros. Assim, por exemplo, 0 trabalhador desempregado, quando desamparado, pode acabar sendo reduzido a miséria, tornandose dependente da atuago estatal para prov- er o préprio sustento € o de sua familia. No caso das aposentadorias con- cedidas em valores reduzidos, 0 que se afigura ¢ a reducao do poder de compra dos aposentados, justamente em um periodo da vida em que os gastos com satide se elevam. Série Ensaios * Ludmila Kolb de Vargas Caval Desta forma, o poder piiblico passaa ter de fornecer mais servigos, e medicamentos de forma gratuita nas redes de satide, pois para um ur verso cada vez maior de cidadaos estes cuidados tornamse inacessiveis na via privada. Portanto, as anélises empiricas revelam que a manutencao de politicas publicas de garantia a direitos sociais, longe de se afigurar como fonte de oneraco aos cofres piiblicos, deve ser vista como um investi- mento em pessoas, e, por via obliqua, em mercados. De fato, a experiéncia internacional revela que os investimentos em direitos sociais, mesmo em ‘quando realizados em periodos de crise, podem trazer importantes con- tribuicdes a estabilizacao econdmica. Neste sentido, a Recomendacao n. 202 da Organizacao Internacional do Trabalho OIT, apresenta o fomento securitario como resposta ao avanco da inflacdo, recessao e desemprego. O' documento também expée a ideia de que seguridade possui dupla fungi: como direito humano, é capaz de reduzir a pobreza, a desigual- dade, a excluséo e inseguranca social; como planejamento econémico impulsiona o desenvolvimento e 0 progresso, fomentando o emprego formal e servindo de instrumento a estabilizagao do mercado (OIT, 2012). Ressaltase que 0 documento foi elaborado também cam base em dados de enfrentamento a crise que assolou diversos paises europeus a partir de 2008, fornecendo, deste modo, um amplo aparato empirico. 5 CONCLUSAO estado de crise que se abate sobre o Brasil nos dias atuais exige uma séria reflexdo quanto ao destino das politicas publicas. O projeto con- stitucional de uma sociedade de plena realizag3o dos direitos Fundamen- tais se mostrou incompativel com a dura realidade da ruina do orgamento estatal, tornando inevitvel a revisio das despesas de governo. Porém, tal constatacao nao pode servir de justificativa ao descumprimento dos COrganizadores: Rogério Luiz Nery da Siva, Darléa Carine Palma Mattel, Sénia Mara Cardozo dos Santos Palticas publics em tempos. deveres fundamentais do Estado, nem abre margem para a eliminacao de- sordenada de programas sociais. O ajuste fiscal, anunciado como a tébua de salvaco para conter a inflacdo, a recessao € o descrédito dos investi- dores, deve passar por cuidadosos estudos prévios, a fim dese estabelecer uma racionalidade juridica e econémica coerente para sua implantacao. Aadogao de cortes quantitativos para o equilibrio das contas pir blicas pode parecer, em uma anidlise superficial, a solucao para os proble- mas financeiros do Estado. A massiva diminuicdo de despesas traz 0 efeito imediato de recompor as finangas de um governo, transmitindo a ideia de que este seria 0 caminho para o crescimento e desenvolvimento de uma nagio. Como visto, invariavelmente tal intento coloca os direitos funda- mentais sociais sob mira, dada a propor¢ao de recursos estatais envolvi- dos nos respectivos programas de acdo. A grande dificuldade de se abolir esta tendéncia talvez esteja no fato de que os cortes em politicas piiblicas, de seguranga social sé serdo perceptiveis apds anos ou décadas, de modo arestar atenuada a liga¢o de causa e efeito. Por outro lado, oalivio do dé- ficit orgamentério se traveste de recuperasao econdmica instantanea, sob a espessa maquiagem dos numeros e estatisticas. Para evitar este imedia- tismo precipitado é que devemos nos servir da Histéria e da experiéncia internacional de enfrentamento de crises, que refutam a fantasia de uma panaceia neoliberal. Havendo comprovada necessidade de restri¢go do orgamento, a opgao por cortes qualitativos se mostra mais razoavel. Uma detalhada ponderaco acerca dos riscos e beneficios envolvidos no cerceamento de verbas deve se fazer acompanhar por avaliagao quanto a indispensabil- dade dos direitos envolvidos, conferindose primazia aos direitos humanos e fundamentais. Por sua vez, os passos deste processo devem ser guiados nao apenas por ideologias ou interesses partidarios, como ocorre usual- mente, mas também por ampla e profunda pesquisa cientifica. Série Enssios 3 4 Ludmila Kolb de Vargas Cavalli Politicas publicas, como jd dito, so escolhas de ago. Mas sé possivel escolher quando hé consciéncia sobre as implicagGes de cada al- terna fa apresentada. Se assim no o fosse, estariamos a tratar de uma lea, uma sujeicao a sorte ou azar, algo que em tempos de crise envolve uma aposta alta. Portanto, a revisao de politicas publicas ocorrera sempre com lastro em raz6es de ordem qualitativa, ao passo que as decis6es de ordem puramente quantitativa devem ser consideradas como meros jo- gos de poder. 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