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PRINCiPIOS DA FILOSOFIA CARTESIANA, I DEFINIGOES, AXIOMAS 1-3, PROPOSICOES 1-4 * Bento DE Espinosa ‘Trapu¢io pr Horo SantiAco "* DeFINIg6rs 1, Pelo nome de pensamento tomo tudo © que esté em nds € de que somos imediatamente cénscios. Assis, todas as eperagtes da vontade, do inelecto, da imaginagao e das sentidos sao pensamentas, Mas aoresentedimediatamente ‘para excir 0 que é consegiéncia dela; tal como 0 movimento sluntrie de fat tem o pensamento por principio, mas ee pripri, todavia, nio é pensamento, IL Pelo nome de idfia entendo aquela forma de qualquer pensamento por cuja percepcio imediata sou cénscio desse mesmo pensamento. De tal forma que en nada possa exprimir com palavras, entendendo 0 que digo, sem gue por isso mesmo soja certo estar em mim a idia do que é significado com aguelas palavras. E. assim, nao chamo de idéias as meras imagens pintadas na fantasia; 0% melhor, de modo algun as chamo agui de idtias enguanto estao na fantasia corpérea, isto 6 pintadas em alguna parte do cérebro, mas apenas enguanto injormam a pripria mente soltada para aguela parte do cérebro IIL Por realidade objetiva da idéia entendo a entidade da coisa representada pela idia enquanto esti na idéia, E do mesmo modo pode-se dizer perfeicao objetina, ou artificin bjetivo, ete; pois tudo que perebemas camo [estando] nos objefos das idtias, esta objetivamente nas priprias idfas, IV. Isso mesmo é dito estar formalnente nos objetos das idéias, quando esta neles tal qual o percebemos; eminentemente, quando no esté de fato como tal, mas to grande que possa fazer as vezes dele Nota que, quando digo que a causa contém eminentemente «as perfegdes de sen efeite, quero indicar que a causa contém as * 0 texto latino que tomamos por base, ¢ sera oferecido a0 leitor, € © da edigio de Gebhardt (SPINOZA OPERA, Heidelberg, Carl Winters Universitatbuuchhandlung, 1972, v. 1); corrigimos apenas duas evidentes falhas de impressio. Deneee as tradugdes consultadas, gostariamos de destacar duas que nos foram de particular ajuda: de Atilano Dominguez (TRATAD0 DE. LA REFORMA DEL ENTENDIMIENTO, PRINCIPIOS DE FILOSOFIA DE Dasscanres, PENSAMENTos MErAriSiCos, Madsi, Alianza, 1988) ¢ cde Emanuela Seribano (PRINCIPI BELLA FILOSOFLA BI CARTES. Ponsien! Merarisies, Bari, Lacerza, 1990). ## Professor do departamento de Filosofia da USP perfeities do efeito de modo mais excelente que o prépria eeita, Ve também o ax. 8. V. Toda coisa na qual esta imediatamente, como em ‘um sujeito, ou pela qual existe algo que percebemos, isto é alguma propriedade ou qualidade ou ateibuto ccuja idéia real est em nés, chama-se substindia E com ofeito nao temos outra idtia da pripria substincia, ‘precicamente tomada, send que é uma coisa em que formal ou ‘eminentemente exitte 0 algo que percebemos, on sea, que estd objetivamente em alguna de nossas ids VI. A substincia em que 0 pensamento esta imediatamente chama-se mente Filo agui em mente de preferéncia a alma, porguanto 0 nome alma & equivoco ¢ amiide utilizado para coisa corpérea. VILA substincia que é sujeito imediato da extensio e dos acidentes que pressupdem a extensio, como os da figura, da situagio, do movimento local, ete., chama-se corpo Jé se é uma sé ¢ mesma substincia que se chama de mente ¢ de corpo ou se sao duas diversas, caberd depois investigan VIL. A substincia que entendemos ser por si sumamente perfeita, ¢ na qual nao concebemos absolutamente nada que envolva algum defeito ou limitagio de perfeicio, chama-se Deus, IX. Quando dizemos que algo est contido na natureza ou conccito de alguma coisa, é 0 mesmo que se disséssemos que isso é verdadeiro dessa coisa ou dela pode ser verdadeiramente afirmado. X. Duas substincias sio ditas distinguir-se realmente quando cada uma delas pode existir sem a outta. Onmitimos aguios postulades de Descartes? porque na seqiéncia nada concluimos a partir deles; no entanto, rogames seriamente aos litres que os leiam até fim ¢ 05 considerem por uma atenta meditagia "iste axioma allo esti aqui traduzido, pois aparece s6 numa segunda rodada de axiomas. Vide infra, nota 6, Espinosa se refere aos postulados contides nas Razors (GHOMETRICAS, texto cartes Ruspostas, de onde provém, com ligeiras modificagées, as definigdes aqui apresentadas, 10 encontrado ao final das SecUNDAS Revista Comatas - Fi.osoria px Spivoza - VoLume 2 - Newnno 4 ~ Dezeanno 2008 87 ESPINOSA, Brxt0 De: PRINGPIOS DA HLOSOFIA CARTESIANA, EDEFINIQDES, AIOMASTS,ProROSIODHS 1, (TRAD CIOs HoMeROS ANTI). P8T 89 AXIOMAS: I. Nao alcangamos o conhecimento ¢ a certeza de uma coisa ignorada sendo pela certeza e conhecimento de outra, que Ihe é anterior em certeza e conhecimento, Il, Dio-se razé que nos fazem duvidar da existéncia de nosso corpo. Em realidade, isso foi mostrado no Prolegdmeno ¢ por isso é posto aqui como axiom? IIL. Caso tenhamos algo além da mente € do corpo, isso nos é menos conhecido que a mente € © corpo. E de notar que estes axiomas nada afirmam sobre coisas fora de nds, mas apenas sobre o que constatamos em nés engquanto somes coisas pensantes Proposi¢io I De coisa alguna podemos estar absolutamente cerlos enquanto ‘nao soubermos que existimos. D JONSTRAGAO. Esta proposigio € patente por si, pois quem absolutamente no sabe que é, simultaneamente no sabe que esta afirmando ou negando, isto é que certamente ele afirma ow nega. E de notar aqui que embora afirmemos on neguemos muitas coisas com grande certeza, som atentar ao fato de existirnns, todavia, a nao ser que se pressupanba isso como indubitével, ‘tudo poderia ser eolocade em divida Prorostcio I Eu sou deve ser conbecido por si DeMonsTRacko Se negas, entio nfo viré a ser conhecido sendo por outro, cujo conhecimento e certeza (pelo ax. 1) seri em nés anterior a este enunciado: ew soz. Ora, isto € absurdo (pela prop. preced.); logo, deve ser conhecido porsise. qd." > leitor encontrara uma tradugio deste Prolegémeno, de nossa lavra, em apéndice a Descartes, Muprraco#s MEtAeIsicas, Sio Paulo, Mactins Fontes, “C.Q.D. como quetiamos demonstrac”) é férmula utilizada para traduzir latin Q. E. D. (quad rat domonsirandum,ineralmence So que era a demonsteat Provosigio III Eu sou, enguanto ou é xma coisa gue consta de corpo, nao é 0 primeivo conbecido nem o é par si. DrMonsrracao Hi certas [razGes] que nos fazem duvidar da existéncia de nosso corpo (pelo ax. 2); logo (pelo ax. 1), nio alcangamos a certeza dele sendo pelo conhecimento € pela certeza de outra coisa que Ihe é anterior em conhecimento ¢ certeza, Logo, este enunciado: ew sou, enquanto « é uma coisa que consta de corpo, no é 0 primciro conhecido nem o é por sis ¢. q.d Provosicio IV Eu sou nao pode ser primero conbecido senda enguanto Pensames, DEMONSTRAGAO Este enunciado: en som wma coita corpérea on que consta de corpo, nao & 0 primeito conhecido (pela prop. preced.}; € tampouco estou certo de minha existéncia enquanto consto de outra coisa além da mente e do corpo, pois se constamos de algama outra coisa € do corpo, ela nos é menos conhecida que o corpo (pelo ax. 3); portanto, ex sou no pode ser o primeiro conhecido senfo enquanto pensamos; ¢. q. d. liversa da mente Conor ARI Dai é patente que a mente, ou seja, a coisa pensante, € mais conhecida que 0 corpo, Para uma explicagio mais abndante, porém, leiam-se os art 11 ¢ 12 da parte I dos Principios:* Escor0 Cada um percebe certissimamente que afirma, nega, duvida, entende, imagina, etc., ou seja, que existe davidando, entendendo, afirmando, ete, ou, numa palavra, pensande; ¢ niio pode colocar isso em divi Pelo que este cnunciado: penso, ou seja, so pensante, & 0 linico (pela prop. 1) e certissimo fandamento de toda af certissimos dlas coisas, nada mais pode ser buscado nem desejado senio deduzir tudo a partir de prineipios firmissimos ¢ tornd-los tao clatos ¢ distintos quanto 6s prineipios partir de que sio deduzidos, segue-se claramente que cabe ter por verdadeirissimo tudo que sofia. E como nas ciéncias, para estarmos ® Observe-se que a remisséo € 20s PRINCIPIOS DE FILASOFIA, obra de Descartes 88 Revista Conatws - Fitosoria pe soz - Vouumn 2 - Nomero 4 - Drezesnno 2008 ESPINOSA, Bex10De, PRINCIMOS DA FILONOFIA CARTESIANA, EDERINIQOES,AKIOMAST.3, PROROSIGDES 14, (TRaDLG}ODE Honan Savriaio) 87-89 nos é tio evidente € que percebemos tio clara € distintamente quanto nosso principio ja descoberto, etudo que de tal forma convém com esse principio ede tal forma depende desse principio que, caso queiramos duvidar disso, também desse principio caberé cuvidar. Porém, para proceder quiio cautelosamente possivel no re dessas coisas, de inicio admitirei por tio evidente e por clara e distintamente percebido por nés apenas o que cada um observa em si, enquanto pensante. Como, por ex, que quer isso ou aquilo, que tem tais idéias certas ¢ que uma idéia contém em si mais realidade e perfeigio que outra, quer dizer, aquela que contém objetivamente 0 ser e a perfeigo da substincia é de longe mais perfeita que aquela que contém apenas a petfei¢io objetiva de algum acidente; aquela, enfim, do ente sumamente perfeito € amais perfeita de todas. Tais coisas, repito, petcebemos io apenas tio evidente ¢ tio claramente, mas talvez até mais distintamente; pois no apenas afirmam que nés pensamos, mas também de que modo pensamos. Continuando, também diremos que convém com esse prinefpio aquilo que niio pode ser colocado em divida 2 ‘no ser que simultaneamente scja colocado em chivida nosso fundamento inconcusso. Como, por ex., €as0 alguém queira duvidar se algo se fiz a partir do nada, podera simultaneamente duvidar se nés, enquanto pensamos, somos; pois se posso afirmar algo do nada, a saber, que pode ser causa de alguma coisa, poderci simultaneamente com o mesmo direito afirmar a parti do nada o pensamento ¢ dizer que no sou nada enquanto penso. E, como isso me é impossivel, também me seri impossivel pensar que algo se faca partir do nada. Considerado isso, decidi pér aqui diante dos olhos com otdem as coisas que presentemente nos parecem necessétias para que possamos passat adiante e acrescenté las 20 niimero de axiomas, visto que sio propostas como axiomas por Descartes ao fim das RESPOSTAS AS SEGUNDAS OWJEGORS, € ABO quero ser mais cuidadoso que cle. Contudo, para niio me afastar da ordem j4 comegada, esforgar-me-ci em de alguma forma tornar essas coisas mais claras e mostrar de que modlo uma depende da outra © todas dependem deste principio: sou pensante, ou com cle convém por evidéncia ¢ razao.* nseamento 2am Na segiigncia, Espinosa proporé mais 8 axiomas tomados dirctamente a0 texto cartesiano das RAZOES GEOMETRICAS, Jmprimindo-lhes porém uma nova of nagio. Revista Comatas - Fi.osoria x Spivoza - VoLumn 2 - Newnno 4 - Dezeanno 2008 89

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