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Tem Cuidado Da Doutrina Preparado pelo Pr. Isaltino Gomes Coelho Filho e apresentado no Congreso da Ordem dos Pastores Batistas Fluminenses, 6 de maio/2009 “Tem cuidado de ti mesmo e do teu ensino...” ~ 1Timéteo 4.16 INTRODUGAO © Dr. Olavo Feijé tratou da primeira parte deste versiculo, ao falar da satide pastoral. Cabe-me falar da segunda parte, que é 0 pastor cuidar do ensino. O titulo de minha palestra é “Tem cuidado da doutrina” e a aparente discrepancia entre texto biblico e titulo da palestra seré esclarecida daqui a pouco, © conceito hebraico que corresponde ao nosso conceito de “doutrina” é leqdh, que traz a idéia de “o que se recebeu”. Pode ser uma heranca ou um ensino, ou, ainda, uma tradicao. Este termo se ajunta a0 hebraico torah, que, desvestido do cardter sagrado que tem no judafsmo, tem a idéia de “um corpo de ensino revelado”. O primeiro termo parece ter um significado mais afdvel. 0 segundo parece ter um significado mais sagrado, mais canénico. No Novo Testamento, a palavra é didaskalia, que no texto de nosso encontro, em 1Timéteo 4.16, foi traduzido pela Versio Revisada e pela Século 21 como “ensino” e pela Revista e Atualizada como “doutrina’”. Torah e didaskalia trazem a idéia de "uma revelacdo verbalizada e transmitida com autoridade” e ndo de insights ou vontade pessoal de alguém. Os termos aludem a um corpo de verdades expressas e transmitidas de uma pessoa a outra, dentro de um grupo. No Novo Testamento, mormente em Atos e nas epistolas, alude a um corpo de ensino visto como padréo de ortodoxia. Um hebreu fiel, no Antigo Testamento, jamais ousaria pensar em negar a Torah ou deturpé-la. A ruina de Israel e de Juda foi a no observancia da Torah, da doutrina vinda de Deus. Mas me impressiona verificar que muitos cristdos, que tém uma visdo da revelacdo completa, ousem discordar da didaskalia do Novo Testamento. Alguns a minimizam, atendo-se mais ao Antigo Testamento que a0 Novo. Outros, fazendo uma releitura biblica por correntes de pensamentos seculares. Outros, ainda, simplesmente, por no pautarem suas vidas pela didaskalia e por nao ensind-la com vigor e paixo as suas igrejas. € uma visdo superficial ame parece até mesmo desrespeitosa da Revelagio. Temos hoje muitos problemas com o uso da Biblia, que como Francis Schaeffer gostava de dizer, é a revelac3o proposicional de Deus. Muitos so os motivos, mas na raiz de tudo estd 0 fato de muitos confundem o livre exame das Escrituras com a livre interpretago das Escrituras. Todos podem examinar livremente as Escrituras, foi a proposta da Reforma e que os batistas encamparam. Mas ninguém esta autorizado a fazé-la dizer 0 que ele mesmo deseja, Hd um sentido no texto, captado ao longo de séculos e de milénios pela comunidade crist, que é 0 corpo de Cristo. Ndo se pode dar outro sentido a Biblia. Nao se podem criar doutrinas a bel prazer. Nem rejeitar doutrinas a bel prazer. A Biblia nao é restaurante de comida por quilo, em que se paga o que se quer. Ainda mais que os dois termos se ligam, semanticamente, a existéncia do grupo. Por isso, “tem cuidado de ti mesmo e do teu ensino...” Ditas estas coisas, seguindo em frente, gostaria de corrigir alguns equivocos comuns em nosso meio. CORRIGINDO EQUIVOCOS - 1 Comego com uma afirmagéo dbvia: a doutrina ndo é invencdo humana. Este é 0 primeiro equivoco a desfazer. Mas 0 maior equivoco que quero desmanchar é este: doutring no é uma camisa de forca para enquadrar ou engessar a espiritualidade. € falsa a dicotomia “vida crist ou doutrina’. Afinal, o termo grego didaqué, que guarda lacos semanticos com didaskalia é aplicado ao ensino de Jesus, em Mateus 7.28-29: “Ao concluir Jesus este discurso, as multidées se maravilhavam da sua doutrina (didaqué); porque as ensinava como tendo autoridade, e ndo como os escribas’. O ministério de Jesus ndo foi construido sobre milagres, mas sobre uma doutrina que os milagres autenticavam. Ha uma visdo romantica de alguns: no havia nada de ensino e de doutrina, Jesus surgiu do nada, impressionou com sua vida e seus ensinos e os homens criaram uma estrutura doutrindria ao redor dele, Nao é 0 que Novo Testamento ensina. Jesus veio num contexto de didaskalia, que substitui a Torah. Com facilidade, ele dizia: “Ouvistes que foi dito; eu, porém, vos digo” ou “Foi dito; eu, porém, vos digo”. Ele tinha consciéncia de ser uma nova Torah. Na Transfigurac3o, quando Pedro tenta colocar Moisés e Elias em pé de igualdade com Jesus, o Pai retira Moisés e Elias de cena e diz: “Este é meu Filho amado, em quem me comprazo; e ele ouvi”. Ele tinha uma doutrina, Ele era uma doutrina. Ele mesmo disse sobre seu ensino: “A minha doutrina nao é minha, mas daquele que me enviou. Se alguém quiser fazer a vontade de Deus, hd de saber se a doutrina é dele, ou se eu falo por mim mesmo” (Jo 7.16-17). Sua didaqué vinha de Deus, e a maneira de saber isto era através da vida espiritual, ou seja, fazendo a vontade de Deus. Vida espiritual e doutrina se completam, nesta palavra de Jesus. Doutrina e espiritualidade nao so antagénicas, mas complementares. Bem cedo, a igreja comesou a cristalizar sua doutrina. Ela nao foi obra de concilios do terceiro ou quarto séculos nem de Constantino, quem leia 0 Cédigo da Vinci, no tendo cultura histéria nem teoldgica, pensard que um bando de velhacos, na calada da noite, estabeleceu uma doutrina, Mas a Biblia diz: “De sorte que foram batizados os que receberam a sua palavra; e naquele dia agregaram-se quase trés mil almas; e perseveravam na doutrina dos apéstolos e na comunhéo, no partir do pao e nas oragées” (At 2.42-43). Os novos convertidos iam sendo inseridos num contexto de guardar uma doutrina que ja estava sendo elaborada pelos apéstolos. Esta doutrina foi repassada a outros, numa sequéncia que a manteve de pé e 2 definiu na histéria: “Tu, porém, permanece naquilo que aprendeste, e de que foste inteirado, sabendo de quem o tens aprendido, e que desde a infancia sabes as sagradas letras, que podem fazer-te sdbio para a salvagao, pela fé que hd em Cristo Jesus” (27m 3.14-15). Timéteo recebeu uma doutrina de sua mae, que recebeu da mae dela. Ela culminava em Jesus Cristo. “Havendo Deus antigamente falado muitas vezes, e de muitas maneiras, aos pais, pelos profetas, nestes ultimos dias a nés nos falou pelo Filho...” (Hb 1.1.2). Jesus é a Palavra final de Deus. £ muita pretensdo de qualquer pessoa pensar que suas palavras excedem ou suplementam as de Jesus. € um ego muito grande. Os crentes ja repassavam uma doutrina de geracdo em geracdo. Nao havia fé cristd sem doutrina. Nunca houve. Nao foram os tradicionais que a criaram Lemos em Romanos 6.17-18: “Mas gracas a Deus que, embora tendo sido servos do pecado, obedecestes de coracdo forma de doutrina a que fostes entregues; e libertos do pecado, fostes feitos servos da justica”. “Forma de doutrina” € 0 grego tipon didaqués, com a ideia de uma doutrina que era padrao. Mais uma vez vemos que doutrina no aprisiona, no embalsama, mas a obediéncia a ela dé substrato para ser libertado do pecado. Ouvimos dizer “Cristo liberta!”. Creio nisto. Mas, como? Ele nao vem libertar. A compreensdo e a internalizag3o de sua doutrina muda a visio de vida, produz arrependimento, fé e libertagao, porque o Espirito trabalha na vida. A doutrina nao é uma abstrac3o, mas serve para embasar a ética. Em 1Timéteo 6.1, a postura dos servos para com os senhores deve ser correta para que 0 nome de Deus e a doutrina ndo sejam blasfemados. Paulo junta o nome de Deus e a doutrina. € em seguida, nos versiculos 3-5, diz-nos ele: “Se alguém ensina alguma doutrina diversa, e no se conforma com as sas palavras de nosso Senhor Jesus Cristo, e com a doutrina que é segundo a piedade, é soberbo, e nada sabe, mas delira acerca de questdes e contendas de palavras, das quais nascem invejas, porfias, injtirias, suspeitas maliciosas, disputas de homens corruptos de entendimento, e privados da verdade, cuidando que a piedade é fonte de lucro”. Respeitosamente, digo que vejo isto. As pessoas que mais se indispéem contra doutrina parecem-me soberbas, desejando livrar-se de limites, e muitas delas tentam se livrar da si doutrina para impor seus conceitos, que Ihe trazem lucro. CORRIGINDO EQUIVOCOS - 2 Outros equivocos sucedem porque 0 cristianismo hoje tem sido dimensionado em termos de sensacées e de experiéncias. £ cada vez mais sentir alguma coisa ou experienciar alguma coisa do que crer em alguém que ensinou uma verdade, no caso, este mesmo alguém. Esta subjetividade, atribuida ao Espirito Santo {porque para alguns o Espirito fala ao coracio, aos sentimentos, e nao pelas Escrituras ou por circunstancias evidentes), se opée a objetividade das Escrituras. Uma das maiores vertentes hermenéuticas hoje é “Eu senti no meu coracao", e pronto, ndo se pode argumentar com a pessoa. E daf, que sentiu no coragdo? Desde quando 0 coragéo é padrao de certo ou errado? Desde quando o coracao é confidvel? Diz-nos Jeremias 17.9: “Enganoso ¢ 0 coragdo, mais do que todas as coisas, e perverso; quem o poderd conhecer?”. A Biblia deve ser 0 padréo normativo para nds e no as nossas sensagées. Esta subjetividade permite dizer qualquer coisa sem que a pessoa possa ser contestada. Um exemplo disto se vé em uma declaracao de uma episcopesa (que 0 pessoal teima em chamar de “bispa”), segundo a qual “Deus é uma coisa quente e fofinha”, Discordei desta declaracao absurda e grosseira, em meu livro Neopentecostalismo = uma avaliagéo pastoral, e recebi um email furibundo e, como sempre, andnimo, de uma componente do f3 clube da episcopesa. Se ela via Deus assim, quem era eu para discordar? O problema nao é minha discordancia. £ que Deus ndo é mostrado como uma coisa, na Biblia. Muito menos quente e fofinha. Ela se confundiu aqui. Se nao temos doutrina podemos projetar qualquer conceito nosso sobre Deus, sobre Jesus, sobre a vida crist’ como se fossem vilidos. O cristianismo tem um corpo doutrinério, no hd como negar. Ignorar isto & aniquilé-lo. € 0 que se tenta fazer, ao dilui-lo de um corpo de ensinos emanados de uma pessoa em sensagées experimentadas pelas pessoas. O cristianismo nao sdo sensagoes. Quando sou examinador de algum seminarista candidato ao ministério da palavra, nunca comeco perguntando pelo seu conceito de Deus. Minha primeira pergunta é: “Qual a fonte de autoridade em matéria de religido?”. Se 0 examinando nao responder que ¢ a Biblia, podemos encerrar 0 concilio. Como vamos conversar? Porque a Biblia ¢ a Palavra de Deus e é doutrinal, porque é uma Torah, uma didaskalia e no um relato de experiéncias. Hé, claramente, um ensino biblico, ha uma mensagem na Biblia © cristianismo so fatos histéricos sucedidos no tempo e no espago. Deus interveio na histéria dos homens. O texto de Exodo 3.18 tem sido considerado pelos estudiosos de Antigo Testamento como “a entrada de Deus na historia” (... “O Senhor, o Deus dos hebreus, encontrou-nos...”). lahweh interveio na histéria. Nesta intervengo, ele interagiu e revelou alguma coisa. Ele ndo revelou sentimentos, mas a si mesmo e ao seu Filho, que & a expressa imagem do seu ser (... “o qual é imagem do Deus invisfvel” ~ Cl 1.15). “Imagem” é 0 grego eikon, de onde nos vém “icone” Era a palavra usada para “espelho”, Isto ¢ fantastico! Quando Jesus olha no espelho, o rosto que ele vé é 0 de Deus. Quando Deus olha no espelho, o rosto que ele vé ode Jesus. Nao cante aquele corinho “Quero te ver!”. Quer ver Deus? Olhe para Jesus! A Biblia é 0 registro desta intervenco divina na histéria e do que ele falou em Jesus. O cristianismo 6 uma pessoa, Jesus, mas 0 Jesus mostrado no Novo Testamento. Alegadas visées de Jesus no significam nada para a verdade do cristianismo. Nem outras revelacdes alegadas que colidam com as Escrituras. Endo ha cristianismo secular, como queriam Altizer, Vahanian, Cox, Van Buren e Adolphs. O cristianismo & religioso, fala de Deus, de suas verdades, sendo uma revelacao proposicional. Esta revelac3o proposicional, a Biblia, exige cuidados em sua interpretagdo. Duas regras elementares para entendé-la so: (1) O Novo Testamento, que é 0 cumprimento, o climax, interpreta o Antigo; (2) Cristo é, no dizer de Lutero, o canon dentro do canon. Ele é 0 eixo hermenéutico para se entender toda a Biblia. A igreja nao precisa de uma nova revelacdo. Ele precisa é de Jesus. Pastores que buscam algo além de Jesus no séo mais espirituais, mas apresentam uma deficiéncia espiritual muito grande. “Cristo é tudo” (Cl 3.11). Uma cristologia fraca ou pouco enfatizada nos traré problemas doutrinarios. No pentecostalismo, a pneumahagiologia triunfou sobre a cristologia. Com adventistas e testemunhas de Jeova 0 que aconteceu foi o triunfo da escatologia sobre a cristologia. No adventismo, Moisés triunfa sobre Jesus. No neopentecostalismo, como na teologia da libertaco, o que houve foi que o fio de prumo hermenéutico passou ser a situagio concreta do homem, e nao mais Cristo. A antropologia triunfou sobre a cristologia. Deficiéncia cristolégica produz desvios doutrindrios. O cristianismo é uma pessoa que se revelou, que se manifestou, que se pronunciou, e cujas palavras foram registradas por homens que foram usados pelo Espirito de Deus. Tudo isto gerou um ensino, uma doutrina, que deve ser respeitada. © QUE E CUIDAR DA DOUTRINA? Mas 0 que significa “cuidar da doutrina’? De que estamos falando? Néo seré que estou dando uma entortada na argumentago, confundindo a revelago escrituristica com a doutrina batista? Em parte sim, em parte nao. Em parte ndo porque a Biblia é maior que nossa concep¢o doutrinaria. Ela é maior que nossa doutrina e nossa percepcdo da verdade. Em parte sim, porque associo as doutrinas batistas com a verdade biblica. Nao subsidiamos nossas afirmacdes doutrinarias com pensamentos de autores batistas no sentido de que a palavra deles nos seja autoritativa. A fonte de autoridade, para nés, so as Escrituras. Eventualmente algum tedlogo, até mesmo no batista, poderd ter sido muito feliz em uma abordagem, e assim o citamos. Mas nunca colocamos sua palavra como fonte de autoridade. Sou batista porque creio que nossa doutrina é biblica, é coerente, é um todo, ndo sendo uma visio fragmentéria. Alguns grupos tendem a interpretar a Biblia 8 luz de pressupostos hermenéuticos que sdo produto de uma visio fragmentéria: ela é um relato de eventos miraculosos que podem ser repetidos hoje. Analisa-se a Biblia e toda a 6 cristd a luz de sinais e milagres. E interpretar o todo pela parte. A hermenéutica sadia interpreta a parte pelo todo. A Biblia est acima dos eventos e ndo pode ser entendida por eles, mas apenas por Ele, Jesus. £ por meio de Jesus que entendemos todo o plano de Deus. A doutrina correta precisa de um eixo hermenéutico indestrutivel, e este eixo s6 pode ser cristolégico. Ele 6 0 Todo da revelacio. A Declaracéo Doutrinéria da Convengao Batista Brasileira é um documento muito bem feito, e do ponto de vista biblico, extremamente sélido. Ela contempla o todo, vé a fé cris como um todo, e fundamenta suas afirmagdes nas Escrituras, no em um lider, nfo em experiéncias, ndo em sinais e prodigios, n’o em novidades eclesiolégicas e nem em experiéncias litirgicas. Temos uma doutrina que nao é produto de um guru, mas que se cristalizou em dois mil anos de cristianismo. No como um proceso, porque ndo estou dizendo que ela se formou em dois mil anos, mas que se cristalizou. Cuidar da doutrina nao significa cuidar da Declaragio Doutrinaria, mas significa cuidar do corpus christianus, do corpo de doutrinas cristas, que os cristdos entenderam vir da parte de Deus, consubstanciadas na Biblia. E que os batistas souberam, com propriedade, expressar, de maneira simplificada, em sua Declara¢o Doutrinaria. E é preciso dizer: nossa Declaragao ¢ indicativa e no normativa. Ela indica o que cremos, ndo é nossa norma de doutrina. Ela se assenta sobre nossa norma de doutrina, a Biblia. Em outras palavras: somos biblicos e nossas doutrinas so produto de uma exegese biblica criteriosa. Um pastor batista precisa entender isto, caso contrario sua maneira de ler sua igreja e seu ministério serd prejudicada. © PASTOR COMO GUARDIAO DA DOUTRINA Segundo Paulo, o pastor é 0 guardido da doutrina. £ mandamento biblico. Foi isto que ele recomendou a Timéteo. Isto nao significa ser um cao de caga, mas um guardador. Que significa isto? (1) Significa ter uma profunda firmeza nas Escrituras. Ha muita superficialidade biblica em nosso meio. E ha muita gente empolgada com outras fontes que néo a Biblia. E submetendo a Biblia ao pensamento humano, ao invés de submeter o pensamento humano a Biblia. Tenho me surpreendido em ver andlises marxistas do evangelho, andlises terceiromundistas do evangelho, 0 evangelho por uma perspectiva feminista ou dos oprimidos. Isto é to licito quanto uma andlise capitalist do evangelho (0 que ja veros em alguns programas evangélicos), uma andlise primeiromundista do evangelho, o evangelho por uma perspectiva machista ou pela dtica dos opressores. Precisamos de mais contetido biblico e sempre por um eixo cristolégico. N3o podemos praticar um reducionismo da doutrina biblica, submetendo-a a um viés humano. A Biblia é senhora e no serva, é julza e ndo ré. O pastor deve ser um homem da Biblia, apaixonado por ela, dominado por ela, expositor dela. E deve imergir a igreja na Biblia. E deve imergir-se a si, também. No passado, éramos chamados de “biblias” e nossas igrejas tinham como simbolo distintivo uma Biblia insculpida ou pintada em suas fachadas. Hoje nosso simbolo distintivo é uma caixa de som com que atazanamos, deseducadamente, a vida de nossos vizinhos. (2) Significa ter vigilancia quanto aos ensinos. Pastoreei uma igreja onde houve um episédio curioso. No meu segundo més de pastorado houve batismos de convertidos antes de minha chegada. Na profissdo de ¥8, uma pré-adolescente insistia em que o batismo era necessério para sua salvacdo. Embora Ihe fosse explicado na hora que o batismo nao salvava, ela insistia na sua afirmacao. Intrigado, pedi sua revista de Escola Biblica Dominical. A igreja estava usando a revista de um grupo que afirma que o batismo é necessério & salvacdo. Houve um cochilo na doutrina. A igreja usava uma revista que se opunha & sua doutrina. £ responsabilidade do pastor saber o que se estuda em igreja, o que circula em sua igreja e o que sua igreja canta. No passado, nossos problemas doutrindrios vieram em forma de doutrina. Hoje vém embalados em liturgia. Cantamos letras que colidem com nosso credo, mas aceitamos porque o ritmo é empolgante e 0 povo gosta. O pastor nao é um gargom, dando ao povo o que o povo quer. E um servo da Palavra de Deus e deve dizer o que ela diz. Como cantar um cdntico que pede que Deus derrame seu fogo e nos conceda a segunda bén¢éo? Como cantar um cAntico que diz que o Espirito vai visitar a igreja (Visitar? Ele mora nela!) e operar libertacdo. Cantamos que declaramos, que reivindicamos, que queremos nossos direitos e depois nos queixamos disso? A maior fonte de problemas doutrindrios esté nos cdnticos de pessoas bem intencionadas, mas despreparadas e que ndo pedem orientacdo a ninguém, Julgam-se autossuficientes. (3) 0 pastor deve encarnar a doutrina na sua vida. Deve manifestar coeréncia entre sua conduta e o ensino biblico. Deve viver 0 que ensina. Alguém me falou de um pastor que no era dizimista. Nao acreditei. O pastor deve viver a Biblia, viver a s doutrina. Se ndo tem convicgo, no permaneca no ministério porque estar violentando sua consciéncia e isto é ruim diante de Deus e prejudicial para sua prépria satide moral, espiritual e psicolégica. Tenho visto obreiros que ridicularizam a doutrina batista, mas ndo procuram outra denominacao. Isto me soa como non sense. Muitos s6 saem quando conseguem, pouco a pouco, mudar as doutrinas, estatutos, e 2 mente do povo. Isto também ndo me soa muito honesto. A doutrina é a verbalizaco do que se cré. Viver a doutrina é viver 0 que se cré, Deve haver coeréncia entre doutrina e vida até mesmo porque a doutrina e a ética caminham juntas. Ndo se pode dissociar o credo da vida. A ética é a doutrina encarnada, assumida e praticada © QUE ISTO REQUER? Isto requer pelo menos trés atitudes. (1) Requer uma vida de estudo da Biblia. Nao por profisso, mas para aprender e ser enriquecido por ela. € © livro mais fascinante do mundo. O pastor precisa lé-la, estudé-la sempre, internalizé-la. Requer conhecimento das doutrinas do seu grupo e da histéria do seu grupo. “Histéria dos Batistas” nao deveria ser uma disciplina optativa ou eletiva em nossos seminérios, e sim obrigatéria, e no apenas como dois créditos. € preciso conhecer 0 ensino biblico e o histérico do grupo no qual estamos inseridos para proclamé-la 20 mundo. Ha pastores que nao tém a menor nogéo de quem sejam os batistas e do seu surgimento no mundo. Como guardardo a doutrina batista? E sem um relacionamento passional com a Biblia, como guardardo a sa doutrina? Temos um Livro Santo que precisamos conhecer. £ temos uma histéria que no podemos ignorar. istéria Nem devemos, porque ¢ rica e edificante. (2) Isto requer o estudo de bons livros, o exame de bom material. Hd uma indisposi¢ao, em muitos setores, com o pastor que estuda. € chamado, desdenhosamente, de “pastor de gabinete”. Muitas vezes esta indisposico esconde um complexo de inferioridade e uma incapacidade ou falta de humildade para aprender. Manifesta a arrogancia de se presumir conhecedor de tudo e que nada mais ha para aprender. O pastor de igreja nao pode ser um académico oco e pernéstico, mas também nao pode ser um ativista irrefletido. Ha igrejas que se exaurem em programas, mas que néo tém nenhuma satide biblica e, por consequéncia, sauide espiritual. Porque programas e atividades nao dao satide, mas s6 as raizes fincadas nas Escrituras. E um frenesi de movimento, mas auséncia de doutrina, de ter o que dizer. Ha crentes muito agitados, mas de ignordncia biblica de dar d6. Eles refletem o que aprendem, ou 0 que nao aprendem. Nao houve doutrina. Sem doutrina é dificil haver maturidade crists. (3) Isto requer também sobriedade, bom senso. Nao invente o evangelho. Nao invente a fé crist. Hd gente reinventando a igreja e recriando Jesus, com muita constancia. O evangelho ¢ simples, bem simples: Cristo crucificado, poder de Deus para salvago de todo aquele que cré. Ea partir daqui algumas implicacdes. Mas no queira ver 0 que jamais alguém viu em dois mil anos de cristianismo. Nao seja fogueteiro. Seja servo. Nao apareca. Trabalhe e deixe que Jesus apareca. A boa doutrina aponta para Jesus. CONCLUSAO Ha 39 ocorréncias da palavra “doutrina’, no Novo Testamento. Elas tém um Ambito muito grande, mas mostram, de modo geral, que hé uma doutrina pela qual se deve zelar: “Como te roguei, quando partia para a Macedénia, que ficasse em Efeso, para advertires a alguns que nao ensinassem doutrina diversa, nem se preocupassem com fabulas ou genealogias intermindveis, pois que produzem antes discussdes que edificacao para com Deus, que se funda na fé... (11m 1.3-4). E também mostram que nos tempos finais os homens no a quererdo, ¢ dela se descartardo, buscando suas conveniéncias: “Porque viré tempo em que no suportario a sa doutrina; mas, tendo grande desejo de ouvir coisas agradaveis, ajuntaro para si mestres segundo os seus préprios desejos, e ndo sé desviardo os ouvidos da verdade, mas se voltargo as fabulas. (27m 4.3-4). Mostra ainda que homens arrogantes tentardo se livrar dela em nome de interesses pessoais escusos: “Todos os servos que esto debaixo do jugo considerem seus senhores dignos de toda honra, para que o nome de Deus e a doutrina nao sejam blasfemados. E os que tm senhores crentes ndo 0 desprezem, porque so itmaos; antes os sirvam melhor, porque eles, que se utilizam do seu bom servico, so crentes e amados. Ensina estas coisas. Se alguém ensina alguma doutrina diversa, e ndo se conforma com as sas palavras de nosso Senhor Jesus Cristo, e com a doutrina que ¢ segundo a piedade, é soberbo, e nada sabe, mas delira acerca de questées e contendas de palavras, das quais nascem invejas, porfias, injlrias, suspeitas maliciosas, disputas de homens corruptos de entendimento, e privados da verdade, cuidando que a piedade ¢ fonte de lucro” (17m 6.1-5). Mas também mostram que 0 obreiro sadio deve falar a s8 doutrina (“Tu, porém, fala o que convém & s3 doutrina” - Tito 2.1), e nela deve ser um exemplo (“Em tudo te dé por exemplo de boas obras; na doutrina mostra integridade, sobriedade, linguagem si e irrepreensivel, para que 0 adversério se confunda, nao tendo nenhum mal que dizer de nés” -Tito 2.7), Por tudo isso, “tem cuidado da doutrina”

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