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Etica empresarial sem moralismo Robert Henry Srour Alguns desconfiam, & boca pequena, que haja falta de ética na gestao das empresas. Outros proclamam aos quatro ventos que ética e negécios ndo sic liquidos que se misturam. Ambas as perspectivas concebem a ética como um ideal sacralizado, cujos pressupostos estariam ao alcance de poucos. Ambas sofrem de um mesmo defeito congénito — passar ao largo de trés fatos empiricos bastante sin- gelos: * nao hé agrupamento humano que nao obedeca a normas morals, embora 0 que pareca natural e justo para uma coletividade possa ser a porta do inferno para outra (relativismo cultural) + uma coletividade pode adotar normas morais para uso intemo e reservar outras para uso externo (dupla face de Janus); + a existéncia de dupla moral, uma oficialista e outra oficiosa, no selo de uma mesma coletividade, no constitui evento excepcional {chega a ser emblematico entre os latinos). © Brasil, entre tantos outros paises, € um laboratério privilegiado para a andlise da duplicidade moral A ética € um discurso de legitimagao (Weber, s.d.) e encontra-se no coragao da ideologia. Participa, assim como outros mecanismos simbélicos e politicos, de um complexo sistema de reproducéo da organizagao: reitera o estatuto organizacional, reafirma os interesses dos detentores da propriedade, reposiciona seus membros diante do que reputa ser 0 certo e 0 errado. Constitul, por isso, uma relagSo social, uma relagSo de forgas. Assim, nao se pode falar de ética em geral, mas de morais especificas, referidas a sociedades hist6ricas muito precisas e a agentes coletivos determinados, cujos interesses em choque procuram tomar hegeménica sua moral pe- cular. Esté assim configurado 0 nd de duas abordagens que se contra- poem: a descritiva, de cunho clentifico, centrando sua atengéo nd conhecimento antropolégico ou sociolégico da diversidade cultural e resgatando as intmeras moralidades que a humanidade conheceu e conhece; e a prescritiva, de cunho filoséfico ou teologico, esfor- sando-se em convencionar uma moral universal, anistérica, cujos Recebido om abvivo4 Nada existe que no tenha alguma consequtncia, Burch de Espinosa Robert Henry Srour Doutor em Sociologia pela Universidade de Sfo Paulo e Dietor Geral da RHS ~ Servgos Cientficos SIC Lia, Revista de Adriristapto, So Pavo v2, n3, p22, juhofelembro 1994 Robert Henry Srour 0 @ ° 0s Judeus, colocados & mar- gem da sociedade medieval Crist, sem poder possui terras ou desempenhar profissoes gals, com situagdojurcica pr cia, peravam nosinterstcios o sistema econtmico. Colabo- raram, fortemente, panslo da mportincia do capi fal comercial nas idades Mecia 1 Moderna: 1) emprés- timos (desde os mais modestos alo financiamento de grandes Estados); 2) desenvolvendo cettos tipes de comércio mereagoias (sobretudo peque 3s lojas e comércio ambula te, trico com produtes rurale) 3) @ dedicando-se a comércio {Ge valores por atacado, ctmbio de moedas, financiamento de ito © de suipimentes de Esta- fo, fnanelamento de quer de fundagdo de coliias,créci- to e negécios bancdtios, nan- clamento de emissées, Weber (1959) escreveu: "Como povo pita, 0 judalsmo conserv ‘pla maral que toda comuni- dade aplca origiariamente na vide econémica. O que se re- chaga veementemente entre ir- ios € permitido com os tranhos', Os estrangeiros ‘io 98 fozia entre judeus), alm de aproveitar-se dos erros que cometessem, No sentido de serem os negd- ‘ios privados de qualificagdo moral, situendo-se fora da ca tegoria 6tca, por nfo se refer rem a fato suscetive de julg mento normativo do ponte de vista do bem e do mal Existram vétiasétcas a0 longo do pensamento floséfco, as sim como existem, hoje, distin tas abordagens élicas. Ver, por exemplo, Paim (1992) valores eternos deveriam inspirar os homens malgrado as contingéncias de lugar e tempo. A titulo de exemplo, é interessante relembrar que, antes da Reforma Pro- testante, toda aquisicéo de riquezas acima do estritamente necessério para aten- der as proprias necessidades era considerada um excesso pertencente socie- dade. © excedente tinha de ser entregue para a Igreja, & qual cabia sua distri- bulgdo entre os necessitados (a Igreja era responsdvel por ensino, sate assisténcia social). Nenhum homem tinha direito a recompensa econémica, a no ser que se empenhasse em trabalho socialmente util. Vale dizer, a finalidade da atividade produtiva consistia em oferecer bens e servicos & comunidade e em capacitar cada pessoa a viver com conforto e seguranca, Seu objetivo n&o era fornecer oportunidades para que alguns pudessem se tornar ricos, & revelia ou A custa dos outros. Em outras palavras, na Idade Média as economias feudal, mercantil e artesanal subordinavam-se a ética religiosa, em fungéo da posigéo estratégica ocupada pelo aparelho eclesial e gracas ao monopélio ideol6gico mantido pela Igreja Catélica, Todas as atividades deviam ter por propésito a maior gléria de Deus (ad majoram Del gloriam) e todo neg6cio visando ao lucro era essencialmente ioral. O valor de um bem devia ser igual a seu prego de producao, donde o principio do prego justo: esperava-se que artesios e comerciantes cobrassem pelos servicos prestados to-s6 o necessério para cobrir os préprios gastos. A especulacdo era considerada indigna por nada produzir e rotulava-se 0 emprés- timo a juros como usura, constituindo pecado grave, porque significava receber sem investir trabalho e implicava estar parasitando os tomadores dos emprést- mos. Conseglientemente, concebia-se a aquisigo de riqueza como um jogo de soma zero. Todo lucro tendia a ser visto, virtualmente, como exploracao, ga- nancla e extorsio, e no como justa troca, adjetivado que era como turpe lucrum. A apropriagao de excedentes econdmicos confundia-se, ent&o, com atos moralmente suspeltos ¢ condendvels. Nessas condigées, a economia mercantil néo podia prosperar e restringla-se 0s périas do sistema — judeus!l) e arabes. A legitimacao do lucro capitalista 86 velo a ser feita pelo protestantismo, com especial destaque para a ética calvinista que justificou a acumulago de dinheiro e santificou o lucro comercial ¢ industrial como agradavels a Deus e como sinais presumidos de salvacfo. Somente o advento do sistema capitalista facultou ao rico a possibilidade de reivindicar a utiidade das fun¢Ses do capital e de postular 0 Iucro como justa recompensa pelos servicos prestados (Vogel, 1991), Qual a questao-chave subjacente a essas observacées histbricas? Nao obstante «© fato de a acumulac8o de riqueza e a obtenc&o do lucro terem sido legitimadas por uma ética particular (¢ n&o pelas outras), obedeceriam os negécios aos c€nones éticos de uma moral de integridade ou se submeteriam a uma ética da responsabilidade? Mais: retomando uma variante secular da ética protestante, a qual assevera que good ethics is good business, poderiamos afirmar que a ética garante a reproducdo ampliada do capital? Para muitos, ainda hoje, a natureza dos negécios @ inerte, neutra e amoral! donde o fraco interesse demonstrado por empresérios, em termos praticos, pela reflexdo ética. Neste artigo, a0 mesmo tempo em que se Intenciona escapar das armadithas que chelram a farisaismo, pretende-se: * clarificar a relago entre ética e negéclos e salientar a variabilidade dos dis- cursos de justificagso), * demarcar a ambiglidade ética que caracteriza 0 capitalismo desde os sous primérdios, em especial nos paises de influéncia catélica; Revista de Acinic, S80 Paulo v28, 3, p3-22, juhalstambro 1864 TION EMPRESARIAL SEM NORALISMO + indicar liames entre ética e politica; * construir um instrumento de reflexao ética que permita aos homens de negécios e gestores navegar, com conhecimento de causa, nas aguas turbulentas das escolhas que comportam implicagées morals. Trata-se, pols, nfo de dizer o que deve ser feito, mas de indicar como fazer selecées informadas e qual abordagem ética justifica determinado curso de ag © JOGO DAS TENTAGOES Em todas as sociedades que conheceram 0 comérclo monetério — e estas nfo se reduzem as sociedades capitalistas(4 — esteve sempre presente a auri sacra fames (avidez sagrada por ouro). Tal tendéncla conforma condutas ines- crupulosas, inspira fins egoistas e substitul o comércio, vez por outra, pela guerra, pela pilhagem e pela pirataria Assim, a chamada acumulagdo primitiva do capital, que se processou na Idade Moderna, nada mais foi senao a apoteose de um processo esparso ¢ reiterado. © impulso incontrolado ou a ansia impiedosa para acumular riquezas, @ para apropriar-se de excedentes econémicos, tem bases especificamente his- toricas e esté condicionado pela existéncia de trocas mercantis. Uma ilustracao perfeita dessa disposico encontra-se na frase famosa, apesar de alucinada, de lum capitéo de mar holandés: “Por riqueza navegaria pelo inferno, mesmo que nele queimasse as minhas velas”. Empresérios ¢ gestores atuais encaram todo dia o velho desafio de Glaucon, lrmao de Plato: “Se uma pessoa puder mentir, trapacear ¢ roubar, e nunca ser pega, por que deveria ser honesta?” (Hyman, Skipper & Tansey, 1990), Esta provocacéo projeta-nos diretamente para o cerne da reflexso ética, no marco das economias monetérias: uma vez que as circunstancias propiciam tentacdes (luxos, poder, fama, saciaco de vontades ou vicios) e j& que a porta de acesso a seu gozo pode ser o dinheiro ou a falta de escripulos, por que resistir ou renunciar a elas? Nestes termos, como conciliar moral coletiva, ou consciéncia moral pessoal, e oportunidades de satisfazer desejos e de usufruir prazeres néo-convencionais? H& como negar a existéncia de bens escassos? Quem puder se apropriar deles nfo o fara por que? Diréo: porque as pessoas tém caréter; porque as pessoas n&o s40 venals. Concedamos: existem agentes sociais que nfo caem em tentacées, santos heréis que nao entregam seus companheiros, mesmo submetidos a torturas Seria esta a regra? Qualquer observa¢o empirica ensina-nos que nao e adver- ternos, simultaneamente, quanto ao aspecto extraordindrio desses feitos. Dai a admiracio piblica e 0 aplauso. Ora, se a honestidade e a pureza d'alma nfo sho moedas correntes, 0 que pensar¥®) Nao caberla examinar quals forcas ou vetores so capazes de instituir comportamentos morals (segundo os padres de dada coletividade), n&o obstante a propria felibilidade individual? Duas inferéncias possiveis, que assumem caréter desmistificador, sao: + as pessoas no so inteiricas — totalmente boas ou totalmente més; + ndo basta enunciar normas morais, pautas da decéncia, para que os agentes coletivos ou individuais ajam com probidade; impdem-se, em paralelo, controles pertinentes e sang6es intimidadoras. Afinal, n8o se pode imputar gratuidade & referencia proverbial sobre a fali- bilidade humana. Somente crentes de funda ortodoxia ou fandticos intransigentes ou caxias movidos & rigidez moral deixam de cometer desvios de ordem ética, configurando a galeria das excegées a regra. Todos os comuns mortais tém um reco, cuja moeda corresponde & sua aspirac8o mais intima, descobrindolhes “ ® Incluerse, de longa data 6 em toda parte, sociedades nfo-ca pitalistas que abrigaram articu- lagdes internacionais, como & ‘ributagdo ou o comérco distan- te, e dispuseram de mercados ‘nos quals operavam capi potimicos 6 0 Egit, toda a An- tigdldade Mediterranea; os po Vos comerciantes como os fe fas, malaiose érabes,slém dos imperios colonais mercantiis- tas da Espanha, Portugal, In alaterra, Holanda e Franca Ver, a este respelto, Wet (1987) e Fossaert (1979) Em 1992, uma fase lepidaren- ‘rou para uma espécie invertida de hagiografa brasieira, profe tida pelo entéo presidente da Fiesp, Mario Amato: "Somos to- dos corruptos". Mais tarde, um jornalista, Josias de Souza, es- czeveu em um comentéio na Folha de S.Paulo ($80 Paulo, 40 jan. 1994): "Mesmo 0 mais, relo des seres comete um ato de desonestidade ao longo de uma Vide" Contudo, ndoélicto 30 desvio de cinhero po- das (alo de lesa-pétva), © 0 grado dado a um burocrata para apressar o andamento de um proceso (eltnho) ou a co- missto que © comprador de uma empresa privada costume recaber dos fornecedores habi- tuais (desonestidade) — ver Revista de Adninsapto, Sto Paulo 29, n3, p22, uhoteambo 1994 Robert Hemy Srour 6 0 ®) ® 1) (ty Escreveu Roberto Pompeu de Toledo, na revista Veja (So Paulo, § jan, 1094): no ha Dicipo de corrupo, Eies estho por al, & nossa volt", Up staf rn at de bbica em mult negocios, c- {ando dais Versos 8 respeito: "Senhor Negécio fol & missa; nunca perdeu um domingo, /Se- nor Negécio fol para o Inferno pelo que fazia na segunde-fei- ra" (Baumert, 1991), Townley (192) exten: “8 aividade empresaral Ida com ‘demandas que selecionamos ‘entre opges que ndo slo inei- ‘amente certas ou interamente ‘orradas Para explicar seu sucesso em- press, © pteonagam J wing, da série Dall, die: sua élca,o resto 6 sopa". $40 exemplos de racionalza- fe faut nots de copess, cal dols,ndo dar nol fis- cal ou recbo, sub ou superfa- rr dr cones para gemhar licitagSes publica, subor fiscais, comprar déler no lel, declarer menos no i de compra de um im6vel, dar uma tetsu aa Shor cue oo ae dees Siac aniees eae 2 eee ce tracées justficadas wife coma on fore Seems grepwer ce fee Te Sa ae riemircuee irons ecb ere uarrcortpiat tee pierce eat “6 preciso ter jogo de cintura’; SER Sis ae eee in Be ee ee Ne ytd Saba dra ol oof un le te sree oe, io fymantes de mar em vos ‘998 Fecntos da em- Fecho ou no uma f&- | com a consequente ds- pened de pessoal, se ala estiver perdendo dinheiro? Aceio co- ‘meter espionagem industrial se ‘minha empresa ester em ris: ‘Co? Torture um inimigo se dito der gar legtima defesa? 6 flanco para as tentagées. A venalidade decorre de condigées hist6ricas muito determinadas, cujo travejamento € monetério e mercantil. Nao resulta de alguma misteriosa heranca genética ou de alguma aberrante deformacéo psicologica'®) Eis por que vale questionar o cliché da mag podre, aquela falécia que advoga por de lado a fruta em decomposicao para preservar todas as demais (suposta- mente sadias), como se os fendmenos socials pudessem ser explicados por analogias biologizantes. ‘literatura da administragao contemporanea enfrenta a problemética ética proferindo, no mals das vezes, exortagées, chamamentos ¢ apelos. Acaba res- valando, dedo em riste, no discurso edificante e moralista. Ora, este discurso exemplo dos sermses domingueiros, cujo contetido ¢ dificilmente contes- tavell” — constrange mais do que mobiliza, visto que nao lida, pragmaticamente, com as questées ambiguas do dia-a-dia do administrador. E preciso, pois, dizé-lo sem delongas ou disfarces: no universo empresarial, nem sempre as decis6es podem ser tomadas com 0 talhe claro dos catecismos, sabendo-se de anteméo 0 que é certo e o que ¢ errado; ha inameras situagdes cuja natureza no remete as confortéveis dicotomias do tipo branco e preto, ancoradas que estéo em zonas cinzentas, carentes de normatizag&o'®), Diante delas, as opiniées dividem-se, exacerbadas, porque os interesses subjacentes se ‘opéem, frontalmente. Quem seré beneficiado e quem sairé prejudicado?®) Eis, entéo, por que se justifica uma competente reflexdo ética. Para avancarmos no raciocinio, vale a pena distinguir entre racionalizagées, situagdes nas quais o agente sabe o que & certo fazer, mas n&o o faz mediante Justificagées ad hocl10), e dilemas, situagées nas quais o agente nfo sabe 0 que & certo fazer e que constituem problemas de incerteza ética, pols nem a intulgko, nem as normas vigentes assegurarlhe-8o com absoluta tranqiilidade ‘© que fazer(11) (Nash, 1993). ‘AS OMISSOES COMPETENTES Quem nio se deparou, em seu cotidiano, com a necessidade imperiosa de cometer mentiras pledosas, inocentes ou inofensivas? Por exemplo, na certeza de estar salvando um casamento, nada relatar & amiga a respeito das escapadelas do marido e fomecer a este o alibi indispensével? Ou, para néo desatinar um doente desenganado, nao the contar seu verdadeiro estado e procurar 0 con- vencer de que a alta dada pelo hospital é precisamente o atestado de estar tudo em ordem? Ou ainda, para nao desanimar um vestibulando que foi mal na primeira prova, dizer-lhe que a maior parte de seus competidores so péra- quedistas? Por fim, quem nao justfica 0 ministro da Fazenda que se recusa a comentar, e até nega com forga, a imingncia de uma maxidesvalorizacao da moeda ou de um choque na economia, embora ele esteja perpetrando uma mentira civica? Esté ‘claro que tais atitudes poderiam ser creditadas ao padrao cultural bra- silelro da néo-assertividade ou & influéncia jesuitica das famosas restrigies mentais que justificam a retencSo de parte da verdade a um interlocutor. Hé nisso tudo, porém, boa dose de arrogéncia intelectual, além de uma relagéo de tutela. Afinal, 0 detentor da informac&o a monopoliza e decide pelos outros 0 quanto deverdo saber “para seu préprio bem”. Zeladores da felicidade alhela, brincamos de Deus ou, no minimo, escamoteamos a cidadania dos demais, arrogando-nos a exclusividade da maioridade Essas posturas lembram, em outro registro, as impossibilidades plausiveis, tao recorrentes nos desenhos animados e encontraveis em muitos outros espe- taculos. Sao elas uma espécie de licenca poética em relagdo as lels da natureza Revista de Adrinsrar, Sto Paulo v.29, n3, 322, uhohsetembro 1804 ETIO§ EMPRESARIAL SEM MORALISHO Repousam, todavia, sobre uma conexéo aparentemente légica, Os exemplos s80 varlados e extremamente abundantes!!2), No entanto, o importante para nosso argumento é que essa exposi¢go intensa a um jogo de faz-de-conta nos dessensibiliza de certo modo e nos tora propensos a aceltar nfo nos ser fornecida toda a verdade, quer para nfo agravar nossas penas, quer a titulo de estimulo para enfrentarmos as adversi- dades, Basta fazer algum sentido e esté tudo justificado. Isto, sem divida, fere de frente a posicéo imperativa de Kant que vé no dizer a verdade um princfpio essencial para a vida em sociedade, o que n&o deixa fresta alguma para uma leitura relativista. s paises capitalistas navegam com certa desenvoltura na ambigiidade moral, ‘em fungao do interesse pessoal erigido como motor da economia. Com efetto, ‘Adam Smith descreveu assim 0 paradoxo moral do sistema em A riqueza das nagées: “Nao 6 da benevoléncia do acouguelro, do cervejeiro ou do padelro ‘que podemos esperar nosso jantar, mas da observancla que eles tém do proprio interesse. Ns apelamos néo @ sua humanidade, mas a seu amor-préprio € jamais falamos a eles de nossas necessidades, mas das vantagens que terdo” Em outras palavras, jaz no corac&o das economias monetérias — e, em particular, da capltalista — uma contradig&o moral: intengSes morais dibias combinam-se para produzir resultados moralmente benéficos (Vogel, 1991). Entretanto, cabe perguntar: Quio morais séo esses resultados?\19) Seria a mio invisivel do mercado, ou sua aco disciplinadora, realmente capaz de gerar efeitos moral- mente benéficos%i4) Para quem? Em que medida isso opera em prol da cole- tividade? Onde estéo as evidencias de que 0 jogo de soma zero nd compensa 8 desonestos? Ai repousam as dificuldades-chave dos problemas éticos contemporaneos: + Como equacionar interesses individuais e responsabilidade social? + Como perseguir a maximizago do lucro para a empresa sem ferit os interesses das contrapartes que participam dos ambientes extemo e interno dessa empresa? + Como agir eticamente quando a generalizag&o da mercadoria permeia todos 08 poros da sociedade e todas as atividades acabam sendo mercantiizadas? + Se a ética € uma ética (Gianottl, 1992) ou, como dizia Weber, se no mundo confrontam-se valores miitiplos e fins titimos que, por sua prépria pluralidade, sustentam a Irracionalidade ética do mundo (Freund, 1970), ser étlco (na retérica oficialista) no equivaleria a se subordinar & hegemonia da moral especifica dos poderosos de plantéo? Afinal: + se a qualificagio do bem e do mal, do certo ¢ do errado, tem caréter social histérico, como nos ensinam todas as ciéncias socials; + se existe pluralidade de morais, haja vista os diferentes cédigos éticos das categorias ocupacionais; + se as varlas moralidades das sociedades humanas, temporalmente dinamicas, podem ser vinculadas a ideologias religiosas, politicas e econémicas, a partir de um exame clentifico; + se os sistemas de referéncias séo miltiplos ¢ fundados nos interesses contra- ditérios dos agentes coletivos; + por que razio deveriamos evitar os escolhos do relativismo ético? Por que nfo assumir desde logo a diversidade das moralidades e a impossibilidade de hierarquizé-las (a no ser de forma etnocéntrica)? Todavia, isso nfo impede que se desenvolva, malgrado todas as complexidades do relativism cultural, uma reflexdo ética competente. Vale dizer: é possivel (12) (3) (14) Um personagem avangs esabaleda carrera, alem de lum penhasco e coninga: mar- chande no vazio sem di aperceber ‘quando, tomar consciéncia do {que se passa ou, pior, poderd ‘oltar& terra feme oe fier mul fart Nesta f esata ola eee fo que ob porsonagens tem fen Guten 'mereb de ua vo Seo. Todo ge oma sce! rao eapectader, pore fece fazer sentido” Cutts tharos peden sar ncn des aiguém pura ovrabe de ae oor. on Seu pescopo, toc ager sobe‘per uma" carsa © oti subi no rate um barapoto quague, ese de Boise fa alcangado 0 fm force lguém oge agua de um Baie ao mar © 0 luo vl, ame um bunerangue, para 8 8se apenas desinchadol Por fim, animals antropomérticos falam, fantasmas interagern com 08 vvos, computadores a Gullelam plares maquiaveleos, Superherbis dispéem de pode: res magicos, extaterestes in vader'a terra, bruxas voam fe.; tudo Isso pertence carta. © dominio da fcgso © ‘cupa parte importante dé nos- So lazer ari, Dillon (1991) ponderou que, ferbora aja inleresse poston fm get @ negocio fazenco a olecranon grr estcase compensa ado as eres coy Greta de-que empresas cas ‘Sejam mats rentavels Sto conhecidas as dividas so- Bre a atincia gp mead para suprir bens pablicos, pols Srmelner pare cada um que o financiamento desses bens de Uso coleto fque para o out: om 06 bens piblcos sfoofe Fecidos de qualquer modo pela Sociedade, as ferem usuftuir ar — constituin {qs existem contrbulgdes com pulsérias — os impostos para. os fnar 0 sta & fungi alocativa do Estado. Revista de Admins aeto, S80 Paulo v2, n3,p.322, juhotslambro 1994 Robert Henry Srour (15) Segundo pesquisa da Funda- sa institute de Desenvohimen- {b Empresarial o Social (Fides), com apoio da Artur Andersen, realizada em outubro de 1902 (0 Estado de S.Pavlo, S60 Paulo, 15 fv. 1993). (16) Foi encontada pequena dose de clanureto nas cépsulas do produto, na area de Chic ‘em 1982, 0 mercado sentava faturamento anval da ‘ordem de US$ 100 mihdes, ‘mas o envenenamento de lates de Tylenol chocava-se de trento com o credo da JAW que sempre enfaizau a seguranga, a qual. dade ea confiablidade des pro- dulos da empresa. O presidente dames Burke teve de adoter uma decisdo corajosa: suspen- eu a produgo, recolheu todos 98 produtos (e no s6 os de frea de Chicago) — 0 que re- resentou 31 mihdes de fras- estabeleceu uma linha :om 08 consumidore para substitu 08 lotes que es- tes tinham em casa, © deveriam destrulr,e s6relangou o produ to epés criar uma embalagem lwiolével. A J8J levou 18 me- 08 para recuperar sua faia de mercado (Nash, 1993; Hender- son, 1992), abordar as questées éticas com a objetividade de um cientista, resgatar a légica dos discursos de justificag&o, descobrir o que cada curso de ago envolve e quais conseqllénclas provavels pode produzir, elucidando os agentes a respeito. As escolhas feitas por estes serdo, no entanto, de exclusiva responsabilidade deles; ao clentista néo cabe dizer o que fazer, mas clarificar por que ¢ o que esté sendo feito. POR QUE ETICA NOS NEGOCIOS? Enquanto nos Estados Unidos, nestas duas iiltimas décadas, a preocupacao ética tem sido crescente, para a maioria dos empresérios brasileiros ética e legalidade confundem-se, ou seja, a ética converte-se em sindnimo de respeito a lei, Existe contudo, e em contraponto, a nogdo de que, na medida que n&o se for pego, se € éticoll®), Para muitos, a exemplo dos tycoons ou dos barées- ladrées do capitalismo selvagem norte-americano, no século XIX, a questéo ética nfo recorta o mundo dos negécios, porque a légica do lucro tem pressupostos pragmiticos que nao se vinculam a preceltos filosoficos ou religiosos. Aliés, € costume ouvir alguns gestores afirmar que o famoso caso da Johnson & Johnson com o Tylenol nao fol um problema de ordem ética, mas t8o-somente uma jogada de marketing'"6) Ora, € preciso ter claro que toda organizagao, sobretudo toda empresa ca- pitalista, opera em ambiente extremamente hostil, no qual as contrapartes (stake- holders) procuram defender com afinco os préprios interesses corporativos. Assim, nas operacées com a empresa, os fomecedores e prestadores de servicos impéem condicionamentos, os bancos contratados arrolam exigénclas, os clientes estabelecem requisitos, os 6rg8os piblicos produzem ingerénclas, os concorren- tes nutrem rivalidades, os concorrentes potencials ameagam, a comunidade cir- cunvizinha interfere, as familias dos membros da organizac&o influenciam, os sindicatos, a midia, as associacdes, os movimentos sociais, as escolas, as igrejas (@ sociedade civil’ pressionam. Mas por que tudo isso? Porque as decisées empresariais no so neutras — elas afetam as contrapartes do ambiente externo, assim como as do intemo (proprietérios, gestores e trabalhadores), por uma azo crucial: todos os agentes coletivos so vulnerdveis aos produtos da empresa (Henderson, 1992), sejam eles bens materiais, decisées ou mensagens. Em decorréncia, ao fazer escolhas entre diferentes cursos de ago, 0 processo de reflexéo ética tem condicées de antecipar as conseqilénclas que poderiam ser danosas aos negécios: O que afeta o melo ambiente fisico? Quals efeitos colaterais nossos produtos desencadelam nos consumidores? Como nossas politicas corpora~ tivas repercutem sobre nossos empregados e clientes? E assim por diante. A pon- deraco dessas conseqlncias (Quais so benéficas a quern? Quais so prejudiciais ‘a quem?) permite um cenério que clarifica a tomada de deciséo. ‘Como as empresas no operam a curto prazo — so como equipes de futebol profissionais que no jogam apenas uma temporada, so, na medida do possivel, perenes —, néo podem almejar apenas vantagens imediatas. Negécio, no mundo contemporaneo, nao pode mais se assemelhar a um empreendimento corsério. Nao por faltarem a alguns empresérios veleidades inescrupulosas, mas simples- mente porque os produtos ndo-conflévels deixam de ser adquiridos e néo ocupam mais lugar de destaque na mente dos clientes. Significa dizer terem as em- ppresas ampla liberdade para agir de forma oportunista, mas dificilmente fazem da trapaca seu apandglo, porque no seria racional matar a galinha dos ovos de ouro. E mais: suas a¢bes esto sob a vigtlia permanente de uma socledade civil capaz de produzir retaliagbes extremamente onerosas, caso algum abuso empresarial seja detectado. Revsia de Adninisvago, Sto Paulo v20,n3, p3-22,juhaelerbo 1994 ETICA EMPRESARIAL SEM MORALISMO Dito de outra forma, a natureza das empresas nfo pode ser amoral, como se suas atividades palrassem acima do bem e do mal. Se assim fosse, as operacdes econémicas das organizacées mafiosas seriam legitimas, pols as consequenclas geradas por seus produtos seriam consideradas irrelevantes. No entanto, as empresas podem agir de forma imoral, isto sim. Quando se diz, no Brasil, que falta ética aos politicos ou aos empresérios, a referéncia implicita € a falta de probidade e no & amoralidade (no sentido j& explicitado de auséncla de quali- ficagao moral). Em outras palavras, pretende-se denunciar a imoralidade reinante, verificada nos cumes da sociedade; pretende-se abominar o descaso que alguns tém por valores tradiclonals como a honestidade, a sacralidade do dinhelro piiblico, o respeito aos compromissos assumidos, Queira-se ou néo, as empresas sofrem toda a carga de padrées morais que as coletividades, com as quais interagem, adotam e celebram. Ferir tals padres @ introduzir no selo da prépria empresa um veneno que pode estimular a deslealdade individual para com os interesses da mesmal!”) ‘As empresas tém, acima de tudo, uma imagem a resguardar, patriménio essencial para a continuidade do proprio negécio (Solomon & Hanson, 1985; Grier, 1989). Vale dizer: a imagem da organizagio, a um sb tempo, nao pode ser vilipendiada, nem reduzida a mera moeda publicitaria, pois constitul um ativo econémico, fundado na credibilidade publica da empresa. Afirmar, sem mais nem menos, que os negécios sb se apresentam como morais para manter as aparéncias e para nao sofrer penalidades legais, caso produzam conseqiéncias indesejévels para algumas de suas contrapartes, seria pressupor que as empresas estariam dispostas a quaisquer imoralidades para a consecucéo de seu objetivo fundante, a maximizagao do lucro, O que se pode dizer a respeito? Em primeiro lugar, nfo parece pertinente desvincular moralidade e interesses ‘empresariais ou moralidade e press6es politicas operadas pela sociedade civil. (© importante nao é saber se a empresa dispée de uma esséncia moral, mas se ela age ou no moralmente. Nao ver ao caso se isto for o resultado de uma deliberagio estratégica ou de uma conviccdo intima do principal acionista — as ‘empresas néo sko Santas Casas de Miseric6rdia, mas tampouco so ajuntamentos de bucaneiros'18), Os interesses empresarials no se movimentam em uma ave~ nida de mao tinica, mas inserem-se em ambiente hostil que os polariza, policia ¢ redefine. De maneira que nao hé como desvincular as decisSes empresariais da relagao de forgas estabelecida socialmente. A moral € uma relacéo social, como 0 so todos os padrées culturais ¢ histéricos (a Antropologia Cultural ‘lumina e fundamenta este aspecto), e ndo um patriménto universalista derivado de algum fiat divino. Em segundo lugar, @ preciso nao confundir moralidade e legalidade. Com efeito, as empresas navegam entre duas linhas de demarcac&o antinémicas: a da moralidade (dominante) e da imoralidade ¢ a da legalidade ¢ da ilegalidade. Se essas linhas forem cruzadas, teremos uma combinatéria de quatro termos. Hoje, por exemplo, no Brasil, é legal porém imoral produzir certos pesticidas; @ legal e moral fabricar detergentes biodegradaveis; é ilegal e moral jogar no jogo do bicho ou comprar de um contrabandista algum gadget; é ilegal e imoral praticar o tréfico de drogas. Todavia, devemos nos acautelar com o seguinte: © que & moral para a opinigo piiblica, pode no o ser para setores socials especificos; e 0 que é imoral para o discurso social comum, pode nao o ser para alguns segmentos sociais. Quer dizer, a moralidade esta sempre referida aos interesses em jogo de forcas sociais dadas, ‘Contudo, a razio de ser da reflexdo ética para as empresas reside em fato absolutamente cristalino: todas as contrapartes da empresa tém condiges de (17) Este aspectolembra expresso cblebre de uma assessora do presidente Coller,chamada Be- liza, Denunciada por destutar de contratos milionérios, res- ppondeu sem pestanejar: "Se os ‘outros podem, por que eu nfo?” De sorfe que abuses 0’ da mesma efou em diss0- rnncia com a moralidade oficial no pals, podem levar &rupiura fnte of interesses pessoals © fempresariais, nos moldes do sabato t8o corriqueiro: “Se 8 caras 14 de cima fazem es- sas barbaridades, por que eu ro posso fazer 0 mesmo?” (18) Seria ingBnuo nfo reconhecer (que muitas empresas agem de forma ilcita ou de forma ioral (do ponto de vista de opinido bia), absolutzando a busca do luero. Isto n8o quer dizer que nfo tenham moralidade {as ngplram-se por uma moral do oportunismo, como ver civil permite defesa adequada conta os abusos. Revista de Adminisragto, SHo Pave V29,n3, p322 uholatamtro 1994 Robert Hemy Srour (19) Ndo ha apenas valor econtmi- 0 nos produtos, mas também satisfagto de necessidades no-manifestas, como status fem seu consumo (consumo conspicue), sadde para o ien- . confiabidade om seu uso, moblidade na carreira (quando trata de formago ou infor. ), tempo economizado (se forem servigosrépidos), Ie Derdade de escolha (se for ‘uto-servgo ou informagéo va lisa), frulgdo ldica, entre ou- tras satisfaydes latentes (Juan, 1092), se mobilizar e de a retaliar caso no venha a respeltar suas expectativas ou a satisfazer suas demandas. As empresas agem eticamente (em conformidade com ‘a moral socialmente predominante), porque as relacdes travadas entre empresa € contrapartes sio relagSes de forca, relagSes de poder. ‘Toda empresa opera sempre em terreno minado, pols nunca poderd satisfazer plenamente todas as suas contrapartes. Nao consegue, pois, contorar uma armadilha determinante: algumas de suas decisées sempre beneficiaréo algumas contrapartes em detrimento de outras. Por que? Néo s6 por causa do conflito distributivo, mas por raz5es bem mais genéricas. A arquitetura de todo espaco social reflete o confronto entre os interesses contraditérios dos agentes coletivos componentes desse espaco. Esta disposicéo n&o constitul uma particulatidade do sistema capitalista, mas & uma chave de decifracdo de todas as sociedades hhumanas, sejam elas classistas, segmentérlas ou comunitérias (Srour, 1978). Assim, um jogo feito exclusivamente com base na soma positiva (ogo de soma no-zero) resulta de um wishful thinking a la Poliana. O respeito a uma ética de responsabilidade no quer dizer necessarlamente bom negéclo, na jé tradicional méxima good ethics {s good business, mas significa sabedoria preventiva em um campo no qual forcas se enfrentam per- manentemente. Apreender isso representa um passo fundamental para a sade das empresas, Significa detxar de lado o velho registro da légica da maximizagao do lucro (mola fundante do sistema) e adotar, por razées absolutamente prag- maticas, um novo registro: o do lucro acoplado a responsabilidade social. Isto porque hé duas décadas, no Primeiro Mundo, sob os influxos das pressées da cldadanfa organtzada e da Revolucdo Tecno-Cientifica (cuja base técnica é digital ‘ou microeletrénica), esta se processando uma transigho do antigo sistema capl- talista excludente para uma nova configurac&o que poderia ser batizada de sistema capitalista social. Em outras palavras, parece inescapvel reconhecer que, ao lado da fungao econémica, as empresas desempenham uma fung&o ética. Os empresérios tero de admitilo, no por altrulsmo nem por repentino insight democratico, mas pela imposiggo das relacées de poder presentes. Agir eticamente, entao, con- verte-se em questo de bom senso e em estratégia de sobrevivencia. Aliés, a formula em voga nos Estados Unidos @ a seguinte: ao invés de apenas beneficiar os shareholders (acionistas), cumpre ponderar os interesses dispares dos stakeholders (partes envolvidas, contrapartes). O primelro para- digma justifica as escolhas entre os varios cursos de ago em fungéo do lucro que propiciam, ao estilo neoliberal de Milton Friedman. O segundo paradigma Justifica as agdes eleitas na medida que elas maximizam a satisfagao das con- trapartes, ao estilo utlitarista de John Stuart Mill (Bone & Corey, 1992; Dimma, 1990; Fritesche, 1990; Green & Hatch, 1990; Howard, 1990}. Cabe aqui ler 0 conceito de responsabilidade social como orlentagao para 98 outros, ndo por mera deliberagao pessoal, mas como contingéncia dos inte~ esses em jogo. Nessa esteira, entéo, emerge a necessidade de equacionar questées das mais variadas complexidades: + Como compatibilizar lucratividade e respeito as contrapartes? + Como deixar de considerar os custos dos esc&ndalos e das fraudes? *+ Como deixar de ver que existem necessidades ndo-manifestas que os produtos satisfazem ao serem consumidos?19) * Como deixar de garantir qualidade a bens e servicos? Obviamente, tudo passa por relagdes de efetiva parceria com clientes fornecedores; passa por produgéo com qualidade (entendida nao s6 como ade- 0 Revista de Adis, Sho Paulo v28, 3, p3-22,juhofaambvo 1884 quago a0 uso, mas como plena satisfag8o dos clientes}; por contribuigdes para 0 desenvolvimento da comunidade; por investimentos em pesquisa tecnolégica; por respeito ao melo ambiente, através de intervenc6es ndo-predatérias; por participac8o dos trabalhadores nos resultados e, principalmente, nas decis6es das empresas; por respeito acs direitos dos trabalhadores e por néo-discrimina- {¢ho de suas vérias categorias socials (sexo, raga, idade, etnia, religiso, ocupacao, referencia sexual); por investimento em seguranca do trabalho e em desenvol- ‘vimento profissional. A agenda, como se ve, no é curta, ‘Em suma, responsabllidade social remete & constitulgho de uma cidadania corganizacional (no ambito interno da empresa), assim como a contribuic&o para 2 implementago dos direitos sociais (no ambito externo da empresa). A empresa Capitalista, embora se mova em um contexto social no qual imperam cédigos tnorais (Bassiry, 1990), s6 passa a se comportar segundo uma ética da respon- sabilidade a medida em que seus interesses de reproducao estiverem em risco. Vale dizer, quando enfrenta a interveng&o organizada das contrapartes com as guais lida, quando mergulha no cabo-de-guerra das relagées de poder!?0). Eis or que nenhum serm&o tem eficécia, a néo ser quando alerta para os perigos que rondam a sobrevivencia do negécio. PARA QUE ETICA? A reflexao ética néo pode pretender converter os agentes socials em pessoas sem macula, mas t8o-somente instrumentéclos para que tomem decisées con- seqlentes ¢ possam as fundamentar. De fato, os agentes podem ser responsa- bilizados pelas escolhas que fazem entre diferentes cursos de ago. Ninguérm pode alegar neutralldade ou desconhecimento de causa — somente criangas ou pessoas com deficiéncias mentals podem argiiir capacidade diminuida para exer- cer julgamentos morals. Faltas éticas tem destruido carreiras promissoras e provocado imensos prejuizos a multas organizagdes. Por ser uma relag&o social, assim como o s&o todos os processes socials, a ética representa uma tomada de posigao Ideologico-iloséfica e remete, em ditima instancia, a0s interesses dos agentes sociais envolvidos. Por exemplo, qual 0 contetido correto na publicidade: 0 ponto de vista dos vendedores ou 0 dos compradores? Os cereais matinais tém valor nutricional diferente do valor medicinal {quando se trata de comercializar produtos com alto ou baixo colestercl, sem ou ‘com alto teor de fibras, E lito inctar as pessoas a se prejudicarem? Ou soja, as definigdes de justica e de valor variarBo, assim como os beneficios e danos, segundo 08 interesses coletivos implicados. Mais ainda: a publicidade da cerveja deve atingir qual faixa etéria? O que @ certo e 0 que é errado? (Nash, 1993) ‘Vejamos 0 caso da bomba de napalm. Do ponto de vista do governo dos Estados Unidos, das tropas combatentes ¢ dos fabricantes, a produgéo ¢ 0 langamento dessas boribas incendiérias (& margem da Convencao de Genebra) constitulam uma atitude ética. E claro que tal posicao n&o era partilhada pelos vietcongues, nem pelas entidades da sociedade civil americana que faziam opo- sigdo & guerra. O que era ético para determinados agentes coletivos, no o era para outros tantos. A proibigéo posterior das bombas de napalm foi a resultante de um embate politico-declégico, née mero produto de uma simples tomada de consciéncia moral. Esté certo que fol preciso inculcar coragdes @ mentes com novas tomadas de conscléncla, mas se isso n&o fosse traduzido politicay mente, se no houvesse a forga dos protestos nas ruas e nas unas, 0 péndulo continvaria pendendo para um lado e no para o outro, Por conseqliéncia, a moral nao ¢ um dado da natureza, mas sim uma construcéo social, histérica, resultado de uma relacéo de forcas. LETICA EMPRESARIAL SEM MORAUSMO (20) © caso da Exon & cléssico: em 4980, um navio (o Valdez) va- zou petréleo no Alaska (foram 4188 mies de litos). No pi- ‘momento, sua diretoria iva recusou-se @ tomar nfo ser as perfunctrias. Todavie, a Intereréncia da micia investiga na hora do aci- cdrotoria da Ex- on sabia. se Yatar de um be: Dado contumaz. A Exxon man. dou, enlto, lmpar toda a rea «dante da consiatagdo de que ‘2 natureza levaria anos para restaurar a fora e a fauna, de locou as comunidades pesquei- ras as suas proprias expensas, ‘Seus gastos deverdo ulkapas- sar um bihbo @ tezentos mi- Ihbes de dblares, em despesas €@ indenizagées. A reagto da Exxon nfo obedeceu, de ime- dato, aos partmetros social- considerados.éticos, ‘mas o confronto dos interesses cbrigou-e @ rever sua posture (Brown, 1993; Henderson, 1992; Nash, 1989), Revi de Adinstapto, Sto Paulo v28, n3, p32 juhafelembro 1994 " Robert Henry Srour (21) Afora as incmeras formas de suborno, concusséo @ corup- (fo com as quais essa postura Convive, @ interessante citer estudante que cola para passar de ano; sujeito que dé goreta ‘20 matre para obter uma mes {ico do paciente, m toger-se contra eventual qu de impericia: sueito que bate rante que pe as frulas mais Vistosas no topo da caixa; cria- dor de gade que, antes de che- ar 20 mercado, dé sale dgua 8 ‘seu rebanho, pois vende as (22) Vale lembrar uma entrevista so: 2 bre © comportamente abusive do presidente Collr, concecida pela socaitecarioca Maria He- ena Guinle & revista. Interview (Rio de Janeiro, de. 1992), na que voc’ ocupa um cargo te favorega de alguma forma acho alé um pouco de burice ‘fo aproveitar a situagdo" No fim da Idade Média e na Idade Moderna européias qualquer pensamento divergente era tachado como herético e punivel, pela Inquisigo totalitéria, com a tortura e a morte. Tals sancdes eram socialmente consideradas justificadas ¢ validas. Quer dizer, parte substancial da populag&o legitimava esses procedimen- tos. Diante disso, insosso se perguntar quais seriam as posturas atuais na Europa ocidental, O que é moral esta em permanente redefinig&o sob 0 empuxe das forgas presentes, em fungéo dos interesses que representam. Sko casos ilustrativos © g4s CFC, os pesticidas, os cigarros, o adultério e, hoje, em plena efervescéncla, as questdes da legaliza¢o do aborto, da eutansia e do consumo de drogas. Assim, no ambito empresarial, toda reflexéo ética, ao fazer escolhas entre diferentes cursos de agéo, & uma forma de legitimac&o das decisées organiza- lonais, mas é também uma forma de antecipar as conseqUléncias que poderiam ser danosas acs préprios negocios, devido & capacidade de retaliagio que a sociedade civil tem desenvolvido cada vez mais. A AMBIGUIDADE ETICA Rastreia-se no Brasil uma dupla moral social: uma moral da integridade, a moralidade oficial, edificante e convencional, compondo uma retérica piblica sobrancéira que se difunde nas escolas, nas igrejas, nos tribunais e na midia; ¢ uma moral do oportunismo, a moralidade oficiosa, pragmatica e interesseira, dissimuladamente praticada com intuitos particularistas ou como ago entre amigos e, muitas vezes, celebrada pela esperteza de seus procedimentos. Os valores da moral da integridade so a honestidade, a lealdade, a Wdoneidade, o respeito & verdade e & legalidade, o compromisso com a retidio. Desenham o perfil do homem de caréter, confidvel, decente e digno, cumpridor de suas obrigacées ¢ fiel & palavra empenhada, sujeito eminentemente virtuoso € Inflexivel na preservagéo de valores consagrados. A abordagem ética que sustenta essa moral é a de principio: uma deontologia que justifica os cursos de aco através dos principios ou dos valores neles implicitos, com o pressuposto de poder seu escopo ser universalizado. Em contrapartida, a moral do oportunismo traduz-se por procedimentos inicos como 0 jeltinho, o calote, a falta de escripulo, o descompromisso com as conseqtiéncias dos atos praticados, o vale-tudo, 0 fisiologismo, 0 clientelismo a bajulice. Seus valores séo a ansia pelo enriquecimento rapido, a legitimidade do méximo provelto pessoal, o egotismo e a consagracio da espertezal2)). Trata-se de uma abordagem ética de finalidade (teleologia), perspectiva que Justifica os cursos de acdo pelos propésitos do agente. Assim, desde que a ago realize a finalidade pretendida, ela esté justificada, As vezes sem importar os meios, s¢ licitos ou néol22) A moral do oportunismo aparenta ser uma falta de ética (claro, 0 € no sentido de se contrapor & moral da integridade!), mas constitul uma deformagao peculiar da ética da realizacéo pessoal derivada da contribuicéo protestante. Enquanto esta altima repousou sobre a exaltagéo do trabalho como fonte da acumulagéo de riquezas e como sinal de eleicao por Deus (Weber, 1967; Lipset, 1990), no Brasil, em funcdo das tradig6es latifundiario-escravistas e do sistema de colonizacao de explorago (em contraste com o sistema de colonizagéo de povoamento da parte norte dos atuais Estados Unidos), enalteceu-se mais Scio do que © negécio. Além do mais, o trabalho, sobretudo o manual, foi considerado por muito tempo como aviltante. A riqueza, por influéncias catélicas, nunca fot concedida legitimidade, E de bom-tom, aliés, até hoje, que os ricos mantenham low profile e, através de regular e generosa contribuigao a entidades Revista de Adrinistapo, Sto Paulo v28, 3, p3.22,juhalsetambro 1804 beneficentes, amenizem parte dos sofrimentos daqueles que néo foram, como eles, bem-aventurados. Enquanto a ética protestante legitimou o sucesso de uma minoria de ricos, fazendo da riqueza um indicio de salvago, um sinal de pertenca & categoria dos cleitos (em contraposigio @ pobreza que eta sinal de danag&o), a ética catélica sempre manteve restrigées quanto & acumulagao de riqueza, associando © estado de graca A pobreza e colocando os valores humanos acima dos eco- némicos. Caracteristicas desse contraste podem ser apreendidas nas posicées polares diante da caridade: enquanto para as seitas protestantes (calvinistas, puritanos ingleses, huguenotes franceses, reformadotes suigos e holandeses) ser catidoso e ajudar os outros a se erguerem na vida violentava a vontade de Deus (Lipset, 1990), para os catélicos fazer caridade comparecia, ao lado dos jejuns, das peregrinacSes, da veneragao das reliquias e da invocagdo des santos, como uma das formas para alcancar a graca. Afinal, 0 catolicismo sempre fez das boas obras um crédito acumulado para reparar pecados € melhorar as possibi- lidades individuais de salvacso. Confrontam-se ai duas doutrinas, a da predestinagSo calvinista (decretum horribile) e a catélica do livre-arbitrio. Para a primeira, Deus predestinou alguns homens & vida eterna, & revelia de suas obras e de seus méritos, e condenou 08 outros & morte etema. Os homens viam-se assim divididos, de forma irre- medivel — j& que os designios de Deus séo impenetraveis e irrevogavels —, em eleitos e danados, em puros e pecadores, em afortunados e desafortunados, em vencedores e vencidos!2) A doutrina catélica do livre-arbitrio, por sua vez, afirma depender o destino dos homens de suas ages, postula ser cada um livre para escolher entre © bem eo mal, para ser julgado, afinal, segundo suas obras. Em decorréncia, temos © culto canénico da pobreza e da santidade, do heroismo e da destinacao social do dinheiro; e repontam a crenca na fraternidade universal, na justiga social € nas virtudes evangélicas do amor cristao (Weber, 1967). Distinguem-se, entéo, uma ética da realizado pessoal, eltista, excludente ¢ individualista, de base protestante, e uma ética da salvagéo e do dever, paternalista, assistencialista e altruista, de base catélica £ imperioso clarificar, ent&o, 0 que se entende por abordagem ética de conseqiiéncia (utllitarista, em contraste com as duas abordagens éticas j8 citadas (a de principio e a de finalidade) (Brown, 1993) Enquanto determinado curso de ago é escolhido e se justifica na abordagem de principio, porque a orientacéo que subjaz a ele pode ser transformada em tum principio moral de caraler universal, a escolha se dé na abordagem de finalidade, porque tal curso de ago realiza 0 propésito do agente, ou seja, 0 fim justifica tanto a ago quanto os melos necessérios para alcancé-lo. No caso da abordagem de conseqtiéncia, a escolha & feita porque tem consequéncias positivas para a maioria, As ages justificamse em fungéo da utiidade ou da maior felicidade que trazem para a maior parte dos agentes envolvidos. Vale dizer, ponderadas as consequencias provavels dos cursos alternatives de acéo, escolhe-se @ ago que, em tese, traré o maior bem para o maior némero. Trata-se de uma ética da responsabilidade (em contraste com a ética da convicgao das duas outras abordagens), na justa medida que equaciona as in- tengbes pretendidas e as conseqléncias provavels, e orlenta-se sempre para os outros, na busca de resultados positivos para a maioria. Uma variante dessa abordagem centra a andlise sobre a identificagio do custo de cada curso de ago, assim como sobre os beneficios que possa ocasionar. Assim, 0 curso mais desejavel acaba sendo aquele que produz mais beneficios em relagéo a0 dano ‘ou ao custo que poderia ocorrer (Smith, 1990). ETICA EMPRESARIAL SEM MORALISMO (23) 0 darwinismo social beralismo ecoam fortemente ‘essasinfluéncias. (24) € interessante notar que, na concapgdo de Luter, a voce (Beruf consstia no cumpri= mento do dever dento das pro- fissbes seculares e 0 trabalho ‘secular eoticiano se revestia de Um significado religioso. € a ‘doutina da jusitieagzo pela fm que o homem $6 pode se tornar merecedor aos olhos de Deus pola absoluta submissio ‘vontade divine (Weber, 1967). palavras, a ética lu terana consistia tambem em uma ética do dever Revi de Admins tego, Sto Paulo v2, n3, p22, juhtsembro 194 2 Robert Henry Srour (25) 0 escrito italiano Giordano (26) Segundo Benedetto Croce ib Bruno Guertreuniu em um vro Evte absolve) com confesdes diferentes, simuladas em com igrejas espalnadas por toda Italia, © obteve surpreendente sm do que pensam os sacerdotes cat6licos. Incesto, dos por Guerie duas assisten tes, foram perdoados com i perada compreensto, (08 pecados da esfra sexual fo- ram talados como a esséncia ddo mal (Veja, Séo Paulo, 1° ez. 1993). Isto contadiz a en- cioliea do papa Jo8o Paulo I, Vertatis Splendor, que ataca com rigor © relativism moral ‘moderna, afrmando ser & moral ctist& universal ¢ Imutavel (Veja, Sé0 Paulo, 13 doz. 1993), Tismo @ 0 liberalismo propi mente econtmico, a liberdade ‘econtmica, a lberdade de em- ‘esa, 0 papel central do mer- cado, a economia do aise2 fal- 10 (Verqucr, 1991). Resumindo, a abordagem de principio privilegia os valores que suportam ‘as ages; a abordagem de finalidade privilegia os fins para os quals as acSes sho dirigidas; e a abordagem de consequéncia privilegia as conseqiiéncias provocadas pelas acées (quadro 1), Quadro 4 As Abordagens Eticas Abordagem Chave Fundamentagio Finalidede Realza a fnaldade (teleclogia) Propésito do agente (0 fim justfiea a ago) Principio Prinepo impo no imac aie (Geontoiogia) curso da agdo ee ais Provoca mais felicidad Conseqiéncia | Resultados provaveis ; (uiltarismo) da apto proposta, pte (as conseqUéncias justificam a ago) DAS IDEOLOGIAS RELIGIOSAS AS IDEOLOGIAS SECULARES Nos paises catélicos acabou prevalecendo, na prética, dupla moral no tocante { aquisi¢go de bens. Embora as prescricées papals condenassem o enriqueci- mento na Idade Média, certas ordens religiosas receblam autorizagao para dar empréstimos ¢ cobrar juros e catélicos leigos obtinham permissées para se dedicar ao tréfico negreiro e as operacées bancérias, o que resultava, obviamente, em considerével enriquecimento. Ademais, longe das luzes do dia, no recéndito do confessionario, a moral lassa do catolicismo tolerava e tolera praticas for- malmente pecaminosas'25), A dupla moral catélica contrapunha-se a moral calvinista de cardter tnico ¢ universalista. De fato, a validade desta titima estendia-se as esferas publica e privada e levava a uma conduta que se pretendia impecével, sem deslizes ou ambigiidades, Os puritanos piedosos, aliés, nao praticavam a usura, n&o se aproveitavam dos erros alhelos, nao pechinchavam, no participavam de ga- nancias espoliadoras (do colonialismo, por exemplo). Seu comportamento co- mercial regrado (prego fixo), racional, absolutamente objetivo, operava de forma incondicionalmente legal. Para eles ndo cabia, é claro, interpretacao lassa alguma ‘ou dupla moral sob as injungées das préticas cotidianas (Weber, 1969). Com a secularizagéo das éticas econémicas (ruptura racionalista), o debate entre protestantismo e catolicismo transferlu-se para as ideologias econémicas. Basta citar as cléssicas polémicas entre mercantilismo e laissez falre, protecio- nismo e livre-cambismo, intervencionismo e liberismol26), ou seja, entre dirigismo estatal e liberalismo econémico (que € preciso no confundir com liberalismo politico). No essencial, o debate travou-se entre uma moral protetora e assis- tencialista — através da participagdo do aparelho estatal, com certo pendor para o paternalismo distributivista —e uma moral empreendedora e individualista “ Reva de Adinistapo, Sto Paulo v28, 3, p3.22,juhahetambo 1904 — através da prevaléncia das leis do mercado, com certo pendor para o darwinismo social. Hole, o dirigismo, ou 0 intervencionismo estatal, toma as feicées do nacional-desenvolvimentismo ou do socialismo de mercado (em ambos os casos o Es tado € empresario e mantém forte diretividade sobre ‘© mercado) ou, ainda, do estatismo-corporativista & maneira comunista ou fascista, com planejamento central e economia de comando. De outra parte, 0 Iiberalismo econdmico divide-se em uma vertente neo- Iberal, que defende o mercado livre e o Estado mi- nimalista (mao invisivel de Adam Smith), e em uma vertente social-liberal, que advoga 0 mercado induzido por um Estado étime (planejamento indicativo e re- gulagéo das distorcSes do mercado, via politicas pi- blicas compensatérias). No Brasil dos anos 70, em func&o da repressio ETICA EMPRESARIAL SEM MORALISMO As empresas agem eticamente (em conformidade com a moral socialmente predominante), porque as relacdes travadas entre empresa e contrapartes sdo relacgdes de forca, relagdes de poder. conduzida pelo regime autoritério-militar, boa parte da intelectualidade (notada- mente de esquerda), bem como da opiniéo piblica, descobriu as virtudes da democracia representativa (dita formal na linguagem marxista). No Brasil dos anos 90, apés a queda do Muro de Berlim e diante da faléncia das economias de planejamento central, esses mesmos setores de pensamento descobriram as virtudes do mercado, vale dizer, questionaram nao s6 o modelo socialista-estatista a la soviética, mas também o Estado-emprestrio (ou operador) e o intervencio- nismo protecionista que deu guarida ao modelo de desenvolvimento substitutivo de importacdes. Dito isso, € interessante visualizar, no quadro 2, de que forma as ideologlas econémicas contemporaneas apanham as relagées entre Estado Mercado, Quadro 2 Estado e Mercado Matriz Concepgio, Estado Mercado A Economia de Intervencionista, Alek + 5 Liberal Mercado live - + Liberal Mercado induzido + + Intervencionista | Mercado dirigido +h = Se fizermos, ainda, um exercicio de afinidades ou compatibilidades simbélicas entre as abordagens éticas e as ideologias econdmicas ¢ politicas, com toda a cautela necesséria para no mecanizar as correspondéncias e néo dogmatizar 08 resultados, teremos 0 que consta no quadro 3. Revista de Adninstragto, Sto Paulo V29,n3, p22, uoletembo 1904 6 Robert Henry Srour Quadro 3 Afinidades Ideolégicas Abordagem Etica Ideologia Econémica Ideologia Politica ' Neral Print: , (neread ive, Estado Tradiionalita ea ig realzapo pessoal | mimo o capitalise Conservadora ‘excludente) Conseqdéncia: at Liberal (mercado induzido, Estado Etca da responsablidade | Sting captismo soi Social-democrata Socialista de mercado Principio: (mercado dirigido e Estado Etica da solidariedade ‘operador) ou pacto entre comunidades livres Estatista-corporatvista Finalidade: {planejamento central, ‘Comunista Etica dos fins Ultimos | Estado maximo @ economia Fascista de comando) E interessante lembrar que a ideologia econémica nacional-desenvolvimen- tista, hegeménica na segunda metade do século XX no Brasil e na América Latina, acabou sendo esposada, na pratica, por quase todas as ideologias politicas: a grande parte do empresariado protecionista e conservador; a maioria dos sindicalistas, quer pelegos, quer combativos; a intelectualidade das varias esquerdas. Vale salientar, ade- mais, néo haver coinci- Uerais dencia entre as matrizes de pensamento politico (matrizautoritaria versus matriz libertéria), que enfeixam as ideologias Loerisme politicas contempora- Autor neas (Srour, 1987), e as matrizes de pensamento Tradcionastas econémico (matriz libe- ral versus matriz dirigis- ‘torts ta), que abarcam as Ideologias econdmicas contemporaneas, como pode ser observado na Figura 1: Pensamentos Cruzados — Econémico e Politico figura 1 Socialdemocratas indugdo LUertria Ubertarios Uberals Socialists Conservadores Dirigisma Ubertrio Anarquistas Diigistas Estatsmo Comunistas aa Fascistas 6 Revista de Adrnsrapto, Sto Paulo v28,n3, 9322, utolstenbro 1994 ETICA EMPRESARIAL SEM MORALISMO OS MECANISMOS DE CONTROLE A reflexio ética impée-se s empresas em todas as questées que suscitam polémicas ou controvérsias, pols consubstanciam dilemas éticos. Patinar na in- definic&o significa abrir os flancos para abusos por parte do corpo funcional. Responder aos dilemas, de forma consistente, consolida a nervura central da cultura organizacional. Por tais respostas transformarem-se, ipso facto, em orien- tacdes emblematicas, demarcam as balizas que enquadram os padrées culturais validados pela organizacéo, dizem o que € certo e o que é errado, o que se espera dos funciondrios como comportamento adequado e 0 que n&o, sem deixar margem para racionalizagées, a no ser para as sancionar (negativa ou positivamente). H& de se tomar, todavia, uma precaugo preliminar: néo se pode adotar uma abordagem ética no-coerente com os valores nucleares da cultura efetiva- ‘mente praticada na empresa. Para tanto, anélise detalhada da cultura da empresa ¢ de suas premissas fundantes, a saber, da ideologia que Ihe serve de gramitica, antecede qualquer reflex8o ética. Porém, nfo se deve confundir cultura organi- zacional com o brevisrio das cartas de intengao que decoram os sagudes de boa parte das grandes ‘empresas, pois este seré o caminho mals curto para © fracasso. O diagnéstico tem de desvendar as con- 7 " viegdes organizacionais nas préticas do cotidiano. Responsabilidade social remete 2 Astin, 6 ito der, corendo oro da bade constituigéo de uma cidadania de, que nao se pode realizar uma reflexdo ética com- izacic if petente com mitos — reificar o dever ser da em- on ganizacional (no ambito interno resa, ao invés de aprender o que ela realmente da empresa), assim como a contribuigéo Seria mergulhar na dissonancia cognitiva e se tomar —_para a implementagao dos direitos sociais vitima da prépria mistificagdo, tomar a retérica pelas conviegées organtzacionais embutidas em cada préti- (no 4mbito externo da empresa). ca, em cada ato de gestio, em cada decisao. No entanto, caso a alta direg&o sinta-se incomodada com © desvendamento da prépria face (o que nem sempre ocorre), no cabe jogar fora, em um s6 gesto, bebé e Agua suja do banho: basta livrar-se desta itima (tarefa que n&o ¢ facil) e conservar o bebé limpo. Isso ajuda-nos a perceber que, quelram ou néo as empresas, queiram ou néo 08 descrentes, no existem decisées neutras ideologicamente. Todo ato de geste esté sempre impregnado, permeado, perpassado por definicées axiologicas e éticas. Vale a pena reiterar que nao existe ética em geral, corpo anistorico de proposituras abstrato-formais universalmente vélidas, mas sim morais histé- ricas vinculadas as coletividades que as adotam como expresséo de seus inte- resses. Dessa maneira, para que haja praticas éticas, quer na érbita da sociedade Inclusiva, quer interamente as organizagdes, ndo bastam exortagdes ou agées pedagégicas, operando em nivel da conscléncia individual, pois os apelos a consumismo e a0 enriquecimento répido, o ambiente atual de incertezas, os corrosivos processos inflaciondrios, acabam dissolvendo as convicgdes morals e estimulando postura do eu-primeiro ou do salve-se-quem-puder. Em outras palavras, s6 existe preveng&o eficaz de praticas néo-éticas se houver controle das condigées operativas: a honestidade néo & apenas uma questio de consciéncia moral, € também um resultado das citcunstancias sang6es que desencorajam ou dissuadem as veleidades de transgressao. A prevenco passa pelo estabelecimento de mecanismos de controle por parte da organizac&o, os quais visam coibir as propensées histéricas, existentes Revisa de Adninstarto, So Pauo 29, n3, p22, uhofetonbo 1984 ”

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