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DIREITO EMPRESARIAL | PROF. FLAVIO MONTEIRO DE BARROS. INTRODUGAO No Brasil, até 1875, existiam os Tribunais do Comércio, que era o érgdo competente para solucionar as lides comerciais, e, nessa época, ento sobressafa a importancia em se distinguir os atos de comércio dos atos civis. Com a extingio desses tribunais persistiu, conquanto diminuida, a importancia dessa distingao para o fim de se definir os prazos e a prescrigdo que eram disciplinados, nos arts. 441 a 456 do Cédigo Comercial, de forma diferente das obrigacdes civis, outrossim, pelo fato de os comerciantes sujeitarem-se a faléncia e concordata. Com 0 advento do Cédigo Civil de 2002, que unificou no mesmo diploma o direito civil e 0 direito comercial, igualou-se os prazos e o periodo prescricional das obrigagGes civis e mercantis, remanescendo a distingo para o efeito de faléncia, recuperacdo judicial e recuperacdo extrajudicial homologada judicialmente, renovac3o compulséria de locacdo, que so institutos exclusivos do direito comercial, lembrando-se ainda algumas imposiges dirigidas especificamente aos empresarios como a escrituragao e 0 levantamento de balancos. A propésito, conforme ressalta Fabio Ulhoa Coelho, “é cada vez mais dispensdvel discernir a natureza civil ou empresarial do exercente de atividade econémica, para aplicar o direito em vigor no Brasil” (p. 26 Curso de Direito Comercial, vol. 1). Nao obstante a unificagdo no Cédigo Civil das matérias de direito civil e direito empresarial, a autonomia do direito comercial, como sendo um ramo independente do direito civil, 6 apoiada pela doutrina majoritéria, porquanto a atividade econémica empresarial rege-se por principios préprios e diversos daqueles que direcionam a atividade econémica civil, constituindo um regime juridico peculiar, justificando-se na didética a separacao desses dois ramos do ordenamento juridico, Se, no campo pratico, a importéncia no estabelecimento da linha diviséria entre o direito civil € 0 direito comercial encontra-se diminuida, no terreno cientifico ainda goza de relevancia, sendo, pois, essencial ao jurista inteirar-se das fronteiras que separam esses dois ramos do ordenamento juridico. COMERCIO © comércio pode ser conceituado sob dois aspectos: 0 econémico e o juridico. Sob 0 prisma econémico, comércio ¢ a atividade humana que pde em circulagdo a riqueza produzida. Sob © prisma juridico, comércio é a atividade habitual e lucrativa de mediacio entre o produtor e 0 consumidor, em relagdo aos produtos da natureza e da industria. Nesse sentido, 0 comércio contém trés elementos: a intermediagao (entre o produtor e o consumidor), o fim de lucro e a habitualidade (profissionalismo) CONCEITO O pré-requisito para a definigdo do direito comercial é a fixacio da matéria que é objeto do seu contetido. & claro que esse contetido varia conforme a legislac3o de cada pais. Noutras palavras, a matéria do direito comercial é aquela que a lei define como tal. No Brasil, analisando-se 0 art.966 do Cédigo Civil, é possivel concluir que 0 contetido da matéria do Direito Comercial abrange a atividade profissional dos empresarios, outrossim, os atos € contratos relacionados com o exercicio dessa atividade. Todavia, 0 Direito Comercial cuida também dos titulos de crédito, que podem ser emitidos por qualquer pessoa. Forca convir, portanto, que 0 DIREITO EMPRESARIAL| PROF. FLAVIO MONTEIRO DE BARROS Direito Comercial nao disciplina apenas as matérias atinentes a atividade empresarial. €, pois, a lei que define as matérias regidas pelo Direito Comercial. Sendo assim, podemos definir 0 Direito Comercial como sendo 0 conjunto de principios e normas que disciplinam a atividade profissional dos empresarios, os titulos de crédito e outras matérias especificadas em lei DENOMINACAO A expresséo “direito comercial” no revela, por si sé, a amplitude desse ramo do ordenamento juridico, porque enfatiza o comércio, isto é, a atividade de mediacao da mercadoria no atacado ou varejo. Todavia, o direito comercial também disciplina as atividades industriais e de prestaco de servicos, e, por isso, a expressaio mais adequada é “direito empresarial” Outras denominagées ainda so sugeridas: direito mercantil, direito dos negécios etc. A Constituicggo Federal de 1988 utilizou a expresso tradicional, estatuindo no art.22, inciso I, competir @ Unido legislar sobre direito comercial. Isso se explica pelo fato que, na época, ainda vigorava 0 Cédigo Comercial de 1850. Referido diploma foi revogado expressamente pelo art.2.045 do Cédigo Civil de 2002, salvo em sua parte segunda, que cuida do Comércio Maritimo. FONTES DO DIREITO COMERCIAL Fonte é a origem e a forma de manifestagao da norma juridica As fontes materiais, isto é, de producio do Direito Comercial so: a) a Unio, De fato, compete a Unido legislar sobre o Direito Comercial (art.22, |, da CF). Todavia, os Estados-Membros, desde que autorizados por lei complementar, podem legislar sobre questdes especificas de direito comercial (art.22, pardgrafo tinico, da CF). b) a consciéncia do povo, quando edita a norma costumeira, que é cabivel nas lacunas da lei. As fontes formais, isto é, a maneira de exteriorizacao do direito comercial, sao: a) a lei (fonte formal imediata ou priméria) b) costume, analogia e principios gerais do direito so as fontes formais secundarias. Alguns autores distinguem usos de costumes. Usos seriam a repeticdo de um comportamento, de forma uniforme e constante, sem que haja ainda a convicco de sua objetividade, ao passo que nos costumes hé a convic¢o social da obrigatoriedade desse comportamento, sendo, pois, uma norma juridica. Diversos autores empregam os termos como sinénimos, exigindo em ambos a convicco social da obrigatoriedade do comportamento, EVOLUGAO DO DIREITO COMERCIAL © Direito Comercial pode ser dividido em trés perfodos: o subjetivo, o objetivo e o da empresa No Periodo subjetivo, o comerciante é a base do direito comercial, sendo irrelevante o tipo de ato por ele praticado. Com as corporacées de artes e oficios, em meados do século XII, nasce o direito comercial, como um conjunto de normas ditadas pelos costumes, aplicdvel exclusivamente aos comerciantes. Nessa época, considerava-se comerciante a pessoa associada a corporagdo de oficio sem qualquer perquiricdo a0 tipo de ato ou atividade desempenhado, atribuindo-se jurisdigo a esta instituigo para decidir os conflitos envolvendo os seus associados. Para ser DIREITO EMPRESARIAL | PROF. FLAVIO MONTEIRO DE BARROS. comerciante, bastava estar inscrito nessas corporacées. Essa fase vigorou do século XI! até meados do século XVII. Esse sistema gerava confusio, pois essas pessoas também praticavam atos civis, estranhos ao comércio. © periodo objetivo concentra-se no ato de comércio como sendo a esséncia do Direito Comercial. De fato, a partir do Cédigo Mercantil de Napoledo, em 1807, é considerado comerciante qualquer pessoa que praticar, ainda que de forma acidental e isoladamente, determinados atos especificados na lei. E, com isso, 0 Direito Comercial passa a ser aplicado a qualquer pessoa e no apenas aos filiados a determinada associacdo profissional, como era 0 caso das Corporagées de Oficio, Essa fase vigorou do século XVII até 1.942. © perfodo da empresa, por sua vez, coloca a empresa como sendo a linha diviséria entre 0 direito civil e © direito comercial. Empresa é a atividade economicamente organizada para a produgo ou circulago de bens ou servicos. Este periodo iniciou-se, na Italia, em 1942, com a edigo do C6 l, que unificou o Direito Civil e 0 Direito Comercial, filiando-se & teoria da empresa. De acordo com essa teoria, o Direito Comercial passa a ser 0 ramo do direito privado que disciplina 0 exercicio da atividade empresarial. Sendo assim, 0 comerciante ou empresario é a pessoa que exerce a atividade empresarial. Em sintese, no sistema subjetivo a base do direito comercial 6 0 comerciante; no sistema objetivo essa base € 0 ato de comércio, relegando-se a pessoa do comerciante para o segundo plano; e no sistema da empresa, a base do direito comercial passa a ser simultaneamente o comerciante e a atividade empresarial. Esta Ultima é a teoria adotada pelo Cédigo Civil de 2.002. SISTEMAS DE DELIMITAGAO Na delimitaco do campo de incidéncia do direito empresarial, destacam-se dois sistemas: 0 subjetivo e 0 objetivo. No sistema subjetivo, os atos empresariais s6 podem ser praticados por empresarios, no exercicio de sua profissao. O empresario, como se vé, forma a base do direito comercial. No sistema objetivo, adotado no Cédigo Francés de 1807, a lei relaciona os atos que considera regidos pelo Direito Comercial, aplicando-se esse ramo a qualquer pessoa que praticar um desses atos, ainda que de forma esporddica. Nao hé, pois, necessidade que 0 ato tenha sido praticado por um comerciante ou empresério. Vé-se, portanto, que nesse sistema objetivo, o ato de comércio referido pela lei constitui a base do direito comercial. ATEORIA DOS ATOS DE COMERCIO. De acordo com essa teoria, de indole objetiva, os atos regidos pelo direito comercial so aqueles relacionados na lei, ainda que praticados por nao comerciantes. Aludida teoria foi adotada no Cédigo Francés de 1807. Todavia, o Cédigo Comercial Brasileiro de 1850 néo se filiou propriamente a essa teoria, ao contrério do que 6 propagado por diversos juristas. De fato, no havia no Cédigo Comercial de 1850 nenhum ato de comércio sem a presenca de pelo menos um comerciante. Se uma das partes ndo era comerciante o negécio se excluia do &mbito de incidéncia do direito comercial, dando ensejo a aplicago do Cédigo Civil Aliés, conforme salienta Rubens Requigo, o Cédigo Comercial de 1850 omitiu intencionalmente a expressao “atos de comércio” para se evitar a divergéncia que ocorrera na Franga acerca dessa teoria A propésito, diversos dispositivos do Cédigo Comercial de 1850 exigiam como condicdo de aplicabilidade do Cédigo comercial ao ato, que nele interviesse pelo menos um comerciante. DIREITO EMPRESARIAL| PROF. FLAVIO MONTEIRO DE BARROS Com efeito, na compra e venda mercantil, 0 comprador ou vendedor precisava ser comerciante (art.191), no muituo, 0 mutuario deveria ser comerciante para o ato ser mercantil {art.247). Na comissdo mercantil, pelo menos o comissario precisava ser comerciante (art.165). A fianga mercantil s6 se configurava se o afiancado fosse comerciante (art.256). Assim, no Cédigo Comercial de 1850, a compra e venda para ulterior revenda, com fim lucrativo, que 6 0 mais comum dos atos de comércio, quando praticada por no comerciante ndo era considerada mercantil, aplicando-se, portanto, as leis civis. Esse exemplo demonstra a distancia entre 0 nosso Cédigo Comercial e a teoria dos atos de comércio, pois para esta teoria a compra e venda seria mercantil, mesmo sem a intervengo de um comerciante. J4 para o Cédigo Comercial de 1850 nao bastava um ato isolado dessa compra e venda, exigindo-se ainda a mercancia, isto é, a organizacao da empresa especialmente para a pratica desse tipo de negécio. Forca convir, portanto, que 0 Cédigo Comercial e 0 regulamento 737 no enumeravam os atos de comércio, pois nao havia nenhum ato de comércio sem que no mesmo interviesse a pessoa de um comerciante. O art. 19 do regulamento 737, alids, ao invés de enumerar atos de comércio, enumerava as profissdes consideradas mercantis sob a denominacgo de mercancia, contribuindo assim para a elaboracdo da teoria da empresa. Com efeito, dispunha o citado art.19 “Considera-se mercancia: § 12 Compra e venda ou troca de bens méveis ou semoventes para os vender por grosso ou a retalho, na mesma espécie ou manufaturados, ou para alugar o seu uso; § 22 Operagées de cambio, banco ou corretagem; §32 empresas de fabricacdo, de comissées, de depésito, da expedicéio, consignacéo e transporte de mercadorias e de espetdculos piiblicos; $42 os seguros, fretamentos, risco e quaisquer contratos relativos no Comércio Maritimo; §5° a armagiio e expedicéo de armas”. regulamento 737 precisava ser interpretado em conjuncao com o conceito de comerciante previsto no art.42 do Cédigo Comercial. Assim, s6 era considerado comerciante quem exercia as profissées enumeradas no regulamento 737. Exigia-se, portanto, a repeti¢o profissional numa mercancia, isto é, sob 0 manto de uma empresa criada especialmente para aqueles negécios, no bastando uma mera operacdo isolada TEORIA DA EMPRESA A teoria da empresa, adotada no Cédigo Civil de 2002, amplia o campo de aplicaco do direito comercial, pois abrange também os prestadores de servicos e outras atividades outrora regidas pelo direito civil. Com efeito, de acordo com essa teoria considera-se empresério quem exerce profissionalmente atividade econémica organizada para a produgdo ou circulacdo de bens ou servigos. A empresa é uma atividade organizada para a produsdo profissional de bens e servicos. Exige, portanto, para a sua caracterizacdo, a repetico profissional dos atos empresariais, porquanto & esse encadeamento o responsdvel pela unidade econdmica de todos eles. A empresa nao é pessoa fisica nem pessoa juridica. Trata-se de uma atividade produtora, cuja configuragio nao se satisfaz com a prética de atos isolados. Estes, alids, so regidos pelo direito civil. 44 a sociedade é uma pessoa juridica. O empresdrio individual é uma pessoa fisica, ou uma pessoa juridica, conforme a forma de sua constituigdo. As vezes a lei, por falta de técnica, usa 0 termo empresa no sentido de sociedade. E 0 caso da Lei 8.934/94 (Lei de Registro de Empresas). 0 DIREITO EMPRESARIAL | PROF. FLAVIO MONTEIRO DE BARROS. art.678 do CPC, ao referir impropriamente a penhora da empresa, utilizou por equivaco a expresso como sinénimo de estabelecimento empresarial. O que se penhora é o estabelecimento (conjunto de bens organizados pelo empresario) e ndo a empresa. © regulamento 737 de 1850, ao enumerar as profissées que caracterizavam a mercancia, acabou propiciando no direito patrio, o inicio dos trabalhos de conceituagdo da teoria da empresa, cuja elaboraco, porém, é atribuida ao direito italiano. A conceituagio do empresdrio é decisiva para a definicéo do regime juridico de direito comercial e consequente aplicacio dos institutos da renovacdo compulsoria de locacao, faléncia, recuperac3o judicial, recuperaco extrajudicial homologada judicialmente, eficdcia probatéria dos livros mercantis, etc. A teoria da empresa amplia 0 conceito de empresario a medida que confere esse status a0 exercente profissional de qualquer atividade econémica organizada para a produco ou circulagao de bens ou servicos. No Cédigo Comercial de 1850, as atividades abrangidas pelo direito comercial eram restritas aquelas especificadas no Regulamento 737, que, dentre, outras, no abrangia os prestadores de servicos, e os empresdrios do ramo imobiliério. ‘Ainda antes da sua consagracdo pelo Cédigo Civil, aludida teoria jé havia sido adotada por outros diplomas legislativos. Com efeito, conforme salienta Fabio Ulhoa Coelho, “o Cédigo de Defesa do Consumidor, de 1990, trata a todos os fornecedores independentemente do género de atividade em que operam, submetendo a mesmo tratamento juridico os empresérios do ramo imobilidrio, industriais, prestadores de servicos, banqueiros e comerciantes” (P.25 Curso de Direito Comercial). Igualmente, a Lei n® 8.245/91, no tocante a renovagio compulséria do contrato de locacao. ‘A teoria da empresa é de indole subjetiva, porque o empresario passa a ser a base do direito comercial, uma vez que os negécios empresariais so somente os negdcios do empresdrio. Ndo hd ato empresarial sem que tenha sido praticado por um empresario. Nao se considera empresdrio, porém, quem exerce profissio intelectual, de natureza cientifica, literdria ou artistica, ainda que com o concurso de auxiliares ou colaboradores. Assim, a0 profissionais liberais e artisticos aplicam-se o direito civil, salvo se o exercicio da profissdo constituir elemento da empresa, quando, entdo, os seus atos passam a ser regidos pelo direito comercial (pardgrafo unico do art.966 do CC). Referentemente aos empresdrios rurais, s6 serio regidos pelo direito empresarial se providenciarem a inscrigo no Registro Publico de Empresas Mercantis da respectiva sede, caso em que, depois de inscritos, ficaréo equiparados, para todos os efeitos, aos empresarios sujeitos ao registro. Sem este registro, no entanto, que para eles é facultativo, terdo os seus atos regulados pelo direito civil, a0 passo que os atos dos demais empresérios, independentemente do aludido registro, so considerados atos mercantis, submetendo-se a incidéncia do direito comercial O SISTEMA DO CODIGO COMERCIAL DE 1850 © Cédigo Comercial de 1850 aplicava-se ao comerciante, isto é, aquele que fazia da mercancia a sua profisséo habitual (art. 42). Conquanto nao tenha, num primeiro momento, relacionado os atos de comércio, desvencilhando-se por completo do sistema objetivo, o governo brasileiro editou logo em seguida, ainda em 1850, o regulamento 737, que em seu artigo 19 enumerou certas profissées, estatuindo, em resumo, que se considerava mercancia: a) a compra e venda ou troca de bens méveis ou semoventes para o fim de revenda ou locagao; DIREITO EMPRESARIAL| PROF. FLAVIO MONTEIRO DE BARROS b) as operagdes de cdmbio, banco e corretagem; ©) a fabricago, o depésito e o transporte de mercadorias; 4) qualquer contrato relativo a transporte maritimo; €) a armagao e expedicdo de armas. Diante dessa enumeraco instaurou-se na doutrina a celeuma sobre o critério a que teria se filiado o legistador brasileiro. Alguns juristas, como Carvalho de Mendonca, interpretavam essa enumeracdo como sendo a adogao do sistema objetivo, bastando assim, para a aplicaco do direito comercial, & semelhanga do Cédigo Francés de 1807, a prética isolada de um desses atos. Noutras palavras, essa corrente sustentava que o carater comercial da matéria dependia tao somente do ato, pouco importando se uma das partes era ou ndo comerciante. Prevalecia, no entanto, a opinido contréria, que visualizava no Cédigo de 1850 a consagrag3o do sistema subjetivo, pois o art. 42 do Regulamento 737 utilizou a expresso mercancia. Conforme observava Rubens Requitio, mercancia é profissao, é a arte do mercador, 0 trato de mercadejar, € no um sindnimo de atos de comércio. Por consequéncia, os atos de comércio referidos no Regulamento 737 sé eram regidos pelo direito comercial quando praticados pelo comerciante no exercicio de sua profissao, exigindo-se, portanto, a habitualidade, através de uma organizagao ou empresa criada especialmente para a prética daqueles atos, a0 contrério do Cédigo Francés de 1808 no qual a compra e venda de mercadoria para o fim de revenda, por exemplo, era sempre ato de comércio ainda que no negécio nao interviesse a figura do comerciante. Assim, 0 Cédigo Comercial de 1850 adotou o critério subjetivo, assentando-se a sua base na figura do comerciante, reservando-se exclusivamente a este a sua incidéncia, aplicando-se para os atos enumerados no regulamento 737, quando praticados por quem no era comerciante, e, portanto, de forma isolada e esporddica, o Cédigo Civil. Na verdade, 0 Cédigo Comercial de 1850 filiou-se a um sistema misto, ou subjetivo temperado, 2 medida que exigia simultaneamente, para fazer incidir 0 direito comercial, a figura do comerciante e dos atos de comércio, Sobre esse método de enumeragio dos atos de comércio, levado a efeito pelo regulamento 737, recaiu justa critica direcionada ao direito comercial brasileiro, pois este ndo abrangia a prestago de servicos e a compra e venda de bens iméveis, ainda que praticados por empresérios, abrindo uma enorme lacuna s6 corrigida com a consagra¢o da teoria da empresa, adotada pelo Cédigo Civil de 2002. A timidez da jurisprudéncia patria, que tanto relutou em aplicar a analogia ao rol do regulamento 737, optando por consideré-lo taxativo, ao invés de exemplificativo, foi fonte de enormes injustigas, sobretudo pela negativa da extensio do beneficio da concordata aos prestadores de servico. Vé-se assim que a teoria da empresa gerou a unificag3o do regime juridico para as atividades econémicas civis e comerciais, ampliando 0 campo de incidéncia do direito comercial e ndo propriamente a sua unificagdo com o direito civil. Tanto as atividades econémicas civis como as comerciais so consideradas atividades empresariais, excluindo-se apenas os profissionais liberais, EMPRESARIO CONCEITO “Considera-se empresério quem exerce profissionalmente atividade econdmica organizada para a producdo ow a circulagéo de bens ou de servicos” (art.966 do CC). DIREITO EMPRESARIAL | PROF. FLAVIO MONTEIRO DE BARROS. O conceito acima é composto pelos seguintes elementos: 4a) profissionalismo; b) atividade econémica organizada; ¢) produgao ou circulagéio de bens ou servicos. PROFISSIONALISMO © profissionalismo, para se caracterizar, depende da habitualidade, isto 6, da reiteragdo de atos empresariais de modo a demonstrar que se trata realmente de uma profissdo. Como observa Fabio Ulhoa Coelho, “se esté apenas fazendo um teste, com 0 objetivo de verificar se tem apreco ou desapreco pela vida empresarial ou para socorrer situacdo emergencial em suas financas, e néo se torna habitual 0 exercicio da atividade, entao ele nao é empresério" (Manual de Direito Comercial, Ed.Saraiva, p.11). Outro aspecto do profissionalismo é a pessoalidade, que é o fato de o empresério agir em nome proprio, distinguindo-se assim dos seus empregados. O empresdrio, para caracterizar-se como tal, deve ainda contratar empregados ou valer-se de outras pessoas (familiares, prestadores de servigos, etc.) ATIVIDADE ECONOMICA ORGANIZADA Empresa é a atividade econémica organizada para produc3o ou circulagio de bens ou servicos. Distingue-se do estabelecimento empresarial, que é o local onde se exerce a atividade empresarial. A empresa no se confunde também com a pessoa que a explora, que pode ser um empresario individual (pessoa fisica ou pessoa juridica, conforme a sua constituiggo) ou uma sociedade empreséria (pessoa juridica). Aatividade econémica é a que visa 0 lucro. Nao basta que a atividade dé lucro; é mister que o lucro seja 0 fim primordial. Se o lucro for o meio para atingir outros fins, como é 0 caso das Igrejas, no ha propriamente uma atividade econémica. Uma escola que pertence a determinada igreja, que cobra mensalidade de seus alunos, mas cujo objetivo primordial no é 0 lucro, e sim 0 apoio as criangas carentes nao é regida pelo direito empresarial, porque, em tal situago, 0 lucro é o meio e no o fim da atividade econémica. A atividade econémica, para galgar ao status de empresa, deve ainda ser organizada por quatro fatores de produgdo: capital, mao-de-obra, insumos e tecnologia. Ndo ha falar-se em empresario quando faltar um desses fatores. Assim, 0 vendedor ambulante, por exemplo, que trabalha sozinho no é considerado empresério. Diversos autores dispensam, para a caracteriza¢3o, do empresario, a ocorréncia de todos esses quatro fatores, bastando apenas alguns deles. As atividades econdmicas civis, isto é, excluidas do ambito de incidéncia da teoria da empresa, submetendo-se, portanto, & regéncia do Direito Civil sdo as seguintes: a) 0s profissionais liberais. Que prestam servicos de natureza intelectual (exemplos: advogados, médicos, engenheiros etc.), bem como, os artistas, cientistas e literatos (pardgrafo Unico do art.966 do CC). Ainda que eles tenham empregados sero considerados apenas profissionais auténomos, sendo, pois, regidos pelo Direito Civil. Se, porém, o exercicio da profissio constituir elemento da empresa, eles sero considerados empresérios. O elemento da empresa surge quando a atividade-fim passa a ser exercida por outras pessoas contratadas pelo referido profissional (exemplo: 0 médico que transforma o seu consultério em hospital, valendo-se de outros médicos para atender aos pacientes) DIREITO EMPRESARIAL| PROF. FLAVIO MONTEIRO DE BARROS b) as cooperativas. De fato, as cooperativas no visam repartir 0 lucro entre os seus associados, mas apenas promover as atividades dos seus membros. Ainda que preencham os requisitos do conceito de empresério, dedicando-se com profissionalismo as atividades empresariais, a cooperativa, por expressa disposicio de lei, nao se sujeita ao direito empresarial, logo no podem falir nem requerer a recuperacdo judicial. Séo regidas pela Lei n? 5.764/1971 e artigos 1.093 a 1.906 do CC. Por uma questo de tradi¢So, as cooperativas so registradas na Junta Comercial. ¢) 05 empresarios rurais nao registrados na Junta Comercial. Atividade rural é a exercida normalmente fora da cidade. Exemplos: agricultura, pecuaria etc. Dispde 0 art.971 do CC: “O empresério cuja atividade rural constitua sua principal profissio pode, observadas as formalidades de que tratam os art.968 e seus pardgrafos, requerer inscrico no Registro Publico de Empresas Mercantis da respectiva sede, caso em que, depois de inscrito, ficaré equiparado, para todos os efeitos, ao emprestrio sujeito a registro”. Vé-se assim que ser empresdrio é uma opsio do profissional que exerce atividade rural, basta requerer sua inscri¢do na Junta Comercial, quando entdo se submetera as normas do Direito Empresarial; sem esta inscrigéo n&o sera empresdrio, regendo-se pelo direito civil. Em relagdo aos demais empresdrios, o registro na junta comercial nao é constitutive da condi¢éo de empresario. € um ato meramente declaratério. E 0 exercicio da atividade empresarial o fato gerador da condi¢ao de empresério e nao o seu registro, embora este seja necessario para se requerer a recuperaco judicial e eficdcia probatéria dos livros. d) profissional que explora atividade econémica diretamente, isto é, sem contratar empregados ou valer-se de outras pessoas. Nesse caso, ndo se configura os elementos da empresa. Nos casos acima, nao é possivel aplicar os institutos de faléncia ou da recuperagao judicial ou extrajudicial da empresa, PRODUCAO OU CIRCULAGAO DE BENS 0 SERVICOS Aatividade de producao pode referir-se: > aos bens: é a atividade industrial de fabricac3o de mercadorias. > aos servicos: é a atividade de prestacdo de servicos, isto é, que envolve uma obrigagio de fazer. Exemplos: bancos, estacionamentos etc. Quanto a atividade de circulagdo, também pode relacionar-se a bens ou servicos. > circulagéo de bens: é tipica dos comerciantes, pois consiste na intermediaggo entre o produtor e o comprador no atacado ou varejo. Os bens referem-se as coisas corpéreas. > circulagéo de servigos: é a atividade de mediacio entre o prestador de servico e 0 beneficidrio deste, como 6 caso das agéncias de turismo. A prestac3o de servico envolve uma obrigagao de fazer. ESPECIES DE EMPRESARIOS So trés as categorias de empresarios: DIREITO EMPRESARIAL | PROF. FLAVIO MONTEIRO DE BARROS. a) Empresério individual de responsabilidade ilimitada: E a pessoa fisica que exerce atividade empresarial. Conquanto tenha um nome empresarial, reveste-se da natureza juridica de pessoa natural. Nao se trata de pessoa juridica. Portanto, o seu patriménio particular responde, de forma ilimitada, pelas dividas contraidas no exercicio da atividade empresarial b) Empresério individual de responsabilidade limitada: E a pessoa juridica de direito privado que exerce atividade empresarial constituida por uma Unica pessoa natural. € prevista na Lei n° 12.441/2011. Sé é possivel a constituicao dessa pessoa juridica se o capital destinado a empresa estiver totalmente integralizado. O valor desse capital nao pode ser inferior a 100 (cem) saldrios minimos. Pode ser constituida desde o inicio por pessoa natural ou entdo resultar da concentracao de quotas da sociedade num nico sécio, quando entao em vez da extingao da sociedade é possivel converté-la em empresa individual de responsabilidade limitada. Aplicam-se 4 empresa individual de responsabilidade limitada, no que couber, as regras previstas para a sociedade limitada. A pessoa natural que constituir esse tipo de pessoa juridica sé poderé figurar numa Unica empresa individual dessa modalidade, mas nada obsta que seja sécio de sociedade ou que constitua outra empresa individual de responsabilidade ilimitada. ¢) Sociedade Empresaria: € a pessoa juridica que exerce atividade empresarial, constituida por dois ou mais sécios CAPACIDADE PARA SER EMPRESARIO INDIVIDUAL Somente a pessoa capaz pode ser empresério individual, logo é preciso ter 18 (dezoito) anos ou entao ser emancipado por qualquer das formas previstas no Cédigo Civil. Com efeito, dispée 0 art.972 do CC: “Podem exercer a atividade de empresdrio os que estiverem em pleno gozo da capacidade civil e nao forem legalmente impedidos”. Em hipétese alguma o incapaz poderd iniciar uma atividade empresarial. Todavia, poderé continué-la em duas a) incapacidade superveniente: Tal ocorre quando, apés 0 inicio da empresa, Ihe sobrevém incapacidade mental. b) aquisico da empresa por heranga Com efeito, dispde o art.974 do CC: “Poderd o incapaz, por meio de representante ou devidamente assistido, continuar a empresa antes exercida por ele enquanto capaz, por seus pais ou pelo autor da heranga”. Vé-se que 0 exercicio da atividade empresarial pelo menor ou incapaz serd feito mediante representacao ou assisténcia do representante legal, conforme se trate de absolutamente ou relativamente incapaz. E preciso ainda alvaré judicial para que o menor ou incapaz continue a empresa, revogavel a qualquer tempo pelo juiz, sem prejuizo dos direitos adquiridos por terceiros. 0 juiz 56 expedird o alvard apés o exame das circunstdncias e dos riscos da empresa, bem como da conveniéncia em continud-la. De fato, reza o §12 do art.974 do CC: “Nos casos deste artigo, precederé autorizagao judicial, apés exame das circunstancias e dos riscos da empresa, bem como da conveniéncia em continud-la, podendo a autoriza¢éo ser revogada pelo juiz, ouvidos os pais, tutores ou representantes legais do menor ou do interdito, sem prejuizo dos DIREITO EMPRESARIAL| PROF. FLAVIO MONTEIRO DE BARROS direitos adquiridos por terceiros”. 0 art.975 dispde que: “Se o representante ou assistente do incapaz for pessoa que, por disposicéio de lei, ndo puder exercer atividade de empresdrio, nomeard, com aprovacéo do juiz, um ou mais gerentes’ Vé-se assim que quem nomeia o gerente é 0 préprio representante, o juiz apenas aprova a nomeacdo. Fora dessa hipétese, seré ainda nomeado gerente em todos os casos em que o juiz entender ser conveniente (§12 do art.975). A aprovacio do gerente nao exime o representante ou assistente do menor ou do interdito da responsabilidade pelos atos dos gerentes nomeados (§22 do art.975). Nao ficam sujeitos ao resultado da empresa os bens que o incapaz ja possufa, ao tempo da sucesso ou da interdi¢do, desde que estranhos ao acervo daquele, devendo tais fatos constar do alvaré que conceder a autorizagdo (§ 22 do art.974). Preserva-se assim o patriménio anterior do incapaz dos riscos do negécio. O juiz, ao expedir o alvard, deveré separar os bens que o incapaz jé tinha, enumerando-se no alvaré que seré registrado na Junta Comercial, protegendo, destarte, 0 seu patriménio anterior. IMPEDIDOS DE EXERCER A EMPRESA Os impedidos sdo pessoas capazes as quais a lei veda o exercicio da atividade empresarial, com o escopo de proteger o interesse puiblico ou o mercado de consumo. Com efeito, nao podem ser empresarios: a) Falido: com a sentenca de faléncia, suspende-se para 0 falido 0 direito de exercer atividade empresarial (art.102 da Lei n® 11.101/2005). Se 0 falido nao sofreu condenaco criminal, ele pode exercer atividade empresarial a partir da sentenca que julgar extinta as suas obrigagées. Se ele foi condenado por crime falimentar e a sentenga lhe impde expressamente como efeito da condenago a inabilitago para o exercicio de atividade empresarial, ele 6 poderé tornar-se novamente empresério apés a reabilitac3o penal (art. 181, §12, da Lei n° 11.101/2005). Se foi condenado por crime falimentar, mas a sentenca nao Ihe imp6s expressamente 0 efeito da condenagao mencionado acima, ele readquire 0 direito de exercer atividade empresarial com a simples sentenca que declara extinta as suas obrigagées. b) Os magistrados, membros do Ministério Publico, Militares e funcionérios publicos; ¢) Leiloeiros: ndo podem exercer atividades estranhas as suas funcdes. 4) Devedores do INSS (art.95, §22, d, da Lei n? 8.212/1991); e) Estrangeiros: Nao podem exercer atividades relacionadas com jazidas, demais recursos minerais e com energia hidrdulica (art.176, §12, da CF). N3o podem ser proprietdrios de empresa jomnalistica e de radiofuséo sonora e de sons e imagens (art.222 da CF), mas podem ser sécios de sociedade que explore essa atividade, desde que nao seja gestor e que 70% (setenta por cento) do capital social e do capital votante pertenca a brasileiro nato ou naturalizado hd mais de 10 anos (812 do art. 222 da CF). O servico de transporte aéreo doméstico s6 pode ser exercido por pessoa juridica brasileira (art.216 CBA). 10 DIREITO EMPRESARIAL | PROF. FLAVIO MONTEIRO DE BARROS. f) Deputado e Senador: Nao podem ser proprietarios, controladores ou diretores de empresa que goze de favor decorrente de contrato com pessoa juridica de direito publico, ou nela exercer fungao remunerada (art.54, Il, a, da CF). Saliente-se, contudo, que a pessoa legalmente impedida de exercer atividade prépria de empresario, se a exercer, responderé pelas obrigacdes contratuais (art.973 do CC). Trata-se do principio de que ninguém pode alegar a propria torpeza. Portanto, o patriménio pessoal do impedido responde pelas dividas contraidas no exercicio da atividade empresarial, sem prejuizo da caracterizacdo da contravencao de exercicio ilegal da profisséo (art.47 da LCP). DISTINGAO ENTRE SOCIO E EMPRESARIO INDIVIDUAL DE RESPONSABILIDADE ILIMITADA. O sécio é a pessoa que contribui para a formagao do capital social da sociedade. Mas a sua personalidade juridica é distinta da personalidade da sociedade. Quem exerce a atividade empresarial é a sociedade, e no 0 sécio, este ndo é empresdrio e, em regra, néo responde diretamente pelas perdas sociais, mas apenas subsidiariamente, isto é, apés exaurido o patriménio social. Em contrapartida, 0 empresdrio individual de responsabilidade ilimitada é 0 exercente da atividade empresarial, respondendo diretamente, com seus bens particulares, pelas dividas contratdas. ‘As normas aplicdveis & sociedade empreséria e aos empresérios individuais de responsabilidade ilimitada, inclusive as restricoes, ndo se aplicam aos sécios, e vice-versa. O juiz de direito, por exemplo, nao pode ser empresario individual, mas nada obsta que seja sécio, desde que no exerca a administracéo. Outro exemplo: a pessoa casada pode ser empresaria individual, qualquer que seja o regime de bens, mas no pode ser sécia do cdnjuge nem de terceiro se 0 seu casamento for no regime da comunhio universal de bens ou separacao obrigatéria. Com efeito, dispde 0 art.97 do CC: “Faculta-se aos c6njuges contratar sociedade, entre si ou com terceiros, desde que no tenham casado no regime da comunhdo universal de bens, ou no da separagéo obrigatéria”. 0 sécio nao pode alienar os bens que pertencem a sociedade, mas o empresério individual casado pode, sem necessidade de outorga conjugal, qualquer que seja o regime de bens, alienar os iméveis que integrem o patriménio da empresa ou gravé-los de énus real (art.978 do CC). © incapaz nao pode ser empresario individual, mas nada obsta seja sécio, desde que nao exerca a administracao da sociedade e que o capital social esteja totalmente integralizado (§32 do art.974 do CC). © empresério individual de responsabilidade limitada, por sua vez, é pessoa juridica de direito privado, logo ndo se confunde com a pessoa fisica que a constituiu. Esta pessoa fisica assemelha-se ao sécio da sociedade limitada, respondendo apenas subsidiariamente, e de forma limitada, pelas dividas da sociedade. 1 DIREITO EMPRESARIAL| PROF. FLAVIO MONTEIRO DE BARROS 1) 2) 3) 4) 5) 6) 7) 8) 9) PERGUNTAS: O que é a teoria dos atos de comércio? O que é a teoria da empresa? Conceitue empresério? que significa profissionalismo? Quais as atividades econémicas excluidas do Direito Empresarial? Qual é a diferenca entre empresério individual, de responsabilidade limitada e ilimitada? O incapaz pode ser empresario? O falecido pode ser empresério? Qual a diferenca entre sécio e empresério individual? 12

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