You are on page 1of 41
ISSN 0102-6801 Educagéo @ Filosofia - 19 - n°. 38 -jul/dez, 2005, pp. 215-255 Carta-Prefdcio aos Princtpios da Filosofia de Descartes! A Carta-Prefiicio precede a traducio francesa dos Prinipios da Filosofia realizada pelo abade Claude Picot e autorizada pele filésofo. Escrita também em francés, essa carta lista pontos que deveriam constar do prefacio ao livro, deixando a critério do tradutor a melhor forma de apresenté-los. Contudo, foi publicada como 0 proprio pre- facio. Nela Descartes pretende dizer que ¢ possivel uma Filosofia que, diferente da ostentada pela Universidade, resgataria 0 espirito que havia motivado os primeiros pensadores. Ele procura mostrar, ao mesmo tempo, como esse processo de desrazao escolar se estabe- leceu no decorrer dos séculos e que a Filosofia que ora apresenta nao é apenas a sua mas de todo aquele que intenta conhecer efetivamen- te. Expée, pois, quais os principios a partir dos quais pode explicar © que ocorre no mundo. Em suma, nesse texto consegue de forma concisa apresentar o seu sistema filosdfico e refletir sobre o sentido da prépria Filosofia, ) Traduzido por Alexandre Guimaraes Tadeu de Soares, Professor Adjunto do Departamento de Filosofia — FAFCS/UFU. 215 Educag 216 0 ¢ Filosofia, 19 (98) 215-255, jul,/dez, 2005 LETTRE DE L’AVTHEVR A CELVY QVI A TRADVIT LE LIVRE’, laguelle peut icy feruir de Preface’. Monfieur, La verfion que vous auez pris la peine de faire de mes Principes eft fi nette & fi accomplie, qu'elle me fait efperer qu'ils feront leus par plus de perfonnes en Frangois qu’en Latin, & quiils feront mieux enten- dus. I'apprehende feulement que le titre nen rebute plufieurs qui n'ont point efté nourris aux lettres, ou bien qui ont mauuaife opinion de Ja Philofophie, a caufe que celle qu’on leur a enfeignée ne les a pas con- tentez; & cela me fait croire qu'il feroit bon d’y ad- joufter vne Preface, qui leur declaraft quel eft le fujet du Liure, quel deffein j'ay eu en lécriuant, & quelle vulité on en peut tirer. Mais encore que ce feroit 4 moy de faire cette Preface, a caufe que je doy {gauoir ces chofes-la mieux qu'aucun autre, je ne puis rien obtenir de moy-mefme, finon que je mettray | ici en a. L’Abbé Claude Picot, Prieur du Rouvre. — Voir Correspondance, LIV, p. 147, 175, 181, 22251. V, p. 66. Cl. ibidem, t. V, p. 78-79. b. Dans l'édition princeps de 1647, cette Lettre n'est imprimée qu’aprés VEpitre d la princesse Eligabeth, tradvite du latin, et placée en téte, Ni VEpitre ni la Lettre ne sont paginées. — Voir aussi, pour cette Lettre, UV, pe trterta (do) Educagao e Filosofia, 19 (38) 215.255, jul/dez, 2005 Ny CARTA DO AUTOR AOTRADUTOR, que pode servir de prefacio ao livro 1 /1_A importancia de um prefacio /? Senhor, A tradugao dos meus Principios que o senhor teve o trabalho de levar a cabo é tao clara e tao completa que me traz a esperanca de que, em francés, eles serao lidos por um maior niimero de pessoas do que em latim e que, dessa maneira, melhor ser4 a sua compreen- sao. Receio somenie que o titulo desencoraje muitos dos que nao foram educados nas Letras, ou entdo dos que nutrem uma opiniao desfavoravel acerca da Filosofia, porque a que lhes foi ensinada nao 08 satisfez. Razdo por que acredito ser bom acrescentar-Ihe um pre- facio, mostrando o assunto do livro, meu propédsito ao escrevé-loea utilidade que dele se pode tirar. Mas, mesmo que me caiba escrever este prefacio_ pois devo conhecer essas coisas melhor do que qual- quer outro,_ nao posso obter de mim mais do que um 2 A traducdo foi feita a partir do texto que se encontra na edicao Adam-Tannery, volume IX-2, pp-1-20 (Paris: Vrin-CNRS, 1996). Os parégrafos foram subdividi- dos e titulados pelo tradutor, 217 Educagao e Filosofia, 19 (98) 215.255, jul./dez. 2005, a4) 218 2 O€uvres ve Descartes. abregé les principaux points qui me femblent y de~ uoir efire traittez; & je laiffe a voftre difcretion d'en faire telle part au public que vous jugerez eftre a propos. Yaurois voulu premierement y expliquer ce que ceft que la Philofophie, en commengant par les chofes les plus vulgaires, comme font : que ce mot Philofophie fignifie I'eftude de la Sageffe, & que par la Sageffe on n’entend pas feulement la prudence dans les affaires, mais vne parfaite connoiffance de toutes les chofes que l'homme peut {cauoir, tant pour la conduite de fa vie, que pour la conferuation de fa fanté & l'inuention de tous les arts; & qu’afin que cette connoiffance foit telle, il eft neceffaire quelle foit déduite des premieres caufes, en forte que, pour eftudier a V'acquerir, ce qui fe nomme proprement philofopher, il fant commencer par 1a recherche de ces premieres caufes, c'eft a dire des Principes; & que ces Principes doiuent auoir deux conditions : Tyne, quiils foient fi clairs & fi éuidens que Vefprit humain ne puiffe douter de leur verité, lorfqu'il s'ap- plique auec attention 4 les confiderer ; l'autre, que ce foit d’eux que depende la connoiffance des autres chofes, en forte qu’ils puiffent eftre connus fans elles, mais non pas reciproquement elles fans eux; & qu'a- pres cela il | faut tafcher de déduire tellement de ces principes la connoiffance des chofes qui en de- pendent, qu'il n'y ait rien, en toute la fuite des de- dudtions qu'on en fait, qui ne foit tres-manifefte. Il n'y a veritablement que Dieu feul qui foit parfaite~ ment Sage, c'eft 4 dire qui ait 'entiere connoiffance 10 20 25 30 Tducacao e Filosofia, 19 (38) 215.255, jul /dez. 2005 /2f resumo dos principais pontos que a meu ver devem ser tratados; e deixo a seu critério a apresentacdio ao publico que julgar conveniente. 2 /2.1_ Que é a Filosofia?/ Desejaria explicar, primeiramente, o que 6a Filosofia, comecan- do pelas coisas mais comuns: esta palavra, Filosofia, significa 0 estu- do da sabedoria e, por sabedoria, nao entendemos somente a pru- déncia nos negécios mas um perfeito conhecimento de todas as coi- sas que o homem pode saber para a conduta de sua vida, para a conservacio de sua satide e para a invencdo de todas as artes. /2.2_Principios / A fim de que esse conhecimento seja perfeito, é necessario dedu- zi-lo das primeiras causas, de sorte que para procurar adquiri-lo_o que se chama propriamente filosofar_é preciso comecar pela busca dessas primeiras causas, isto é, dos principios. Esses principios de- vem obedecer a duas condicoes: a primeira, é que sejam tao claros e tao evidentes que o espirito humano nao possa duvidar de sua ver- dade quando os considera com atencao; a segunda, é que o conheci- mento das outras coisas deles dependa, de maneira que possam ser conhecidos sem elas mas nao elas sem eles. Depois do que, é preciso Pprocurar deduzir desses principios o conhecimento das coisas que dependem deles, de forma que nada exista em toda a seqiiéncia das dedusoes efetuadas que nao seja deveras manifesto. /2.3_ A Sabedoria como conhecimento das verdades importantes / Somente Deus é perfeitamente sabio, isto 6, tem o inteiro conhe- cimento 219 Educagao ¢ Filosofia, 19 (48) 215-255, jul/dez. 2005 10 is 25 220 Principes. — PREFACE. 3 de Ja verité de toutes chofes; mais on peut dire que les hommes ont plus ou moins de Sageffe, a raifon de ce qu'ils ont plus ou moins de connoiffance des veritez plus importantes. Et je croy qu'il n'y a tien en cecy, dont tous les doftes ne demeurent d'accord. Vaurois en fuite fait confiderer I'vtilité de cette Phi- lofophie, & monftré que, puis qu'elle s‘eftend 4 tout ce que I'efprit humain peut fcauoir, on doit croire que c'eft elle feule qui nous diftingue des plus fau- uages & barbares, & que chaque nation eft d'autant plus ciuilifée & polie que les hommes y philofophent mieux; & ainfi que c’eft le plus grand bien qui puiffe eftre en vn Eftat, que d'auoir de vrais Philofophes. Et outre cela, que, pour chaque homme en particu- lier, il n’eft pas feulement vtile de viure auec ceux qui s’appliquent a cét eftude, mais qu'il eft incom- parablement meilleur de s'y appliquer foy-mefme ; comme fans doute il vaut beaucoup mieux fe feruir de fes propres yeux pour fe conduire, & jouir par mefme moyen de|la beauté des couleurs & de la lumiere, que non pas de les avoir fermez & fuiure Ja conduite d'vn autre; mais ce dernier eft encore meil- leur, que de les tenir fermez & n’auoir que foy pour fe conduire. C'eft proprement auoir les yeux fermez, fans tafcher jamais de les ouurir, que de viure fans philofopher; & le plaifir de voir toutes les chofes que noftre veué découure n’eft point comparable a la fatisfaion que donne la connoiflance de celles qu'on trouue par la Philofophie; & enfin cét eftude eft plus neceffaire pour regler nos meeurs, & nous conduire en cette vie, que n’eft I'vfage de nos yeux (42) Educagao e Filosofia, 19 (38) 215.255, jul /dez. 2005 13/ da verdade de todas as coisas. Mas podemos dizer que os homens tém maior ou menor sabedoria na medida em que possuem mais ou menos conhecimento das verdades que sao importantes. E creio nada existir nesse ponto que nao seja aceito por todos os doutos. 3 /3.1_ A Filosofia e a cultura / Emseguida, consideraria a utilidade dessa Filosofia. Tendo fica- do claro que ela se estende a tudo o que 0 espirito humano pode saber, mostraria que devemos acreditar que sé ela nos distingue dos mais selvagens e barbaros, e que uma nacao € tanto mais culta e refinada quanto melhor nela os homens filosofam. Assim, o maior bem que pode haver em um Estado é possuir verdadeiros filésofos. /3.2_ Comparacdo coma visdo / E, além disso, a cada homem em particular nao é somente util viver com os que se aplicam a esse estudo, mas é incomparavelmen- te melhor a ele se aplicar. Sem dtivida, é muito melhor fazer uso dos olhos para nos conduzirmos, desfrutando da beleza das cores e da luz, do que manté-los fechados e seguir a conduta alheia, o que é, no entanto, melhor do que manté-los fechados e s6 contar consigo para a propria conduta. Pois manter os olhos cerrados sem nunca tentar abri-los 6, propriamente, viver sem filosofar. O prazer que a visao de todas as coisas descobre nao se compara satisfacao que proporcio- na oconhecimento das que se encontram pela Filosofia. Enfim, esse estudo é mais necessario para regular nossos costumes e nossa con- duta nesta vida do que 0 uso de nossos olhos para guiar nossos Passos. 221 Educacao e Filosofia, 19 (38) 215.255, jul, /dez. 2005, (a3) 222 4 Okvvres pe Descartes. pour guider nos pas. Les beftes brutes, qui n'ont que leurs corps a conferuer, s'occupent continuel- Jement a4 chercher de quoy le nourrir; mais les hommes, dont Ia principale partie eft l'efprit, de- uroient employer leurs principaux foins 4 la re- cherche de la Sageffe, qui en eft la vraye nourriture ; & je m’affure auffi qu'il y en a plufieurs qui n'y man- queroient pas, sjils auoient efperance d’y reiiffir, & qu’iis fceuffent combien ils en font capables. Il n'y a point d'ame tant foit peu noble, qui demeure fi fort attachée aux objets des fens, qu'elle ne s'en détourne quelquefois pour fouhaiter quelque autre plus grand bien, nonobftant qu'elle ignore fouvent en quoy il confifte. Ceux que la fortune | fauorife le plus, qui ont abondance de fanté, d'honneurs, de richeffes, ne font pas plus exempts de ce defir que les autres; au contraire, je me perfuade que ce font eux qui fou- pirent auec le plus d'ardeur apres vn autre bien, plus fouuerain que tous ceux qu'ils poffedent. Or ce fou- uerain bien, confideré par la raifon naturelle fans la lumiere de la foy, n’eft autre chofe que la connoif- fance de la verité par fes premieres caufes, ceadire la Sageffe, dont la Philofophie eft l'eftude. Et, pource que toutes ces chofes font entierement vrayes, elles ne feroient pas difficiles a perfuader, fi elles eftoient bien déduites. Mais, pource qu'on eft empefché de les croire par Yexperience, qui monftre que ceux qui font profeffion @eftre Philofophes, font fouuent moins fages & moins raifonnables que d'autres qui ne fe font jamais appli- quez 4 cét eftude, jaurois icy fommairement expliqué 10 5 20 25 30 Educagio e Filosofia, 19 (38) 215-255, jul./dez. 2005 /4/ /3.3_ A ocupacao mais importante dos homens/ Os bichos, que sé tém o corpo para conservar, estao continua- mente ocupados com a sua nutricao. Mas os homens, cuja principal parte ¢ 0 espirito, deveriam empregar os seus maiores cuidados na procura da sabedoria_ seu verdadeiro alimento. Estou seguro tam- bem de que muitos nao deixariam de fazé-lo se tivessem esperanca de sucesso e se soubessem do quanto sao capazes. Nao ha alma por menos nobre seja ela que permaneca tao atada aos objetos dos senti- dos, a ponto de nao ser capaz de as vezes desviar-se deles para almejar outro bem maior, embora freqiientemente possa ignorar em que consiste. Mesmo os mais favorecidos pela fortuna, com abun- dancia de satide, de honrarias, de riquezas nao esto, assim como os outros, isentos desse desejo. Ao contrario, estou convencido de que so eles que aspitam mais ardorosamente por um outro bem supe- rior a todos os que possuem, Ora, esse bem supremo, que a razao natural considera como independente da fé, nada mais 6 do que 0 conhecimento da verdade por suas primeiras causas, isto 6, a sabe- doria, em cujo estudo consiste a Filosofia. E como todas essas coisas sao inteiramente verdadeiras, nao seria dificil admiti-las se fossem bem deduzidas. 4 /4.1_O mau exemplo dos fildsofos de profissa0/ Mas como a experiéncia impede que acreditemos nelas, mos- trando que os filésofos de profissio sdo amitide menos sabios e menos razoaveis do que os que nunca se dedicaram a esse estudo, teria entao explicado de forma resumida 223 Educagio e Filosofia, 19 (38) 215-255, jul./dez. 2005 a5 20 25 30 224 Prinetpes. — Prerace. 5 en quoy confifte toute la fcience qu'on a maintenant, & quels font les degrez de Sageffe aufquels on eft paruenu. Le premier ne contient que des notions qui font fi claires d'elles mefmes qu'on les peut acquerir fans meditation. Le fecond comprend tout ce que |'ex- perience des fens fait connoiftre. Le troifiéme, ce que Ja conuerfation des autres hommes nous enfeigne. A|quoy on peut adjoufter, pour le quatriéme, la le- @ure, non de tous les Liures, mais particulierement de ceux qui ont efté écrits par des perfonnes capables de nous donner de bonnes inftrudtions, car c’eft vne efpece de conuerfation que nous auons avec leurs autheurs. Et il me femble que toute la Sageffe qu'on a couftume d'auoir n‘eft acquife que par ces quatre moyens ; car je ne mets point icy en rang Ja reuela- tion diuine, pource qu'elle ne nous conduit pas par degrez, mais nous éleue tout d'vn coup a yne creance infaillible. Or il y a ev de tout temps de grands hommes qui ont tafché de trouver va cinquiéme de- gré pour paruenir a la Sageffe, incomparablement plus haut & plus affuré que les quatre autres : c’eft de chercher les premieres caufes & les vrays Principes dont on puiffe déduire les raifons de tout ce qu’on eft capable de fgauoir; & ce font particulierement ceux qui ont trauaillé a cela qu'on a nommez Phi- lofophes. Toutefois je ne fgache point qu'il y en ait eu jufques a prefent a qui ce deffein ait reiiffi. Les premiers & les principaux dont nous ayons les écrits font Platon & Ariftote, entre lefquels il n'y a eu autre difference finon que le premier, fuiuant les traces de fon maiftre Socrate, a ingenuément confeffé qu'il «s) Fducagie ¢ Filosofia, 19 G8) 215255, jul /dez, 2008 15/ aquilo em que consiste toda a ciéncia que ora possuimos e quais os graus de sabedoria a que chegamos. /4.2_Os quatro graus de sabedoria / O primeiro grau contém apenas noges que sao tao claras em si mesmas que podem ser adquiridas sem meditacao. O segundo com- preende tudo o que a experiéncia dos sentidos nos leva a conhecer. O terceiro, 0 que 0 convivio com os outros homens nos ensina. Ao que pode ser acrescentado, como o quarto, a leitura, nao de todos, mas particularmente a dos livros escritos por pessoas capazes de nos instruir, pois é uma espécie de conversacdo com os seus autores. /4.3_ Um quinto grau de sabedoria / Sou de parecer que toda a sabedoria que habitualmente existe s6 se adquire através desses quatro meios, e nao incluo entre eles a revelacdo divina, porque nao nos conduz de forma gradual mas ele- va-nos, de repente, a uma crenga infalfvel. Ora, sempre houve gran- des homens que trataram de encontrar um quinto grau de sabedoria, incomparavelmente mais elevado e mais seguro que esses outros, que consistisse na busca das primeiras causas e dos verdadeiros principios a partir dos quais possamos deduzir as razdes de tudo o que somos capazes de saber. E os que nisso particularmente traba- Iharam é que foram chamados de filésofos. /4.4_ O malogro de Platao e Arist6teles/ Entretanto, nao conheco ninguém que até o presente momento tenha sido bem sucedido nesse intento. Os primeiros e principais cujos escritos possuimos sao Platao e Aristételes. $6 diferem entre si apenas porque o primeiro, seguindo as pegadas de seu mestre Sécrates, confessou Educacio © Flsofia, 19 (38) 215.255, jul /dez, 2005, (45) (48) 226 6 Okuvres pe Descartes. n’auoit encore rien pi trouver de certain, & s'eft contenté | d’écrire tes chofes qui luy ont femblé eftre vray-femblables, imaginant a cét effet quelques Prin- cipes par lefquels il tafchoit de rendre raifon des autres chofes; au lieu qu’Ariftote a eu moins de fran- chife, & bien qu'il euft efté vingt ans fon difciple, & neuft point d'autres Principes que les fiens, il a en- tierement changé la facon de les debiter, & les a pro- pofez comme vrays & affurez, quoy quill n'y ait au- cune apparence qu'il les ait jamais cftimé tels. Or ces deux hommes auoient beaucoup d'efprit, & beau- coup de la Sagefle qui s‘acquiert par les quatre moyens precedens, ce qui leur donnoit beaucoup d'authorité, en forte que ceux qui vinrent apres eux s'arrefterent plus a fuiure leurs opinions qu’a cher- cher quelque chofe de meilleur. Et la principale dif- pute que leurs difciples eurent entre eux, fut pour fcauoir fi on deuoit mettre toutes chofes en doute, ou bien sil y en auoit quelques vnes qui fuffent cer- taines. Ce qui les porta de part & d'autre 4 des er- Treurs extrauagantes : car quelques-vns de ceux qui eftoient pour le doute, l'eftendoient mefme jufques aux adtions de la vie, en forte qu'ils negligeoient d'vfer de prudence pour fe conduire; & ceux qui maintenoient la certitude, fuppofant qu'elle devoit dependre des fens, fe fioient entierement 4 eux, juf- ques-la qu'on dit | qu’Epicure ofoit affurer, contre tous les raifonnemens des Aftronomes, que le Soleil neft pas plus grand qu'il paroift. C'eft vn defaut qu'on peut remarquer en la plufpart des difputes, que, la verité eftant moyenne entre les deux opinions qu'on 10 a5 20 25 30 Educagao e Filosofia, 19 (38) 215-255, jul./dez, 2005 /6/ francamente nada haver encontrado de certo. Ele se contentou com escrever sobre o que lhe parecia verossimil, para o que imaginou certos principios a partir dos quais tratava de dar a razao das outras coisas. Ao passo que Aristételes foi menos franco. Apesar de ter sido seu discfpulo por vinte anos e nao professar outros principios, alterou por inteiro a maneira de apresenta-los, propondo-os como verdadeiros e seguros, embora nao exista nenhum indicio de que um dia assim os tivesse estimado. /4.5_Os erros dos seus sucessores / Ora, ambos eram homens de muito engenho e possuidores de muito daquela sabedoria que se adquire através dos quatro primei- ros meios_o que lhes conferia grande autoridade,_ de maneira que seus sucessores mais cuidaram de seguir a opiniao deles do que de buscar algo melhor. A discusséo mais importante que seus discipu- los travaram foi para saber se era preciso pér todas as coisas em duvida ou se entre elas havia algumas que fossem certas. Isso os levou de um lado e de outro a erros extravagantes. Alguns dos que eram pela divida estenderam-na até as acdes da vida, descurando do uso da prudéncia em sua conduta. Os que sustentavam a certeza supunham-na dependente dos sentidos e neles confiavam inteira- mente, ao ponto de Epicuro, ao que se diz, ter ousado afirmar, con- trariando assim todos os raciocinios dos astrénomos, que 0 Sol nao é maior do que parece. /4.6_ A correcio do erro desses sucessores / Faiha essa que pode ser observada na maioria das discussées, pois como a verdade fica no meio, entre as duas opinides que se 227 Fducacao e Filosofia, 19 (38) 215-255, jul /dez. 2005 10 is 20 25 30 228 Princtres. — PREFACE. 7 fouftient, chacun s’en éloigne d’autant plus qu'il a plus d'affe@ion a contredire. Mais l'erreur de ceux qui penchoient trop du cofté du doute ne fut pas long- temps fuiuie, & celle des autres a efté quelque peu corrigée, en ce qu'on a reconnu que les fens nous trompent en beducoup de chofes. Toutefois je ne {cache point qu'on !'ait entierement oftée, en faifant voir que la certitude n’eft pas dans le fens, mais dans Ventendement feul, lors qu’il a des perceptions eui- dentes; & que, pendant qu'on n’a que les connoif- fances qui s'acquerent par les quatre premiers degrez de Sageffe, on ne doit pas douter des chofes qui fem- blent vrayes, en ce qui regarde la conduite de la vie, mais qu’on ne doit pas aufii les eftimer fi certaines qu'on puiffe changer d'aduis, lorfqu’on y eft obligé par l'euidence de quelque raifon. Faute d'auoir connu cette verité, ou bien, s'il y en a qui l’ont connué, faute de s'en eftre feruis, la plufpart de ceux de ces der- niers fiecles qui ont voulu eftre Philofophes, ont fuiuy aveuglement Ariftote, en forte qu'ils ont fouuent| cor- rompu le fens de fes écrits, en uy attribuant diuerfes opinions qu'il ne reconnoiftroit pas eftre fiennes, s'il reuenoit en ce monde; & ceux qui ne l'ont pas fuiuy (du nombre defquels ont efté plufieurs des meilleurs efprits) n'ont pas laiffé d'auoir efté imbus de fes opi- nions en leur jeuneffe (pource que ce font les feules qu'on enfeigne dans les efcholes), ce qui les a telle- ment preoccupez, qu’ils n'ont pi paruenir a la con- noiffance des vrays Principes. Et bien que je les eftime tous, & que je ne vueille pas me rendre odieux en les reprenant, je puis donner vne preuue de mon dire a7) Educagio e Filosofia, 19 (38) 215-255, jul./dez. 2005 /7/ defendem, a distancia dela sera tanto maior quanto mais paixao se ponha em contraditar. O erro, porém, dos que pendiam em demasia para 0 lado da duivida nao foi seguido por muito tempo, e o dos outros foi em parte corrigido por ter sido reconhecido que os sentidos nos enganam em muitas coisas. Nao me parece, entretanto, que o eliminaram de todo, mostrando que a certeza nao reside nos sentidos mas s6 no intelecto que percebe com evidéncia; e também que, enquanto possuimos to s6 os conhecimentos que se adquirem mediante os quatro primeiros graus de sabedoria, as coisas que parecem verdadeiras no que concerne a conduta da vida nao devem ser postas em duvida, embora, por outro lado, nao as devamos estimar tao certas que nao seja possivel mudar de opiniao se formos obrigados pela evidéncia de alguma razao. /4.7_ A influéncia de Aristételes / Por nao conhecer essa verdade, ou se a conheciam por naoa ter empregado, é que a maior parte dos que nestes ultimos séculos quiseram ser filésofos seguiu cegamente Aristoteles, corrompendo freqiientemente o sentido dos seus escritos ao atribuirem-lhe muitas opinides que ele, se voltasse a este mundo, nao reconheceria como suas. E os que nao o seguiram( entre os quais se incluem muitos dos melhores espiritos) nem por isso deixaram de sofrer a influéncia de suas opinides na juventude (porque sao as tnicas que se ensinamnas escolas), o que os ocupou de tal maneira que nao puderam chegar ao conhecimento dos verdadeiros principios. /4.8_Os principios nao foram conhecidos perfeitamente/ E apesar de eu os estimar a todos e nao queira me tornar odioso repreendendo-os, posso dar uma prova do que afirmo 229 Educacao e Filosofia, 19 (38) 215-255, jul dex. 2005 (48) 230 8 CEuvres pe Descartes. que je ne croy pas qu’aucun d’eux defaduové, qui eft qu'ils ont tous fuppofé pour Principe quelque chofe qu‘ils n’ont point parfaitement connué. Par exemple, je n’en {cache aucun qui n'ait fuppofé la pefanteur dans les corps terreftres; mais encore que Yexperience nous monftre bien clairement que les corps qu'on nomme pefans defcendent vers le centre de la terre, nous ne connoiffons point pour cela quelle eft la nature de ce qu'on nomme pefanteur, ceft a dire de la caufe ou du Principe qui les fait ainfi defcendre, & nous le deuons apprendre d'ail- leurs. On peut dire le mefme du vuide & des atomes, & du chaud & du froid, du fec, de Vhumide, & du fel, du fouffre, du | mercure, & de toutes les chofes fem- blables que quelques-vns ont fuppofées pour leurs Principes. Or toutes les conclufions qu'on deduit d'vn Principe qui n’eft pas éuident ne peuvent auffi eftre euidentes, encore quelles en feroient déduites evidemment : d'ou il fuit que tous les raifonnemens qwils ont appuyez fur de tels Principes, n'ont pa leur donner la connoiffance certaine d’aucune chofe, ny par confequent les faire auancer d'vn pas en la re- cherche de la Sageffe. Et s'ils ont trouué quelque chofe de vray, ce n’a efté que par quelques-vns des quatre moyens ci-deffus déduits*. Toutefois je ne veux rien diminuer de Thonneur que chacun d'eux peut pretendre; je fuis feulement obligé de dire, pour la confolation de ceux qui n'ont point eftudié, que tout de mefme qu'en voyageant, pendant qu'on tourne le dos au lieu of I'on veut aller, on s'en éloigne d’autant a. Ciravant, p. 5,1. 3-17, et p. 70 be 11 10 1s 20 a5 Educagao e Filosofia, 19 (38) 215-255, jul /dez. 2005 /8/ nao sendo desmentido, creio, por nenhum deles, a saber, que todos pressupuseram como principio alguma coisa que nao conheciam perfeitamente. Por exemplo, nenhum deles que eu saiba deixou de supor 0 peso nos corpos terrestres, Mas, embora a experiéncia nos mMostre muito claramente que os corpos que se dizem pesados descem Para o centro da terra, nao é por isso que conhecemos qual a natureza do que se denomina peso, isto é, a causa ou 0 principio que os faz descer: devemos aprendé-Jo alhures. O mesmo se pode dizer do vacuo e dos atomos, do quente e do frio, do seco, do amido, e do sal, do enxofre, do merctrio e de todas as coisas semelhantes que alguns pressupuseram como seus principios. /4.9_ A impossibilidade de chegar ao conhecimento certo a partir de principios nao evidentes / Ora, todas as conclusées tiradas de um principio que nao é evidente nao podem ser também evidentes, mesmo que tenham sido deduzidas evidentemente. Segue-se dai que todos os raciocinios as- sentes sobre tais principios nao puderam dar-lhes conhecimento cer- to de coisa alguma nem, portanto, fazer que dessem um s6 passo adiante na procura da sabedoria. E se algo de verdadeiro encontra- ram foi apenas por alguns dos quatro meios acima expostos. /4.10_ A velha filosofia como obstéculo ao aprendizado da verdadeira / Nao desejo, porém, em nada diminuir a honra que cada um deles pode pretender. Sou obrigado a dizer somente, para consolo dos que nao estudaram, que do mesmo modo que ao viajar, se dei- xamos para tras 0 lugar aonde queremos ir, dele nos afastamos tanto mais quanto mais tempo e mais depressa caminharmos, 231 Baucas 10 20 25 30 232 0 ¢ Filosofia, 19 (38) 215-255, jul./dez, 2005 Prucipes. — Prerace. 9 plus qu'on marche plus long-temps & plus vifte, en forte que, bien qu'on foit mis par aprés dans le droit chemin, on ne peut pas arriuer fitoft que fi on n’auoit point marché auparauant; ainfi, lors qu'on a de mau- uais Principes, d’autant qu'on les cultiue dauantage, & qu'on s’applique avec plus de foin a en tirer di- uerfes confequences, penfant que ce foit bien philo- fopher, d'aujtant s'éloigne-t'on dauantage de la con- noiffance de la verité & de la Sageffe. D'ou il faut conclure que ceux qui ont le moins apris de tout ce qui a efté nommé jufques icy Philofophie, font les plus capables d'apprendre la vraye. Apres auoir bien fait entendre ces chofes, j'aurois voulu mettre icy les raifons qui feruent a prouuer que les vrays Principes par Jefquels on peut paruenir a ce plus haut degré de Sageffe, auquel confifte le fouue- rain bien de la vie humaine, font ceux que jay mis en ce Liure : & deux feules font fuffifantes a cela, dont la premiere eft quiils font tres-clairs, & la feconde, qu’on en peut deduire toutes les autres chofes : car il n'y a que ces deux conditions qui foient requifes en eux. Or je prouue ayfement qu'ils font tres-clairs : premierement, par la fagon dont je les ay trouuez, 4 {gauoir en rejettant toutes les chofes aufquelles je pouuois rencontrer la moindre occafion de douter; car il eft certain que celles qui n'ont pa en cette fagon eftre rejettées, lorfqu’on s‘eft appliqué a les confi- derer, font les plus euidentes & les plus claires que Vefprit humain puiffe connoiftre. Ainfi, en confiderant que celuy qui veut douter de tout, ne peut toutefois douter qu'il ne foit, pendant|qu'il doute, & que ce ae) (20) Educagao ¢ Filosofia, 19 (8) 215-255, jul dez. 2008 /9/ de sorte que, mesmo se retomarmos em seguida 0 caminho correto, nao podemos chegar ao destino tao depressa como se nao tivéssemos andado anteriormente; assim também quando nossos principios sao maus, quanto mais 0s cultivamos e mais cuidadosos somos em deles extrair conseqiiéncias, pensando estar assim filosofando bem, tanto mais estamos nos afastando do conhecimento da verdade e da sabedoria. Donde é necessario concluir que os que menos aprenderam. de tudo 0 que foi chamado até agora de Filosofia sAo 0s mais capazes de aprender a verdadeira. 5 /5.1_Os verdadeiros principios sao caracterizados por duas razdes / Depois de deixar essas coisas bem compreensiveis, gostaria de apresentar as razdes suscetiveis de provar que os verdadeiros prin- cipios para se chegar até a esse mais alto grau de sabedoria_ que consiste no supremo bem da vida humana_ sao os de que fiz uso neste livro, Duas raz6es somente sao suficientes para tanto_a pri- meira ¢ que sao muito claros; e a segunda, que deles podemos dedu- zir todas as outras coisas: pois essas sao as duas tinicas condicdes por eles exigidas. /5.2_ A primeira prova da clareza dos principios / Ora, provo facilmente que sao muito claros: em primeiro lugar, pela maneira como os encontrei, a saber, pela rejeicdo de todas as coisas em que se poderia encontrar a menor ocasiao de duvidar_pois as que ndo puderam ser dessa maneira rejeitadas, quando nos apli- camos em considerd-las, séo as mais evidentes e as mais claras que o espirito humano pode conhecer. Assim, considerando que quem de tudo quer duvidar nao pode duvidar, porém, de que ele mesmo é enquanto duvida, e 0 que a coisa que assim 233 Educagio e Filosofia, 19 (8) 215-255, jul,/ der. 2005 eh 234 10 C&vvres bE Descartes. qui raifonne ainfi, en ne pouuant douter de foy-mefme & doutant neantmoins de tout le refte, n’eft pas ce que nous difons eftre noftre corps, mais ce que nous appellons noftre ame ou noftre penfée, j'ay pris leftre ou Vexiftence de cette penfée pour le premier Prin- cipe, duquel j'ai deduit tres-clairement les fuivans: a fgauoir qu'il y a vn Dieu, qui eft autheur de tout ce qui eft au monde, & qui, eftant la fource de toute ve~ rité, n'a point creé noftre entendement de telle nature qu'il fe puiffe tromper au jugement qu'il fait des chofes dont il a vne perception fort claire & fort diflin@e. Ce font 1a tous les Principes dont je me fers touchant les chofes immaterielles ou Metaphyfiques, defquels je déduits tres-clairement ceux des chofes corporelles ou Phyfiques, 4 fcauoir qu'il y a des corps eftendus en Jongueur, largeur & profondeur, qui ont diuerfes figures & fe meuvent en diuerfes fagons. Voyla, en fomme, tous les Principes dont je déduits la verité des autres chofes. L’autre raifon qui prouue la clarté des* Principes eft qu’ils ont efté connus de tout temps, & mefme receus pour vrays & indubitables par tous les hommes, excepté feulement Yexiftence de Dieu, qui aefté mife en doute par quelques-vns, a | caufe qu’ils ont trop attribué aux perceptions des fens, & que Dieu ne peut eftre vi ny touché. Mais encore que toutes les veritez que je mets entre mes Principes ayent efté connués de tout temps de tout le monde, il n'y a toutefois eu perfonne jufques a prefent, que je {gache, qui les ait reconnués pour les Principes de la Philofophie, c’eft 4 dire pour telles qu’on en peut dé- a. Lire de ces ? 10 20 to Baucagio e Filosofia, 19 (38) 215-255, jul,/dez. 2005, /10/ raciocina, nao podendo duvidar de si mesmo embora duvidando de tudo o mais, nao é 0 que dizemos ser nosso corpo mas o que chamamos nossa alma ou nosso pensamento, tomei o Ser ou a exis- téncia desse pensamento como primeiro principio, do qual dedu- zi, de modo muito claro, os que se seguem: ha um Deus, autor de tudo o que esta no mundo, e que, por ser a fonte de toda a verdade, no criou nosso intelecto com uma natureza tal que ele possa enganar- se no juizo que faz sobre as coisas percebidas muito clara e muito distintamente. /'5.3_ Os principios fisicos / Esses sao todos os principios de que me sirvo a respeito das coisas imateriais ou metafisicas. Deles deduzo de maneira muito clara os que se referem as coisas corporais ou fisicas, que sao: ha corpos extensos em comprimento, largura e profundidade, com di- versas figuras, movendo-se de diversas maneiras, Em suma, esses sao todos os principios de que deduzo a verdade das outras coisas. /5.4_ A segunda prova da clareza dos principios / A outra razo que prova a clareza dos principios é 0 fato de que foram desde sempre conhecidos e até considerados verdadeiros e indubitaveis por todos os homens, excetuando-se apenas a existén- cia de Deus, posta em divida por alguns que muito concederam as percepgées dos sentidos, j4 que Deus nao pode ser nem visto nem tocado. /5.5_ A segunda tazao que caracteriza os verdadeiros principios / Mas, embora todas as verdades que esto entre os meus princi- pios tenham sido sempre conhecidas por todo o mundo, nao houve ninguém até agora, que eu saiba, que as tenha reconhecido como os principios da 235 Educagio e Filosofia, 19 (38) 215.255, jul./dez. 2005 10 5 20 23 30 236 Principes. —- PREFACE. 11 duire la connoiffance de toutes les autres chofes qui font au monde : c'eft pourquoy il me refte icy a prouuer qu'elles font telles; & il me femble ne le pou- uoir mieux qu’en le faifant voir par experience, c'eft a dire en conuiant les Ledteurs a lire ce Liure. Car encore que je n'y aye pas traitté de toutes chofes, & que cela foit impoffible, je penfe auoir tellement ex~ pliqué toutes celles dont j'ay eu occafion de traitter, que ceux qui les liront avec attention auront fujet de fe perfuader qu'il neft point befoin de chercher d'autres Principes que ceux que j'ay donnez, pour paruenir a toutes les plus hautes connoiffances dont l'efprit humain foit capable; principalement fi, apres auoir leu mes écrits, ils prennent la peine de confi- derer combien de diverfes queftions y font expliquées, & que, parcourant auffi ceux des autres, ils voyent combien peu de raifons vray-femiblables on a pa donner, pour expliquer les mefmes queftions par des Principes differens des miens. Et, afin qu’ils entre~ prennent cela plus aifement, j'aurois pa leur dire que ceux qui font imbus de mes opinions ont beaucoup moins de peine a entendre les écrits des autres & 4 en connoiftre 1a jufte valeur, que ceux qui n’en font point imbus,; tout au contraire de ce que jay tantoft dit de ceux qui ont commence par I'ancienne Philofo- phie, que d’autant qu’ils y ont plus eftudié, d'autant ils ont couftume d’eftre moins propres a bien ap- prendre la vraye. Taurois auffi adjoufté vn mot d’aduis touchant la facon de lire ce Liure, qui eft que je voudrois qu'on le parcouruft d'abord tout entier ainfi qu’vn Roman, fans (a) Educagao e Filosofia, 19 (38) 215 jul /dez, 2005 // Filosofia, isto 6, de modo que delas se possa deduzir o conhecimento de todas as outras coisas do mundo; por isso resta-me provar que elas sao principios. E me parece que nao possa fazer de modo melhor do que recorrendo a experiéncia, ou seja, convidando os leitores a leitura deste livro. Pois, embora nao tenha nele tratado de todas as coisas_o que é impossivel_, penso ter explicado de tal modo todas as que tive a oportunidade de tratar que os leitores atentos tenham motivo para se convencer que nao hd necessidade de buscar outros principios, que nao sejam os que propus, para chegar a todos os mais altos conhecimentos de que o espirito humano é capaz. Principalmente se, depois de terem lido os meus escritos, derem-se ao trabalho de considerar o ntimero de questées diversas que nele se explicam e que, lendo também 0s escritos dos outros, vejam como 6 pequeno o ntimero de razées verossimeis que foram dadas para explicar as mesmas questées por principios diferentes dos meus. E, para que assim procedam mais facilmente, poderia ter-lhes dito que os que estejam imbuidos das minhas opinides tém muito menos dificuldade para entender os escritos dos outros e avali-los no seu justo valor do que os que nao estejam. Muito ao contrario do que eu disse ha pouco sobre os que comegaram pela velha Filosofia: quanto mais a tenham estudado tanto menos aptidao mostram para aprender a verdadeira. 6 /6_ Sobre a maneira de ler este livro / Teria igualmente acrescentado uma palavra de conselho sobre a maneira de ler este livro, a saber: gostaria de que inicialmente o leitor © percorresse inteiramente como um romance, sem forcar muito a atencao, 237 Educagao e Filosofia, 19 (08) 215-255, jul,/dez, 2005, (3) 238 12 Obuvres pe Descartes. forcer beaucoup fon attention, ny s'arrefter aux diffi- cultez qu'on y peut rencontrer, afin feulement de fca- uoir en gros quelles font les matieres dont j'ay traitté; & qu’apres cela, fion trouue qu'elles meritent d'eftre examinées, & qu'on ait la curiofité d'en connoiftre les caufes, on le peut lire vne feconde fois, pour remar- quer la fuitte de mes raifons; mais qu'il ne fe faut pas derechef rebuter, fion ne la peut affez connoiftre par- tout, ou qu'on ne les entende pas toutes; il faut feule- ment marquer d'vn | trait de plume les lieux ot T'on trouvera de la difficulté, & continuer de lire fans in- terruption jufques 4 la fin; puis, fi on reprend le Liuse pour la troifieme fois, j'ofe croire qu'on y trouuera la folution de la plufpart des difficultez qu'on aura marquées auparavant; & que, sil en refte encore quelques-ynes, on en trounera enfin la folution en relifant. Tay pris garde, en examinant le naturel de plu- fieurs efprits, qu'il n'y en a prefque point de fi grofliers ny de fi tardifs, qu'ils ne fuffent capables d'entrer dans les bons fentimens & mefmes d'acquerir toutes les plus hautes {ciences, s‘ils eftoient conduits comme il faut. Et cela peut auffi eftre prowué par rai- fon : car, puis que les Principes font clairs, & qu'on n'en doit rien déduire que par des raifonnemens tres- éuidens, on a touf-jours affez d'efprit pour entendre les chofes qui en dependent. Mais, outre l"empefche- ment des prejugez, dont aucun n’eft entierement exempt, bien que ce font ceux qui ont le plus eftudié les mauuaifes {ciences aufquels ils nuifent le plus, it arrive prefque touf-jours que ceux qui ont l'efprit 10 5 20 25 30 Tiducagio © Filosofia, 19 (8) 2152355, jul dex 2005 /12/ nem se detendo nas dificuldades que se encontrarem, para apenas saber em termios gerais quais as matérias de que tratei, Depois disto, se achar que elas merecem maior exame e pela curiosidade de conhecer-lhes as causas, pode-se 1é-lo uma segunda vez para verificar a seqiiéncia das minhas razées. Mas nado deve causar desagrado o fato de nao poder conhecé-la suficientemente em toda a parte ou se nao as entender todas elas, sendo necessdrio apenas sublinhar a tinta os lugares onde se achar dificuldade, continuando a leitura sem interrupcao até o fim. Em seguida, se o livro é retomado pela terceira vez, tenho a ousadia de crer que nele se encontrara a solucao para a maioria das dificuldades que foram anotadas anteriormente, e se algumas ainda restarem, sua solucao sera finalmente encontrada numa releitura. Z /7.1_ A possibilidade de acesso ao discernimento e as ciéncias superiores / Examinando a disposicao natural de muitos espiritos, notei que quase nao existem, por mais grosseiros e por mais tardos que sejam, 0s que nao fossem capazes de discernimento e até de adquirir todas as ciéncias superiores, quando conduzidos como é necessario. /7.2_ A necessidade de tempo e atenco na leitura / O que pode ser provado também por raz4o, pois, como os prin- cipios sao claros e ja que nada deve ser deduzido deles a nao ser por raciocinios muito evidentes, sempre possuimos espirito suficiente para entender as coisas que dependem deles. Mas, além do obstacu- lo dos preconceitos, dos quais ninguém esta inteiramente isento — embora sejam os que mais estudaram as ciéncias perniciosas os mais Pprejudicados por eles,— ocorre 239 Educagao © Filosofia, 19 (38) 215-55, jul. /dez, 2005 10 5 20 25 4o 240 Princires. — PREFACE 4 moderé negligent d'eftudier, pource quils n’en penfent pas eftre capables, & que les autres qui font plus ardens fe haftent trop : d’ou vient qu'ils|regoiuent fouuent des Principes qui ne font pas éuidens, & qu'ils en tirent des confequences incertaines. C’eft pour- quoy je voudrois affurer ceux qui fe defient trop de leurs forces, qu'il n'y a aucune chofe en mes écrits quiils ne puiffent entierement entendre, s'ils prennent la peine de les examiner; & neantmoins aufli auertir les autres, que mefmes les plus excellens efprits au- ront befoin de beaucoup de temps & d'attention pour remarquer toutes les chofes que j’ay eu deffein d'y comprendre. En fuitte de quoy, pour faire bien conceuoir quel bur jiay eu en Jes publiant, je voudrois icy expliquer Vordre qu'il me femble qu'on doit tenir pour s'inf- truire. Premierement, vn homme qui n'a encore que Ja connoiffance vulgaire & imparfaite qu'on peut ac- querir par les quatre moyens cy-deffus expliquez*, doit auant tout tafcher de fe former vne Morale qui puiffe fuffire pour regler les a¢tions de fa vie, a caufe que cela ne fouffre point de delay, & que nous deuons fur tout tafcher de bien viure. Apres cela, il doit auffi eftudier la Logique : non pas celle de I'efchole, car elle n'eft, 4 proprement parler, qu'vne DialeCtique qui enfeigne les moyens de faire entendre a autruy les chofes qu'on feait, ou mefme auffi jde dire fans juge- ment plufieurs paroles touchant celles qu'on ne f{cait pas, & ainfi elle corrompt le bon fens pluftoft quelle ne l'augmente; mais celle qui apprend a bien conduire a. Cieavant, p. 5,1 3-13, a (25)

You might also like