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da disposicao Mead foi reticente quando se tratava de falar da mie e de estudar sua influéncia na neurose do filho. No entanto, ele situou bem a fixagao 4 qual retorna a neurose obsessiva: o perfodo pré-genital dito sAdico-anal. Costuma-se dizer que 0 obsessivo ¢ “muito ligado 4 mae”. Nao foi o que Freud exatamente obseryou, nem 0 que podemos ouvir do lugar do analista. Em seu Leonardo, embora fique hesitante, sublinha sem ambigiii- dade que a ternura da mae é um pouco excessiva' . Ferenczi fazia a hipotese, prudente mas categérica, de “uma importancia maior da tendéncia inces- tuosa nos adultos, recalcada e assumindo a méscara da ternura”’. Lacan verd no “sexo macho 0 sexo fraco com relagdo a peryersio”*. O apego da mie vai se revelar muito particular. A mae se aliena no filho. Quem ama quem? Podemos falar de amor? Freud encontrou insupe- raveis dificuldades quanto a andlise do ddio da mae vom respeito a seu filho*. Ele preferiu insistir na ambivaléncia amor/ddio recaleada. O que exatamente estd em jogo entre a mae € 0 filho? , Un souvenir d’enfance de Léonard de Vinci (1910), trad. franc, J. Altounian, A, urguignon, P. Cotet, A. Rauzy, Paris, Gallimard, 1987. - de relaxation et néocatharsis”, em Psychanalyse. CEuvres completes, 38 O inferno do dever _ . e F ri » Passiva, Nao basta sugerir que a mae do obsessivo seria doce, passiva, _ ame mou tanto. filho um garoto bem mau, apegado a sua mamae aie a a da a, cheia de édio, teria dado a luz uma infeliz garotinha cuja e seria justificada. Dj queixa em relagdo a uma mie que nao soube amé-la cedeayae da. Dis. a mae do obsessivo ¢ histérica, injus curso um pouco simplista. Dizer, com Bouvet, que : om filica, castradora e fascinante’ nao é mais accitavel. Estes jd sao efeitos de sua ligacao com 0 filho, Ela nao é nada disso @ prior. ’ 1 “Quando o filho nasce, a mae € bruscamente privada de seu objeto rotalizador imagindrio. Freud falava de Narciso privado desse aula pelo aparecimento de um objeto real e da depressao que se sens a mae tem outras solugdes. Depois de uma fase quase parandica de ea a queda da libido apés o nascimento pode provocar todos os tipos de sintomas. Como uma mie enfrenta a castragao simbdlica reativada pela perda do filho? Ele nao est4 mais no lugar onde estava e a distancia entre o objeto imagindrio eo objeto real abre uma lacuna, Nao que ele seja melhor ou pior que o filho esperado, sonhado, seja ele de um sexo ou de outro; ele agora é bem real. Com relagao ao amor parental, Freud jd era tao severo quanto se poderia ser; gostarfamos de que esse amor fosse sublime, ele 0 qualificava de “infantil”®. A derivagao da libido para o filho, que pode chegar, com a bencao geral, até a erotomania — em detrimento do marido e das relag6es sexuais —, é a realizagéo do velho sonho feminino de plenitude, de completude — fantasia também masculina. Ela é homem porque tem o falo, o filho, e é mulher ja que é mie. Visio simplista. Em suma, mal safda de seu narcisismo de crianga e de adolescente, Para uma mulher se apresenta uma nova fase narc(sica com a chegada de M, Bouvet, “Importance de "aspect homosexuel du transfert d €as de névrose obsessionnelle masculine” (1948), em CEwores La relation d'objet. Névrose obsessionnelle Deépersonnalisation, A? “Incidences thérapeutiques de la prise de conscience Révrose obsessionnelle”, devembro de 1949, “O amor dos pai deen ae i | nada mais é que o narcisisme amais néo poder me pesar de sua transformacao em amor de objeto, manifest® antiga natureza”, S. Freud, “Pour: i ne” (1914) i 1S. ) “Pour intr ssisme” (1914) em la Vie seule, Ps 1979 9 9k oduire le narcissisme” ( ans le traitement de quatte Psychanalytiques, tomo 1s Paris, Payot, 1967, pp: 13- de l’envie du pénis dans la ibid., pp. 49-76, no fundo, tao infantil —— Zz A mie, agente das modalidades da disposigao seu filho. Depois do que, duas vias para encontrar um semblante de real se oferecem a ela: o homem € o filho. A via que leva ao filho permanece forte- mente narcisica ¢ marca, como tal, a relagdo mae-filho; tinico prazer social- mente admitido, j que nos aferramos ainda a valorizar numa mulher a fungao dita materna. Como a mie do sujeito futuro obsessivo age para assim organizar seu filho, ja que este sd pode passar pelos significantes dela, desde seu nasci- mento’? Nascimento de um eu [moij sob influéncia Como a experiéncia nos ensina, em sua prematuracao a crianga pe- quena nao se distingue do mundo como objeto. Ela ¢ a mae, 0 seio que a nutre; ela é Toda. que se passa no vivido dessa infincia? Ela é “um lugar temporal no qual certas experiéncias [...] produziram impresses que deixaram rastros inapagéveis [...] e quando se fala, com Freud, de rastros inapagaveis produ- zidos durante experiéncias de prazer nao se trata simplesmente de materiais inertes”®. Essas primeiras percepgoes estao ligadas a das Ding, a Coisa’, cujas vestes a mae, na neurose obsessiva, sempre portard. O que Freud cha- ma primeiro de fremde Hilfe (ajuda alheia) apenas alivia uma tens duz 0 sujeito no simbélico; ela satisfaz a demanda, criando um estado de desejo. Esse indiyiduo compassivo serd chamado por Lacan de Outro pri- mordial. De jeito nenhum é um semelhante. 0, intro- 7 Como mostram nao apenas Freud, mas também numerosos autores depois dele, inclusi- vee principalmente Lacan, que disso fez.0 eixo de seu trabalho de 1936, jd citado, La fanille, de seus seminérios, “La relation d’objet et les structures freudiennes” (1956- 1957), inédito, e “Le désir et son interprétation” (1958-1959), inédito ® M, Dayan, “Linfantile et la remémoration”, em Pyychanalyse a l'université, devembro de 1980, tomo 6, pp. 9-10. Freud havia definido o rastto de meméria desde 1895, “Esquisse d'une psychologie scientifique”, em La Naiwsance de la psychanalyse, Paris, rur, 1973; p. 315: “.., a meméria ¢ representada pelas facilitagdes entre os neurdnios”. » Lacan fez de a Coisa (das Ding) 0 objeto de amor primeiro, a mae, o Outro primordial ao qual a libido fica fixada. _ r a “e O inferno do dever ‘Toda a teoria freudiana do sistema percepgao-consciéncia ¢ da maria gira em torno de uma sucessao de inscrig6es. Na carta de 6.12.19 a Fliess, Freud fala de percepgio; ¢ a impressio do mundo exterior, br original, primitiva, efetivamente inscrita, alguma coisa que constitui signg @ que é da ordem da escrita. “A defesa patoldgica ¢ dirigida apenas contra os rastros mneménicos ainda nao traduzidos € que pertencem a uma fase gy.’ terior”, A fase dita anterior ¢ marcada, aprés-coup, pela inacessibilidade do objeto sitwada no principio, quando a crianga é privada de algo real. Ora, cabe por em dilvida essa assergdo na neurose obsessiva. De 1895 a 1930, com Mal-estar na civilizagao, Freud opés principio de prazer — processo primario —e princfpio de realidade — processo secun- dario. Ele postula que, na busca da satisfacao, o principio de prazer conduz a alucinar o objeto que falta. Esse processo é alterado no caminho da neu- rose obsessiva, na medida em que a primeira satisfagdo foi muito intensa, marcada de letalidade. O obsessivo evita o caminho para trds, 0 que o leya- ria para a satisfacao completa. As resisténcias nao bastarao para isso. A forca primordial da neurose obsessiva nao é uma tendénciaa repro- duzir, mas a evitar 0 que foi. Na hipdtese de o Homem dos lobos ter sido testemunha da cena origindria, ele foi ao mesmo tempo testemunha da repeticao do ato que esteve na origem de sua concepgao. Dat a viver como espectador exclufdo, como agente... Como passar ao lugar de agente? O sujeito s6 dispde de meios muito limitados para simbolizar 0 que se daa ver € para sair desse campo de passividade no qual ele vai manter o Outro. O Homem dos lobos est4 em posic¢ao de ler 0 que nao é engodo — nao esta na hora” —, questao essencial, problemdtica, tenaz ¢ insistente para ele. Se a conduta da histérica tem como objetivo recriar um estado centrado no objeto como suporte de uma aversao, de uma insatisfaga0, Para o obsessivo 0 objeto é considerado como tendo trazido prazer demals Ele sempre se vira para evitar 0 objetivo eo fim de seu desejo, Nele, o modo de funcionamento do princfpio de prazer é evitar todo excesso, O principio de — "'S, Freud, “Lettre n° 52, du 6 Pachanalyse, ob. cit., p. 154, (+ x décembre 1896 a W, Flies’, em Za Naissance dé grifo meu), Snureleurree Uheure no trecho live ce que nest pas eurre -seure. (NT ou interiores, as quantidades dee excitagOes representam Ee ‘reud Ihes opée a fungao do eu articulada com a inibi¢ao. Atarefa aly eu é “se desembaragar dos investimentos pela via da satisfagao”. ‘A clinica mostra que a inibigao'! tem um lugar importante na neu- rose obsessiva. Em 1895, nao ha ainda além do principio de prazer na teoria freudiana. A questéo do trauma é posta quando a inibigao falha como defésa do eu contra os processos primdrios, contra 0 aumento das tensdes. O enlagamento entre inibicao, trauma e aprés-coup é indispens& para compreender como a inibicao culmina no conflito das vontades posto em relevo sobretudo no fim dos procedimentos de figuragao do sonho'* . Freud pode mostrar que é porque o objeto falta que ha simbolizacao e subjetivagao. Nos primeiros momentos de sua vida, a crianga aprende a diferenciar suas impressdes. E provavel que a primeira distingao feita seja entre as im- pressoes nas quais ela pode confiar e as impressoes estranhas. A qualidade inabitual sentida como perigosa. As provis6es narcisicas sao esperadas do que € conhecido. As partes da mae que sao conhecidas ¢ proporcionam con- fianga sao amadas. Reconhecida como um todo, ela se torna 0 objetivo simultaneo de necessidades eréticas ¢ narcisicas indiferenciadas. E assim que a mae se vé em posse de um poder muito particular de exercer uma influéncia. Menino ou menina, a crianga fica ligada a seu primeiro objeto de amor, a mae, que a fara sofrer algumas frustrag6es; assim ela poderd, mais 1 Uma das etimologias latinas da nogdo de inibigao encontra sua origem num termo téc- nico de marinha que, nos tempos de galera, tinha um sentido muito preciso. Iubibere significava: remar para trds, remar em sentido contrdrio. O substantivo dgibicce designava re dedicar algum 6édi ae continua dominante primeira fase infantil. Amie, aparentemente, d ser “a primeira protegao guistia”> . No entanto, ela sera a causa mais poderosa da angustia tura obsessiva, Porque éa demanda do Outro primordial — a mae ~ que f a fungao anal do excremento entrar na subjetivagao da crianga. Essa p dele mesmo que 0 sujeito tem algum receio de perder é ainda mais valoriz da porque satisfaz 0 capricho do Outro; ela simbolizard a castragao como tal. “Convém lembrar que é na mais antiga demanda que se produz a iden- tificagao priméria, a que se efetua pela onipoténcia materna, isto ¢, aquela que nao apenas faz a satisfagao das necessidades depender do aparelho sig. nificante, mas também as fragmenta, as filtra, as modcla nos desfiles da estrutura do significante”*. Lacan observa que a neurose obsessiva tem uma relagio privilegiada com o que “ha de escrita original na questao do significante”’*. Capitulo 4 Bindrios objetais e pseudotriangulacao 2 ip comum ouvir dizer que a primeira relagao mae-filho nao é triangular Ora, a partir do momento em que a questao ¢ 0 filho, antes mesmo que ele nasga, hd triangulacao. Depois do que, é essencial que o sujeito, que se coloca a questao de sua existéncia, encontre o pai na palavra da mae. O desejo da me toma sua significagao fora da crianga. O envelope do nao do pai ter4 dois enderegos: o da mae € 0 do filho. Na disposigao obsessiva, 0 pai estd presente na palavra da mae, que isténcia; e, pouco caso dele. Ela nega esse pai, seu esposo, ¢ até mesmo sua e> simultaneamente, 0 pai simbdlico, suporte ¢ referente da lei para o filho. O papel do pai é atenuado pela pouca consideragao que sua mulher tem por ele, mas e/e existe. Entretanto, o filho sabe que nao tem que intentar ser o falo imagindrio da mae. Entao, ele vai permanecer, num semblante congelado, esse objeto de morada proibida num lugar que a mae lhe assina- lou; o lugar da falta materna. O filho, que a mie possui como objeto causa do desejo dela, se considera como a causa do afastamento do pai pela mae. Ele sabe que tem alguma coisa a ver com esse assunto obscuro. As interdigées sao, em princfpio, enunciadas pelo pai. Ora, estamos lidando aqui com interdigdes formuladas pela mae. Por que nao dar aten- Gao a isso? Por que deveriamos ficar no fato de que a mae é tida como veiculadora das interdigées do pai, numa sociedade em que, hoje mais do que nunca, os pais falam a mezza voce ¢ em que a monoparentalidade toca mMacigamente as mulheres? Os pacientes 0 dizem: “A lei de minha ma 10 do dever Queira ou nao, 0 ¢ © permanecera sujeitado ; ditado: “Ta desejaras apenas meu desejo”. Hipion Ja que ela nao reconneesro pai como podendo satisfazé-la, como 9 filho poderia reconhecé-lo capaz de satisfazé-la? Um homem nido pode satis. fazer uma mulher, Um homem que nao é detentor desse objeto, 0 falo, ¢ um homem fraco. Uma mulher nao poderia satisfazer um homem porque nao é detentora do objeto que pode causar seu desejo. A mae mantém a relagio com seu filo inscrita no registro do imagindrig, Mas, contrariamente ao perverso ou ao fetichista, o filho renunciar4 a sua identificagao primeira e forgasa com o falo imagindrio materno. Q filho nao € realmente satisfatério, ¢ a mae nao deixard de significd-lo a ele, Na homossexualidade’, a mae € vivida como fazendo lei para o pai; casal sem terceiro. De jeito nenhum é esse o dispositivo na neurose obsessi- va — ainda que estejamos diante de uma mae-senhor ou senhora. E uma mae de forte componente perverso, intrigante, perturbadora, exigente, in- satisfeita, tomada pelo desejo de destruir 0 desejo do outro, do semelhante? O pai nao tem o poder de, por alguma intervengio, desassujeitar seu filho da manta (a amante)*. E nao acha necessdrio, Ora, é a fungao paterna que autoriza 0 sujeito a advir como tal. Menina ou menino, é para o pai que 0 filho vai se voltar para se desassujeitar. Para um pai que, embora nao permi- ta que a mulher faca a lei para ele, nao pode fazer a lei para sua mulher, A atitude ambigua de observador tanqiiilo e passivo de um pai-que-nao- quer-saber-de-hist6rias faz da esposa uma mulher que geralmente nao leva em nenhuma conta suas interdigdes, de tanto que sua voz é fraca. O pai deixava rolar muito “tranqiiilamente” com a mac do pequeno Hans’. " S. Freud, “Sur la psychogenese d’un cas d’homosexualité féminine” (1920), trad. D. Hineau, em Névrose, psychose et perversion, ob. cit., pp. 245-270 Olt i Verso no obsessivo, ¢ em vio, 08 “omponente perverso de seus paci- 1g psychanalyses, ob. cit., pp. 1-91. 45 Bindrios objetais ¢ pseudotriangulagao entio sb péde substituir o pai por um objeto, o cavalo, ele sim capaz de morder. O obsessivo, tal como 0 Homem dos ratos', nao substitui seu pai pelo capitao cruel capaz de infligir torturas, conformemente a suas fantasi- as? Objeto que lhe permite, entao, imaginariamente, suprir a caréncia da fungao paterna. Nao podemos ignorar a imagem de sedutora perversa que a mae do sujeito oferece, sujeito que também poderia afirmar: “Sou perseguido pelas Erinias de uma mae”? . Por que Freud rejeitou a idéia de que uma mie possa nutrir senti- mentos de hostilidade com relagao a seu filho? Ele também nao podia acei- tar que um menino pudesse estar habitado por votos de morte com relagao asua mae. Do lado da menina, em contrapartida, nao viu nenhum incon- yeniente. No entanto, é uma mae quem decide fazer de seu filho um objeto sobre o qual exercer seu poder absoluto. O nome do pai e a lei estao no centro do complexo obsessivo. Se os atos do pai sao desqualificados ou ignorados pela mae, 0 filho, identifican- do-se com ele, sé pode tomar-lhe emprestados tragos desprovidos de senti- do. O sentimento do servilismo, da inépcia para o trabalho de um pai, desenvolve no filho pendores para realizar ritos incompreenstveis, estéreis e que nunca terao valor de ato. O pai tem tendéncia a reagir de maneira hostil ao fato de nao ser portador do objeto que satisfaz a mae. Freqiientemente, nao para de abor- tecer e humilhar esse filho, menino ou menina, préximo demais da mae. Ele comete um erro quanto ao agente: é a mae que segura o filho; ¢ de jeito nenhum é questao de sexo, mas de imagem ¢ de completude gragas a um objeto que ela tem a disposigao para um jogo de tolos. A mae se opde a toda intervengao do pai. * S. Freud, “Remarques sur un cas de névrose obsessionnelle (homme aux rats)”, ob. cit., pp. 199-261; ¢ L’'Homme aux rats. Journal dune analyse, trad. franc. E. Ribeiro Hawelka, Paris, pur, 1974, > C, Stein, Les Brinyes d'une mire. Essai sur la haine, ob. cit., p. 24.

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