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21M 05 e280 | aS G0r ibn, eo AKO 00| ar SHR casdHOGnn RA Cnn a ANAT RANA AAACN SAARI “ANTIGA HISTORIA DO BRASIL” «Maihar, bater, martelar—eis um dos processos mais efficazes para a realiza- ¢4o de algo de razoavel nesta vida, mér- mente quando para tanto nao basta a clareza do argumento ou a forca da persuasao» Patrocinada pelo dr. Mathias Olympio, ex-go- vernador do Piauhy, e impressa nas officinas da Imprensa Official, de Therezina, acaba de vir 4 Juz uma monographia intitulada , de- monstrar que os egypcios colonizaram tambem a Amazonia. 0 LIVRO Voltemos, porém, ao primeiro capitulo da obra do professor austriaco. Apos uma preliminar secantissima, onde exal- ta a personalidade de alguns estudiosos © confun- de (p. 4), 0 senador Pompeu com o dr. Thomas Pompeu de Sousa Brasil, entra o autor a formular, com singeleza pasmosa, uma serie de proposigécs, qual a mais confusa e despropositada, K para que nao pareca haver exaggero em nosso asserto, vamos transcrever os trechos mais suggestivos dessa parte do escripto. Eil-os aqu 1° «Est& longamente provado que existiu, no primeiro millennio antes da era christa, uma epocha de civilizacao brasileira’. 2” JA conhecemos dois mil lettreiros e ins- cripgdes espalhades sobre todo o territorio brasi- leiro e escriptos nas pedras com instrumentos de ferro ou de bronzes, 3.° «Essas inscripcdes petroglyphieas foram feitas por homens que sabiam eserever e usavam os alphabetos do imar Mediterraneo, 4.0 «Ja provado tambem se avha que existiu uma navegacio transatlantica entre esses povos eo Continente Brasileiro muitos seculos antes de Christo-. Ha, porém, coisa ainda mais divertida: 174 «A maior parte dos lettreires brasileiros, diz © homem, sao escriptos com lettras do alphabeto phenicio e da escripta demotica do Egypto. Exis- tem tambem inscripedes com lettras da antiga es- eripta babylonica, chamada sumerica. Além disso temos lettreiros eseriptos com hieroglyphos egyp- cios, e podemos differenciar, em outros lugares, variantes de lettras, que se encontram nas inserip- gdes da ilha de Creta, da Caria, da Etruria e da Iberia. Encontram-se tambem Ictteas gregas e mesmo latinas». Semelhantes conclusdes nao resistem a um exame serio. No seio sombrio das interminas florestas ama- zonicas ou no reeesso das caatingas nordestinas, nas inhospitas mattas de Matto Grosse, ou no Planalto Central, onde Ratzel, o genial tundador da Anthropogeographia, localizou um supposto nucleo cultural do continente cisisthmico, jamais floresceu uma civilisagio brasileira, na accepoio commum do termo, pois, em todo o paiz, nunca foram deseobertos della os mais insignificantes ves- tigios, FE nao 6 possivel conceber-se que um povo, dotddo de civilizagdo superior, houvesse desappa- recido sem deixar tra¢o ou signal de sua passa- gem pela terra. Depois, as fatalidades telluricas ¢ climaticas de nosso paiz, os sobejos recursos offerecidos pela natureza brasileira 4 satisfagdo das exigentes ne- cessidades dos primitivos habitantes, extinguiram ha mente bronca do sclvagem qualquer assomo de iniciativa e mantiveram-no em gréo estaciona- rio de inferioridade, que quasi nfo variou desde as eras remotissimas até a epocha da conquista européa (Alf, de Carvalho). Admittir 0 opposto seria desconhecer ou des- prezar todo © cabedal de conhecimentos relativos a prehistoria sul-americana, DO_INSTITT'TO DO _CRARA : 175 Os oleiros de Marajé e da Goyanna Brasilei- ra, mais evoluidos certamente do queo commum das hordas caboclas, achavam-se tambem nos bai- xos degréos da eseala do’ aperfeicoamento social. Ao contrario do que pretende fazer erer o mo- nographista (p. 8), elles nao possuiam meios de transmittir graphicamente o pensamento a um seu semelhante. E’, alias, facto assente em cthnogra- phia que nenhum dos primitivos povos da Ameri- ca do Sul possuiu jamais escripta, -ainda mesmo na aceepeao dos mais antigos hieroglyphos egyp- . As inseripgdes lapidares indigenas, abundan- tes em todo o Novo Mundo, tém, de longe data, despertado a attencaéo dos estudiocos e vém sepa- rando os cthnologistas em dois campos oppostos. Julgam uns, como [hering, Andrée, Mallery, Koch Gruenberg e Alfredo de Carvalho, que taes desenhos carecem de valor documenta], nfo pas- sando de’ simples e rudimentares manifestagdes artisticas, Outros, com Jaguaribe, Ehrenreich, In ‘Thura, frnest, J. Crevaux, B. Rodrigues e Theo- doro Satnpaio, pensam ver nas petrographias ¢ lithogiyphos signaes representativos de factos his+ toricos, symbolos mythologicos, ete. Nunca alguem, que pelo seu saber merecesse acatamento, se Jembrou de ver nessas inseripedes a obra de individuos oriundos da velha Europa.e muito menos descobrir nellas caracteres graphicos pertencentes a qualquer dos povos do Mediterra~ neo A analogia de muitos desenhos rupestres e debuxos, que ornam as paredes das cabanas, as cuias @ as canoas, os remos e outros utensilios dos indigenas actuaes e¢, sobretudo, 0 facto de se- rem, de ordinario, as mos e pés das figuras re- presentados apenas com tres dedos, indicam cla+ ramente sua procedencia americana, Nao ignoramos que o Gel. Bernardo da Silva 176 REVISTA TRIMENSAL Ramos, em 1912, penson ter conseguido, com aaju- da de uma unica chave, traduzir todas ou quast todas as inscripedes brasilciras. Entretanto, seu systema de interpretar os desenhes dos nossos selvicolas nic mereceu ainda a sanegio da scien- cia official. O sabio Childe, conheeedor profundo das lin- guas aréhaicas do EKgypto e da Asia Menor, au- toridade em grego antige e em hebraico, nao lo- grou entender o processo linguistico proposto pelo historiador amazonense. Realmente néo podemos acceitar que uma s6 chave servisse para interpretar pretensos textos escriptos em idiomas tao varia- dos como sejam os apontados pelo escripter aus- triaco. Todas as pictographias em que se ¢ncontram earacteres ehinezes Ou signacs das escriptas dos povos mediterranos—e estéo neste numero a ce- Jebre inseripcio da Parahyba e o monumento de «Benton Rock»—, sao consideradas apocryphas. Apenas subsiste uma duvida quanto & au- thenticidade do lettreiro Japidar de Grave Creck, no Ohio, julgado illegitimo por Leon Rosny e ou- tros americanistas. Essa inscripgio apresenta cer- tos symbolos, que muito se approximam das escri- ptas archaicas e parece, diz Childe, ser precolum- biana e ter sido tracada por algum individuo per- tencente a uma das racgas possuidoras desses ca- racteres. O Ohio esta, porém, situado bem distante do Nordeste Brasileiro... E’ igualmente devaneio esteril pretender-se que os petroglyphos brasileiros «rudes e grossciros pri- mordios de uma arte incipiente>,tenham sido gra- vados com a ajuda de instrumentos de ferro ou de bronze, Os nossos selvagens desconheciam por com- pleto ouso dos metaes e estavam ainda em pleno periodo neolithico. DO_INSTITUTO DO CEARS 17 O inyentario cos objeetos metalicos encontra- dos em territorio nacional pode ser rapidamente feito. Cinge-se a uma machadinha de cobre, acha- da na Amazonia, de procedencia certamente an- dina, e a cinco ou seis chapinhas de prata encon tradas nos sambaquis do Rio Grande do Sul. Si o autor perquirisse melhor os assumptos de sua espscialidade ndo diria que os povos da anti- guidade tinham seiencia da existencia do Brasil. e, muito menos, que houve antes de Christo nayega- gio regular e commercio intenso entre a America e a Eurasia. As vagas referencias a terras perdidas nos mares do poente, que se lém nos antigos escriptos, nada provam, nem tém valor documental algum. Quem de boa fé poderia inferir de certa pas- sagem da Odyssea de Homero, onde elle fala dos Ethiopes do Oeste, 0 econhecimento da America? Quem descobriria nas palayras de Seneca mais do que meras prophecias ? Os unicos povos, diz Childe, que, pelo scu ca- racter 6 pelas suas tendencias erraticas, poderiam ier sido eventualmente arrastados pclas correntes oceanicas 48 costas do Noyo Mundo, seriam os Phenicios e os Egeus (Minoanos ce Creta). Ora, os Phenicios eram discretos e ciosamente guardavam 0 segredo de suas derrotas ea rela- c&o de suas feitorias commierciaes. Quanto 4 . sPagés vem, no pensar do prof. de bagés, cor- DO INSTITUTO DO CEARA 185 ruptella ou transformacao de piagas; d’onde +Piau- hy” x0 «Piaguy», terra dos piagas. O dr. Schwennhagen tem, disse eu, o fraco das citagdes em falso. JA na segunda confereneia, pronunciada em Forialeza @ transeripta no «Diario do Ceari», va- lou-se s. 8. desse recurso. Refiro-me a citagio de um documento, que diz s.s., fOra publicado pelo Baraéo de Studart, para provar que as hordas tupis, promanadas da Ca- rahyba (2), tinham invadido primeiramente a serra da Ibiapaba. Agora, depois de declarar que ja no tempo do Imperic Romano apparecia na nomenclatura geographica o nome de «Insula septem civita- tum>,—o que nao é verdade—, sustenta, sem fun- damento serio (p. 26), que o mais antigo documen- to referente 4 [lha de Sete Cidades 6 uma chro- nica da Cidade de Porto-Cale (hoje o Porto), es- eripta em latim por um padre catholico, cerca de 740 annos depois de Christo. Ora, ndo existe nenhum documento, nem em latim nem arabe, relativo ao assumpto em apreco. So existe néofoi ainda divulgado, O que o professor julga ser uma historia ve- ridica, nao passa de lenda, das muitas que esti- veram em yoga durante a Idade Media. Contayva-se entio,—e é isso que os livros tam transmittido,—que, na epocha da conquista da Hespanha pelos Arabes, depois da derrota de Xe- rez la Frontera, e o desapparecimento do rei Wisi- godo Roderico, sete bispos, sob a direceéio de um REVISTA DO INSLITUTO 24 186 REVISTA TRIMENSAL delles, 9 areebispo do Porto, embarearam segui- dos de seus parochianos, abandonando-se a seu destino. Depois de vagarem largo tempo, apporta- ram elles a uma ilha cdesconhecida ¢ nella fixaram residencia, depois de terem queimado seus navios. Como clfes eram sete e que cada um eonstruiu uma residencia propria, a itha tomou o nome de Tihas das Sete Cidades (1). Martin Behaim. em seu famoso mappa de Nu- remberg (1492), desenhou esta ilha com alegenda: «Quando se remonta ao anno 744, do nasci- mento de Christo, epoca em que a Europa foi in- vadida pelos infiéis da Africa, entéo a ilha chama- da «Sete Cidades*, aqui represeniada, foi povoada por um areebispo de Porto, em Portugal, e 6 ou- tros bispos, acompanhados de christdos, homens e mulheres, que, fugindo de Hespanha em navios, ahi vierem ter com seus haveres (2). Demais, 0 Porto nunca se chamou Porto Cale. © nome Portocalia ou condado Portocalense ser- via a designar o Porto e seus arredores, que fo- ram doados a D. Henrique por Affonso VI, de Leao. Quanto aos peritos navegadores, que o mono- gvaphista faz apparecer em sua narrativa (p. 26), Portugal nio os possnia em 711. Elles s6 appare- ceram muito mais tarde, depois da creaeio da Es- cola de Sagres pelo infante D. Henrique, filho de D. Jofio I, o fundador da dynastia d’Aviz. Em Sagres, € sabido, os peritos navegadores do Mediterraneo vieram formar pilotos portugue- zes, cnsinando-Jhes tambem o manejo da bussola o edo astrolabio. Ahi se creou, ao que parece, um (1) Gaffarel. L'ile de sept cités et Vile Antilia, Pag. 193. (2) Gaffarel. Idem, Pag, 199, _ DO AINSTITUTO DO CEARA ___187 novo typo de navio—a caravella—gracas ao qual © pequeno Portugal devia se tornar em breve a maior potencia maritima do mundo de entio. as Tudo que o professor escreveu sobre Marco Polo é incongruente, phantastico e esta civado de incorrecgdes, © escriptor comega baralhando datas e con- fundindo Marco PoJo com Nicola Polo, seu pae; depois attribue-Ihe falsamente meritoes que s6 per- tencem aos cartographos da Idade Media e sobre- tudo a Martim Behaim; assegura ainda, sem ba- se, que foram os arabes que transmittiram ao ve- neziano o conhecimento da China; reputa-o erea- dor de uma theoria de circumnavegagao da terra; o, finalmente, fal-o compor um Jivro quatro annos antes de mascer... «QO veneziano Marco Polo, diz o philotogo aus- triaco, esereveu scu livre cerca de 1250 dep. Chr. Elle fez viagens ao Oriente durante 20 annos (1230 a 1250) ¢ formou seus conhecimentos, a res- peito de Cathay, Sipanga, pclos navegadores arabes. Nstes explicavam a Marco Polo, que, esses paizcs eram situados da Arabia para o nascente, mas se poderia alcaneal-os tambem, «nayvegando para o Poente> A conhecidissima historia de Marco Polo éem resumo a que se segue, endo a queo prof, relata, Kil-a: Entre 1250 e 1260, dois irmaos, ricos joalheiros venezianos, Nicola Polo e Matheus, sa- hiram da patria para ir commerciar com os mon- goes; diversas circumstancias os levaram a Pekin (Cambalue em Mongol) onde Kublai, o grande Khan dos Mongoes, ent&o residia, Depois de varios annos de permanencia na China, elles pensaram em voltar e receberam co Khan a missio de conseguir do Papa medicos o 188 REVISTA TROL SAL sabios capazes de o ajudarem na administragio de seu vasto imperio, Nfio foram bem sucesdidos na empresa. A proposta dos mercadores 140 seduziu seus compa- triotas e, regressando ao Oriente, um unico os se- guiu, foi Mareo Polo, nascido em 1254, filho de Nicola. «Marco Polo, prosegue o professor, conta que esteve na China, e accrescenta muitas histerias phantasticas que os modernos chinezes declaram puras invencoes», Enganase o monographista mais uma vez, Marco Polo teve seus detratores ¢ foi por vezes aceusado de mentiroso; 6 isso natural, pois neu- hum viajante ficou jamais indemme do grave dam- no da majedicencia. As narrativas, que foz desse paiz remoto ¢ mysterioso, entmerando circumstanciadamente tu- do que ahi vira de novo, desde a extravagante architectura de seus pagodes até a polidez e ri- queza de seus habitantes, sem esquecer tambem ‘os extranhos motivos ornamentaes em yoga, o uso do papel moeda, ete, ete.; a descripeaio colorida © acerca da intensa vida commercial da China do Norte (Cathay) edo desenvolvimento cultural de Hong-tchéu-fu, a maior cidade de ent&o, que se léem_ em sua obra, pareceram tio singulares ¢ ma- ravilhosas a seus contemporancos ¢ de tal modo diyerso daquillo que elles estavam habituados a contempjar ea ouvir que enxergaram nellas cm- buste efalsidade ¢ deram, por isso, ao viajor ve- neziano oO cognome pejorativo de Messer Millone. Tudo gue Marco Polo dissera em seu livro era, porém, exacto ¢ ficlmente relatado. Elle pro- prio o affirmou na hora da morte, e os missiona- rios Jean de Montecorvin, Oderico de Pardenone ec sobretudo os jesuitas que, no seculo XVII, perlus- traram a China, se encarregzaram de o demonstrar, A yeracidade das narracdes contidas no

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