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a = = = Ss = = = das inovagdes ddenvolvidas, poderia ser assimilado a duas, logicas diferentes, yma l6gica dos herdeiros, uma légica dos fundadores; os herdekos devem cuidar de frutificar antigos projectos, forjados a mohjante dos seus, surgindo a sua contri- buigdo a partir dos seus Rr6prios projectos. Esta légica dos herdeiros nao pode, com efeity, limitar-se, hoje em dia, a manter simplesmente aquilo que exist restringindo-se a ameacar de regresstio a empresa, confrontada por mudangas inevitsveis; élhe preciso, pelo contrério, prockgar desenvolver, adaptar, diversificar continuamente. E, sem dyida, neste sentido, que se poderia pensar a inovacdo do projedto de empresa, ou da gestdo por projecto. Os fundadores, naquilo que lhes diz respbito, dao, pelo con- trdrio, a impressao de operar uma ruptura eM relacdo a0 que existe a montante, que se encontra assim distant)\yejeitado; eles langam-se num efectivo projecto de empreendimedyo que, para além da inovagdo, pretende ser, verdadeiramendy obra de ctiagao. As caracterfsticas de um tal projecto foram recdytemente bem evidenciadas por B. Aumont e P-M. Mesnier ( projecto de empreendimento é aquele de um explorador, edpécie de criador visiondrio que se encontra a si préprio em situaygo permanente de ruptura, de deslocamento em relacao a 5 histéria pessoal (Gaudin, 1984). A criacdo pretende-se trans\ gressio, enquanto a inovagao se quer continuidade; 0 criador torma-se, assim, de alguma forma, a sua prépria transcendéncia, enquanto 0 inovador encontra a transcendéncia no utensflio existente, que procura transformat. BovTINeT, YP. Cane), Drilesislagia de Loreto, [eter emcee ty (p-28S-295) | | Ss Bese Fe Se Ss So = CAPITULO 7 ELEMENTOS PARA UMA METODOLOGIA DA CONDUTA DO PROJECTO Os dois dominios que acabémos de examinar, da pedagogia e da organizacao tecnolégica, ilustram, cada um & sua maneira, aquilo que a expresso «fazer projectos» quer dizer, sem retirar, nao obstante, toda a ambiguidade que se liga a uma tal expres: sto. Que metodologia podemos nés agora resgatar do exame destes registos, no sentido de dominar esta actividade que consiste na construcao de um projecto? Como aprecié-la por intermédio de indicadores pertinentes? Em modo de recapitulacao, iremos, inicialmente, explicitar os principais pressupostos sobre os quais se funda qualquer metodologia do projecto. Iremos, de seguida, definir os parame- ‘10s constitutivos desta tiltima, tanto ao nivel da sua elaboracio, como da sua execucio e da sua evolucao, avaliagao entendida aqui no seu sentido mais geral. Faltar-nos-é, enfim, situar a diligéncia por projecto em relasao aos paradoxos que a fundam e que devem servir de referéncia continua na acsao a levar a cabo, Esta metodologia, nos seus diferentes modos de expressio, deve permitir-nos compreender em que é que os projectos tendem para 0 sonho, para 0 voto piedoso, para a quimera, ou, completamente ao contrétio, para a planificacao minuciosa, para © programa preestabelecido, ou ainda, para a sujeicio. Set RP SP Se Se SP SS = OS PRESSUPOSTOS DE UMA METODOLOGIA DO PROJECTO Langar-se num caminho de inovago e de mudanga utili- zando o projecto como principio fundador é tomar por sua conta ‘quatro premissas de base, sem as quais ndo se saberia proceder através de um projecto; estas quatro premissas reenviam, para Id da situagdo a ordenar, para os préprios actores, na medida em que estes se querem orientados, inevitavelmente, para uma busca de globalidade, de singularidade, de gestio da complexi- dade, de exploragao de oportunidades. A UNICIDADE DA ELABORAGAO E DA REALIZACAO © projecto comporta em si mesmo uma exigéncia de globali- dade. Nao € senao de forma abusiva que aceitaré deixar-se restringir a aspectos secundarios da existéncia, limitados no tempo e no espaco. Esta exigéncia de globalidade traduz, @ sua maneira, uma réplica com diferentes divisdes e separacdes, de que as nossas condigdes modernas de existéncia sao muitas, vezes a expressao: especialmente divisio do trabalho, divisio entre aqueles que pensam e aqueles que executam. A globalidade do projecto encontra-se, pois, simultaneamente ligada ao fim prosseguido, que nao deve ser um paliativo, um simples sucedneo, e diligencia desenvolvida para atingir esse fim, O fim projectado esté destinado a oscilar continuamente entre um objectivo visado a prosseguir e um programa a realizar: nao se pode separar o projecto-vis’o do projecto- -programa, mesmo que, pela forca das circunstancias, um detenha supericridade sobre o outra. A presenga da visao no seio do programa permite ao projecto manter a sua exigéncia de globalidade e, logo, nao se deixar reduzir a uma série de objectivos. A globalidade da acesso ao sentido de que todo 0 projecto portador. Através da unidade que liga a instancia que elabora e a instancia que executa, nao existe separacdo entre estas duas instancias, nao existe dualidade entre os actores, mas 256 Ss fs = =- = = = = = simplesmente uma gestdo das distancias entre as actividades de concepgio e de realizado. Dotar-se de um projecto é, num mesmo movimento, procurar construf-lo e que: lo A este titulo, estamos af em face de um inédito que integra, no seio da mesma figura, a concepsao e a execugdo, integracao de dois tempos certamente diferentes, contrastantes, mas que reencontram a sua unidade através do autor, ou dos autores do projecto. Eu nao posso, pois, realizar o projecto de outrem, salvo por um abuso de linguagem, ou entio por uma perversio do espirito. Eu no posso, inversamente, conceber para outrem 0 seu projecto. Eu nao posso mais confiar a outrem 0 cuidado de realizar, mesmo de conceber, 0 meu proprio projecto. Projectar é sempre projectar-se segundo uma légica da pronominalizagio. A SINGULARIDADE DE UMA SITUAGAO A ORDENAR ‘Outra premissa igualmente essencial é aquela que se liga ao cardcter idiossincratico de qualquer projecto; este ailtimo pre tende sempre ser uma resposta inédita que um actor singular confere a uma situacao, ela prépria singular. Nao poderia haver projecto repetitivo, salvo se quiséssemos, de uma forma dema- siado facil, gerir a contradicao. Fm consequéncia, 0 projecto n3o pode pertencer a categoria do universal. © projecto do homem, © projecto de vida, sero sempre uma perspectiva, uma ambicao de reinventar, & sua maneira, para cada um, em luta com um ambiente que possui, ele proprio, as suas caracteristicas pré- prias, Apresentando, justamente, pouca afinidade com 0 univer- sal do programa, o projecto encontra-se, em contrapartida, estreitamente ligado as categorias do particular e do singular: projecto particularizado de que procura dotar-se um grupo cultural, projecto singularizado, esbogado por um individuo. © autor do projecto, na sua particularidade ou singularidade, apresenta-se com uma historia ¢ intencOes que lhe séo inteira- mente especificas. Este autor vai afrontar uma situacao local, ela propria especifica, sobrevindo numa época bem determinada. Deste afrontamento, ou melhor, deste reencontro, surgird uma resposta portadora de inédito, acarretando uma criacdo original, 257 = eee uma realizacio cuja autenticidade provém do facto de ser fruto de um autor localizado em luta com uma situacéo dada, A GESTAO DA COMPLEXIDADE E DA INCERTEZA. Os ambientes actuais, no seio dos quais devem inscrever- “se 0s projectos, so, antes de tudo, ambientes complexos. Ora, a diligencia por projecto revela-se a ferramenta apropriada para gerir a complexidade e a incerteza. Uma situagao dema- siado simplificada nao necessita, senao abusivamente, do recurso ao projecto, Uma acco para gerir cujos resultados sao, ou evidentes, ou visiveis, nao implica 0 recurso ao projecto. Este tiltimo destina-se a gerir a indeterminacdo de uma situacao problematica, feita da interdependéncia entre varios parametros, exigindo que a dita situagao nao seja abusiva- mente simplificada, mas, pelo contrério, considerada em toda a sua complexidade. A EXPLORACAO DE OPORTUNIDADES NUM AMBIENTE ABERTO O projecto nao pode conceber-se sendo num ambiente aberto, susceptivel de ser explorado e modificado. Ha qualquer coisa a fazer, qualquer coisa para ordenar, para mudar, o que no poderd ser feito senao através de uma acco deliberada, que se trata de antecipar 0 melhor possivel. Qualquer projecto pressu- poe uma visdo talvez optimista, pela qual se pensa poder Provocar uma mudanga em relacdo a um estado dado das coisas, mudanga que no poderia ocorrer sem a acgao do seu autor, Langar-se num projecto é, pois, a0 encontro de todos os determinismos, estimar que as realizagdes so possiveis, e que, de qualquer maneira, estas realizagdes sao sensivelmente diferentes de todas aquelas feitas até entio. Desenvolvendo o projecto, o seu autor pressupde que, no imediato, os jogos estdo abertos para si, e que nenhuma outra pessoa se pode colocar no seu lugar, livre de reconhecer, quando 258 jd ndo é mais 0 momento oportuno, de que néo importa quem teria podido fazé-lo, A esta contradigéo no coracao do projecto, V. Jankélévitch (1983, 194) chama a aporia infernal: «A intencao € em relagao ao acto, o possivel ambiguo, incompleto e instavel, a impaciéncia de existir. Mas ela encontra-se, quando jé ha tempo para mais, desiludida por sentir-se traida pela execucio, desfigurada pelas suas proprias obras.» METODOLOGIA DA ELABORAGAO DO PROJECTO Existem muiltiplas maneiras de recortar as sequéncias da elaboracao de um projecto. Iremos reter, no entanto, trés etapas que nos parecem essenciais: @ andlise da situacio, 0 esbogo de um project, possivel, a estratégia entrevista. Estas trés etapas de elaboracdo desenrolam-se sobre um fundo de dominante espacial. Trata-se, em resumo, de conferir ao projecto a sua materialidade, fazendo-o sair do dominio das ideias para ancoré-lo em alguma parte no espaco. ANALISE E DIAGNOSTICO DE SITUACAO Quaiquer situacao é passivel de ser objecto de uma multidao de projectos possiveis, Para apreendé-los é necessério operar um retorno minucioso a esta situagio. Este compreende o conjunto dos pardmetros que, momentaneamente, agem sobre o autor em vias de decidir 0 seu projecto: os constrangimentos e recursos do ambiente, as disfungdes e problemas observados, 0 autor, a sua histéria, os seus desejos, as suas aspiragoes, as suas ind nagbes. Esta andlise implica uma continua interrogagio sobre si proprio, tal como sobre o seu ambiente. A andlise poderd impli- car mediagdes mais ow menos longas, utilizar pessoas como recurso, apelar a pessoas creditadas, que procederio a um diagnéstico, ou efectuarao uma auditoria. De qualquer maneira, © autor terd interesse em produzir uma grel andlise que Ihe permita explorar a situacao de forma mais metédica. } v Winker 259 Ennecessério consagrar um certo tempo & andlise da situacio, na medida em que se vai tratar de identifica os diferentes pardmetros a partir dos quais sera pensado e concebido o dito. Projecto; esta andlise, nos seus aspectos mais objectivos, revela- -se essencial para impedir qualquer derivacao do projecto. Ela visa_descobrir os pontos fortes da situagio, 05 seus aspectos positivos, ao lado das sua disfungbes, das suas caréncias e das suas insuficiéncias, - Em situagdes problemiaticas de indeterminacao por parte do autor, a andlise da situacao poder recorrer a utilizagao de uma metodologia de diagndstico que permita aprender, para Id das, aparéncias, aquilo que esté em jogo em cada situagdo. Esta metodologia de diagnéstico, efectuada com a colaboragdo directa dos actores do projecto, ganharé em ser armada, pela utilizaggo de grethas de observacao apropriadas. Ela seré facilitada pelo recurso a uma pessoa, ou instancia, exterior ao projecto, a qual, a0 exercer uma funcio de aconselhamento, representard o papel de facilitador face a actores que se sentem desmunicionados: jovens face ao seu projecto de orientacao, adultos confrontados com os caprichos do seu projecto de carreira, organizacdes que se querem dotar de um projecto de referencia, ou procurando definir prioridades. Em todos 0s casos, a funcio de aconselha- mento, se nao quer pesar abusivamente sobre a liberdade dos actores e sobre 0 seu cuidado de apropriagio relativamente as suas intengdes, deveré dirigir-se principalmente sobre trés pontos: — ajudar o, ou os actores a decifrar melhor a situagio na qual esto inseridos, a fim de resgatar possibilidades de acsio; — ajudar estes actores a explicitar as suas motivacées ou a sua auséncia de motivacao; — resgatar eventuais abjectos preferenciais para investir, & luz do trabalho precedente. A saida da andlise deve jé poder perfilar-se um projecto Possivel, que consiste na tomada em consideragao das faltas, das caréncias, zonas de incerteza, insuficiéncias, disfungoes observa- 260 das, constrangimentos e obstéculos, uns considerados inultra- passdveis, os outros considerados ultrapassdveis segundo condigdes a especificar. Se utilizarmos a ferramenta do diagnéstico para analisar a situagdo, teremos interesse em dissociar o diagnéstico interno do diagnéstico externo: o diagnéstico interno visa que 0 ou os actores em presenga se interroguem a si préprios sobre as suas intengdes, o modo de organizagdo que possuem, numa palavra, sobre tudo aquilo que constitui as suas forcas as suas fraque- zas. O diagndstico externo orienta a atengdo para o ambiente dos actores, as ameacas e oportunidades que este ambiente con- tém, as zonas de incerteza que seriam de explorar. O projecto emerge sempre de uma andlise suficientemente cerrada da situacao, andlise que deve ter por fungao principal, para lé de um reconhecimento do terreno, identificar as oportu- nidades existentes; 0 projecto consistird, entio, em apoiar: sobre certas destas oportunidades, aquelas que irao ser retidas. Perceber, no seio de um ambiente, um conjunto de oportuni- dades, para ld dos constrangimentos aparentes, é desenvolver as suas capacidades de curiosidade, de mobilidade cognitiva, de modo a quebrar as formas habituais de compreensio, para deixar-se prender pelo inédito que se aloja nos intersticios do evidente e do jd constituido. Construir um projecto é, antes de tudo, construir toda uma metodologia de apreensio das oportunidades. ESBOCO DE UM COMPROMISSOQ. ENTRE O POSSIVEL E O DESEJAVEL Das oportunidades resgatadas pela andlise vai emergir um. projecto possivel; este serd confrontado pelo autor com as suas proprias finalidades, as quais se apoiam, elas préprias, sobre valores que ganham em ser explicitados; se as finalidades sao tributdrias dos actores implicados no projecto e das organiza que os comanditam, os fins ou objectivos que vao definir o Projecto nos seus aspectos operatérios constituirdo sempre um compromisso entre estas finalidades e as necessidades identi- ficadas no decurso da andlise da situacao. E neste sentido que 261 se pode dizer do projecto que representa um compromisso entre © possivel da situagao e © desejével das finalidades, Este projecto deve procurar um minimo de coeréncia em fungao das finali- dades explicitadas, um minimo de pertinéncia face & situagio analisada. Ha pois um trabalho de confrontagao entre finalidades valores, por um lado, leitura da situacao, pelo outro. Uma tal confrontagao vai permitir, & leitura da situacio, sair do seu cardcter cadtico e anedético, conferindo-lhe um sentido, uma inspiragdo. Inversamente, esta leitura da situacéo vai contribuir para afastar as finalidades da armadilha ideolégica que as ameaga, quer dizer, de uma legitimagao a priori dos valores de referéncia, Entfim, timo elemento no esbogo do projecto, e no negli- gencidvel, é aquele de uma dupla negociacao: — negociacao intema, por um lado, entre os actores do Projecto, por outro lado, entre estes actores e actores mais periféricos; — negociacdo externa entre 0 ou os autores, e as instin- ias exteriores, detentoras de projectos ou de poderes concorrentes, paralelos ou mais englobantes; a negocia- $40 dirigir-se-d, especialmente, sobre as zonas de interferéncia do projecto com os seus vizinhos, sobre © seu encaixe em conjuntos mais vastos, em face dos quais se situa numa dependéncia parcial. Saido de um compromisso satisfatério entre o possivel e 0 desejavel, © projecto deverd justificar a sua viabilidade. E esta viabilidade que a estratégia vai justamente concretizar, DETERMINACAO DAS ESCOLHAS ESTRATEGICAS © projecto explicitado, quer dizer, verbalizado, a partir da intencdo que o sustenta, serd especificado através da expla- nagdo de uma estratégia apropriada. Esta estratégia visa transformar a situagio inicial no sentido dos objectives dese- 262 i | - Cr rr Fr 8 Sie ae ae ie ei jados. Bla reside na escolha de um certo estilo de accio, de uma forma de proceder; para fazé-lo deverd tomar em consi- deragao os obstéculos apercebidos, o custo para contornar, ou ultrapassar, esses obstéculos. P. Massé indica, a este respeito, que existe estratégia se aceitamos completar os projectos, estabelecidos antecipadamente por novos projectos inspirados pelas circunstancias; e junta que, na sua opinio, a estratégia constitui 0 conjunto das decisdes condicionais que definem os actos a atingir em fungao de todas as circunstancias sus- ceptiveis de se apresentar no futuro. A estratégia evitard, pois, deixar-se subordinar a elementos tacticos, por mais atraentes que sejam. Ela faré, por outro lado, o inventario dos diferentes meios a afectar ¢ daquilo que implica a sua apropriacio. A estratégia € encarregada de governar a acco, no respeito pelo projecto e pelas circunsténcias, contando com um certo miimero de recursos que se trata de inventariar, com obstéculos a identificar com 0 objectivo de contorné-los; quer dizer que a escolha estratégica é sempre feita em fungao de uma dupla referéncia: o projectivo entrevisto, a situagdo analisada, Como P. Marchesnay, podemos opor, a este respeito, duas concepcoes da diligéncia estratégica, mas também julgé-las comple- mentares: — uma concepsio tributéria da planificagio do projecto, ligada aos aspectos internos deste tiltimo e dirigindo- -se para as escolhas a maior ou menor longo prazo: esta concepcao, que tende a privilegiar o espirito de geometria, valoriza a fungao analitica e procura optimi- zat as escolhas; — uma concepcao ligada ao ambiente, quer dizer, aos aspectos externos do projecto. Esta concepeao privilegia © espago e no mais o tempo. Fla valoriza 0 espirito de sintese, resgata as oportunidades; ela procura tomar as escolhas satisfatérias. Recapitulamos no quadro abaixo as trés etapas de elaboracao do projecto, tentando visualizar o seu modo de articulacao (F. quadro X), 263 SB 8EREBE Fes SS =» QUADRO x As fases de elaborarae de um projecto obecivos de cccéo 23) Estatigia projecode: nivel metodoligico calhe de mélodos de melon 1) Anise da sivas: nivel empirico ~ obsiéies ulgedos uoponsveis/inslopastvais ~ diluagder @ problemas ideificodos ~ zoras de incertexa descoberias | ~ epotunidedes opreaneidas x \ | I ! i ~ Soreninenos de pogone 4 frente Estas trés fases sio relativas umas as outras; certos elementos poderio ser indiferentemente incorporados a0 nivel da anélise de situagdo, ou ao nivel das finalidades, segundo a significagao que se Ihes dé, Assim, os constrangimentos de programa seré0 Para considerar, segundo 05 actores, num caso como um dado de situacao incontorndvel, num outro caso como objectivos intransitivos que inspiram a acgao. Por outro lado, os meios disponiveis farao parte da fase 1 se forem considerados como oportunidades a apreender. Eles relevarao da fase 3 se desejar- mos utilizé-los, efectivamente, como uma ajuda & realizagéo do Projecto. 264 SB 2 SS A EXECUCAO DO PROJECTO A fase de realizagio, uma vez a elaboracao terminada, pode, ela propria, deixarse reduzir a trés etapas essenciais, a planifi cago, a gestao dos desvios, a avaliacao. Esta fase de realizacao, contrariamente a precedente, obedece a uma dominante tempo- ral: a gestéo do tempo torna-se um imperativo essencial para, a bem, levar a cabo 0 projecto. DA ESTRATEGIA A PLANIFICACAO Uma das passagens essenciais da concepgio & realizacéo € marcada por esta etapa decisiva que é a planificagao das dife- rentes actividades; estas séo ordenadas segundo um escalona- mento temporal. A planificagao € um futuro desejado, entrevisto através dos meios apreendidos para atingi-lo. Ela guarda, por esse mesmo facto, um aspecto normativo, E preciso notar que, entre a estratégia, que pertence mais a elaboracdo, e a planificagao, que € sobretudo da ordem da realizacao, as relagdes sao estreitas, a tal ponto que se pode falar de planificagao estratégica para definir a sequéncia de etapas que se estendem, a montante, em direccao a0 projecto, € & sua concepgio, a jusante, em direccao & sua realizacao. A planificacao estratégica poderia entao ser concebida como instincia nodal, sobre a qual se articula o montante concep- cional do projecto e o seu jusante operatério (Ackoft, op. cit; Godet, 1985). A planificagao do projecto, para além das suas conexdes estratégicas, esté ordenada para a programacio das diferentes fases da accao a levar a cabo; fé-lo por antecipagio de acgées complexas, para a qual técnicas de programagao como a PERT se revelam titeis. Estas técnicas de ordenamento e de controle Poggioli, 1976), permitem, a cada um dos intervenientes no seio de um projecto, determinar os prazos previstos para as tarefas que Ihes estéo incumbidas. A técnica PERT (Progtamme Evaiua- tion and Technique Review), naquilo que Ihe diz respeito, o mais conhecido dos métodos de organizacdo, nasceu nos Esta- dos Unidos em 1954, na época de realizacao do projecto Polaris (construgao do foguete com o mesmo nome); desde entao, a sua 265 mS SE = Sm CU BER SB ESB BS SB SB SF Ss utilizagio estendeu-se a outros dominios. Ela consiste em colocar por ordem, sob a forma de rede, varias tarefas, as quais, por ‘ordem da sua dependéncia e da sua cronologia, concorrem todas para a realizacto do projecto. Ela implica especialmente: — 0 estabelecimento de uma lista de tarefas; — a determinagio das tarefas anteriores, tendo o cuidado de precisar as tarefas imediatamente anteriores; —a construgio de gréficos parciais; —a determinac&o das tarefas de inicio e de fim de projecto; — a construgao da rede PERT. Estando este trabalho realizado, determinam-se os tempos: a duragao das tarefas, 0 caminho critico (0 caminho cuja sucessio das tarefas confere a mais longa duracio de execugao € fornece o intervalo de finalizacao mais curto), enfim, as margens de liberdade no preenchimento das tarefas. A GESTAO DOS DESVIOS Esta gestdo € aquela de uma colocagdo em pratica do projecto através da realizacao de todas as etapas planificadas. A coloca- ‘sao em pratica implica, continuamente, a gestdo dos desvios entre aquilo que estd projectado e aquilo que é realizado, os imprevistos aos quais se deve fazer face, os obstéculos a ultra- passar: a prética guarda a sua autonomia, deixando-se inspirar totalmente pela teoria do projecto. Gerit os desvios consiste, pois, em primeiro lugar, em reconhecer esta autonomia da pratica, em tolerar que numerosos imponderdveis venham. alterar um jogo demasiado bem regulado por previsoes (Le Botert, 1987). O problema nao ¢ reduzir, sem parar, os desvios, caso no qual © discurso que especifica 0 projecto se tornaria tiranico em relagio a sua colocagéo em pratica. © problema ¢, antes, definir as distancias tolerdveis. E se as distancias se tornam demasiado importantes, coloca-se entdo a questo, seja de reorientar a 206 SB Sse 5 = = ratica de modo a tomé-la mais coerente com a regra fixada pelo projecto, seja de modificar 0 projecto inflectindo-o num sentido mais realista, mais adaptado as circunstancias da situagao, quer dizer, mais pertinente. A AVALIACAO E OS SEUS INDICADORES A avaliacao acompanha qualquer prética. Ela nao se apre- senta, simplesmente, na fase terminal, mas através de diferentes avaliagdes pontuais, que constituem outras tantas avaliacées intermédias, a prética toma melhor consciéncia daquilo que faz A avaliagdo reside nesta apreciagio da distancia existente entre a regra encarnada pelo projecto as realizacies efectivas. A avaliacdo, enquanto contrapapel, servird, pois, de guia para © projecto ao longo de toda a sua realizacéo; ela dirigir-se-4 para um ou outro dos quatro indicadores seguintes: — a eficdcia do projecto, definida pela relagio entre os objectivos de acco fixades e os resultados momenta- neamente obtidos; — a eficiéncia, entrevista pela colocagdo em relacdo dos recursos utilizados, das modalidades da sua utilizacéo e dos resultados produzidos, segundo a técnica dos custos-vantagens; — a coeréncia, indicando a relagéo entre os objectivos fixados e as acgdes que daf resultam; — a pertinéncia, materializada na relagdo entre a coerés cia e 0 ambiente do projecto. A avaliagdo de um projecto nao pode limitar-se & utilizacao de um 56 critério. Ela é sempre multicriteriosa, respeitando assim a complexidade do projecto. Para mais, e teremos ocasiao de af voltar um pouco mais a frente a propésito da andlise, devem considerar-se, simultaneamente, indicadores ligados & poiesis do projecto, por intermédio das suas realizagdes, € indicadores mais dificeis de definir, ligados & sua praxis. Esta liltima seré sobretudo apreciada, embora nao exclusivamente, com a ajuda dos dois tltimos indicadores (coeréncia e pertinén- cia) que acabamos de enumerar. 267 a A ANALISE DO PROJECTO Até aqui, através da elaboragao e da realizacéo do projecto, privilegiamos 0 seu processo genético; vamos agora adoptar um ponto de vista diferente, mais estrutural, colocando a questao: como é que um agente exterior pode analisar o projecto que lhe € submetido e fazer uma ideia suficientemente precisa dele, de modo a situar aquilo que esté em jogo em bom nivel? A andlise de projecto, identificavel com uma espécie de auditoria externa, pode ser praticada nao importa em que momento do proceso, como pode desenrolar-se inteiramente no fim da sua realizacio, de modo a apreender processo em toda a sua globalidade. Em consequéncia, @ anélise do projecto é muito mais vasta do que uma simples avaliagdo ligada & medida dos efeitos. Esta andlise visa apreciar a filosofia geral de um projecto através das suas diferentes componentes e das suas relagoes. Ela dirige-se para a considerasio de um minimo de sete parametros essenciais, Cada um destes define um aspecto importante do projecto, que implica, pois, uma distingio entre: — a situacdo-problema; — 08 actores comprometidos no projecto; — 08 objectivos visados e os fins explicitados; — 05 motives invocados; — as estratégias em presenga e os meios utilizados; — 08 resultados obtidos a curto e a médio prazo; — 05 efeitos secundarios néo desejados produzidos e as suas consequéncias, A SITUACAO-PROBLEMA__ E O SEU MODO DE APREENSAO Este primeiro parémetro permanece a referéncia imediata e Obrigatéria para compreender a natureza de um projecto; a seu respeito, interrogar-nos-emos sobre: — a situagao de partida que permitiu a eclosio do pro- jecto; 268 ose Se Se SE eS SS SPSS SSSR FSS — 08 antecedentes da situagZo a montante e a evolucio desta ultima a jusante do projecto; — 0 cardcier mais ou menos problemético, mais ou menos lacunar, ou ainda, mais ou menos disfuncional, desta situacio, e que leva a querer alteré-la Tratar-seé, ao referirmo-nos & situagio de partida, de saber quais os constrangimentos de que os actores se aperceberam, que constrangimentos valorizaram dando-lhes uma importincia demasiado grande, quais deixaram de lado; o mesmo trabalho sera realizado no que diz respeito as oportunidades, identifi- cando as oportunidades de que se aperceberam e as escolhidas, em relagdo as oportunidades deixadas na sombra, porque néo identificadas ou somente negligenciadas. Procurando compreender como é que a situagdo foi tratada pelos actores, 0 analista do projecto interroga-se sobre o imagi- nério sociocultural do momento e sobre a sua capacidade para prefigurar escolhas: 0 projecto, que se perfila através do diag- néstico realizado pelos actores, apareceré verdadeiramente na sua singularidade, ou poder deixar-se reduzir a uma reprodu- $0, mesmo que sensata, de uma ordem sociocultural ambiente? Noutros termos, serd que 0 projecto opera uma ruptura anun- ciando praticas novas, ou nao seré sendo uma réplica disfargada daquilo que ja existia? Analisar um projecto a partir da situagdo que proporcionow © seu nascimento ¢ inventariar duplamente de que € que esta situacao € portadora e a maneira pela qual foi tratada. Tratar- -se-d de ver aqui como & que aquilo que faz a sua riqueza e variedade se deixou abusivamente reduzir por actores dese- josos de introduzir uma nova ordem, mas que, inevitavel- mente, levam para 0 coragdo desta ordem, e apesar da sua prépria vontade, a ordem antiga que herdaram: esterestipos intelectuais, habitos de percepcio, sistemas de valores... todos 0s condicionamentos que fazem com que, demasiadas vezes, se abuse do projecto. A leitura das situacdes € uma escola temivel, implicando muitas desestruturacdes mentais, que a colocagio em projecto pode facilitar, embora sem a garantia de sucesso, 269 =a ait ae OO OS ACTORES EM PRESENCA. E O SEU POSICIONAMENTO Poder-se-Ao identificar estes actores relacionando-os com uma ou outra das quatro categorias seguintes: — Os agentes da equipa de pilotagem; estes agentes sao 98 actores centrais do projecto, da sua concepcao e da sua execusao; entre estes agentes poderd emergir, com todas as suas ambiguidades, uma figura carismética, que pretende encarnar a legitimidade do projecto, e & volta da cual se organiza uma equipa de projecto com lagos de solidariedade a definir. A este propésito é necessério questionar se os agentes do projecto consti- tuem a sua primeira geracdo, quer dizer, 0 seus pais fundadores, os seus conceptualizadores, ou entio se sao os herdeiros da segunda, terceira geracées, com os problemas colocados pelo estatuto de herdeiros: pro- curar, simultaneamente, assumir a heranga e, no seu seio, rede‘inir um novo projecto que seja mobilizader. — Os actores periféricos facilitadores; estes manifestam um compromiisso parcial com o projecto, e, na medida das suas possibilidades, procuram promové-lo. Estes actores 525 pessoas que funcionam como recurso para a equij pilotagem, pelas ajudas e conselhos que prodigelizam. Segundo 0s casos, poderdo possuir, face aos outros agentes, uma posi¢ao mais ou menos cen. tral, ow nu menos periférica. Mas o projecto nao podera contar com o seu comprometimento total deverd hssituar-se @ uma presenca intermitente, aquela de uma >eriferia destinada a escapar, mais ou menos, 25 e tempos de investimento situados, numa fora do projecto. indiferentes, que se posicionam em exteriori- 40 projecto; pouco ou nada sensibilizados, fazer. Estes actores, em certos casos, eles deiva constitzem uma forga de inércia incémoda, mesmo inibidos para os actores periféricos, e desencorajante piloto. 270 = I ry — Os actores confrontantes, periféricos ou exteriores, que possuem uma atitude critica face ao projecto, Eles representam, para este tiltimo, pessoas exigentes, permitindo, de forma paradoxal, num certo niimero de casos, um avanco decisivo. De confrontantes, estes actores podem tornar-se conflituais e bloquear 0 avan- 0 do projecto, ou tomé-lo mais dificil. Mas em todos ©8 casos, os oponentes preenchem uma fungéo de elucidagao, devido a impertinéncia das suas questoes; estes oponentes so muito uiteis se a equipa-piloto souber entendé-los, elevando o seu proprio nivel de tolerancia ao conflito e & frustracao. Seria necessdrio evocar, a propésito desta tipologia dos actores, ligados de uma forma qualquer ao projecto, 0 desvio que pode ser operado entre uma categoria 8 outra, no decurso da historia do grupo, a tendéncia mais natural sendo sobretudo centrifuga, por marginalizacao, mesmo exclusao, de actores inicialmente bem integrados na equipa-piloto. E ai que 0 pro- jecto, no decurso da sua histéria, deve contar com as relacées de poder, profundamente assimétricas e exclusivas O MODO DE EXPLICITACAO DOS FINS E OBJECTIVOS VISADOS Em varios momentos evocdmos 0 facto de que nio poderia haver projecto sem a mediacao da linguagem; esta mediacio consiste numa explicitagio das intengdes que possa servir de referéncia para a acgdo e permitir, na sua materialidade, um olhar critico sobre o projecto. £, pois, a maneira pela qual fins e objectivos visados serao verbalizados que dard lugar & andlise. Para fazé-lo, € oportuno separar aquilo que ressalta da ordem das finalidades e objectivos visados, aquilo que respeita & ordem dos fins e objectives de acgio, mais directamente operatérios, objectivos precisados através dos seus quadros temporais. Procurar-se-4 observar se estes dois parametros, objectivos visados e fins, estao presentes simultaneamente, ou se os encontramos parcialmente, mesmo am = totalmente disjuntos no discurso analisado. Igualmente, seré itil questionar em que é que os objectives explicitados servem as finalidades evocadas. OS MOTIVOS INVOCADOS Qualquer projecto dé lugar a justificagdes que o fundam e Ihe conferem a sua legitimidade; sdo estas justificagdes, mais ou menos bem clarificadas, que deverdo ser analisadas e relacio- nadas num duplo registo: — 0 registo dos fins e objectivos visados, em ligacao com a situacao analisada, para retirar as linhas de coeréncia, ‘mesmo as incoeréncias; — oregisto da historia pessoal, ou organizacional, permitindo trazer & luz do dia o implicito de tudo aquilo que néo foi dito, e que, do outro lado dos motives, releva dos mébiles € desejos, muitas vezes sem que os actores saibam, Os motivos evocados tém por fungao fornecer uma dupla fundamentacio, intelectual e afectiva, a0 projecto; a sua apreen- sto deverd permitir fazer a diviséo entre raz6es ¢ motivacdes € dar lugar a interrogagao, no caso de umas ocuparem totalmente ‘© campo dos motivos, na auséncia ou em detrimento das outras. Por outro lado, tentar-se-4 ver se existe evolugao dos motives no decurso do desenvolvimento do projecto. ESTRATEGIAS E MEIOS UTILIZADOS Um inventério das estratégias e meios projectados efectuado e situado em relacao as metodologias e técnicas efectivamente utilizadas. A andlise estratégica serd especialmente cuidadosa no que respeita a considerar a eficiéncia do projecto, por intermédio dos recursos comprometidos e dos resultados produzidos ou esperados; 0 método custos-vantagens, entre outros, poderd permitir medir esta eficiéncia. A andlise estratégica interessar-se- ~d também pelo jogo dos actores, principalmente na forma pela mm ee ard em re eee eee ele ce eee qual estes identificam, contornam, ultrapassam, os obstaculos em curso de realizacio e, mais do que os obstéculos, as crises inscritas no coragio de qualquer colocagao na pratica. RESULTADOS PROJECTADOS, RESULTADOS OBTIDOS O projecto €, neste ponto, apreciado em relagdo aos resultados que produziu; estes resultados podem jé ser entrevistos no de- curso do proceso no qual o seu esbogo se afirma pouco a pouco; eles sé-lo-do mais nitidamente no termo da acgao despoletada: — no decurso do proceso, ser interessante inventariar as mudangas ocorridas ao longo de toda a elaboracao do projecto, depois na sua realizacao. Estas mudancas, ligadas & diligéncia desenvolvida sao, em grande parte, intemas a este processo; permitirao medir a coeréncia do projecto; — no fim do percurso, tratar-se-d de apreciar os resultados atendendo ao quédruplo critério de eficacia, eficiéncia, coeréncia e pertinencia. Medir 0s resultados de um projecto nao é sempre uma tarefa facil, especialmente quando esse projecto é mais da ordem da acgdo de visar do que do operatério. E 0 caso de todos os, rojectos ligados a uma praxis, que nao se interessam pela poitsis sendo de uma forma secundaria; num tal caso, restringir-se & andlise desta poitsis ¢ insuficiente, mesmo enganador. E preciso considerar a praxis, ela prépria, na maneira pela qual se define no seio do projecto inicial, depois na forma como se concretiza através do desenvolvimento de praticas determinadas. Tratar- -se-d, entdo, de escolher indicadores relativamente fidveis de andlise destas préticas: indicadores comportamentais ou atitudi- nais, indicadores sociais, indicadores culturais, indicadores econémicos... Assim acontece com 0 projecto pedagégico na escola, com um projecto politico para um partido que chega ao poder, com o projecto de empresa quando este tiltimo se centra na concertagao e na participacao. Os resultados analisados dirigem-se para aquisiges nem sempre materializaveis. E, pois, importante, no seio de um. 273 projecto, que comporta uma dimensio qualitativa essencial, ir para invisivel daquilo que foi atingido, que permanece mais da ordem da interacséo do que da producio. Finalmente, precisemos que a analise dos resultados consiste sempre em posicionar as partes de sucesso e de insucesso que qualquer projecto realizado comporta quer dizer, em identificar as vantagens obtidas, os custos consen fidos, Trata-se, pois, nesse ponto, de tomar manifesto aquilo que faz a relatividade dos efeitos observados. OS EFEITOS NAO DESEJADOS DO PROJECTO. Concepeao e realizacao, no seio do projecto, encontram-se, simultaneamente, muito ligadas entre si e auténomas uma em relagdo & outra. AA realizacdo acarreta sempre as suas surpresas em relagao aquilo que anunciava a concepcio. E aqui o lugar de evocar 0 cardcter imprevisivel e muitas vezes desconcertante de qualquer acco, que nos conduz a um ponto onde nunca pensdmos chegar (Boudon, 1977, Lévy, 1974). Os efeitos ndo desejados, podemos classificé-los principal- mente em duas categorias 08 efeitos perversos, que vao ao encontro daquilo que © projecto pretendia promover, que aniquilam, por outro lado, aquilo que o projecto tinha conquistado num primeiro momento; — 08 efeitos positivos, que sdo portadores de vantagens nio previstas a partida, dirigindo-se no sentido do projecto. Estes efeitos ndo pretendidos devem ser apreciados em dife- rentes momentos da realizagao do projecto, mas, sobretudo, devem ser avaliados num quadro diferido. Aquilo que importa, na analise de um projecto, nao é realizar um levantamento minucioso de indicadores ligando-se a cada um destes parametros. O essencial & poder colocar em evidéncia 0 Ou os parémetros, que possuem o papel principal naquilo que consti a singularidade do projeto, quer dizer no que permite dar conta do seu destino, por intermédio do seu sucesso ou do ‘seu insucesso. Em consequéncia, a andlise do projecto nao procura 24 — Ce — a ——) constituir uma recolha exaustiva dos factos, mas esforca-se por efectuar uma colocacao em relevo dos dados julgados pertinentes em telagéo ao contexto e que sejam susceptiveis de fornecer as chaves para uma compreensdo apropriada do projecto, dos seus actores, da sua evolugao, mesmo do seu envelhecimento, UM NOVO CAMPO PROFISSIONAL LIGADO AO PROJECTO Os rudimentos metodolégicos que acabamos de apresentar até aqui dizem respeito, na maior parte dos casos, sobretudo ao projecto colective do que ao projecto individual, mesmo que a passagem de um ao outro seja muito facil. Seria, nao obstante, necessdrio, adaptar estes rudimentos para as situagdes indivi- duais, de um certo ponto de vista mais simples; neste caso, as condigies de elaboracao do projecto deveriam, antes de mais, tomar em considerasao a histria pessoal do actor, as suas linhas de forga, o ambiente no qual evolui este actor, a maneira pela qual 6 capaz de explicitar os fins que atribui a sua prdpria acco, assim como os motivos que os fundam, os obstaculos entrevistos para realizar estes fins projectados, finalmente, os meios a utilizar para contornar estes obstéculos. Quanto & andlise do projecto indivi- dual, ela reencontra-se com os mesmos parametros que acabamos de passar em revista a propésito do projecto colectivo. Qualquer que seja a sua utilizagio, individual ou colectiva, 0 projecto tomou-se, hoje em dia, uma ferramenta trivial, destinada a intoduzir uma mudanga, ou a analisar mudangas anteriores, 0 seu modo de implantacio e os efeitos que engendraram. Pensar 1 problemas em termes de projecto pode aparentar-se a uma nova actividade profissional: aquela de chefe de projecto, director de projecto, engenheiro de projecto, conselheiro de projecto, analista de projectos, todas estas pessoas encarregadas de identificar as condigSes propicias para a efectivacao, realizagao, ou avaliaco de uma determinada actividade inédita. Esta nova actividade pro fissional deixa-se decompor em dois conjuntos bem distintos: — o actor concebendo e realizando, ele proprio, o projecto que € 0 seu, ou que the é sugerido por um comanditario, projecto que vai, entao, marcar com o seu cunho pessoal i — mmm — o consetheiro, analista exterior, procurando os elemens « | ] | tos de compreensio indispenséveis para que 0 actor respectivo apreenda as caracteristicas da situacio em Projecto, com as suas condicées de sucesso ou de | insucesso. ost Concepcao e gestio da accéo inovadora orientam as compe- | téncias do projectista para a capacidade de traduzir uma intengao em termos operatorios. Em consequéncia, a metodo- logia do projecto, com aquilo que pressupoe, implica que conceptualizador e gestor se reinam numa mesma instincia, individual ou colectiva, em virtude da nao diviso de trabatho apregoada pela légica do projecto: ao custo de muito querer dissociar concepcao e gestao, colocam-se os actores respectivos numa situagio de alienacdo, afastando-se daquilo que a figura do projecto implica. De facto, aqui, a unicidade da concepcao e da realizagao no seio do projecto ¢ realizavel ao nivel dos projectos individuais. Esta unicidade € a condigao indispensével Para que o actor seja autor do seu projecto. Uma tal exigéncia permanece uma perspectiva ideal para um projecto colectivo, e frequentemente limitada unicamente aos responséveis directos pelo dito projecto. Mas os seus colaboradores, sobretudo no quadro dos grandes projectos, e todos aqueles subalternos necessdrios para a edificagao dos planos e desenhos, ou & sua realizacdo, vivem a mesma divisdo do trabalho que se vive no quadro de uma organizagio industrial tradicional. A unicidade da concepeao e da realizacao nao pode ser efectiva senao no seio de projectos modestos, de equipas restritas, procurando valo- rizar a experimentacio, a acgao criativa (Sainsauliew, 1982), Em contrapartida, a andlise e 0 conselho sao sempre, e pela forca das suas fungées, operados por instancias exteriores ao actor individual ou colectivo que projecta. profissional que se ocupa do projecto poderé, pois, fazé- -lo sobre diferentes modos complementares: umas vezes seré | conceptualizador e realizador de um projecto, outras vezes conselheiro e analista. No quadro da pagina oposta (ef. quadro ‘do ov dos cloves vos wsodos ta ido operons ide enalin do wvordo 3 Expres aber sndovos produrdos 3 io dos oh — epide wo colocoyeo em evidancio dom potencioidades da sivapSo, TI plenicoroo 2) gosibo dos denon 3) volosée ee Pet reites de gla prio =Is ‘QUADRO XI © projecto como actvidade profisional e as suas dimensées operat 7 Snglardods do ‘odo projcod 1) Exeevgoo do Diapedaice ‘Jo wl Hoborocbo 1 1 Uo eae = proieclo. XD reagrupamos as diferentes dimensdes desta nova actividade i ~ profissional, associando, ao mesmo tempo, para cada uma \ destas dimensGes, as tarefas correspondentes a realizar. - a 276 w7 Numa tal perspectiva, a abordagem gen permite ao actor aperceber-se melhor da ma realiza 0 seu projecto; a abordagem estru conselho exterior, mesmo da auditoria, em gestacao, em curso de realizacio, ica do projecto ineira pela qual tural € aquela do apreciando um projects ou ainda, jé terminado, ESBOCO DE UMA TIPOLOGIA DOS PROJECTOS Para terminar com esta andlise dos elementos metodolgicos Préprios do projecto, pode parecer interessante fazer o inven, ‘ério ordenado dos projectos que se podem encontrar hoje em dia, Este inventario ganharia em ser organizado a volta de tees registos que aborddmos em varios momentos: — as situagées da vida quotidiana, tal como as encontramos, desde ha varios deoénios, na nossa sociedade temol6gica, situagdes que passdmos em revista mais acima; ~ 08 discursos cientificos, mesmo filos6ficos, preocupados Por conferir a0 projecto um contorno conceptual, um. estatuto tedrico; — a5 preocupacdes mais directamente operatérias,ligadas as necessidades de uma acco a conduzir. © quadro XII (¢f. p. 279) consigna este inventétio, que reca- pitula, & sua maneira, os pontos de charneira da trilogia que acabamos de evocar: empirica, te6rica, operatéria. Ele esforca- -S® por recensear as utilizagdes do projecto que parecem recobrir 8 quase totalidade das situagdes de emprego que se podem hoje em dia encontrar, O triptico aqui proposto pode servir de grelha de compreensio € de andlise para um observador, testemunha de uma ou da outra das figuras do projecto. Mas a clareza da andlise nao deve equivo- carnos. As figuras inventariadas ndo se encontram sendo rara- mente no estado puro. Concretamente, muitas vezes temos qué roceder a misturas nas quais uma dominante empirica, edrica ou Operatéria & associada a outtos niveis mais secundarios, E dizer que 9 nivel tedrico reenvia, na maior parte do tempo, para os outos dois niveis, empirico ou operatério; o nivel operatstio, por 78 QUADRO xi 0 niveis de apreensdo do conccito de projecto fame ope] ——> = do projecio pos iim yaaa appa, ee = 0 project adulc: vocational, eet i spew ane {once eet | pen = 0 projecto teropbutica | fae | [6 projecta ereniado para = 0 projeco de ler 1 fee ater Lea | Ge chakceecnows | | “0 tekeondmco Eee a= Fe aes | | Sepranaonis [epee ees — | = 9 procio numa a | | pies omoae ts poene ees a ct eben me peripedwe |— 0 projec de labi i | | | RR 279 seu tumo,€ dificilmente separvel do nivel empirico; ele nao pode ser, igualmente, sempre pensado isoladamente do nivel tecrico, Reconhesamos, pois, simplesmente, que o campo conceptual do projecto compreende trés polaridades essenciais, a partir das quais todas as variantes, todas as combinacdes sao possiveis, Poderia haver uma quatta polaridade? Poderia encarar-se uma outra organizacio do campo conceptual? A questéo perma: nece em aberto. Nés pretendemos, até aqui, dedicar-nos a uma observacdo minuciosa para recolher 0 maior nuimero possivel de situag6es de emprego do projecto e propor uma chave de leitura adequada destas situagies. A CONDUCAO DE PROJECTO, UMA GESTAO PARADOXAL No termo desta caminhada metodolégica podemos questionar- nos sobre se as condugdes de projecto exprimem uma maior influéncia dos individuos ¢ das sociedades sobre 0 seu devir; ou ento se nao so mais do que uma marca suplementar da sua extrema fragilidade? O inventaio crtico que levémos a cabo inclinar- ~nos-ia a escolher 0 segundo termo do dilema, porque um exame dos factos mostra-nos, a evidéncia, que esta infhuéncia & precaria, Porque atravessada, de par em par, por quatto oposigGes maiores, ou melhor, quatro desvios incontomdveis demasiado pouco tomados em consideragdo, ¢ que conferem, ao paradigma, a sua fisionomia ferida, acidentada. Estas distancias para gerir, das quais nao podemos fazer economia logo que recorremos ao projecto,iremos agora passé-las em revista ao evocar sucessivamente: — 0 desvio entre o discurso incitador ¢ a sua realizacao, quer dizer, entre a teoria da formulagao e a pratica da realizacao; — 0 desvio entre as légicas individuais em presenga e 2, ou as, légicas colectivas; — 0 desvio entre o espaco a ordenar e o tempo a antecipar; — 0 desvio entre 0 sucesso da accao desejada e 0 sed insucesso inevitével 280 Ao examinar estas diferentes oposicdes, podemos aperceber- hos de que o projecto vai encontrar-se desnaturado de cada vez que os desvios forem abusivamente reduzidos; mas o projecto vai projectar-se no éter e desaparecer logo que os desvios forem conduzidos a uma tensio extrema, no sentido de uma quase ruptura. Para caracterizar estas oposicées, poderiamos falar de aporias, significando através disso estas dificeis passagens que a conduta inovadora deve ordenar entre instincias que se opdem mas que nao podem ser tratadas de forma exclusiva quatro passagens dificeis e obrigatorias que a diligéncia por projecto deve manter continuamente abertas, quatro passa- ‘gens que arriscam, em qualquer momento, transformar-se em impasses, conduzindo 0 projecto a ndo mais do que uma segunda escolha. Digamos que a gestdo simultanea destas Oposigoes nos reenvia para uma maneira instrutiva e proble- matica de conceber a acgio humana quando procura antecipar © seu designio. O PROJECTO ENTRE TEORIA E PRATICA Uma das particularidades do conceito de projecto é que se jogam no seu seio duas ordens continuamente misturadas, a ordem do discurso encarregado de explicitar, de prescrever e de Planificar, a ordem da acco que indica possiveis, formalizados em intengdes, de seguida postos em prética. Sto estas duas ordens que nos é preciso, simultaneamente, tomar em linha de conta, cada uma na sua singularidade, a fim de determinar as condigdes que nos permitem passar de uma & outra. Ao explicitar pela linguagem as suas intengées, 0 projecto inscreve-se na gama das representagdes. Misto de representacbes, sociais, concretizando, por um lado, o imagindtio sociocultural ambiente, € de representagées cognitivas procurando determinar um futuro realizavel, o projecto € sobretudo assimilavel a uma representagio operat6ria. Muito certamente, 0 que marca uma representagdo operatéria é a sua grande determinacio em querer inscrever na realidade um inédito ¢, ao mesmo tempo, a sua instabilidade face as contingéncias da acco. Esta acco, no seu encontro com uma realidade que the vai resistir, néo se abstera 281 i ae a ae de interrogar a representagio que a guia. A instabilidade da Tepresentacao operatéria encontra-se ligada & sua fungao heuristica, a busca de um objecto ausente, objecto presente. mente nao apreensivel, que se trata de fazer advir. A insta. bilidade desta representacao advém finalmente daquilo para © que esta tiltima esid essencialmente orientada, para uma revelasao progressiva, através de aproximagées sucessivas, reestruturagdes, colocagdes em forma de projecto, que é mais construido de forma tacteante, do que dado, de uma vez por todas, numa materialidade incontestavel. Trés elementos maiores, pelo menos, exprimem a complexidade de qualquer representacdo operatéria: — a representacéo do objecto a confeccionar; — a representacao do trajecto encarregado de levar ao objecto; — @ representacio do sujeito na sua estima de si, em relacdo com a imagem que 0s outros lhe reenviam de si préprio, Por um outro lado, 0 projecto solidariza-se com uma légica da acgao, da qual ele constitui, de alguma forma, 0 primeiro fempo, o momento antecipador e organizador. A acco, naquilo que Ihe diz respeito, é sempre, de uma certa maneira, realizacao de um projecto, concretizacio de uma escolha, colocagao em Prdtica de uma decisdo e gestio das suas consequéncias, E por- que © actor beneficia de uma certa liberdade, € porque pode privilegiar algumas das oportunidades que se Ihe apresentam, que vai antecipar um futuro que pretende avaliar. Nao existe, pois, ace4o, sendo de um actor capaz de escolher e de antecipar, Em consequéncia, pode considerar-se a acco, na sua comple- xidade, como o mais elevado nivel de organizagao das condutas, tanto de um ponto de vista individual, como de um ponto de vista colectivo. A acgao colectiva nio difere da acco individual sendo através da pluralidade dos actores em jogo, ela implica uma negociagdo permanente, com a prevaléncia, alternativa- mente, de uma légica de compromisso, de uma logica de conflito e de tensio. Em definitivo, o projecto pertence a estas raras figuras que se situam, nalguma parte, entre teoria e prética, nem exclusivamente tedrico, nem unicamente tributério da pratica, Ele poderia, pois, fazer parte destes objectos encarregados de reconciliar a teoria ¢ a pratica, colocando um pé na ordem do discurso e 0 outro ordem do fazer. A sua exigéncia de unidade e de globalidade, sublinhada precedentemente, para isso o empurra. Uma tal reconciliagdo, apesar de tudo, ser sempre problematica. Ela permite, pelo menos, elevar concretamente o bricolage ao nivel de vVirtude: este perpétuo tacteamento concretizando um vaivém jamais terminado entre a ordem do discurso e a ordem da pritica, ara fornecer respostas mais ou menos improvisadas, jamais pré- ~programadas, encarregadas de conciliar uma intengo portadora de ilusdo e uma pratica em luta com a complexidade do ambiente sobre o qual age, que transporta consigo desilusio e realismo. E quando o desvio entre teoria e prética for fraco, poder-se-d entdo falar de projecto duro: a linguagem domina a prética. Pelo contrario, nos casos em que a distancia entre concepcao e realizacao € importante, estamos em presenga de um projecto mole, dando lugar a uma grande improvisacio, ligada & incerteza tolerada na relagao que une a linguagem 4 acco. Tivemos ja a oportunidade de opor estes dois tipos de desvios a propésito do Projecto de formagao (Boutinet, 1987). © PROJECTO ENTRE LOGICAS INDIVIDUAIS E LOGICA COLECTIVA Segunda prova com a qual se confronta qualquer condugo de projecto € aquela que implica encontrar uma articulagio satisfatéria entre dimensdes propriamente individuais e dimen- sao colectiva no seio de qualquer inovacao. Invocar os conflitos possiveis entre o individuo e grupo é interrogar-se sobre os autores do projecto: quem produz 0 Projecto? Sera uma vontade demitingica que procura encarnar- se, de um tempo a outro, nos individuos que para tal se encon- tram predispostos, uma tal encarnagao podendo ser facilitada Por uma conjugacdo favordvel de oportunidades? Ser um Brupo de individuos decididos que vai manipular em seu pro- veito uma situado que se predispoe para tal? 283 Sem pretender resolver este dilema, e sem querer reduzir o projecto colectivo a uma variante do projecto individual, podemos unicamente constatar que todos os projectos colectivos que se do para decifrar mostram o papel central e determinante, mas nao exclusivo, de um actor individual, ou de um pequeno grupo de actores individuais, representando o papel de catalisador. Este actor individual, se 0 caso se propicia, munido de uma autoridade carismatica, vai explorar expectativas sociais preexistentes no seio de uma organizacdo. Deste reencontro, ou melhor, desta conju- gacdo nascerd 0 colectivo de acco. Nao existem, pois, causas isoldveis, susceptiveis de engendrar um projecto, mas um encon- tro que se faz, ou nao se faz. Autoridade carismitica e expectati- vvas sociais, cada uma considerada separadamente, sio impotentes, para conduzir um projecto. Inversamente, qualquer projecto individual reconhecimento social encarregado de autentific precaugao da dimensio colectiva de qualquer projecto individual. Nesta dptica, F. Jacques (1982, 210) pode escrever de forma muito pertinente: «Nao se trata mais de projecto separado, ou de fins particulares, mas de acco solitaria. Fazer seu um projecto ¢ fazé- -lo objecto de uma reapropriagéo secundéria, no que respeita 20 papel que o agente representa na sua realiza¢do, e que 0s outros, Ihe consentem. Projectar ¢ antecipar uma acgio na qual eu estou comprometido com outrem, uma acgao que deve ser conjunta se quiser ser realizvel» Poderiamos, a este respeito, passar em revista as diferentes metodologias de constructo do projecto, poderiamos estudar as condigdes de elaboracéo dos projectos individuais: em todos os casos observariamos 0 papel de primeizo plano repre- sentado pelo ambiente social, papel muitas vezes esquecido pelo autor do projecto, que tende a agambarcar, para si proprio, todos (8 beneficios de uma operacdo na qual ele nao ocupa sero um lugar modesto. E necessdrio, pois, afirmarmos que qualquer projecto individual ¢ de natureza essencialmente social; no h, por simples impossibilidade operatdria, projecto fora do ambiente social. O autor de um projecto deve, pelo contrério, aprender a contar com um ambiente de actores ocupando posigées variadas: [pessoas que funcionam como recurso, que se orientam no sentido do projecto, pessoas confrontantes, que vao contrariar os desfgnios do autor, actores indiferentes, que opdem a sua forca de inércia. 284 { i | | | Para 0 autor, reconhecer esta variedade de actores que o circun- dam é, por esse mesmo facto, conferir mais consisténcia ao seu projecto e logo apressar a sua realizacio. projecto vai estruturar-se e ganhar consisténcia no seio desta interaccio de facilitago e/ou de confrontagio entre agente e os actores que 0 rodeiam, segundo a forca das oportunidades encontradas. A inconsisténcia do projecto individual vem daquilo que se recusa a afrontar, a interrogacdo de outrem a seu respeito. O que observamos até aqui a propésito da articulacao entre nivel individual e nivel colectivo no seio de qualquer projecto podemos esquematizé-lo no quadro da pagina seguinte (cf. quadro XII. Este quadro pretende indicar que qualquer projecto, mesmo ‘© mais pessoal, esta fundado sobre a légica da interacga0. E por- que 0 ambiente aparece como estimulante, que um projecto vai poder, progressivamente, tomar corpo. Por seu lado, 0 projecto orgenizacional apoia-se, inevitavelmente, sobre um grupo motor e sobre uma instancia carismdtica que vai representar o papel de catalisador-federador. E dizer que as dimensoes individuais e colectivas, longe de se excluirem, atravessam os projectos pessoais © organizacionais; elas podem coexistir gracas & pratica da negociacao. Esta ultima destina-se a ocupar uma posi¢ao central, susceptivel de antecipar, ou de resolver, os conilitos inevitaveis (Touzard, 1977). A negociacao implica duas condigdes prévias indispensveis, constitutivas de qualquer projecto (Dupont, 1986): — a existéncia de um minimo de interesses comuns ou complementares entre os respectivos actores; — a existéncia de uma motivacdo sdlida da parte de um e de outro, a fim de chegar a um acordo. Esta negociacdo entre actores, para reforcar 0 seu nivel de ‘mobilizagao pessoal no seio do projecto, tem por fungao fazer explicitar a regra federadora inspiradora da acco e fundadora do contrato (Levy, 1977). Na sua dupla ancoragem, individual colectiva, o projecto deve poder assegurarse de que nenhuma instancia se arrogue esta pretensio de se querer abusivamente proprietéria daquilo que nao Ihe pertence. Ele apresenta-se como uma propriedade partilhada, no seio da qual cada um sabe reconhecer a sua divida, QUADRO xt dividual e colectvo, no seio do projecto pessoal € do projeeto organizacioncl 0s duplos nivel 5 Nis Wel N de popes | | Projecro pessoa Projecto individual Pessoostecuto, Selonontas Projecto orgonizerional ‘Aurcidede cansmatcs cotoleador Lt E dizer que a diligéncia por projecto pode ser identificada com um processo unificador destinado a produzir um lago social de dominante consensual. A passagem que implica entre o individual e o colectivo é mais facil em certos sectores da vida social € econdmica, tal como a inovacdo tecnolégica, ou a experimentagao cultural. A passagem é mais dificil, mesmo imposs{vel de obviar noutros sectores, especialmente nos dominios da economia e da politica. © PROJECTO ENTRE TEMPO E ESPACO Em muitos momentos pudemos verificar como o projecto mantinha uma dupla relagao com o tempo e com o espaso. Esta dupla relacdo apareceu-nos, a mais de um titulo, problemética, mesmo que tempo ¢ espaco, em conjunto e muitas vezes de forma contraditéria, constituam os quadros de referéncia obriga- trios de qualquer intencdo: referéncia ao objecto visado dis- posto espacialmente, com um prazo fixado em relagao a um certo horizonte temporal. Esta dupla referencia é apreendida por um mesmo dispositivo, a percepcdo, que nos faz apreciar as configuragées de um ambiente possivel num tempo dado. Nao ha projecto que nao implique, previamente, uma suficiente exploraco perceptiva, a partir da qual vao desenvolver-se as 286 antecipacdes. Aquilo que acabamos de evocar, reveste-se, hoje em dia, de uma significagdo particular, na medida em que as. relagdes com os ambientes tecnicizados que nés tocamos perde- Tam a sua espontaneidade, a sua ingenuidade original. Nos confiamos, sem diivida, demasiadamente, nos instrumentos que estdo & nossa disposicdo, 0 que nos impede de dar livre curso & nossa imaginacao perceptiva, a nossa capacidade de admira- so e de interrogagto face aos nossos espacos de vida Os contetidos espaciais dos projectos revelam-se largamente tributarios dos quadros perceptivos, a partir dos quais estes, rojectos terdo sido esbogados. Tais quadros s80 0 resultado de uma incessante interaccao entre 0 individuo, ou o grupo conceptualizador, e 0 seu ambiente. Esta incessante interaccao € comandada por um conjunto de constrangimentos ¢ de Possiveis que nos € necessério agora precisar. Qualquer ambiente é dado como constrangedor; ele é orga- nizado através de estruturas mais ou menos coercivas. Os constrangimentos inerentes ao ambiente so considerados como inultrapasséveis em graus muito diversos; ou, se pensamos que sio transponiveis, sé-lo-A0 com custos varidveis, Alguns so-no com custos tais que podemos considerd-los como inultrapassa- veis. Mas nesta apreciagao entra jd muito de subjectividade perceptiva. Cabe a cada conceptualizador apreciar 0 cardcter mais ou menos rigido dos quadros espaciais que encontra em seu redor para os seus projectos de ordenamento. Todavia, ele nao pode deixar de colocar a questo da viabilidade das suas intengdes face aos constrangimentos identificados. Vé-morlo pois, um projecto poderd ser esbocado, seja porque constitui uma réplica face aos constrangimentos do ambiente julgados insuportaveis, ao mesmo tempo que ultrapassaveis, a maior ou menor longo prazo, seja porque permite uma criativi- dade, ao sondar zonas de incerteza deste ambiente, para enriquecé-lo com novas possibilidades. Constrangimentos ultrapassdveis e zonas de incerteza constituem as disponibili- dades de que qualquer ambiente é portador. (© projecto nao deve ser, pois, situado exclusivamente do lado do conceptualizador: ele é também 0 fruto do ambiente, o qual, por ordem da sua fisionomia, inspira um actor apto a explorar situagdes; qualquer que seja, todos os projectos se apoiam na 287 existéncia de disponibilidades em mimero suficiente, que o actor vai identificar, para de seguida explorar. A este respeito nao basta que as disponibilidades ambientais existam, sob a forma de constrangimentos flexiveis, ou de zonas de incerteza explo1 veis. E preciso também que as disponibilidades sejam aperce- bidas pelo respectivo conceptualizador. A esclerose vem, muitas vezes, de um empobrecimento da percepgao, de um fechamento nas informacoes recebidas (Bruner, 1973): falta de curiosidade, falta de interesse, atitudes demasiado estereotipadas, explorasao perceptiva demasiado rudimentar. Passamos ao lado de nume- rosas disponibilidades que ndo conseguimos identificar. Mas estas disponibilidades, uma vez identificadas, devem ser, pelo menos algumas delas, convertidas em oportunidades pessoais, Esta conversao significa que 0 individuo, ou 0 grupo, faz suas certas disponibilidades entrevistas e decide exploré-las por intermédio da elaboragéo de um projecto. Assim, disponibili- dades existentes, disponibilidades apercebidas, oportunidades pessoais, constituem, do nosso ponto de vista, trés etapas caracteristicas, pelas quais deve passar toda uma conceptua- lizagdo do projecto, antes de atingir, no seio de uma maqueta, contetidos espaciais suficientemente estruturados. Resumimos no quadro junto as estratégias & disposicao do conceptualizador para a exploracao perceptiva do seu ambiente, em vista da emergéncia de um projecto (cf. quadro XIV). Ao abandonar os aspectos espaciais do projecto para encarar agora os seus aspectos temporais, iremos tentar, do outro lado das suas caracteristicas estruturais, delimitar melhor as suas propriedades dinamicas, sem que a passagem da perspectiva estrutural & perspectiva dinamica seja considerada como evidente. Se 0 projecto € ordenacio, estruturagao, reorganizacéo do espaco, ele é, simultaneamente, reactualizacao e antecipacéo do tempo. A percepcao do espaco evoca, em contraponto, uma percepcao do tempo; este tiltimo coneretizar-se-d numa capaci- dade de evocacio e de antecipagéo, quer dizer, num recuo, necessario face a situacao presente, de modo a recapitular-se € a projectar-se, num futuro hipotético, numa outra parte. Dai a necessidade, para que um projecto possa ver a luz do dia, que © conceptualizador se dote de um horizonte temporal suficien- temente recuado. 288, “sss = Eee QUADRO xv ; Foses esquematicas de elaborasao do projeco © partir da exploraséo porcoptiva do ambionto PERCEPTOR-CONCEPTUAUIZADOR > PROIECTO Deco 289 © recurso ao horizonte temporal apresenta a vantagem de indicar de que maneira a temporalidade do sujeito se define como orientacdo, num campo com limites mal definidos; esta temporalidade vé-se obrigada a destacar-se da imediater das situagées, do demasiado curto prazo, ligado aos caprichos da conjuntura; mas ela é, igualmente, obrigada a cumprir o com- promisso de no transpor esta linka do horizonte, para ld da qual nfo se saberia encontrar sendo perspectivas evanescentes, perdidas na bruma dos tempos de futuros hipotéticos inacess- veis. O projecto deve poder identificar as suas referéncias num horizonte que nao seja nem demasiado préximo, nem dema- siado longinquo. Seria aqui necessério fazer uma mengao especial a certas situacdes existenciais, especialmente aquelas das pessoas idosas, que ndo podem construiz, por si préprias, sen&o projectos de curto prazo, embora sejam capazes de antecipar um futuro a maior longo prazo. R. Kastenbaum (1963) fala ent&o de «projecto cognitivo», entendido como o Projecto a mais longo prazo que os idosos podem conceber, sem todavia saber se lhes ser dado tempo para realiza-los efectivamente Espaco projectivo e tempo prospectivo correspondem-se um a0 outro, cada um com a sua especificidade; se o espaco pode deixar-se dobrar na forma pela qual se pretende ordené-lo, 0 tempo nio se deixa domesticar realmente da mesma maneira, E impropriamente que se qualifica o tempo futuro de projectivo, ‘a menos que evoquemos esse tempo particular que é aquele do sonho. Da mesma forma que a articulacao problematica, entre simbdlico e operatério, por um lado, torna © projecto precério na sua existéncia, igualmente a dificil articulagao espaco-tempo pode arruinar muitos designios. O equilibrio entre estes dois quadros de referéncia é frdgil: privilegiar demasiado 0s prazos € corer 0 risco de esvaziar 0 projecto do seu contetido foca- lizando-se sobre as demoras, mas sem cuidar do alcance, nem da significacao dos resultados que se vao obter. Inversamente, valorizar demasiado 0 espaco & preocupar-se com o proprio contetido do projecto, com as resistencias que lhe so opostas pela matéria; é cuidar de uma perfeicao que vai deixar, para sempre, 0 projecto inacabado, ou de uma perfeicao que seré procurada ao prego de um custo demasiado elevado. 290 a SB SB eR Se eet mre re Tm EF [= A centragao sobre 0 espaco permitira privilegiar os diferentes obstéculos que se opdem & realizagao do projecto; vai fazer entrever a complexidade da tarefa. A centragdo sobre o tempo acentuaré o cardcter irreversivel do projecto, com a necessidade de desdobrar, num dado tempo, qualquer eficdcia desejada. Espaco e tempo, por ordem da sua configuracdo respectiva, reenviam para dois modos de apreensio diferentes do projecto. Estes modos podem, alids, encontrar na prdpria personalidade dos conceptualizadores uma ressonancia particular; um seré mais sensivel a uma apreensio espacial das coisas, 0 outro estard mais & vontade numa apreensao temporal. © PROJECTO ENTRE SUCESSO E INSUCESSO Levantar esta nova aporia do sucesso e do insucesso ¢ tentar abordar os projectos através daquilo em que eles se tornam. ‘A ealizagio 6, sem duivida, a prova de verdade, através da qual qualquer projecto se revela nos seus aspectos inovadores que veicula, tal como nos seus pontos mais vulneraveis. £, em todo ‘© caso, esta prova que permite & inspiracio inicial confrontar- se com a tenacidade dos factos. A inspirasio transforma-se, inevitavelmente, em vitéria momentanea, ou em desilusio. De qualquer forma, a inspiracao destina-se, no melhor dos casos, a ser consolada, muitas vezes a ser amaciada, levando entao a0 movimento de resignacéo que pode servir, justamente, para a incubacdo de novos projectos. - ‘A realizacao no seio do projecto é sempre a traducao da intengao; ora, a tradugao nunca se faz sem uma certa traigdo, quer esta tiltima seja deliberada, ou somente produto das ‘ircunstancias. E, em parte, nesta traigao, que se refugia o insucesso de qualquer projecto. Mas é também na maneira de assumir esta traigio que reside a fidelidade a intencdo original. Se o destino do projecto é problematico, como € o sentimento de fidelidade que tenta unificar, no actor, aquilo que ele projecta e aquilo que realiza, a precaridade advém, também, do facto de 10 sucesso do projecto ser sempre transitério, constantemente ameacado pelo insucesso. Este sucesso, quer dizer, um certo 291 = ne nae Renna me Rm mmm mm acordo entre aquilo que foi projectado, aquilo que se encontra feito, e os diferentes custos implicados, permanece pontual. Na falta de considerar 0 sucesso como tal, 0 actor corre 0 Tisco de se enganar, concedendo demasiada confianga aquilo que Ihe sorri: ele deixa-se, entio, agrithoar pelo futuro, numa espécie de mecanismo de compulsao repetitiva, Deste ponto de vista, a acgao forma-nos, sobretudo, a partir dos insucessos e dos erros, se estes nao comportarem demasiados efeitos inibidores induto. res de paralisia ¢ desencorajamento. O insucesso do projecto visa, igualmente bem, a incapacidade para renovar a formulagio das suas intengées, quer dizer, uma certa complacéncia, numa linguagem estereotipada e codificada, inadequada & situacéo do momento, tal como a incapacidade para definir as estratégias apropriadas para atingir os fins que se fixaram: duplo insucesso, pois, através da crise de inven- tividade e da crise de eficacia. Esta crise dupla ameaga 0 actor 2 prazo. O horizonte do projecto ¢, pois, 0 insucesso ou 0 seu substituto, a retirada; mas, um e outro, s4o duas variantes de um nesmo sentimento de morte, do qual nenhum actor pode fazer economia antes de empreender um outro percurso, qual- quer que ele seja. O sentimento de insucesso sobrevém muito rapidamente, sendo no decurso da elaboragao do projecto, pelo menos no decurso da sua realizacao. Obstculos imprevistos, uma percep- sao subitamente confusa da situagio, uma tensao entre actores, tantas outras razdes que vo por em causa, subitamente, a cxedibilidade do projecto. E 0 bloqueamento, € a crise de que se trata de saber se é redibitéria, sinal de um projecto ina~ daptado, ou simplesmente transitéria, etapa atormentada num caminho a prosseguir. Crise definitiva ow crise passageira? $6 uma certa perspicécia para perceber 0 que estdé em jogo e saber a que niveis se colocam 0s problemas permitira resolver o dilema. Do outro lado destas impressdes de bloqueamento, de aparente perda de tempo, a crise comporta aspectos positives, na medida em que vai favorecer uma reestruturagao dos dados. A crise implica a necessidade de um discernimento face a um obstéculo, para escolher a solucdo apropriada; ela exige, da parte dos actores, que testemunhem uma oportunidade de julgamento. Também se pode considerar as situagdes de crise como um insucesso provisdrio, através das energias consumidas, a recolo- cacdo em causa de uma planificagao projectada, as ameacas, enfim, que se perfilam sobre a aca desenvolvida, as suas bases € 0 seu resultado, Este insucesso, porque € provisério, vai consolar 0 projecto que se aguerriu 8 prova da adversidade. Ele 6, sem dtivida, o tinico meio para uma reorganizacdo ulterior O sucesso do projecto materializa-se na realizagio que coneretiza aquilo que estava anunciado, na satisfacio das aspi- rages transportadas pelos actores. Este sucesso é um potente elemento motivacional e encoraja ao prosseguimento da accao. Aeeste respeito, uma situagao de insucesso continuo é um factor de desmobilizacao, de culpabilizacao, através de um sentimento de demissio e de desvalorizacao. O sucesso, associado & recom- pensa, nao possui menos aspectos negativos, em primeiro luger, na medida em que engendra, numa boa conta, a satisfacao, e, Por consequéncia, valoriza 0 narcisismo: 0 autor compraz-se na sua obra. Por outro lado, induz um comportamento det: minista, segundo 0 qual o sucesso chama o sucesso, cegando- se sobre si préprio, até ao dia em que um sucesso, por dema- siado repetitive, dé acesso a um imprevisivel incémodo. sucesso, esta harmonizacao das aspiragées e das reali ses, ndo dura sendo um certo tempo. A sua principal carac- istica é ser evanescente; seja quando se trata de uma poibsis que vai muito rapidamente envelhecer, ser ultrapassada, senao relativizada por outras produgtes similares, soja quando se trata de uma praxis engendrando dominio e excesso de confianca, 0 que vai acarretar a instalacio de rotinas; 0 sucesso momentan: € levado a estrebuchar, com a evolucao do tempo, dos actores, das situagdes. Ele é condenado a afrontar o insucesso para reaparecer sob outras formas menos equivacas. A acedo humana e 0 projecto que @ polariza constituem reali dades sequenciais, capazes de mobilizar energias, de triunfar sobre as dificuldades, de se mostrar criativas durante um tempo deter minado. Mas qualquer acgio, mau grado a sua plasticidade ¢ a Giatividade que Ihe ¢ inerente, confessa os seus limites. Ao querer obstinar-se no sucesso, corre para o insucesso, para a queda. A nossas capacidades de invengao sio sempre calculadas. Nao Podemos inovar sendo em circunstancias que para isso se prestam. 293 i Tis circunstancias, nao duradoiras, acabam, inevitavelmente, por conduzir & queda, ao insucesso, a0 que denominémos como envelhecimento do projecto (Boutinet, 1989). Se a queda tempordria é regeneradora, a queda terminal, como horizonte incontorndvel da acgao, permite situar adequa- damente 0 projecto como um estado transitério, ordenado inevitavelmente, mais cedo ou mais tarde, para 0 apagamento do actor, que se sente condenado a experimentar os seus Prdprios limites. Assim, no seio do projecto, sucesso e insucesso revelam-se numa dupla relagdo com 0 tempo; o projecto esbo- ado quer-se promessa de sucesso, do outro lado dos insucessos do passado; 0 projecto realizado reconhece a sua modéstia em relagio as ambigdes que fundava. A relatividade que adquire ¢ situada na meméria de uma historia que recapitula, 2 sua maneira, os tracos deixados pelas realizacdes humanas, Pode- remos nés entao reconhecer que, se a mudanca desejada pelo projecto tem sempre dificuldade em materializar-se, a tentativa que ele testemunha teré, ela propria, dificuldade em apagar-se? Em definitivo, ndo encarar o actor sendo em relagao as suas possibilidades de sucesso, é depressa enfermé-lo num narci- sismo cego e, a prazo, esclerosante; nao situé-lo sendo em relacdo a um insucesso inevitavel é negar qualquer confianga nele depositada e desapossessé-lo desta capacidade de acsao, no entanto caracteristica daquilo que faz a sua humanidade. O projecto é, continuamente, ao longo de todo o seu desen- rolamento, uma mistura de sucesso e de insucesso. E, para 0 actor que pode ordenar esta mistura instavel, as condigées, retinem-se para realizar uma acc4o propriamente humana, marcada por uma autonomia limitada mas efectiva: apoiando- -se sobre 08 seus sucessos, como elemento de colocacéo em confianca e de motivagao, mas tendo em conta o seu insucesso, como elemento de interrogacao e de estimulacao, para agir sem demasiada ilusao, nem demasiada resignacio. CONDIGOES DAS CONDUTAS INOVADORAS Através da maneira pela qual o actor procura inovay, através da elaboracéo de um inédito posstvel, podem facilmente distin- 294 guir-se dois momentos criticos; segundo a valorizaco de um ou do outro deste dois momentos, é finalmente possivel operar ‘uma bipartigdo entre projectos, biparticao reenviando para duas centragdes metodolégicas contrastantes, quer dizer, para dois Projectos de natureza diferente: — Valorizacéo da andlise de situago como momento critico. Aqui ¢ a situacao ¢ 0 seu diagnéstico que serdo constitutivos da colocagao em projecto: as disfungdes observadas, os possiveis identificados, as necessidades localizadas constituirao 0 detona- dor da criatividade, na medida em que vao revirar, provocar 0 imagindrio do actor, e colocar em movimento 0 seu proceso motivacional através da apreensio de um projecto-problema — Valorizagao do trabalho de concepgao como outro mo- mento critico. Neste caso, a criatividade nao se impde de chofre por um apelo exterior, quer dizer, por recurso a situacéo; ela Teenvia antes para um lento e longo trabalho interno de elabo- ragio e de concretizacao (Boutinet, 1991a). Este vai residir na explicitagéo de uma experiéncia pessoal, que se trata de tornar criativa, fazendo surgit, daquilo que constitui a sua singula- tidade, um inédito, aquele do projecto de vida, aquele da obra de arte, aquele de um objecto de pesquisa... numa palavra, aquele do projecto-concepcio. = Valorizacéo da interaccao entre 0 agente € 0s actores petiféricos ou exteriores ao projecto. A interaccio, sempre mais ou menos confrontante, é a unica susceptivel de mobilizar o pensamento divergente, logo criativo (Guilford, 1971); esta interacgao estd especialmente presente nas situagdes de valida- 0 do projecto. Referindo-se sobretudo a um ou a outro destes trés momen tos criticos, os projectos retirarao uma légica propria; esta ultima nao saberia excluir a possibilidade de reencontrar projectos mistos, que se ligassem a cada uma das trés centrages, segundo proporgées varidveis. 295

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