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Tomas OF Heviv SUMA TEOLOGICA PRIMEIRA PARTE Questées 50 - 119 22 EDICAO ‘Tradugto de ALEXANDRE CORREA Organizagio ¢ Directo de ROVILIO COSTA e LUIS ALBERTO DE BONI QUEST. LXXV - DA ALMA EM SI MES ji Depois da consideragdo da criatura 60/21 tual e corpérea, é mister considerar 0 homen, compésto da substincia espiritual e corpoz#a, E, primeiro, a naturera do homem meso; lucio. v onde, a primeira consideragio versaré sbbre a alma, E como, segundo Dionisio, trés cousas se encontram nas substfncias espirjtuais, a sa- ber, a esséncia, a virlude € a operagao, conside- raremos, primeiro, as cousas pertencentes & esséncia da alma; segundo, as pertencentes & virtude ou as poténcias dela; fereeiro, as per- tencentes A sua operacio. Sdbre © primeiro ponto ocorre dupla con- sideragio : a primeira é a da alma mesmo, em si; a segunda é a da sua unio com 0 corpo. Sdbre a primeira destas duas consideracdes sete artigos se discutem : 12 se a alma & corpo ; 2° se a alma humang é algo de subsistente ; 3.° se as almas dos brutos so subsistentes ; 4.9 se a alma é 0 homem ou se, antes, 0 ho- mem & composto de alma e corpo ; * se a alma & composta de matériae forma ; 6.° se a alma humana é incorruptivel ; 72 se a alma é da mesma espécie que 0 anjo. ART. I — Se a alma é corpo. O primeiro discute-se assis a alma é cor 1 . — Parece que 2, Demais. — Todo conhecimento se realiza por alguma semelhanca. Ora, nenhuma sem Thanca pode haver entre um corpo e um ser in- corpéreo; se, pois, a alma no fésse corpo nao poderia conhecer as cousas corpéreas. 3. Demais. — E preciso haver algum con- tacto do motor com 0 movide. Ora 0 contacto 86 ha entre corpos. Logo, como a alma move 0 corpo, resulta amet corpo. Mas, em contririo, diz Agostinho, que a alma é dita simple por comparagio com 0 corpo, porque nao se difunde pela massa no espago local. Soxugio. — Para discutir a natureza da alma, é necesshrio pressupd-la como o primeiro principio da vida dos seres vivos ; assim, di- cousss inanimadas carccem de vide, Ora, cata se manifesta maximamente pela dupla operago & conbectaesis pda meraumbas ote ieee cipio 05 antigos fildsofos, no podendo trans- cender a imaginac&o, consideravam como corpo; pois, diziam, s6 os corpos so cousas © 0 que nfo é corpo nada & E entio, consideravam a alma como um certo corpo. Ora, embora_ se pos- sa mostrar, de miiltiplos modos, a falsidade dessa opinidio, empreguemos sé um argumento com 0 qual mais comum e certamente se patenteat que a alma nio é corpo. Assim,.é manifesto, a alma nao é um principio qualquer da operagao vital ; pois, se o fésse, entdo os olhos, principio da visio, seriam a alma; 0 mesmo devendo dizer-se dos outros instrumentos desta. Mas, chamamos alma ao principio primeiro da vida. Pois, embora algum corpo possa ser um certo prin- cipio da vida, como 0 coracio 0 & no animal ; contudo nao pode ser o principio primeiro da vida de qualquer corpo. Ora, & manifesto, ser prinefpio da vida ou vivente nko cabe ao corpo como tal; do contrério todo corpo seria vivo ou principio da vida, Logo, sé cabe a um certo corpo como tal ser vivo, ou ainda, principio da vida, Ora, 0 que torna ésse corpo actualmente tal é algum principio, chamado 0 seu acto. Por onde, a alma, prine{pio primeiro da vida, nio 6 corpo, mas oacto déle, assim como o calor, prin- cipio da calefacsio, niio é corpo, mas um acto do corpo. Donpe A RESPOSTA A PRIMEIRA OBJECGRO. — Sendo tudo 0 quese move movido por outro, © como no se pode continuar assim até o in- finito, necessdrio é dizer-se que nem todo mo- tor &'movido. Pois, ser movido sendo o passar da potincia para o acto, o motor dé 0 que tem a0 mével, actualizando-o. Mas, como o demons- tra o Fildsofo, ha um certo motor absolutamente imével, nfo movido nem por si nem por aci- dente ; e tal motor pode mover 0 movido sem- pre uniformemente. Ha, porém, outro motor movido, ndo por si, mas por acidente © que, por isso, nfo move o movido sempre uniformemente ; ¢ tal motor é a alma, E hd, ainda, outro motor nao movido por si, e que é 0 corpo. E como os antigos filésofos da natureza pensavam que s6 © corpo existe, ensinavam que todo motor ¢ mo- vido e que a alma, movida por si, é também corpo. Resposta A sEGUNDA. — Nao & necess&rio que a semelhanca da cousa conhecida esteja actualmente em a natureza do conhecente ; mas, se hi algo que conhece, primeiro, em poténcia fe, depois, em acto, no é necessario que a se melhanga do conhecido seja actual, sendio apenas potencial, em a natureza do conhecente ; assim, 2 cér est na pupila, nfo actual mas s6 poten- cialmente. Por onde, nao é necessério que, em ‘a natureza da alma, haja a semelhanga actual das cousas corpéreas, mas sim que ela seja Po- tencial em relagdo a tais semelhancas. Como, rém, os antigos filésofos da natureza no sa- jam distinguir entre o acto e a poténcia, di- iam que a alma é corpo. para poder conhecer todos os corpos ; e que é composta dos prin. cipios de todos os corpos. SP Resposta A rencrina. — Hi um d . — Hé um duplo contacto: oda quantiade eo da vstude Pelo primeiro, 0 corpo s6 pode ser tocado pelo corpo s pelo segundo, pode ser tocado por ‘um serine corpéreo que o mova. ART. I — Se a alma hum: subsistente. ae O segundo discute-se assim. — Parece que a alma humana nao algo de subsistente. 1. — Poi & subsistente é um ae bsistente & um deter no € cla algo de subsistente. id 2. Demais. — Tudo o que é subsistente pode ser considerado capaz de operasio. Ora, a alma iio € assim considerada, pois, segundo 0 Fil, sofo, dizer que a alma sente ou intelige & o mesmo que dizer alguém que ela tece ou edifica. Logo, a alma nio é algo de subsistente. : ___ 3. Demais. — Se a alma fosse algo de sub- sistente, alguma operasao dela haveria, inde. pendente do corpo. Mas nenhuma das suas ope. ragdes ¢ assim, nem ainda o inteligir, porque nao & possivel intligi sem fantasma eos fantasmas nifo existem sem 0 corpo. Logo, a alma humai ‘fo € algo de subsistonie, “2” “lms humana Mas, em contrério, diz. Agostinho : e corpérea, vé que os que opinam ser ela corpbrea ercam por lhe adjungirem as fantasias dos corpos, vem at quais niio podem conceber nenhuma nati. reza. Logo, a natureza da alma humana nio sé & incorpérea, mas também € substincia, isto é algo de subsistente. oer _ Sorucho — Necessirio é admitir-se que 0 Principio da operacdo intelectual, a que chama. mos alma do homem, é um certo principio incon. péreo ¢ subsistente. Pois, émanifesto, pela inte- ligéncia 0 homem pode conhecer a natureza de todos os corpos. Ora, o que pode conhecer certas cousas, necessiriamente no deve ter nada dela, na sua natureza, porque a cousa que a esta fosse naturalmente inerente impedir-Ihe-ia 0 conhech. mento das outras. Assim, vemos que a lingua do doente, afectada de humor colérieo e amargo, nada pode sentir de doce, mas tudo Ihe parece amare. oe pols 2 principio intelectual tivesse sia ireza de algum cor io lori conhecer' todos 0: corpos, porque ‘cada mare fem a sua natureza determinada. Logo, & im- possivel que o principio intelectual seja’ corpo, E, semelhantemente, também & impossivel que intelija por meio de érgio corpéreo, porque tam. bém a natureza determinada désse Srga0. con. péreo impediria o conhecimento de todos ov cons os. Assim, se uma determinada c6r estivesse, no sé na pupila ,mas ainda num vaso de vidro, ok © liquido contido neste seria dessa mesma cér. Por onde, o principio intelectual chamado alma ou intelecto, tem a sua operago prépria, no comum com 0 corpo. Ora, s6 pode operar por sio que por si subsiste, pois operar sé é préprio do ser actual. Por isso, uma cousa opera dé mesmo modo pelo qual existe e, assim, no di- zemos que 0 calor aquece, mas que é célido. Lo« 0, conclui-se que a alma humana, chamada intelecto ou mente, é algo de incorpéreo ¢ sub- sistente. Donne A RESPOSTA A PRIMEIRA OBJECGAO. — Um determinado ser pode compreender-se de duplo modo: significando qualquer subsis- tente, ou um subsistente completo em a natureza de alguma espécie. O primeiro modo exclui a ineréncia acidental ea da forma material. O segundo exclui também a imperfeigio da parte. Assim, pode-se dizer que a mio é um determi- nado ser, no primeiro sentido, no, porém, no segundo, E, portanto, sendo a alma humana parte da espécie humana, pode chamar-se um determinado ser, segundo 0 primeiro modo, como algo de quasi subsisterite ; mas no con- forme o segundo, que é 0 em que se chama algo de determinado 0 composto de alma ¢ corpo. Resposta 4 seGuNDA. — Aristételes usa dessas palavras, no para exprimirem opinigo propria, mas a dos que diziam que inteligir € ser movido, como € elaro pelo que afirma antes. — Ou deve dizer-se que o agit por si convém ao que existe por si. Ora, o existir por si pode-se atribuir a alguma cousa que nfo seja inerente ‘como acidente ou como forma material, mesmo se for parte. Mas diz-se que é, propriamente, subsistente por si o que nem é inerente désse predito modo, nem é parte; © segundo éste modo de dizer, 0 olho ou a mio no se pode considerar subsistente por si e, por conseqiiéncia, nem como operando por si. Por onde, também ‘as operacdes das partes se atribuem ao todo, por meio delas ; assim dizemos que 0 homem vé com os olhos ¢ apalpa com as mos ; diferente- mente de quando dizemos queo cilido aquece pe- lo calor, pois, propriamente falando, o calor dene~ nhum modo aquece. Logo, pode-se dizer que a alma intelige como o olho vé ; mas é mais pré= prio dizer-se que o homem intelige por meio da Resposta A TERCEIRA.—O corpo é necess4- rio para a acco do intelecto, néo como érgo pelo qual tal accio se exerce, mas em razio do objecto ; pois os fantasmas esto para o inte- ecto como a cdr para o sentido. Assim que, 0 do corpo nao impede seja o intelecto jente ; do contrério, o animal ndo seria algo de subsistente, por precisar dos sensiveis exteriores para sentir. ART. Ill — Se as almas dos brutos sio subsistente: O terceiro discute-se assim. — Parece que as almas dos brutos so subsistentes. 1. — O homem tem o mesmo género que 0 outros animais. Ora, a alma humana é algo de subsistente, como j& se demonstrou. Logo, também as dos outros animais. 2, Demais. — O sensitivo est& para os sen- siveis como o intelectivo para os inteligiveis. Ora, o intelecto intelige, sem 0 corpo, os inte- ligiveis. Logo também, do mesmo modo, o sen- tido apreende os sensiveis. Ora, as almias dos brutos sdo sensitivas. Logo, sio subsistentes, pela mesma razo por que o é a alma intelectiva do homem. 3. Demais. — A alma dos brutos move-lhes © corpo. Ora, éste nfo move mas é movido. Logo, aquela tem alguma operagio independente do corpo. Mas, em contrério, foi dito: Cremos que sé 0 homem' lem alma substantiva ; ¢ niéo cto subs- tantivas as almas dos animais. SoLugio. — Os antigos fildsofos no faziam nenhuma distingio entre o sentido e o intelecto ; € atribuiam ambos a_um principio corpéreo, como j4 se disse. — Porém Platao distinguia entre 0 intelecto e 0 sentido, atribuindo ambos a um princfpio incorpéreo e dizendo que, como 0 inteligir, também o sentir convém & alma, em si mesma. E dai resultava que também as almas dos brutos so subsistentes. — Mas Aristételes estabeleceu que s6 o inteligir, entre as operacdes da alma, se exerce sem érgio corpéreo. Porém, © sentir, bem como as operagdes resultantes das operagées da alma sensitiva, manifestamente se realizam com alguma imutacio do corpo ; assim, na visio, imuta-se a pupila, pela contemplacao da cdr, 0 mesmo se dando com as outras ope- racdes semelhantes. Por onde & manifesto que a.alma sensitive nfo tem, por si mesma, nenhm operagzio propria, mas téda operacio da alma sunuitiva.pertence a0 conjunto. Donde resulta que as almas dos brutos, nfo operando por si mesmas, no sio subsistentes, pois, cada ser tem, de maneira semelhante, o ser € a operaso. Done A RESPOSTA A PRIMEIRA OBJECGXO. — 0 homem, tendo o mesmo género que os ‘outros animais, déles difere pela espécie. Ora, a diferenga especifica depende da diferenca for- mal, Nem é necessirio que téda diferenga for- mal importe na diversidade genérica. Resposta A secunpa. — O sensitivo, de certo modo, esté para os sensiveis, como o in- telectivo para os inteligiveis, a saber, enquanto ambos so potenciais em relagdo aos seus ob- jectos. Mas, de certo modo, comportam-se dis- semelhantemente ; pois, 0 sensitive sofre a acco do sensivel, com imutagio do corpo ¢, por isso, a exceléncia dos sensiveis corrompe 0 sentido. Ao passo que isso nfo se dé com 0 intelecto, pois, éste, inteligindo os maximos in- teligiveis, mais facilmente poderd inteligir os menores. Ese, no inteligir, 0 corpo se fatiga, isso 0 € sé por acidente; porque o intelecto 2 precisa da operac&io das forgas sensitivas, pe- Jas quais Ihe sto. preparados os fantasmas, Resposta A TERCEIRA. — A forca motiva € dupla. Uma, a apetitiva, que governa o mo- vimento; © a operaco dessa, na alma sensi- tiva, nfo se realiza sem o corpo; assim, a ira, a alegria e outras paixdes cemelhantes supdem certa imutagdo do coracio. A outra forca mo- tiva & a que resulta do movimento, pela qual os membros tornam-se capazes de obedecer ao apetite ; © 0 acto dessa forga nfo é mover, mas ser movido. Por onde se evidencia que mover nifo é acto da alma sensitiva que se realize sem © corpo. ART. IV — Se a alma &o homem. W — 0 quarto discute-se assim. Parece que a alma é 0 homem.‘Pois, diz a Escritura: Essa é a razio por que niio desfalecemos ; mas ainda que se destrua em nds 0 homem exterior, todavia 0 interior se vai renovando de dia em dia. Ora, 0 que no homem é inferior é a alina. Logo, a alma é 0 homem interior. 2. Demais. — A alma humana & uma de- terminada substancia, mas nao é a substincia universal. Logo, é particular e, portanto, hipée- tase ou pessoa e no outra senfio humana. Logo, alma é 0 homem ; pois, a pessoa humana é 0 homem. : Mas, em contrério, Agostinho elogia Varrao dizendo que 0 homem nao é sb alma, nem sb corpo, mas simultaneamente, alma e corpo. Sorucho. — Que a alma seja o homem, pode-se entender de dois modos. De um modo, que o homem é a alma, mas nfo éste determi- nado homem, composto de alma e corpo, como Séerates. B digo assim porque certs ensinram que 36 a forma pertence & natureza da espécie, sendo a matéria parte do individuo © nfo da espécie. — O que certamente nfo pode ser ver- dadeiro. Pois, & natureza da pay pertence aquilo que significa a definig&io. Ora, a defi- nigio, nas cousas naturais, nfo significa sé a forma, mas a forma e a matéria. Por onde, a matéria é parte da espécie, nas sobreditas cou- sas; nao por certo a matéria signada, que ¢ 0 principio de individuagio, mas a materia co. mum. Assim, pois, como da natureza de um determinado homem é que seja composto de tal alma e tais carnes tais ossos, assim da natureza do homem é que o seja da alma e das carnes dos ossos ; pois, é necessdrio que a substancia da espécie tenha tudo 0 que comumente per- tence & substincia de todos os individuos con- tidos na espécie. Porém, de outro modo, pode-se entender no sentido em que uma determinada alma seja um determinado homem. E isso se poderia sustentar se se estabelecesse que @ operagio da alma sensitiva fésse s6 déla, sem 0 corpo, porque as operagées atribuidas ao homem conviriam.s6 & alma. Ora, cada cousa produzindo as suas ‘operagées proprias, o homem é 0 que opera as suse, Pois, jee demonstron que sentir nio & eragio sé da alma. — Sendo, portanto, o eatir uma carta operasio do homem, embo. ra niio prépria, é manifesto que éste nio'é sé a alma, mas algo composto de alma e corpo. — Plato, porém, ensinando que o sentir & préprio da alma, podia ensinar que ohomem é uma alma que usa de um corpo. Donne A RESPOSTA A PRIMEIRA OByECGIO, — Segundo 0 Filésofo, um ser é principalmente aquilo que néle ¢ 0 principal ; assim, 0 que faz © chefe de uma cidade se considera como feito pela cidade. E, désse modo, as vezes se chama homem ao que neste é 0 principal ; umas vezes, & parte intelectiva, segundo a verdade das cou- sas, chamada 0 homem interior ; outras vezes, porém, & parte sensitiva com o corpo, segundo a opinigo de alguns que sé se detém nas cousas sensiveis; e @ste se chama o homem exterior. Resposta A ssGunpa. — Nao qualquer sub- stancla particular € hipdstase ou pessoa, mas jue tem a natureza completa da espécie. Por ele 4 10a On © PL Me ae pede chara ta péstase ou pessoa; e semelhantemente, nem a alma, que é parte da espécie humana. ART. V — Se a alma & composta de matéria e forma. 0 quinto discute-se assim. — Parece que a alma € composta de matéria e forma. 1. — Pois, a poténcia se divide por opo- sigiio com o acto. Ora, todos os seres em acto, quaisquer que sejam, participam do primeiro acto, que € Deus ; por cuja participacdo todos so bons, entes € viventes, como é claro pela doutrina de Dionisio. Logo, quaisquer seres em poténcia participam da primeira poténcia. Ora, esta ¢ a matéria prima. Como, pois, a alma hu- mana é, de certo modo, potencial, 0 que se evi- dencia por ser 0 homem, as vezes, inteligente em poténcia, resulta que ela participa da ma- téria prima, tendo a esta como parte sua. 2. Demais. — Onde quer que se encontrem as propriedades da matéria, ai se encontra a matéria. Ora, na alma se encontram tais pro- priedades, a saber, o ser sujeito eo tranismutar= se; pois, é sujeito da’ ciéncia e da virtude e muda-se da ignordncia para a ciéncia ou do vi cio para a virtude. Logo, na alma, hé matéria. 3. Demais. — O que nao tem matéria nao tem a causa do seu ser, como diz Aristételes. Ora, a alma, sendo criada por Deus, tem est causa. Logo, tem matéria 4. Demais. — O que nio tem matéria, mas s6 forma, é acto puro e infinito. Ora, tal s6 Deus o &. Logo, a alma tem matéria, Mas, em contrério, Agostinho prova que a alma nio é feita de matéria corpérea nem espi- ritual. Sotucio. — A alma nJo tem matéria, 0 que se pode duplamente provar. — Primeiro, i ee pela natureza da alma, em comum, que a torna forma de certo corpo.’ Qra, ou a alma é emi, forma total ou parcial. Se total, € impossivel brand como parte, a matéria, considerada esta ltima como ser sémente potencial ; pois, a forma, como tal, sendo acto, 0 que é puranente potencial nao pode ser parte déste, pois, a po- t2ncia repugna ao acto, dividida, como é por oposicfo a éle. Se parcial, essa parte a conside- raremos como alma; e a matéria, de que é 0 acto primério, como o primeiro animado. — Segundo, especialmente, pela natureza da alma humana, enquanto intelectiva. Pois, é manifesto, tudo o que € recebido por outro ser 0 & ao modo, désse ser recipiente. Assim, 0 que ¢ conhecid& © € do modo pelo qual a sua forma estA no co- mhecente. Ora, a alma intelectiva conhece as cousas em a natureza absoluta delas, p. ex., uma pedra enquanto absolutamente pedra. Por onde, @ forma da pedra, na sua razio formal propria, esta absolutamente na alma intelectiva. Logo, esta € forma absoluta e no algo composto de matéria e forma ; pois, se o fésse, as formas das cousas ela as receberia como individuai 5 e assim niio conheceria senfo o singular, como se dé com as poténcias sensitivas, que recebem as formas das cousas num érgao corpéreo; pois, a matéria € 0 principio da individuacao das for- mas. Resulta, portanto, que a alma intelectiva ¢ téda substincia intelectual conhecedora das formas, absolutamente, carece da composicao de forma © matéria Donne A esposta A PRIMEIRA oByécCKO. — 0 acto primeiro € 0 principio universal de todos 0s actos, pois, é 0 infinito, que virtualmente em si precompreende tédas az eousas, como diz Dionisio, Por isso, ¢ participado por elas, nto co« mo parte, mas pela difusio da processio de si mesmo. Porém, a poténcia, como receptiva do acto, deve se proporcionar a éste. Ora, ds actos recebidos, provedentes do primeiro acto infinito, ¢ sendo determinadas participagées déle, sto diz versos. Por onde, no pode haver uma poténcia linica receptiva de todos os actos, como hé um acto tinico que influi em todos os actos participa- dos ; do contrario,-a poténcia receptiva se adequa- ria & poténcia activa do acto primeiro, Hi, porém, outra poténcia receptiva, na alma intelectiva, diferente daquela da matéria prima, como se ¥é pela diversidade das cousas recebidas; pois, a0 Passo que a matéria prima recebe as formas in- iduais, 0 intelecto récebe- as absolutas. E, portanto, tal poténcia, existente na alma inte- Iectiva, mostra que a alma no é composta de matéria ¢ forma, Resposta 4 secunpa. — Ser sujeito ¢ frans- mutar-se convém & matéria como potencial. Se, portanto, uma’é a potéacia do intelecto © outra a da matéria prima, também haverd nogdes di- versas da sujeicio e da: transmutacéo. Assim, © intelecto ésujeito da ciéncia e transmuta-se da ignorancia para a cigncia, enquanto é poten- cial em relacdo as espécies inteligiveis. Resposra A TeRcEIRA, — A forma é, para ‘a matéria, a, causa do existir e do agit; por onde, 0 agente, como reduetor da matéria ao acto da forma, transmutando-a, éhe a causa da existéncia. Se, porém, hé alguma forma sub- sistente, esta nio exisie por nenhum principio formal nem tem causa que a transmute da po- tncia para o acto. Por isso, depois das palavras anteriores, 0 Filésofo conclui que or seres com- postor de matéria ¢ forma nao tém outra causa a niio ver a que or move da poténcia para 0 acto ; todos of seres, porém, que nao tém matéria ¢ sito eres, absolutamente, sto a sua mesma qitididade. Resposta A quanta. — Todo participado se compara com o participador, como acto déste. Ora, necessério é que qualquer forma criada, que se suponha por si subsistente, participe do ser ; pois, a prépria vida, ou qualquer cousa de se- melhante, participa do ser em si, como diz Dio- nisio. Ora, 0 ser. participado, ‘sendo limitado la eapacidade do participante, segue-se que s6 Jeus, que € 0 seu préprio ser,.é acto puro e infinito. Nas substincias intelectuais, porém, h& composicao de acto e de poténcia; nio de matéria e forma mas, de forma e do ser parti- cipado. E, por isso, alguns as consideram com- postas da causa do ser e do ser; pois, 0 ser em si mesmo € a causa de qualquer outro ser existir. ART. VI — Sea alma humana é corruptivel. O sexto discutese assim. — Parece que a alma humana é corruptivel, 1. —Pois, seres que tém principio e processiio semelhantes também tm fim semelhante. Ora, © principio da geragdo dos homens é semelhante ao da dos asnos, pois ambos foram feitos da terra; ¢ também é semelhante, em ambos. a processio da vida, pois, como diz a Escritura, todos respiram da'mesma sorte, ¢ 0 homem nao tem nada de mais do que o bruto, Logo, como no mesmo passo da Escritura se conclui, por isso uma € a morte dor homens ¢ dor brutos, ede uns ¢ outros & igual a condigao. Mas, a alma dos brutos é corruptivel. Logo, também o a alma humana. 2. Demais. — Tudo © que provém do nada € redutivel ao nada, porque o fim deve corres- ponder ao principio. Mas, como diz a Escritura, do nada somos nascidos ; © que é verdade, nio 86 do corpo, mas também da alma. Logo, como ainda no mesmo passo se conclui, depois desta vida seremos como se nunca tivtramos sido, mesmo em relacgo & alma. 3. Demais. — No hé ser que no tenha a sua operagio propria. Ora, a operacdo propria da alma, inteligir por meio do fantasma, nfo vai sem 0 corpo. Pois, a alma nio intelige nada 2 sem fantasma e éste no existe sem 0 corpo, como diz Aristételes. Logo, a alma ndo pode subsistir uma vez destruido 0 corpo. Mas, em contrério, diz Dionisio, que as almas humanas tém da bondade divina o serem intelectuais e 0 terem a vida substancial incon- sumptivel. Sorugio. — F necessirio admitir-se que a alma humana, a que chamamos princfpio inte- lectivo, é incorruptivel. Pois, um ser pode se corromper de duplo modo: por si ou por aci- dente. Ora, é impossivel um ser subsistente ser gerado ou corrompido por acidente, i. &., porque néle houve alguma parte geradaoucorrupta. Pois, a todo ente Ihe convém 0 ser gerado ou corrom. pido do mesmo modo pelo qual Ihe convém 0 ser, que pela gerasio se adquire e pela corrupsio se perde. Por onde, 0 que tiver o ser por si s6 Por si pode gerar-se ou corromper-se. Os seres porém no subsistentes, como os acidentes © as formas materiais, dizem-se feitos e corruptos pela geragio © corrupsdo dos compostos. Ora, 34 se demonstrou antes, que as almas dos brutos do so por si subsistentes, sendo s6.a alma hu. mana. Por isso, aquelas se corrompem, uma ver corruptos os seus corpos ;_porém esta sé por si poderia corromper-se, Ora, isto é absolute. mente impossivel, no sé a esta, mas a qualquer ser subsistente que seja s6 forma. Pois, é ma- nifesto, 0 que convém, em si, a um ser, & inse- pardvel déste. Ora, © ser em si, convém & forma, que € um acto. Por onde, a matéria adquire o ser actual na medida em que adquire a forma ¢ corrompe-se na medida em que Ihe sucede separar-se dela. Ao passo que, sendo imposstvel a forma separar-se de si mesma, im- possivel & também que a forma subsistente pera o ser. Dado, porém, que a alma seja composta de matéria e forma, como certos dizem, ainda assim sssario admiti-la como incorruptivel. Poi sé se encontra corrupcio onde se encontra a con- trariedade ; porque as geracdes e as corrupgées so passagens de uns para outros contrarios. -Por isso os corpos celestes, sem matéria sujeita & contrariedade, sto incorruptiveis. Ora, na alma intelectiva nenhuma contrariedade pode haver. Pois, ela receptiva ao modo do seu ser e as cousas por ela recebidas o so sem contrariedade; que as nocdes dos contrarios no so con- trérias no intelecto, mas hd uma s6 ciéncia dos contrarios. Logo, & impossivel que a alma in- telectiva seja corruptivel. Também se pode tirar uma prova desta doutrina do facto de cada ente desejar ser na- turalmente, ao seu modo. Ora, 0 desejo, nos seres que conhecem, segue-se ao conhecimento. E, a0 passo que o sentido nfo conhece o ser seno num determinado lugar e tempo, o inte- lecto 0 apreende absolutamente ¢ referente a qualquer tempo. Por isso, todo ser que tem in- telecto deseja existir sempre. Ora, o desejo na- tural no pode ser véo. Logo, toda substéiicia intelectual & incorruptivel. Donve A Resposta A primeira oByeccko. ~ Salomio aplica essa razio & pessoa dos insi, pientes, como se exprime noutra parte. E quanto a dizer-se que o homem e os outros animais tem © principio da gerasio semelhante, isso é verdade quanto a0 corpo, pois, todos os animais foram feitos da tecra, semelhantemente. Nao, porém, quanto & alma ; pois, ao passo que a dos brutos € produzida por uma virtude corpérea, a alma humana o € por Deus. E, para o exprimir, a Escritura diz dos outros animais: Produza a terra animais viventes, Mas do homem : inspirou no yeu resto um assopro de vida. Por onde, con- clui Salomao: Ho pé se lorne na sua terra de onde era, ¢ 0 espirito volte para Deus que o dev. Do mesmo modo, a proceso da vida é seme- Ihante quanto ao corpo ; e a isso se referem os pasos: Todos respiram da mesma sorle ea respiragdo nos nossos narizes € um fumo. Mas no é semelhante a essa a processio da alma, pois, o homem intelige e os brutos no. Por isso € falso 0 dito: 0 homem niio tem nada de mais do quc 0 brulo. Por onde, semelhante é a morte, quanto a0 corpo, mas no quanto & alma. Resposta A secunpa. — Assim como se diz que um ser pode ser criado, nao pela poténcia assiva, mas sé pela poténcia activa do Criador que, do nada, pode produzir uma cousa; assim também dizer que um ser é redutivel ao nada ngo importa, na criatura, a poténcia para ondo- ser, mas sim a poténcia do Criador nfo influindo © ser. Ora, chama-se corruptivel ao ente em que existe a poténcia para 0 nio-ser. Resposta A TERCEIRA. — Inteligir, por meio do fantasma é, pripriamente, operacao da alma, enquanto unida ao corpo. Separada déste, po- rém, teré outro modo de inteligir, semelhante a0 das outras substincias separadas, como a seguir melhor se verd. ART. VII — Sea almaeo. anjo sio da mesma espécie. O sétimo discute-se assim. — Parece que a alma e 0 anjo sio da mesma espécie. 1. — Pois, cada ser é ordenado ao préprio pela natureza da sua espécie, que Ihe da a inclinasio para o fim. Ora, idénticos so os fins da alma ¢ do anjo, a saber, a felicidade eterna, Logo, ambos sio da mesma espécie. 2. Demais. — A diferenga especifica ultima € a mais nobre, porque realiza plenamente a nogio da espécie, Ora, nada hé de mais nobre, no anjo na alma, do queo ser intelectual. Logo, les convém na iiltima diferenga especifica, sendo, assim, da mesma espécie. 5. Demais. — A alma sé difere do anjo por @ estar unida ao corpo. Ora éste, sendo estranho 4 esséncia da alma, ndo é da mesma espécie que ela. Logo, a alma e 0 anjo sfo da mesma espéeie. Mas, em contrério. — Seres diferentes, por operasdes naturais diversas, diferem pela espécie. Ora, a alma e 0 anjo tém operagées naturals di. versas; pois, como diz Dionisio, or espiritorans gélicas tém conceitos intelectuais simples e bons s nao congregam elementos divistveis para chegar 2 unite com Deus; ©, depois, diz o contrario da alma, Logo, a alma e 0 anjo no soda mesma espécie, Sotvcio. — Origenes ensinou que tddas as almas humanas e os anjos sio da mesma espé- cie. E isto porque ensinava que a diversidade de graus existentes em tais substincias ¢ aci- dental, como proveniente do livre arbitrio, se gundo jd se disse antes. Ora, tal no pode ser. ‘orque nas substincias incorpéreas ndo pode haver diversidade numérica sem diversidade especifica e sem desigualdade natural. Pois, no sendo compostas de matéria e forma, mas sendo formas subsistentes, é claro que necessario sera haver entre elas diversidade especifica. Porque no se pode compreender exista alguma forma separada que nfo seja Gnica da sua espécie ; assim como, se existisse a brancura separada, essa nfo poderia ser senZo uma tinica, pois uma brancura nao difere de outra senio porque & tal ou tal. Ora, a diversidade especifica sempre vai com a diversidade natural concomitante ; assim, nas espécies de cOres, uma cér & mais perfeita que outra ; e, semelhantemente, em outras espé- cies. E isto porque as diferengas que dividem © wénero so contrarias. Ora, os contrarios entre si se comportam como 0 perfeito com 0 impor. feito, porque o principio da contrariedade ¢ a privacio e 0 habito, como diz Aristételes. Tam- bém o mesmo se seguiria se tais substéncias fossem compostas de matéria e forma. Se, pois, a matéria de uma se distingue’ da de outra, necessério € que ou a forma seja o principi io da distingzo da matéria, de modo que as matérias sejam diversas pela tendéncia para formas di- versas, donde também resultaria a diversidade especifica e a desigualdade natural; ou que a matéria seja o principio da distingao das formas. Nem se pode dizer que esta matéria seja dife- rente daquela, seno quanto & divisto quanti- tativa, que no fem lugar nas substancias in- corpéreas, como o anjoea alma. Por onde, néo é possivel sejam ambos da mesma espécie. — Como porém que hd muitas almas da mesma espécie, a seguir se demonstraré. Donve A Resposta A PRIMEIRA oByecgho. — Essa doutrina € procedente quanto ao fim proximo ¢ natural. Ora, a beatitude eterna é 0 fim iiltimo e sobrenatural. Resposta A secunpa. — A diferenga espe- cifica dltima & a mais nobre, enquanto deter. minada em maximo grau, ao modo pelo qual o acto é mais nobre que a poténcia, Ora, désse modo, 0 intelectual no € nobilissimo, por ser indeterminado e comum a muitos graus de inte- lectualidade, como 0 sensivel a muitos graus, quanto ao ser sensivel. Por onde, assim come nem todos 0s sensiveis sio da mesma espécie, assim nem todos os intelectu: Resrosta A Tencerra. — O corpo nio & da esséncia da alma; mas é da esséneia desta ue seja capaz de unio com 0 corpo. Por onde, nem, prépriamente, a alma pertence a uma espe, cie, mas sim, 0 composto. E 0 facto mesmo de a alma precisar, de certo modo, do corpo para 4 Sua operasio, mostra que ela tem um grau dle intelectualidade inferior a0 do anjo, que nao esta unido a um corpo.

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