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N/O LIMIAR DA CIDADE ni Orlandi Hoje eu me encontro Eu tenho enderego Autes er morava no mew sapato Por at. Eu choro aha tistesa Nao € por causa de ninguém Por sui meso Eu chore pra dentro A cerveja que en bebo, Pr rama Muvuca, Zeca Pagodinho) Resume A telogo de sobredeterminagio do imagindro urano subme a cidade ¢ © social pre sentido da idl em su ead socal eancreta, NGspropontospensaresse flo como un ato dscuNO, rocurando compreesceros mos pelos quis aprgamento doseyurvocos.:ssim como sileneimento dis ontagdes qucestruurama vida soxil ccd, resingindo usexpayussimbeicose, conseqienemerte procuzindo as conigdes do aumento da violéncia, Por outro ldo, ineress-nos observa como o rel ct ‘ide ral sss contradicts Faendoieromper utr sentido posses. i uma pond de 0. Introdugio. A ambivaleneia de sentidos presente nesses dois momentos de fila de Zeca Pa em conversa com Regina Casé, no Programa Maruca (TY Globo) é bem o vestigi * Coordenaddora da LABEURD (Labontrio de Fstudns Urhanos) NUDECRUUNICAMBP, Professor do Instituto de Estudos da Linguagem TEL ds Rea, Campinas, Nimoro Especial: 7-19, 1999 s 0 linia da cidade fato discursivo que € objeto central de minha atengdo: a relago contraditéria, sujeita a equivocos, entre o urbano ¢ a cidade, De um lado, o urbano dia referéneia, permite a unidade imagindria que, por sua ve7 desencadeia a possibilidade do sujeito idemtificar-se urbanamente: “Hoje eu me encon- {to/ antes eu morava (no meu sapato) porai”. Ao mesnio tempo, essa injungio (urbana) de ninguém”), que instala o sujeito urbano, no real da cidade nao estabilizado, “chorando pra dentro a cerveja que eu bebo”. Consideramos a cidade, do ponto de vista discursive, como um espaco simbético diferenciado que tem sus materialidade e que produ sta significineia, Em outras palavras, a cidade caracteriza-se por dar fortna a um conjunto de gestos de interpretagao especificos & isto constitu o urbano. Quer dizerque, nacidade,o simbolico ¢ o politico se confrontam de uum modo especiico, particular. A isto chanumios “a orem do discurso urbano”. ‘Tal como tenho proposto (E. Orlandi, 1996), deve-se distinguir entre ordeme organiza- ‘glo, sendo a ordem do dominio do simbdtico (a sistematicidade sujeita a equivoco), na relagiio.com o real, enquanto a organizacio refere ao empirico eo imagine (oarranjo das unidades). Una vez que a anise de discurso visa compreensio do real do sentido, nosso objetivo nia € pois apenas o de deserever a organizacao da discursividade urbana mas sim o de compreender a ordem do discurso urbano, ot sea, entender como o simbélico tem sti relago com o politico configura sentidos para/na cidade, Em suma, procurando compreender a ordem do discurso urbano, a questo que colocamos é: como a cidade (se) signific Assim, nosso projeto temitico “O Sentido Paiblico no Espago Urbano” & trabalhado como uma forma de por em relagdo diferentes campos de conhecimento, tomando a lin uagem como observatdrio da cidade na perspectiva discursiva. Consideramos, desse modo: a) que a linguagem nao € transparente; b) que os sujeitos se constituem em processos nos quais se confrontam o simbélico e 0 politico, instituindo modos de subjetivagtio espeeificos ao modo de existéncia da sociedade na historia. Se assim &, 0s, sentidos, por sua vez, no so evidentes, ao contrario, so sujeitos ao equivoco da uci, Campinas, Numero Especial: 7-19, 1999 Eni P Orlandi 9 sendo afetados por mecanismos ideol6g lingua, cujos efeitos se inserevem na histria cos em sti producao. "Nosso trabalho éjustamente compreendler esses efeitos, pracuranco explcitar os processos de determinagio hist6ricos na produgio dos sentidos e na consttuiedo dos sujeitos, nesse so, urbanos, Pensaddos dessa mancira, os conifiiosurbanos slo antes de tudo contlitos de sentido, ‘Compreender isto é compreender, ao mesmo tempo, o que esta investide no sentido 1 podem:se pensar eriticamente as evidéncias posts em de “cidade”. Em consegiiénci ‘uma nogiio como a de cidadat 2, Por que “Urbanizar a Cidade”? 1s pesqutisas que temos desenvolvido, os semincirios © participamos, consideramas profiewo fazer Tendo esse objetivo, que organizamos eos eongressos de q tuma jornada cientifica para a qual concorressem intelectuais ligados 3 reflesiio so- bre o urbano © que nos permitisse a: 5 sobreo eonheeimento urbano. Num movimento de an io € a de compreender discursi por sua vez, estd sobredeterminaua pelo imaginasio urbano, Hi um uso qu relagdes sociais, relages urbanase relagdes na eidade. Assim se perde aespecificidade do social. A maneita como o urbanista Fala sobre a cidade acabou eriando categorias que vio substituindo a propria maneira como as pessoas pensam a cidade, Por um processo de migragiio de sentidos, elas significam a partir de categorias do urbanis- mo, tornadas gerais, e deixam de dizer a cidade em seu real, em suit materialidade especifica. Nossa proposta ¢ Hlagrar esse real, por onde ele “Toye”. niio se deixando pegar pela fala do urban. Compreendatse que essa crtica nfo visa destiuir o urbanism de seu lug glo de saber. O que se visa & restituird cidade seu real de significagio. Assim, 0 tema proposto “Urbanizar a Cidade?” objetiva uma ettica © mostra nosso cciidado em distinguir algo que vem se indistinguindo e que jaé efeito discursivo, parte do imaginrio urPsano: « sobreposigyio do que & conhecimento urbano (sobre a cidade) coma propria materialidade urbana (da cidade), Nessa indistingio, oral urbuno 6 subst de produs Rua, Campinas, Ndmero Especial: 7-19, 1999 NAO bmi cidade 10 do pelas cau ius do saber urbano, seja em sua forma erudita (discurso do urbar hista), Seja no modo do senso comum em que esse discurso do urbanista & ineorpo- rudo pelo pol eo, pelo administrador, pela “comunidacle”. convertendo-se no que chamarei “discurso (do) urbano”. Por uma rizio de método, distingo este discurse do “discurso urbano” que coloco como equivaleme do que chamarei“discurso da cidade” como veremos mais adiante. Como temos abservado, os sentidos ja estio afetados por essa duplicidade diiscurso urbano, diseurso sobre o/do urbano ~ no préprio espaco que € u cidade Essa distingtio discursiva que propomos passa assim a ser constitutiva da anslise do semtido no espaco urbano. Umexemplo. para iniciar nossa apresentagio sobre esta domindineia do urbano, pode sero das falas da Globo, na apresentago do desfile no Carnaval. Sao falas pautadas pelo diseurso urbanista em suas diferentes modalidades. O discurso cammavalesco da Globo (e ‘da midia em geral) significa a cidade, representaca em um discurso que é subproduto do Urbanismo, O camaval—com tantas outras Forgas sociais investidas abundantemente al ~ tem uma deserigio linear urbanista que apagit ou acentua sentides (observe-se, por ‘exemplo, 0 uso da palavra “comunidade” nessas falas ¢ a deserigda das relagbes da tal “eomunidade™...), neutralizando tragos mais substanciais da cidade e das relagdes sociais struturam. que nela 3. Um pouco de ctimologia ¢ deslocamento Para refletir sobre esse proceso de sobreposigdes, vamos perambular por alguns indicios etimoligicos. Como se sabe, cidacle vem dle eivitas, ~atis [eivis] que pode ser entendida de modos diversos: a) como a condigiio (direito) do cidadao e como conjunto de cichudiios. em que centio cidade e cidadunia vem juntos, no mesmo pacote de sentidos; b) pode ainda signifiear: sede de um Governo, Estado, Cidade, Patria, onde os sentidos do politico se assemtam na especific: resemtagdes; ¢) no dicionaitio, diz-se que civitas, ~atis € igual a urbs, que quer dizer cidade em oposigiio a rus (campo, lavoura) & — Are (citadela, ein, cume dat cide). Nessa configuragao de sentidos, é bom lembr Romi é a cidade por exceléncia (estamos falando do Império Romano), jo empitica de suas re Rua, Campinas, Numero Especial: 7-19, 199 Eni P. Orta " Se tomamos a via de exploragio que coloca em pauta a relagio com serbs, veremos, que ji af as ambigitidades comecam a vir & tona, Urbs 0 mesmo que cidade, contra tando com Rus e com Arr, Se pensarmos 3 relagio, em webs, com burgo, veremos que na disposig2o espacial temos o espago do castelo, acidadea sua volta e, mais austado. burgo, Hi permeabilidade entre a cidade ¢ 0 burgo (Le Gott, 1997) e, no século XI, cidade e burgo retinem-se. Entretanto, na relag20 posta com o subiirbio, este incl parte nfo alta (0 que se afasta da ary e também da eivitas em seu sentido geral. Ao se integrar (o burgo),cria-se ao mesmo tempo a diferenga: o subirbio. Mas, sobretudo, ha ja posta em subtirbio uma rekigio que nfo é apenas espacial com a cidade, Em relagio ao urbano, subirbio significa em termos de uma verticalidade que hierarquiza o espaco e que dia subxirbio um des-valor daquilo que nfo é centro (a parte alta, 0 cume), Ora, iss0 nos dé indicagoes para um outro recorte de sentidos, onde urs prodiuz uma hierarquizagio, verticalizando as relagdes urbanas. Nesse recorte, e para entendermos na relagio civitatisfurbs um | sociabilidade, a passagem jd é mais tortuosa, como veremos, que faz imtervira 4A lade, a sociedade, a urbanidade Nesse paso, precisamos eselarecer que nfo partimos de categorizagies ds Ciéneias Sociais mas do dominio discursivo. Consideramos aqui o social (socialis) relativamente Aquele que € portador da sociabilidade. O que pretendemos mostrar é que, na negacTo dos contatas sociais ~ convertidos em violéncia ~o sujeito social acaba por se significar como aquele que se protege, que se distancia, que (se) nega (a) 0 outro, Minha proposta 6 de sentidios feitos acimia, fazendo valera distingao entre ordem e organizagao, referida no inicio. A palavra urbs, pela discursividade em que ela se desenvolve, refere a organizagao, assuminds 6 ponto de vista administrativo, ditetivo (diretor). A cidade, por set lado, em seu real hist&rico- social, & a de o politica desse processo de significagao, referindo ao cidadio (ci- vis), ordem do politico em que cidade se liga 4 civilidade e 0 urbano, nfo enquanto logistica espacial mas enquanto terrt6rio do polido. E 6 justamente em relacao a0 “poli- do” que a ambigitidade funciona. Vejamos. 0, que se elaborem esses recor uct, Campinas, Numero Especial: 7-19, 1999, NAO limi da cidade 12 “Cidadiio” se especitica em sua relagio distintiva mantendo a devida distineia de du espécies de “outro” que sao prdprias da referéneia urbana de hosts (estrangeiro, fora teiro, inimigo piblico) de sacius ou peregrinus que é 0 aliado, o companheira, 0 Séci ue, no sendo 0 que & citadino, no entanto, de fora da cidade, a ela se junta, Nesse sentido, ha uma urbanizagio do sociatis produzida pela relagao aproximativa com cida- ide. Bo social tal como o conhecemos. O aliado que se urbaniza perde a caracteristica de extemo i cidade. Paralelamente, num movimento de hierarquizagiio (verticalizagao) do que se fez ma horizontalidade espacial das relagdes, 0 socius € disposto em uma regidio que niio o distingue significativamente do fistis, merecendo © mesmo “euidado” urbsano. Desde enti, eu diria, nao se parou de urbanizara cidade num movimento de reconhecimento e apagamento das diferencas, das dificuldades e das distintas relagées que povoam a cida- amento do “outro”, da sociabilidade, da de, o piiblico, em suma, reconhecimento ou aps civilidade, da eidadani Esse processo sobrecarrega, a meu ver, ida mais a sobreposig0 existente entre 0 urbano © 0 social, © urbano sobredetermina o social: 0 social passa a signifieur pela urhanidade, Assim, a sociabilidade nfo 6 pensada diretamente em relagio i soviedade, como parte do social, ¢ da historia, estruturante. Ao mesmo tempo, ourbvano desliza do sentido do potid para o de policiado, no no sentido di civilidade, mas no da mannten- fo da ordem urbana, tomuada no sentido administrativoe diretivo de organizagio urbana {emo mais da ordem do urbano, onde cidade 6 civilidale). Apaga-se o social livra-se o urbano aos confrontes. De seu lado, a sociabilidade vai significando de modos bastante dlistintos em uma Sociedade urbanizada em que os processos de individualizagao dos suieitos (e dos sentidos), pelo Estado, tomam a frente dos processos de socializae Pensraccdade com categoria do urbano, jdladas, pode assim produ uma indistingo do social. Deixaese de levar em conta modos sociais de produgo de sentidos proprios da cidade, Apagam-se equivocos,silenciamnse contradigdes estnturante da vida social da cae de, Comprimen-se espagos imisicos,elidem-se rajetos das relagdes secs. Limita-se0 sentidodopiblico” na sua relagao imaging com o"privado” ‘A organizagdo do urbano, que funciona na instdncia do imaginario, muitas vezes im- pede o trabalho de novas (¢ reais) necessidades da sociedade, isto &, de uma nova ordem social (i latente). Isso produz violencia urbana. Imobiliza a procura de novas formas de ‘Rua, Campinas, Ndmero Especial: 7-19, 1999 Ent P Orton B sociabilidade. De novos desenhos (sentidos) da cidade. Paz deslizar a nogiio de conflito, constitutiva das relagées sociais — em uma formagdo social como a nossa em que as diferengas se impGem —paraa explosio da violéneia, naquilo que ela nega 20 movimen- to, muptuta e & transformagtio necessiria, Perdem-se muitos dos possiveis sentidos da sociabilidade. Porque nio se traballua 0 real da cidade. Onde 0 social € silenciado, suturado pelo urbano que nio @ compreende em sua reillidade citadina em constante movimento, emerge a viol&ncia, ‘Ainda quanto i ruptura da sociabilidade, poderiamos estabelecer af uma distingqo, dlizendo que o contlito urbano é da orem do social, enquanto a violencia individualiza: condutit individual, Ela desta em otras palayras, a violEneia se apresenta como fato da arelag Segundo essas nossa consideragbes, ha uma conversio do conflito em vio apagamento do soetal enquanto real estruturante das relagdes entre suijeitos num mesmo espaco,o da cidade. Nessa estagnagio do movimento, nessa impossibilidade social de novos sentidos, transfigura-se em violéncia o que seriam re-artanjos de novos espaigos {do “puiblico”, com seus sentidos deslocados. cia, Ha 5. A quantidade como fato estruturant 0 da cidade diseui Ao elaborar nosso projeto fematico como organizador de nossas pesquisas no Labora A6rio de Estudos Urbanos (Labeurb) na Unicamp, nos propusemos a refletir sobre como a cidade se simboliza (se diz) e~ num movimento inverso mas, eu ditia, complementar a significagio— como linguagem se espacializa na cidade. Ao percorrer Flos, textos, discussies, fomamos a cidade como wn Tug particular, como um lugar de interpretagao diferente quanto & suit materialidade, Isso ‘quer dizer que, na cidade, o sujeito se subjetiva de modo especifico, que os sentidos af se onstituem de modo particular. Pensando esta relagio particular, podemos dizer que a cidade se localiza ~se situa simbolica e politicamente — como forma particular das relt- des de produgio. Eo que hii de especifico nessas relagtes, quando se pensa a cidade € esse espago de interpretagio que vai significar de uma maneira determinada o que & 0 social, concebido nessa relagdio com o urbano? simbalico a responder a esta pergunta, tive de alargar as questOes inicialmente postas. Pois 0 P rear as Rac, Campinas, Niimero Especial: 7-19, 199 NO linia acide MW que hi de especitico nessa relago & a quantidade: so muitos do mesmo no mesmo lugar. Comrsuas diversidades. Na cidade a quantidade nao pode ser evitada, E a quanti= dade traz. sempre consigo a relagdo entre a diferenga e o mesmo e ¢ isto que a quilifict. Hii, portanto, um modo de ocupagiio do espaco da cidade que envolve nevessariamente a quantidade. Vista, & claro, nao em seu aspecto apenas empirico, mas em stia determi- nagiio histérieae imaginsria, em sua dimensio simbéliea e politica: a do significar, Pode- se assim dizer que o trago estruturante das relagdes da cidade é a quantidade, ou, em ultras palavras, a cidade & um espago que se constréi na quantidadde. Se assim & para significar, o espago urbano lida inelutavelmente coma necessidale de transferéncia (de metaforizagao) na relagio com a quantidade. A questio pays a ser enifo: como se resolve nos sentidos (no discurso) da cidade a questao da quantichade? A quantidade, vista do ponto de vista do simbolio, determina a natureza da imterpr tagio que & a que caracteriza (configura) a cidade como um lugar (de interpretagio) especifico. Como (n) a histéria (se) produziu este espago’ Dito de outra manera, de que modo, perguntariamos, a cidade se configura como esse lugar em que a quantidade reclama sentido, se tomamos a relagao do homem com seu outro, ¢ no interior das relagées de produc? Os fatos, como tenho dito, reckamant sentidos €, no easo dat cidade, o fatoa se dar sentido define-se como quantidade. Se, como dissemios, a quanti dade & caracteristica do espago da cidade, ¢ ela que historiciza a geogratia, por uma injungdo simbélica,em que o espaga deve significar. Como diz P. Henry (1994), em uma critica concomitante ao historicisn o ef cancepao popperiana de historia e de eiéneia, (a) mio he fato que ni faga sentido, que ndo pega interpretagdo, que nao reclame que the achemos causas e conseqdéncias. E nisto que consiste para nésa histéria, nesse fazer sentido, mesmo que passamos divergir sobre esse sentido em cack caso" Pois bem, se em outros textos, nuum recorte do que alirma Pau! Henry, estabeleci en meus trabalhos que os fatos reclamam sentidos e isto me permitiu explorar em sua importineia consttutiva o fato da interpretagtio, nessa retomuda do que diz esse autor quero chamar a atengio para aafirmagio de que 0 fato reclama que “Ihe achemos causas sse, mais acima, que a quantidade pede (reclama) solugio e conseqiiéncias”. Por isso de sentidos, na cidade, Este ¢ 0 mével pelo qual, na simbolizagio, a geografia se historiciza, no espago urbano vit quantidade. Ha un demanda simbdlica e politica da cidade que passa pela qu cia, funcionando em um territ6rio (dade enquanto causa ¢ conseqii uo, Campinas, Namero Especial; 7-19, 1999 Eni P Orland 15 historicizado, Isto nos autoriza.a perguntar qual &0 estatuto simbiitico da quantidade que concere idade? Como a cickade (se) significa (n)a quantidade? ‘Como hi uma relagao desigual (de sobredeterminagao) entre a organizacio urbana eat ‘ordem da cidade, niio hi espaco na cidade que no seja urbuno (nfo hd espaco vazio), logo, no hi espago que nio esteja sujeito 2 policia, & administragio, Nao havendo espao vazio — leia-se “disponivel” na materialidade espeeitica do espaga simbolico da cidade — hii um muito cheio, uma saturagiio dos sentidos do ptiblico que ei como resul- tado o efeito da violencia, da “desordem”, jd que no pode af haver hugar para fala, a incompletude, o possivel. Nao hii 0 “outro” sentido, 0 que estaria rampendo com © espago simbdlico jd (urbanamente) significado. Nao ha assim movimento dos sentidos e dos sujeitos. A cidade impedida de significar em seus nzio-sentidos, aqueles que estar am por vir, as novas formas de relagdes socials. Cristaliza- esse modo, muitos dos sentidos da cidade — aqueles sobretudo que sivo identificados como violéncia — so resultados de metforas da quantidade mal resolvidas, mal sued da, porque nto slo capazes de absorver © movimento do social, Hii assim uma conver- So urbana dos sentidos da cidade que produzem o efeito da viol$neta, da desordem, da ilegalidade, do impréprio, Com todas as formas de eco que abrem para os preconceitos: do racismo, doimaginério urbano (desejivel, valorizado} opesto 20 rural (indesejitvel, de fora, precirio), das diferengas remetidas A tecnologia ¢ 2 cigncia, onde o urbano é 0 niiico, o tecnologicamente desenvalvido, etc. Nao acabarfamos de enumerar todas as formas de preconceito produzidas pelo imagi- nirio que repousa sobre a metifora mal resolvida da quamtidade. Resta acrescentar que a rietifora (ef. M. Pécheux, 1975 eB. Orlandi, 1996), na anise de disewrso, significa “transferéncia” de sentidos € no “figura como ma ret6 é a clissica, Transferencia af & justamente a possibilidade da interpretagao, a relagao constitutiva com o trabalho dat Imeméria, dos processos de identifieugio dos sujeitos em seu movimento, em suit incompletude, em seus equivocos. Em uma palavra, transferénein significa re-s historicizagaio dos sentidos em que se simbolizam o mesmo e o diferente. urbano aparece af como “eatalizador” dos sentides da cidade e do social. Num gesto homogeneizador, o urbanismo cristaliza-se como parte do imagindrio que “inter- preta” de maneira a fixar o que é a cidade enquanto urbanid pssat indistingdo, esse Rua, Campinas, Namero Especial 9, 199 i PO lina decide silenciamento da espessura semantica da cidade marca de maneira extremamente nega vao que Ihe & estranho (digno de interesse e curiosidade no séc. XIV e nao de repulsa como agora), exclui 0 que € ndo-familia, tingindo-o das cores do perigo e da ameaga, fechando sujeltosem sta grade de signiticagao, imobilizancdo novos processos, esta do possiveis sentidos da cidade. O- socius deixa de ser um aliado: & 0 estranho, 0 estrangeito, 0 inimigo, 0 de fora. Eo estranho nto € 0 desconhecido, &o que trae pe ameaga. Desconfianga. Do mesmo modo, nessa formagio diseursiva, por um mean mo qute se faz como um efeito em dominé, palavras como “cuidado” deixam de sig {engdio!":ndo se euida de seu concidadio. se toma cuida- car a acolhida para significar docomele. 6.A violen Se tomamos como exemplo os eondominios fechados, pademos apreciar 0 trubalho do equivoco como parte desse processo de significagdo que regula (retém) 0 jogo de sentidos cidade/urbano, Pretensamente, os condominios ~ em seus projetos de urbanizagao ~ S40 feitos para dar seguranga aos moradores, No entanto, ao isola parte clo espago pitblico, eles acabam funcionando como elemento desencadeador de sentidos da violéneia, Ao fazer um muro, i's imprime ao sentido (do) urbano um gesto de violencia que demarea espagos que separam cidad2os ecidadios. Indiscriminadamente, De modo indistinto tudo (todos) que ica fora do muro é estranho, & sujeito a risco. Algm disso, aquele que esti para o lado de fora sente em sia violéncia da exclusio e se arma de hostiidadle. O confronto, neste gesto de injerpretagI0, compele Ainterdigio, Adesagregaga0, a0 lito, Silenciosamente, as formas da sociabilidade se restringem e adquirem novos sentidos: af 0 sociusestd mais para hosts do aque part alia... sto resulta de um gesto simultaneo de silenciamento ecristalizagio daguilo que & matéria mével de sig ficagio que se enrijece & no metaforiza mais os sentidos possiveis dacidade e de seus habitantes gesto de isolar, de pr do Indo de fora, na medida em que indistingue tudo que es alhures, amplia o sentido du marginalidade —o de dentro éo “comunitario” eo que est do outro kala do muro & 0 ~ Sujeito a riseo ~ esvaziando os sentidos de sociedade, A violencia, individualizacla, passa a ser um confronto corpo-a-corpo. Nao fem mediagao pelo social Rua, Campinas, Ndmero Especial 7-19, 1999 Ei P, Orland ” A urbanizagio, em sua ambigiidade, ao mesmo tempo reconhece ¢ passa sobre a im permeabilidade que passa existir fortemente na cidade. Integra, sem significur politicanne te, ou ej, silencia adiferenga. A questi da quanta, como ja mencionei, mio sofre um processo de transferéncia significativa (ndio se metaforiza convenientemente) ¢ se resolve ‘mal natinjungio aos sentidos do urbana, Converte-se em questio administrativa Nesse modo de significar, a urbanizagao reduz-se a um discurso téenico —o discurso (do) urbano — nao chegando a ser uma resposta real do politico. Restringe-se wo dominio dos efeitos do imaginério. Nao os alravessa, fica neles. Um fato, em que se pode observar isso, & 0 das pontes (viadutos, ete). Procuram.se imaneiras cada vez mais sfisticadas (comoa de colocar paralelepipedos em pé) para impect ‘que pessoas sem casa (mendigos?) se alajem no ao sob as ponte. Sabe-se que as pontes ji tiverum vérias formas e fungbes, inclusive (como a de Florenga, sobre © Ammo), abrigando residéncias, comércio etc, As nossas pontes hoje (excluindo até o espago para pedestres) significam exclusivamente “passagem”, “uinsito”. Nao abrigam. Nao sio urs lugar habit vel. Nesse pracesso de significagao urbana, considera-se pois que © que esti sob a ponte (pontilhdo, viaduto, ete.) nio é um espago, ainda que, do ponto de vista da cidade, em st vida social, este seja um espago procurado como moradia. Mas 0 discurso (do) urbano ja satturou esse sentido, pune simplesmente. Quer dizer, nao hi possibilidade de deslocarem-se ‘os sentidos urbanos da ponte, mesmo face & realidade social concreta de cidackios (2) habita- 10s, Do ponto de vistt (do) urbano os espagos da cidade no sto “vazios" projetos, io jd destinados, Enquanto discurso que se restringe ~ e que restringe aos efeitos do imaginério, o turbano nio eede a auoria em relaao & questo da civitidade, da soviabilidade e da cidadania, Nao se fazer os sentidos necessirios. Diluem-se os gestos de interpretagao dacidade. Na demanda de sentidos, no ha, blogueado pelo discurso do urbano, possibi- lidade de se constituirem novos sentidos, de se historicizatem (outros) sentidos da eida- de. A cidade niio se autoriza a um dizer proprio, Ao instituir sua amtoria, © diseurso do Urbano pratica sentidos nio historicizadas, ni re-significudos, cristalizando-se sob o ‘modo de uma repetigae formal (do que € urbanizar). Pratica-se a diseursividade do turbano, sem que se transforme a reatidade da cidade, Para haver tal ressignificagdo, & preciso se recolocar a materialidade social contradit6ria como mediadora, Elidi-ka é um modo da urbanizago subtrair a sociedade da histéria, Rua, Campinas, Nimero Especial: 7-19, 1999 AO linia de ie Is 7. Uma proposta de reflextio Silo esses el vitos que procuramos compreender nessa Jomnada Cientifiea que retine nnossos pesquisadores tendo a participagio ativa de dois membros do nosso Laborut6rio de Estudos Urbanos (Suzy M. Lagazzi Rodrigues ¢ Eduardo Guimarites) como debatedores; dos textos de nossos convidados: Luis Anténio Francisco de Souza (Niicleo de Estudos da Violéncia da USP), Ana Maria Femandes (Departamento de Arquiteturae Urbanismo da Universidade Federal da Bahia), Ménica Zoppi-Fontana (professora do HEL ¢ tam- én memibro pesquisaddor de nosso Laborat6rio), Carmen Lavras (Niteleo de Estudos Sociais da Satide da. Pontificia Universidade Catélica de Campinas). Otilia Arantes (Departamento de Filosofia da FFLCH da USP), Nelson Brissuc Peixoto (Departamento de Urbanismo da Pontificia Universidade de Cat6tica de Sto Paulo), Lticia Teixeira (Departamento de Lingtifstica da Universidade Federal Fluminense) ¢ Nika Teves (La boratcrio de Estudos do Imaginicio da Universidade Gama Filho e Secretiria da Cigneia de Janeiro). Pudemos assim campor umia reunio com a participa flo de pessoas ligadas a vida académica mas também, muitas delas, compromctidas com projetos que intervém na vida da cidade. Os textos apresentados ¢ debatidos so os que compoem este ntimero especial de nossa revista Ria e que publicamos como uma forma de fuzer cincularenn as id restiliados de pesquisa eas discusses que organizamos e aos quais temios tido e quete~ ‘mos dar acesso, na realizacio de nosso proprio projeta temstico de pesquisa (apoiacdo peli Fapesp) “O Sentide Piblico no Espago Urbano” Résumé LLerapport de sur-terminationd do la ville dans sa ralité sociale eoner scours, tout en cherchant compen les mayens par kesqusilyaeffacement des Suva a se soussilence des contains yu stuetutent la viesocialede la ile. enesserant Is espaces Je imaginaire uri sa villoet Te sola protit une pertede sens ‘Nous nous propasons de penser ee fait eomme un fait ck sytbotiges et, en conséquence, en ealissant les cantons de I montge de a violence. Dae pat ‘nous observons comment feel dela vile uraaille ees contradictions en pros 'itzupion d aus sens possibles, Rua, Campinas, Namero Especial: 7-19, 1999 Eni P Orland 19 BIBLIOGRAFIA Henry, P. (1997) “A hhistéria i Campinas, Ed. da Unicamp. Le Goff, J. (1997) Por amor as cidades. Unesp, Siio Paulo, Orlandi, B. (1996) Interpretagdo. Autoria, leitura ¢ efeitos do trabatho simbélico. Peirdpolis, Vozes. Pécheux, M. (1997) “Ler o Arquivo Hoje”. In Gestos de leitura, Eni Orlandi (org.). Campinas, Ed, da Unieamp. existe?” In Gestos de leinra, Eni Orlandi (org). Rua, Campinas, Nimero Especial: 7-19, 1999

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