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ISSN 0102-6801 * 34, juLdez. 2003, pp. 101-115, Educacdo e Filosofia —v. 1 OS PCN E O ENSINO DE FILOSOFIA Anténio José Lopes Alves! RESUMO O presente artigo se propoe a explicitar de modo critico os fun- damentos que subjazem a proposta de insercao do saber filosofico e de suas questdes no ensino médio brasileiro conforme disposto nos Parametros Curriculares Nacionais - Ensino Médio. Neste sentido, apresentamos uma reflexao acerca da concepcao de filosofia que norteia o documento em questao, apontando tanto os limites quanto os aspectos positivos que o perfazem. Partindo-se da evidéncia da natureza social dos individuos, da pratica educativa e das condigoes de vida, buscou-se redefinir 0 quadro de competéncias e habilidades propostas. Palavras-chave: ensino de filosofia, educacao, tradicao filosofica, objetividade. ABSTRACT ‘The current article intends to explicit in a critical way the basis for the philosophical knowledge insertion and its issues on brazilian high school as stated by National Curricula Parameters - High School. We present therein a reflection about the philosophical concept that guides the document in question, pointing out the limits as well as its positive aspects. Starting from the evidence of the individual's social nature, of the educative pratice and the life conditions, we searched to redefine the proposed competences and habilities schedule. ' Mestre em Filosofia pela UFMG e Professor de Filosofia do Colégio Técnico da UFMG. 101 Educacao e Filosofia, 17 G4) 101-115, jul. /dez, 2005 Keywords: teaching of philosophy, education, philosophical tradition, objectivity. O presente texto 6 uma sintese critica das discussdes sobre 0 im- pacto da implantacao dos Parametros Curriculares Nacionais - Ensi- no Médio, no que tange as Ciéncias Humanas e suas Tecnologias, em especial referente a parte dedicada a filosofia, ocorridas em seminari- os realizados, no ano de 2000, no Colégio Técnico da UFMG. Como aproximacao critica, este artigo pretende desvelar as pressuposicdes que delimitam e informam a proposta contida na parte IV, paginas 327 a 349, do supramencionado documento do MEC. Neste sentido, todo esforco analitico concentrar-se-A em explicitar os seus funda- mentos filos6ficos basicos, bem como a propria concepsao de filoso- fia que propugna e a relacao desta com as demais disciplinas do sa- ber e setores da vida extra-escolar. Toda a argumentacao dos PCN visando a demarcar o espaco da filosofia no ensino médio se ancora na determinacao da relacao que ha, ou pode haver, entre este saber e 0 objetivo sustentado como mais geral da educacao: a promocao da cidadania. Assim, 0 sentido espe- cifico da presenga deste campo do conhecimento no curriculo deste nivel de ensino se articula e se subsume ao telos mais geral da educa- cao. Finalidade esta que seria engendrar nos individuos um senti- mento forte de comunidade politica e gerar por meio disso, um con- junto de comportamentos que reforcem e mantenham os la¢os hu- manos sob a forma do politico. Esta pretensao nao é colocada de maneira ingénua, nem muito menos como mero protocolo legal. Mas, como 0 veremos mais a frente, conforma a proposta como um todo e determina, neste particular, a filosofia uma dada tarefa de formatacgao dos individuos, via escola, no sentido de transforma-los em participes da cidadania, tida como ultimo e eterno horizonte da humanizacao. Q que este pressuposto basico tem de Jimitado e unilateral, tentare- mos em outro momento demonstrar. Por ora, basta referir que a elei- cao de principios assim realizada acaba por destocar a filosofia, o que ocorre também com outras disciplinas cientificas, para um registro 102 Faucagae e Flosoli 17) HO-HIS, jul jae, 2008 diverso daquele caracteristico da academia e do ensino propedéutico. E uma relacao com os saberes e as disciplinas que, a0 menos em ten- déncia, indica um abandono do exercicio destes como intelecgao ci- entifica do mundo, em direcdo a uma preparacao genérica da pes- soa, com vistas a sua insercdo na ordem social do capital. O saber como desvelamente das determinagées essenciais ¢ imanentes da_re- alidade se converte entao em inst®imento de mera conformacao dos individuos a forma da sociabilidade e do politico a esta adequado. Sendo assim, filosofia encaixar-se-ia em funcdo de uma dupla deter- minacao: a) ela faculta ou deve estimular a emergéncia da “autono- mia intelectual e do pensamento critico” e b) é apontada como ins- tancia de “compreensao dos fundamentos cientifico-técnolégicos dos processos produtivos”. Os conhecimentos das humanidades, especificadas na forma da lei como “conhecimentos de‘Sociologia e Filosofia”,.sao/reconhecidos como necessarios ao exercicio da cidadania e nao mais como contet- dos acessétios ou de diversidade curricular, O que de per se é merité- rio, dada a situagao comum na qual tais conteuidos sao lancados em grades curriculares e projetos! Figuram, no mais das vezes/eomo parte ajuntada)Ow apendicé lad curriclo, Sem que nenhuma relacdo ou interface seja formada com as demais areas e saberes integrantes da vida escolar. Quando uma articulacao se produz, tal acontece mais pela disponibilidade ou pelo talento particular dos docentes que em funcao de um programa planejado que os coloque em comunicacao com os demais campos de maneira mais organica. Nao obstante este reconhecimento e(@) indicacaa)da necessidadelda presencal de fais S82 beres para a consecugao do objetivo geral da educacao, um problema novo emerge. Pois, se os temas e a historia da filosofia devem integrar © ensino Médio, nao significa que “todo conteudo” da tradicao tilos6- fica possa Ser mobilizado neste nivel de ensino. Surge assim o proble> ma do “recorte”, da escolha de determinados pontos a serem abor- dados. Esta escolha, ao menos pelo espirito do texto, ainda que nao adstrita em funcao dos PCN, é circunscrita claramente na elucidacao da funcionalidade ou nao dos diversos conhecimentos de filosofia. Deste modo/a selecao do que ensinar'estara balizada pela identifica- 103 Tihocagine Fosin, 7 (B) T01- 11 uk es 208 cao dos (© que, muito embora explicitamente entendida como tare- fa nada facil, é, porém, posta como obrigatéria. O espaco de arbitra- riedade que comporta tal selecdo é, de certo modo,(abrandade pelo) ser privilegiado em toda formulacao curricular”, 0 que determina “o modo como devem ser tratados 0s conhecimentos filosoficos”. Interdisciplinaridade que define como ons comelata nec rial) “conterlualizagao os saberes filos6ficos. sua tradi inscrever-se-iam no espaco escola A proposicao da interdisciplinaridade como eixo ao redor do qual os contetidos devam ser escolhidos e trabathados coloca também a questao central frente a qua de certo modofeVasives Gn ina numa légica dis- ciplinar corrente, formas de procedimento e interacdo vigentes jue refere ao Uma coisa é definir a interdisciplinaridade como forma de interacao de disciplinas estabelecidas, reconhecidas e institucionalmente assentadas. Outra diversa 6, ao revés, colocar um saber como espaco de interdisciplinaridade, sem uma definicdo de sua natureza especifica, a qual se consubstancia, por exemplo, na destinagao de uma deter- minada carga horaria semanal. No primeiro caso, a filosofia aparece- ria como espaco estruturado que, por seu proprio carater e sua histd- tia, teria a possibilidade de promover uma articulacao critica dos demais saberes. No segundo caso, a filosofia se apresentaria como espaco estruturante da interacao interdisciplinar, sem ser ela mesma uma disciplina especifica entre outras. Nao obstante se reconheca que a reflexao filoséfica possa colocar-se como campo no qual se pro- duz um discurso unificador e/ ou critico das praticas e conteudos dos demais saberes, hé que reafirmar a filosofia como wm saber. Saber 104 Tducagao e Filosofia, 17 (4) 101-115, jul,/der, 2003 distinto em esséncia, destinagao e grau de aproximacao da realidade daqueles produzidos e exercitados nas ciéncias particulares. Além de critica metodologica ou ética do conhecimento, a filosofia é, ela mes- ma, um dado discurso acerca do mundo - neste sentido, ontologia, moral, estética, filosofia da ciéncia, etc. A partir das questoes trazidas pela relacao do saber da filosofia com 0 escopo mais geral da educacao ¢ com as demais formas de imento, trés outras se colocam: Na seqiiéncia, 0 texto dos envereda por uma série de dis- cussdes acerca da relacao entre a forma de ser do saber filoséfico (ao menos, de como este é entendido pelo relator) ¢ a delimitacao possi vel das competéncias ¢ habilidades esperadas no aprendizado da fi losofia, tendo em vista ierenttay pela reconstrucao das e pela sua E evidente que a delimitacdo mesma da filosofia, em referencia a qual- quer quadro, importa na sustentagao de um dado entendimento acerca da propria filosofia, do que seja, afinal, filosofia. A este respeitof@ sentido de que « cao primaria pelo saber e suas condicoes. (GorcenasemempreERAIMETD nao tanto como uma investigacio que tematiza este ou aquele objeto mas, sobre i) 1999:330). Tal exame indica ARGO mesmo LESTEIATSGA, TIER ARAB Este encaminhamento denuncia um certo limi- 105 Tducagao Filo ja 17 (34) 101-115, jul fer 2005 te, pois tod: a busca da(determinacao) a qual jaz como fundamento efetivo necessario de quaisquer outras delimitacdes, se acha revogada em beneficio de um problema derivado. A determinacao mais geral do conhecimento do mundo exige como pressuposto a determinacao mais geral do préprio mundo, o que a proposta nao capta. Neste sentido, aceita-se a sem mais, a determinacao do mundo sob a categoria de objeto, sem a menor preocupagao em interroga-la. Indica-se como pressuposto a objetualidale do mundo, sem buscar a aproximacao da sua objetividade, a independéncia de determinacées, a autonomia daquele frente ao sujeito. Na assercéo da reflexao. 'u assentamento na de forma flagrante| or conseguinte, z |. A pratica figura apenas na abstracao mundo do traba- tho, entendendo-se por isto a pura determinacao econémica ou a pre- servacao da vida fisica imediata, na melhar das hipsteses, como locus de produc¢ao da riqueza como capital. A posicao do sujeito enquanto ente da praxis sob a forma do engajamento no mercado de trabalho. Por correlacao, 0 social existe tao-somente em segundo ou tiltimo lu- gar, como politica ou interacdo moral, sendo apontada enquanto norte de dever-ser dos individuos. Tais concepcdes padecem exatamente do olvido da prioridade do ser em relacao a consciéncia, da evidén- cia, quase cotidiana de que o “para-nés” depende do por-si. igualmente o especifici s de um principio ass de fetichizada de uo QED about O mesmo padrao de conformacdo dos sujeitos humanos transparece no problema da determinacao dos valores, das figuras ideais que servem de parametro e guia na resposta dada pelos indivi duos aos dilemas sociais 106 Fducagao e hilosofia aqueles postos na(R@S61Ga0 03/98, sendo os que(@fortalegam OS Vine culos de familia, os lacos de solidariedade humana e de tolerancia reciproca”, explicitando, agora no nivel moral, a logica subjetiva aci- ma aludida) Assentados numa visao liberal cla8sica, que parte da fa- milia como nucleo minimo fundamental da sociabilidade, chega-se a determinacao do modo especifico de interdependéncia capitalista. Em sua forma - a(S6lidariedadé)/os nexos ¢ liames(Gué intermedciam (Os individuos - ¢ contetdo - a tolerancia como fim, a diversidade como limite reciprOco, levantado ante cada qual enquanto zona limitrofe da liberdade do individuo tomado isoladamente. Tolerar como fim é reafirmar a impossibilidade da relagao a nao ser sob a forma da contraposicao e do conflito, no interior da logica da competicdo onde vigora 0 entrechoque dos interesses pulveriza- dos. A pretensa transigao do eu ao outro fica apenas como vontade anunciada, jamais ato realizado, na medida em que se tolera sempre “apesar de...”, e jamais “com...” ou pelo outro. Tolerancia que, se no nivel do discurso regra os comportamentos de ouvir e nao escutar, na dimensao mais essencial das interacoes sociais impode como norma a separacdo ¢ a incomunicabilidade, na medida em que as posicdes podem permanecer as mesmas, antes ¢ depois do encontrofNao téne do, portanto, a interatividade nenhuma conseqiiéncia pratica, nado alterando formas ou modos de ser. A tolerancia reciproca significa, além do respeito necessario ao ser e posicdes dos outros, a indiferen? ca mutualUma distancia, Fespeitdsa) ¢ verdade, mas qUé se afirma como distancia insuperavel, dada a natureza conflituosa, igualmen- te insuperavel, que preside as’ relagdes entre os individuds. (Nao ha sequer alindicaead da! nécessidade do equacionamento ou(da redu= ¢40 das tensdes, o que, nao obstante cingidos pelas possibilidades re- ais, pelas contradicgdes, desigualdades e confrontos, os individuos podem e devem aspirar/Em lugar da explicitagao das condi¢goes em quel6s|COnflit6s|S@ imStauram, da clarificacao da logica imanente de uma sociabilidade que opée entre os individuos, por forca de suas determinacées internas/ temos ojuiz6 @ 6 repto Morais) abstratamen- telpostos como deveres) E patente na argumentacao examinada, ali- as como em todas as formas do pensament6 politico classico moder- no, a conversao da logica de uma forma de vida historicamente de- 107 Ed Tove sori 17 BH TONS, pl ae NS da, entre o viver alienado e o dever abstrato, entre seguir os ditames da ordem social do capital e as prédicas moralizantes, 0 individuo, no mais, recai na alternativa do moralismo te6rico complementado por um cinismo pratico. E evidente que o dever permanece no hori- zonte humano, e l4 precisa perseverar. Mas(@1que Gun CEVErCOIOCaD) (Go abstrataménte) de modo que o individuo jamais possa guardé-lo, jue é colocada como pressuposto, ao contrario, sob pena de recair-se num “tudo vale a pena” sus- tentado pela afirmacao de que “nao existem fatos, apenas interpreta- o ser dos homens, e sua natureza social, que deve por a questao dos valores, reafirma-los como potén- cias efetivas, nao como canticos tristes de admoestacao. ‘Uma refles Como corolario das teses do individuo isolado, como acima deli- mitado, femuse a eleicao de “prineipios” praticos que transcrevem para o ambito ativo a logica das premissas axiologicas mais gerais. Tais diretivas sao indicadas QT > saber Qa (EAonde se parte do “sentir” do individuo isolado, do acesso a natu- reza interna, do trabalho sobre a recepcao/julgamento individual de mundo/2) al 6sfera da Sensibilidade, do afeto subjetivo, a cidadania do sujeito, definido ¢ aceito como subjectum do mundof3)ina seqiién- cia, coerentemente logica (mas téo somente légica), do texto topamos com a outra area, aqui pratica, par excellence, @ C8) a esfera da interatividade e das relacdes, dos problemas do ser-em-comut pro- priamente humano, onde o que mais importa nado é tanto a interatividade em si, 0s modos historicamente detecminados de esta se dar, mas seu fundamento pressuposto, a construcao prévia da iden- tidade do individuo (novamente isolado), que por certo admite (e deve admitir sob 0 peso da realidade) os relacionamentos na formacao daquela identidade, mas de novo a sociabilidade constitutiva dos individuos nao emerge sendéo como mandamento, 108 Tiaras Howat, 7 Ga) 101-115, fake 31 Parece ser invisivel ao relator 0 paroxismo efetivo de que mesmo © egoista mais autocentrado precisa necessariamente de um outro que sofra © seu ¢; que redunda na identidade autonoma como seu ponto de chegada necessario. O fecho de todo este itinerdrio é também, logicamente, a politica como esfera da resolucdo humana dos entrechoques de identidades autOnomas. A democracia, como nao poderia deixar de ser, aparece sob 0 modo da convivéncia, sans phrase, e nao como aquilo que 6, ou ja, uma forma de (ela igual- mente contingencial a expressao de uma boa vontade “que distribua de modo equanime o que foi produzido socialmente”, sem ao menos se perguntar se a forma social de producao 0 permite. Ea este respeito, como poderia um assalariado participar de “modo mais equanime” do produto social senao sob a forma do salario, da nao propriedade da riqueza? Nas partes que se seguem, quando a andlise se volta especifica- e daquilo que disso se espera ou seja, quando um desafio real e concreto se impée, a efetividade do mundo e A efetuacdo da aula, mais urgente que a deter- minacao abstrata a priori de uma axiologia se afirma, afinal, com a forca de uma topada, mas, evidentemente, nao sem prejuizo causa- do pelas posicées pressupostas. (Alara neste moment iS BCSRAESS Aqui também se parte de um territo- 109 Facog e Filo, 17 GY TOTATS, alae 208 rio em que se respird/Um Cero ar Subjetivista. Partindo da afirmacao kantiana da impossibilidade de se ensinar filosofia, 0 texto assume para si a filosofia como exercicio, 0 seu ensino como habilitacéo num outro patamar de pensamento, “critico-reflexivo”. Entretanto, em questoes de determinacao real cessa tudo que a subjetiva musa canta que a objetividade mais alto se alevanta! Dai o relator se recusar, nao obstante todas as belas questdes kantianas de principio, a abrir mao da evidéncia de que nao se filesofa a partir do nada, de que a tradi- cao construida em séculos de marchas e contramarchas do esforco de apropriacao de mundo constitui naturalmente o material da pro- pria reflexdo. Umi dos méritos dos PCN @ este dobrar-sé, ainda que ao preco da contradicao entre pressupostos e diretivas discursivas, ja no nivel da fundamentacao, @o peso especitico dal realidade: 0 filosofar nio se produz no vacuo, mas se desenvolve a partir de contetidos concretos, vale dizer, sobre textos e discursos concre- tos, uma primeira escolha se inpoe: nio & possivel pretender que 0 aluno construa wma competéncia ie leitura filosdfica sem que cle se familiarize com 0 universo especifico em que essa atividade se desenvolve, sem que ele se aproprie de um quadyo referencial a partir de conceitos, temas, problemas e métodos conforme elabo- rados a partir da propria tradigao filoséfier (PCN, 1999:335). Ao lado da afirmacao, pertinente e sensata, do corpus philosophicus como ponto de partida, alinha-se a indicacao da(pre méira das Competendias: a Ieitura) A capacidade de apropriacao da rede de significados instaurados e fixados objetivamente no texto é 0 pressuposto de qualquer reflexdo. Leitura esta que, compreensivel- mente dado 0 quadro de referéncias anteriormente explicitado, pode assumir o (@arater/dasl|hermencuticas|icontemporaneas (das “resignificacées” da moda, etc.), mas que, entretanto acaba por do- brar-se mais as condicées objetivas de educador ¢ educando que aos modismos pedagégicos. Neste sentido, @B/d6is|CFtGTIOS | BaSiCOS|SAD 0 “ponto dé vista do professor”, o lugar de onde ele fala, a perspectiva a partir da qual ele estuda, pesquisa e ensina fijosofiale a siluagad social de boa parte dos alunos do ensino médio brasileiro. Com rela- 110 Educaci ¢ Filosofi 7 (34) 1WI-115, jul dee. 2003 cao ao primeiro critério, este apresenta o mérito da recusa a ingenui- dade de supor que um professor de filosofia fale do lugar da filosofia in abstracto. neste ponte insuperavel(da pose de que nao se é possivel partir indistintamente de todo e qual- quer lugar. No que respeita: , aqui 1, AO menos como momento © tolo truismo de “fund do aluno”. Mundo este reconhecido, mais uma vez sob o peso do real, como socialmente determinado. No caso especifico do Brasil, como determinado por suas mazelas histéricas acumuladas, expressas no iletrismo da populacao em geral, no baixo nivel de leitu- ra que 0 acompanha, e das condigdes sociais que mais reprimem que estimulam 0 estudo e 0 aprendizado. Nao obstante preconizando, com razao, que se deva partir da constatacdo de tais determinagées e limites societarios, ao menos idealmente, ‘o descentramento necessario frent a fuga da légica cotidiana da interpretacao, da leitura com “meus olhos”. E bastante interes- sante como aqui a compreensao, acertadamente, deve preceder a in- terpretacdo. Compreensdao esta que se desenha na medida em que o leitor “possa aceitar a argumentacao do autor” e tenha a capacidade de “abandonar (temporariamente) seu proprio ponto de vista e se- guir a argumentacao do autor, considerando 0 ponto de vista dele”. E tomar o texto em sua propria logica, submetendo-se ao que o relator denomina “contextualizagao do texto” (que prefeririamos chamar de sua imanéncia), 4 rede estruturada de argumentos e significados ostos no e pelo texto. Muito embora o relator assim nao se explicite, Como desenvolvimento natural da leitura se encontra a sua reproducdo estruturada, a escrita, a expressdo do dominio da- quela malha textual, de seus pressupostos ¢ conseqiiéncias. Deste modo, 111 Edlucacao e Filosofia, 17 Ga) 101-115, jul. /dez. 2003 (PCN, 1999:345). Escrita que nao 6 mera repeticao, mas reproducao da estrutura do problema ou do texto. Embora 0 assento de uma certa originalida- de do aluno, a nosso ver descabida, possa ser entrevista nas linhas acima, o esforco de apreensao 6 posto como pressuposto da expres- so, 0 que por si s6 6 ja um contraponto necessdrio e bem vindo as “pnedagogias da expressao”. Isto tudo, obviamente, sobre uma posi- cao de fundo na qual, perigosamente, tende-se a colocar a equivalén- cia dos pontos de vista como dogma e a questao da verdade como incémodo adormecido. Outro ponto importante, o qual também esta em franca contra- digao com as modas contemporaneas, reside no acento predominan- te da elaboracao individual e nao tanto no trabalho de grupo tomado enquanto paradigma. Assim, o trabalho filos6fico, destarte sua ne- cessaria adaptagao ao espaco do ensino médio, nao pode recait no “assembleismo” e no “achismo” habituais em algumas proposituras que transformam a aula de filosofia numa colecao de “opinides pes- soais” ou num momento de “analise em grupo” © que se distingue das formas hidicas recorrentes em livros de pedagogia e/ou debates acerca da nova educagao. Pois, “enquanto numa situacgio de uma exposicdo em semindrio ou no calor de um debate pode-se estar distraido ou ser impreciso, dian- te de um texto produzido pelo aluno, tem-se a possibilidade, além da obrigagdo, de avaliar com mais vagar e mais objetividade. E quando se pode indicar a cada um os motivos, um por um, que levam a endossar ou recusar a elaboracao feita ¢ sugerir os enca- minhamentos devidos”. 112 Ticagao e lsotia, 170 TO-TS ales 3008 © quanto isto diste da maré montante educativa que nos arrasta na falaciosa identificacdo entre avaliacao e arbitrio, impelindo-nos a recusa da avaliacao parametrada objetivamente como “autoritarismo” ¢ ao rebaixamento intelectual para a aceitacdo de tudo como valido, é por si ja imensamente meritério. Esta leitura que se exerceria, inici- almente, sobre os textos da tradicao filos6fica, se colocaria ela mesma como filos6fica quando posta em agao sobre textos de outros campos do saber e de outras disciplinas, uma das s transdisciplinares aqui mais ETS que centro da posicao filosofica, muito embora haja uma aproximacao demasiada, a nosso ver, entre a légica da politicidade, acertadamente indicada a partir de Vernant como co-irma da filosofia, e a légica da pesquisa. Evidentemente que, historicamente, a filosofia, o padrao racional do saber acerca do mun- do, emerge como expressao ideal das inflexdes sociais que originam a cidade classica ~ a figura da Polis - e se inscreve em seus limites. Entretanto, Na filosofia nao esta em jogo (ou ao menos nao deveria estar) a busca de assentimen- to, mas da verdade ou do saber, por mais inconvenientes que estes sejam. Nao se deve confundir a légica do engendrado com a de seu engendramento, pois ainda que a filosofia nasca das mesmas injuncdes hist6rico-sociais que impuseram, pela primeira vez, a politicidade, ainda que 0 acerto e concerto das posicdes sejam um elemento imanente a légica do “melhor argumento”, a forca da argumentacao nao deve residir na sua mera coeréncia interna enquanto proposicao, mnas sim na sua remissao 2 objetividadc aii < verdade nao é democratica. O debate, se por um lado vale como momento de exercitamento da capacidade de argumentacao, nao possui, por outro lado, em si mesmo a norma de sua validacao. Num debate cientifico nao basta estar de posse das regras da boa convi- véncia e respeita-las fi estar certo. 113 iBiacagae © Hoste 7 Gay fOr pL /aee 3H A filosofia cabe inclusive interpelar as demandas sociais ¢ nao somente respondé- las, dobrando-se de modo a-critico diante delas. Em especial, desta- camos a tendéncia jue con- funde terrenos, (Ganpessajpe atirmar que: - diante da sintomdtica despolitizacdo da sociedade contempord- nea, com o objetivo de converte-se, talvez, na mais (PCN, 1999:347). Nao seria a referida despolitizacdo também sintoma, talvez, de que cada vez mais a mediacao politica vem se tornando socialmente desnecessatia ou inécua? Como afirmar o esvaziamento da praxis, se todos os dias a “praxis” social se desenvolve como rede de interdepen- déncia e convivéncia social ampliada pelos progressos do trabalho e da tecnologia? O pecado do inicio se reatualiza no fim como rebaixa- mento do debate cientifico a instrumental politico! De resto, cabe aqui enumerar a série de competéncias e suas ha- bilidades requeridas, com a consciéncia de que nos importa agir nos intersticios dos PCN, de modo a contornar certas impertinéncias e otimizar alguns pontos de relevancia pratico-pedagagica, jd ressalta- dos. E neste diapasdo que propomos 0 quadro abaixo, como fecho de nossas observacoes: 114 Educacao Filosofia, 17 (34) 101-]15, pul./dez, 2003 Competéncias de Habilidades Leitura Ler de modo significative, extraind os problemas existen- tes em textos filosotie ou nao; Escrever, claborando por escrito 6 conteddo apropriado na leitura; Debater, exercitar a tomada de posigao com base na logica da evidencia e do melhor argumento. Articulagao transdiseiplinar ‘Art ‘lar na Teitura © pesquisa contendos de diversas areas, = Contextualizacao social Tontextualizar conhecimentos Tilosoficos, tanto no plano. de sua ofigem especifica, quanto em outros planos: © pes- culty. ico, histor soal-biogtafico; 9 entorne socio-pol ral; 0 horizonte da sociedade cientifico-tecnologica, 115

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