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A TERRA E 0 HOMEM NO NORDESTE: AS PERSPECTIVAS GEOGRAFICAS DO PROBLEMA AGRARIO NORDESTINO (’) Manuet CorrEIA DE ANDRADE 1 — Introdugao O Nordeste do Brasil é uma ampla porgéo do territério brasileiro que se estende por mais de um milhao de quiléme- tros quadrados, onde vivem cérca de 25 milhédes de habitan- tes, Quanto a extensdo territorial éle é menor apenas que dois Pafses da América Latina: a Repiblica Argentina e o México, © quanto 4 sua populacao é inferior apenas & do México. Pos: Sui, assim, uma extensio territorial e uma populagéo superio- res a quaisquer dos paises de média importancia do conti- nente — a Colémbia, o Peri ou 0 Chile. Sua populagao é equivalente a seis vézes a populagéo boliviana, embora a ines territorial seja um pouco maior que a déste pais (1.500.00 km2 contra 1.100.000 km2). Tendo sido colonizado pelos portuguéses a partir do sé culo XVI e apresentando condig6es naturais bastante diversi- ‘icadas, constitui o Nordeste, devido & estratificagao das | es truturas sociais organizadas no perfodo colonial, aos baixos niveis tecnolégicos de sua agricultura e de sua Pea e 8 iversidade do meio natural, a regiao problema ‘do Hint aquela em que o subdesenvolvimento se apresenta de forma Mais acentuada e que reclama medidas de reforma mais ur- Sentes, * Conferéncia realizada no Institito da América Lating da Universidade de Co lumbia em New York a 2 de fevereiro de 1968. 44 Manuet Correia DE ANDRADE Na realidade o Brasil, como pais de dimensées conti- nentais, apresenta uma grande diversidade de formas de orga- nizagio do espago e de niveis de desenvolvimento regional que estabelecem marcantes diferengas quantitativas e qualitativas entre as varias porgédes do seu territério. Assim, 0 Sudeste, centralizado pelo Estado de Sao Paulo e como regiaio em que se situam os trés principais centros urbanos do pais — Sao Paulo, Rio de Janeiro e Belo Horizonte — é a regiado mais dinamica do Brasil, onde se localizam cérca de 78,8% do valor da producdo industrial do pais, com cérea de 73,3% da mao de obra industrial, 84,1% dos capitais empregados na in- distria e consome 84,3% da energia elétrica produzida e onde a renda per capita ultrapassa a quota de 400 délares por ano. O Sul, de clima sub-tropical, onde ha grande influéneia de co- lonos europeus, ndo portuguéses — alemaes, italianos, eslavos — assim como de japoneses e sirio-libaneses, constitui a se. gunda regiao do pais em densidade demografica, em maior grau de intensidade na utilizagdo do espago e em niveis de renda per capita. A Amazénia ou Norte e o Centro-Oeste constituem areas de clima quente e timido, sub-povoadas, que foram ocupa- das nos séculos passados em fungao da exploragio dos recursos naturais — vegetais como a seringueira, 0 caucho, a castanha do Para, ou minerais'como 0 ouro € os diamantes e, moderna- nés e a cassiterita. Apresentam em consequén- cia uma economia baseada no extrativismo e uma populacdo dispersa e pouco densa. 0 Nordeste apresenta caracteristicas Jonizado a partir do século XVI,“foi durante deze. nas de anos a regido motriz, economicamente mais dinimica do s e organizou a sua economia voltada para o mercado ex. ferno, dedicada & exportagio para o mercado europeu a prin. cipio, € posteriormente para 0 naste-RmeO Ge, de produtos agri. colas tropicais como a cana-de-agicar, o algodao, © cacau, o fumo e o sisal. Para alimentar as areas dedicadas a esta pro- rganizou-se na retaguarda das mesmas e delas depen. dade pecudria e produtora de géneros alimen. ticios. Surgiram também as cidades portos por onde estes pro. dutos eram embarcados para a regido eas cidades mercados nog pontos de encontro de regides diversificadas, Pontos que favo. reciam o desenvolvimento das atividades comerciais. Ainda mente, o manga’ préprias; co. pai dugao 0: dente, uma ativi A Terra £ 0 Homem no NorvestE 45 sdo éstes, ao lado dos centros administrativos — capitais de Estado — os principais centros urbanos, os principais polos de crescimento da regio nordestina. Destas cidades, trés se des- tacam por sua importancia como portos, centros administrativos, industriais e universitdrios a um sé tempo. Sio elas o Recife com mais de 1.000.000 de habitantes, Salvador, capital do Brasil de 1549 a 1763, e Fortaleza com mais de 500.000 hab.; Sao Luiz, Terezina, Natal, Jodo Pessoa, Campina Grande, Olin- da, Maceié e Aracaji, possuem mais de 100 e menos de 500 mil habitantes. Se excetuarmos Terezina, tédas essas cidades ea maioria das que possuem mais de 50 e menos de 100 mil habitantes — Parnaiba, Sobral, Mossoré, Caruaru, Jaboatao, Feira de Santana, Ilhéus e Itabuna — se localizam a menos de 200 quilémetros do litoral. Fato que indica estar a populacado nordestina extremamente mal distribuida, localizada dominan- interior, a area sertaneja, ficou isolada temente no litoral. pela distancia e pela falta de comunicagées até a segunda me- tade do século XX, quando se iniciou a construgéo de grandes rodovias. Isto porque, os dois rios navegdveis — 0 Sao Fran- cisco e o Parnaiba — tém grande parte dos seus cursos inter- rompidos por cachoeiras e corredeiras e as ferrovias construi- das a partir de 1850, eram meras estradas de penetragdo vi- sando transportar até os portos de mar os produtos valorizados do interior. Foram construidas para escoar as riquezas e nao para desenvolver o pais. Dentro déste contexto podemos analisar 0 problema agra- rio nordestino levando em conta trés-itens bisicos a) — a grande Javoura de exportagao b) — a pequena lavoura associada 4 pecudria c)— a pecudria extensiva. Em cada item devemos salientar as suas relagdes com as condigées naturais — o relévo, solo, clitna, recursos hidrau- licos disponiveis, etc — € 08 condicionantes humanos ou so- Ciais, levando-se em conta a estrutura social e fund ia, os Sistemas agricolas e de criagéo de gado, assisténcia governa- 46 Manuet Correia DE ANDRADE mental — crédito, assisténcia técnico-agronémica, garantia de pregos minimos para a produgéo — assim como a organi- zacgéo da comercializagao frente 4s flutuagées do mercado. 2 — A grande lavoura Chamamos de grande lavoura aquela formada pelos pro- dutos destinados sobretudo a exportagao ep ase eoupre cul- tivados por grandes e médios proprietarios.. Dentre os pro- clasificados como grande lavoura destacam-se a cana- cultivados desde os séculos XVI e XVII, respectivamente, que constituem os dois produtos agricolas principais da regiao. Embora as suas culturas tenham sido fei- tas nos primeiros tempos apenas para atender & demanda do ado externo, hoje tém mais de 2/3 da produgdo consu- oo ‘0 pais; devido ao crescimento da populagio e ao de- eae isients da industrializagio. O fumo, também cultiva- eriodo colonial, de vez que era utilizado no co- oo, deste i aa com os régulos africanos, tem metade de mércio de eae A exportagdo. O cacau e o sisal, pro- sua produgéo artir do século XIX, o primeiro, e do século dulosaue eee importancia econémica, tém mais de do, ti . ‘ondm oe ep ieca produgao destinados 4 exportagao. fo Se analisarmos youras pelo terrilo de-agicar ocupa as da regiéo onde dom dutos i‘ de-agicar e o algodao, a distribuigéo especial destas grandes la- jo nordestino, observaremos que a cana- reas de mata situadayna porgae oriental ina um ¢lima quente e umido com chuvas eno sobretudo a chamada zona da Mata de outono-inve ‘Alagoas, Paraiba, Sergipe e Rio Grande do de Pernathbuco: Recéncavo Baiano. Prefere os solos argilo- Norte Ji oi argilo-humiferos e de turfa, conhecidos lo- an ae sais cee vermelho” e “massapé”. calmen' ntrado no Sul da Bahia, ocupando so- . 3 em areas de clima quente e umido com chuvas los argilosos | ante todo o ano. O sisal ©0 fumo tém suas distribufdas bie geralmente no interior a uma distancia plantagoes ica do .oezanoy Assim, as principais culturas nado ie as nalto da Borborema e na Chapa- de sisal se O cacau esta conce! tram no Pia A Terra £ 0 Homem no NorvestE 47 da Diamantina, geralmente em encosta, enquanto o fumo apa- rece na zona de transigdo entre a Mata umida e 0 Sertéo semi- drido, em solos silicosos. O algodaéo, bem adaptado ao cli- ma semi-drido, sobretudo a variedade “Mocé” arbérea e pro- dutora de fibra longa, se espande pela grande drea sertaneja onde cai mais de 400 e menos de 1.000mm de chuvas anuais e onde dominam solos silicosos ou silico-argilosos. A cultura da cana-de-agiicar estd ligada a grande proprie- dade e 4 formagao de uma estrutura social estratificada em clas- ses, do tipo aristocratico. Na drea em que domina é extrema- mente concentrada, de vez que menos de 3% da populagio pos- suem cérca de 52,6% da rea, enquanto os pequenos proprieta- rios — que possuem menos de 20 ha. — compreendem cérca de 77% dos estabelecimentos, mas dispdem de apenas cérca de 6,7% da area. Ha casos de propriedades de mais de 30.000 ha. em uma drea em que a densidade da populagéo rural é su- perior a 100 hab/km2. O proprietério da terra, senhor de engenho ou industrial do agticar que também possue grandes extensdes de terra — 0 usineiro —, cultiva a cana-de-agicar utilizando exclusivamente mao de obra assalariada. De um modo geral, senhores de en- genho e usineiros, pertencem a familia tradicionais que se su- cedem através dos anos na exploragao de suas propriedades, sen- do os trabalhadores rurais, em geral, descendentes dos antigos africanos, miscigenados com portuguéses; ha, até certo ponto, ao lado da estratificagéo social uma estratificagdo étnica, em- bora ocorra com certa frequéncia a a8cengiio social de negros e mulatos enriquecidos. As culturas sdo feitas ora com enxadas, de forma manual, ora com maquinas, conforme a topografia e as condigdes eco- némicas e culturais dos proprietérios. A produtividade agri- cola, porém, é quase sempre baixa — 40 a 45 ton. por ha. — embora algumas usinas consigam, gragas a irrigagao e 4 aduba- ¢do, duplicar ou até triplicar estas quotas. A produtividade in- dustrial também néo é elevada — de 80 a 100 kg. de agiicar Por ton. de cana — de vez que s6 agora vém as usinas se ree- quipando, isto 6, substituindo a velha maquinaria com 40 ou 50 anos de uso por maquinas modernas. icerreerithietidst i 48 MAanveE Correia DE ANDRADE O Govérno da uma assisténcia permanente aos produtores de cana-de-agucar, tendo organizado apés a revolugaéo de 1930, o Instituto do Agicar e do Alcool (IAA) que vem financiando os plantios de cana, fornecendo crédito a juro baixo para a aquisigéo de mdquinas agricolas e reequipamento das fabricas e garantindo pregos minimos para a venda do actcar e adqui- rindo os excedentes produzidos. Além disto, sendo os produ- tores de agicar homens que tém influéncia econémica e poli- tica, conseguem facilmente, através de seus étgios de classe, leis que os favorecem, assim como a construgao de obras de in- fra-estrutura em sua 4rea de influéncia que facilitam o escoa- mento do produto e valorizam suas terras; terras que sao valo- rizadas sem que o Govérno aufira, através do impésto territo- rial, uma renda compensadora. Quanto aos outros produtos da grande lavoura, observa- mos que todos séo bem assistidos por érgéos governamentais es- pecializados — Instituto Brasileiro do Café, Instituto do Cacau, fornecem créditos em tempo e a juros baixos, assis. etc. — que n ; ea téncia agronémica, garantia de pregos minimos, etc. Quanto as condigdes em que sao feitas as culturas dos pro- dutos considerados como grande lavoura, observamos que o cacau, cultivado no Sul da Bahia, se adapta bem ao clima quen- te com chuvas distribuidas durante todo o ano e aos solos ar- gilosos oriundos da decomposigdéo das rochas cristalinas. E cultura feita geralmente por grandes e médios Proprietarios que utilizam trabalhadores assalariados. Como ha ha uma concen- Zo de trabalhos na época da colheita, o trabalhador rural Bea de trabalho apenas em alguns meses do ano, ficando ° ate do tempo a vagabundar pelas Tuas, sem ter oportunida- de de trabalho e, consequentemente, de salarios. Os niveis técnicos desta cultura so baixos, havendo cons- tantes pragas que dizimam os cacauais e a produtividade é bas- tante inferior a de outras regides produtoras. O fumo por ser cultura de ciclo vegetativo cuirto € por ne- itar de cuidados especiais para o seu desenvolvimento, su- a esté a plantio, replante, capagao, colheita e preparagao We produto para 0 consumo, é cultura feita quase sempre por as A Terra £ 0 Home no Norpeste 49 pequenos proprietarios ou por agricultores sem terras que, atra- vés da parceria, cultivam porgées das grandes e médias pro- priedades. A comercializagdo da produgdo é feita em grande parte através da Companhia Souza Cruz que tanto exporta como industrializa o fumo, transformando-o em cigarros. A agave desenvolveu-se principalmente na Chapada Dia- mantina, na Bahia e no Brejo paraibano, na porgdo timida e sub-timida do Planalto da Borborema. Ela se expandiu, gra- gas ao interésse que despertou nos préprios senhores de enge- nho, em 4reas onde se cultivava anteriormente a cana-de-agicar e-0 café; encontramos nos velhos galpdes em que funcionavam as fibricas de agicar e de “rapadura”, as maquinas desfibra- doras do sisal. Cultura profundamente sujeita as oscilagdes do mercado internacional, estd o sisal periddicamente em crise, o que leva os produtores a pressionarem o Govérno no sentido de que adquira a produgio por prego elevado nas ocasides em que ha uma retragao no mercado internacional. O algodao, produto de origem local cuja cultura se expan- diu a partir do século XVIII, com a revolugio industrial inglesa € que teve grandes surtos expansionistas ao encontrar maiores estimulos do mercado internacional, como durante a Guerra de Secessiio dos Estados Unidos, no século passado, e o periodo . anterior 4 II Grande Guerra Mundial, de 1933 a 1939, ainda é um dos principais produtos do Nordeste. Sua cultura é feita pol! brandes, médios e pequenos proprietérios e quase sempre associada 4 pecudria, de vez que, apés a sua colheita as folhas do'algodoeiro servem de alimento ao rebanho bovino. A co- mercializagéo da produgdo & a industrializagéo da semente sic feitas, sobretudo, por grandes firmas estrangeiras — Anderson Clayton e SANBRA — enquanto a tecelagem esté em maos de industriais nordestinos de origem luso-brasileira. 3 — Policultura e pecudria , A concentragéo de populagées nas cidades e nas areas de- dicadas 4 agricultura de produtos tropicais de exportagdo, ge- rou a necessidade de abastecer essas mesmas Areas e essas- po- pulagées. Dai passarem 8 solos nao utilizados pelas cultu- ‘ Da 50 Manvuet Correia DE ANDRADE ras principais ou as regides mais afastadas onde nao havia con- digdes favoraveis 4 cultura dos produtos de exportagdo a serem ocupados com lavouras de subsisténcia, feitas ora por agricul- tores pobres, ora pelos préprios ulariados agricolas nos dias de folga em que nao tinham obrigagéo de trabalho com a fazen- im, a faixa litoranea de solos da a que estavam ligados. As arenosos foi ocupada de tal forma por coqueirais que o co- queiro, importado da Oceania, parece hoje uma planta nativa. Com o crescimento dos niveis de renda e da populaéio ‘das ci- dades, 0 céco vem sendo muito valorizado e a sua cultura pas- sa gradativamente a ser feita por ricos ¢ médios proprietarios. Na propria area ocupada pela cana-de-agti s de ar, as mance nica, tém sido até os nos- solos silicosos, pobres em matéria 0 sos dias, utilizados pela cultura da mandioca, da qual se extrai a farinha, um dos alimentos basicos da populagao rural pobre; possue essa planta dezenas de variedades com qualidades diver- sas e ciclos vegetativos os mais dive de.6%n até 2 anos —. O inhame, origindrio da Oce' ania € aqui in- troduzido pelo portuguéses na época colonial, é outro alimen- to de grande importéncia na_dieta da populagio; utiliza sem- pre os solos silicosos das regides ‘imidas e sub-timidas. O milho, produto que ocupa maior extensio que qualquer outro no Brasil, 8 milhdes de hectares contra mais de 4 milhées ocupados pelo café e pelo arroz € 0 feijao, sido dois outros pro- dutos de grande importéncia na economia nordestina, de ve Jtura se expande por amplas dreas, sendo feita qua- sociada ao algoddo ou a mandioca. As sementes dos dois cereais costumam ser lancadas em uma mesma “cova”, permitindo que ao crescer, 0 feijaéo enrame no pé de milho”. O feijao e 0 milho sao produtos de subsisténcia cultivados para atender ao consumo do agricultor e de sua familia, enquanto o algodio é 0 produto comercial destinado a0 mercado. Goral- mente ésie complexo agricola esta ligado & pecuaria; assim, o grande proprietario é sobretudo criador de gado e fornece ter- ricultores nao proprietarios no Inicio da estagao chuyosa . as abril — a fim de que cultivem o algodao, o milho bo “eijao. A colheita do feijéo é feita em maio e jumho, aldo milho de junho a outubro e a do algodao em novembro-dezem- bro, justamente no auge da estagio séca, quando as pastagens que a sua CU. se sempre as A Terra & 0 Homen no NorbestE 51 ressequidas nao fornecem mais ao gado o alimento de que éle necessita. © fazendeiro dispde das areas que foram cultivadas e o gado pode alimentar-se com o restélho das plantagées. Hoje, com o elevado prego da carne, nas areas de terras mais valorizadas, a pecudria vem sendo modificada, melhorada, sofrendo uma verdadeira passagem dos sistemas extensivos para os semi-intensivos. Os fazendeiros jé adquirem alimentos con- centrados — grios, para o gado — e cultivam certas plantas como.a palma e o sorgo e varias gramineas com o fim de melho- rar a alimentagio do rebanho; conforme a area e as solicitagdes do mercado, vém se especializando na produgéo ora de carne ora de leite. Dentre as culturas voltadas para o mercado interno vem tendo grande desenvolvimento a do arroz, feita em bases intei- ramente comerciais, tanto nas varzeas periddicamente inunda- das da porgio oriental do Nordeste, como a do baixo Sao Fran- cisco — arroz inundado — como também nas areas que vém sendo conquistadas 4 floresta no Oeste do Maranhio. Aj, es- timulados pelos altos rendimentos econdmicos do produto, tra- balhadores nordestinos vindos de dreas super-povoadas, destroem a floresta equatorial com o fogo e fazem “vocados” onde plan- tam o arroz. Dois anos depois, empobrecidoo solo, é 0 “ro- cado” ablndonado e 0 caboclo destroe nova porgio de floresta para fazer novas culturas. A rizicultura vai, assim, fazendo recuar a floresta e se aproxima cada vez mais da Amazonia. E um problema bastante grave, de vez que destroe sem nenhum apro- veitamento as riquezas florestais, fazendo com que a drea pro- dutora se distancie cada. vez mais dos centros consumidores, obri- gando o Govérno a ampliar constantemente obras de infra-es- trutura — estradas, escolas, hospitais, etc. Convém salientar, porém, que éstes produtos destinados: ao consumo interno nao recebem, como os produtos de exportagdo, protegio governamental. As estagdes experimentais, a nao ser excepcionalmente, néo realizam estudos técnicos sdbre os mes- mos; 0 crédito bancirio, sd como excegio, chega aos pequenos agricultores que tém que recorrer na entre-safra a agiotas € nao dispdem de garantias de prego minimo, 0 que provoca 52 Manvet Correia dE ANDRADE grandes oscilagées dos pregos dos produtos agricolas na época da safra, quando baixam, em relagéo entre-safra, quando se elevam consideravelmente. Dai viverem os pequenos agricul- tores sempre em crises econémicas. 4. — A pecudria extensiva O Sertéo, regiio que compreende 7/10 do Nordeste, se caracteriza por apresentar clima semi-drido, ser pouco povoado e dedicar-se 4 pecuaria extensiva feita com baixos padrées téc- nicos. Na verdade, a palavra sertéo é uma corrutela da pala- vra deserto, que deu a principio a palavra deser' grande — e, finalmente, se corrompeu para sert Nio si nifica, porém, deserto no sentido demografico, regifio despovoa- da, onde nao ha habitantes ou os ha em pequeno nimero. Tan- com o avanco do povoamento e da ocupagio do espaco rafos admitem que amplas porgées ser- tanejas estejam se “agr tizando”, isto 6, esto deixando de ser Sertio para ser Agreste. O Sertéo atual, porém, compreen- dendo mais de um milhao de quilémetros quadrados, nfo é uma regiao uniforme, homogénea, mas uma regidéo de paisagens has- tante diversificadas. Assim, em linhas gerais, domina nas gran- des extensdes pediplanizadas, inclinadas para os rios que dre- nam a regido — o Sdo Francisco, 0 Parnaiba, o Jaguaribe, o Piranhas-Agu, etc. — nos quais domina uma vegetagdo adapta- da ao clima semi-Arido, denominada de “caatinga”, palavra in- digena que significa “mata rala”. Esta caatinga, rica em cac- taceas de variedades e espécies diferentes, é formada dominan- temente por drvores € arbustos que perdem as félhas durante a estagio séca, que se prolonga durante 8 ou 9 meses, e se apre- sentam cheias de félhas, verdes, nos trés ou quatro meses de chu- yas — de dezembro a margo —- No Sertéo, porém, existem “j]has” imidas formadas pelas serras que, expostas aos ventos aliseos de Sudeste, recebem maior umidade e permitiram a for- magio de uma sociedade de agricultores que cultivam a cana- de-aciicar, o café, os cereals e as fruteiras. Existem ai cida- des de alguma importincia que sao centros comerciais de abas- tecimento da populagio rural e nticleos de importantes traba- lhos de artezanato. to que, pela agricultura, os gedg' A Terra £ 0 Home no NorpestE. 53 Outras “ilhas” culturais sdo representadas pelas margens dos dois grandes rios perenes — 0 Sao Francisco e o Parnaiba — nos quais os agricultores realizam, nos pontos mais favoré- veis, uma agricultura de vazante e uma agricultura irrigada de ‘oz, de cebola, de uva, de tomate e de fruteiras. A produgao é escoada em caminhées até os grandes centros urbanos. A agricultura de vazante é aquela feita no leito maior do rio no coméco da estagdo séca, 4 proporgdo que suas aguas baixam. Atinge apenas a produtos agricolas de ciclo vegetative curto, de vez que a colheita tem que ser feita no inicio da estago chu- vosa, quando o nivel das aguas do rio se eleva e as vazantes sao inundadas. A agricultura irrigada se desenvolveu recentemen- te com a utilizagdo de rodas dagua semelhantes ds usadas pelos agricultores egipcios no rio Nilo e, posteriormente, com 0 em- prégo de bombas a éleo Diesel-e elétricas. Nos vales dos rios secos existem grandes carnatibais de cuja palmeira — a carnattba — (Copernifera cerifera Martius) é extraida a céra durante a estagao séca, que proporciona aos pro- prietarios elevados rendimentos. Em manchas descobertas exis- tentes no meio do carnatibal costumam os agricultores cultivar algodao e cereais. it Nas grandes extensdes cudria extensiva, em que 0S ¢ caprinos, de baixo valor econdmico per capita, Y adaptados as condigdes naturais, vagueiam livremente a cata de alimentos. A capacidade de lotagdo é muito baixa, sdo ne- cessirios de 3 a 7 hectares para alimentar cada cabega de gado. O custo da produgio é também baixo, sobretudo se lembrarmos que o prego da terra é insignificante. A produgio é represen- tada por 100 a 120 kg. de carne por cabeca de bovino e por 15 a 20 kg. de caprino. Os cuidados com 0 rebanho estiio a cargo do “vaqueiro”, verdadeiro “cow-boy” brasileiro, que vestido com roupas de couro, atravessa a caatinga cheia de espinhos, a fim de vigiar e assistir a0 yebanho. de caatinga, porém, domina a pe- rebanhos de bovinos, asininos e mas altamente (gramineas) durante a es- do se mantém gordo. Ao bacea, as gramineas, vao A caatinga é rica em pastagens tag4o chuvosa e neste periodo 0 ga Comegar o periodo séco, a vegetagao er! 54 MANUEL CorretA DE ANDRADE aa alimentar-se de cacticeas e de rvores © arbustos, geralmente leguminosas em que o desaparecendo e 0 gado pas folhas de Sertdo é rico. Alguns meses de calm umas”, di me entdo o gado migra para dreas menos sécas, para as “ilhas” imidas do Sertio. Estas dreas, ora so chapadas sedimentares e despovoadas onde ha ra Geral, a Ser- ipe, ora so se pois estas folhas, chamadas lo- ente de “1 apare vegetacdo verde durante todo o ano, como a Se as bas- ra dos Dois Irmaos e a Chapada do Ara ‘olas nas quais, no auge da estagdo séca, tante povoadas e a, os cereais e 0 algoddo ja foram colhidos e restam as félhas e ado, ora sido palhas que zadas como alimento pelo margens dos rios perenes ou secos, mas que mantém um per- manente leng6l daégua aluvial nos quais existem gramineas du- rante todo 0 ano. O gado permanece ai alé a estagéo das chu- vas, quando a caalinga re bre de félhas, oferecendo alimento abundante. _Assim, a pecudria ultra- iva é feita izacgdéo de migragées sazonais, migr: nas quais mpanhados apenas pelos vaqueiros. A s éstes levam o gado para os “refrigérios”, locais timidos, no los apenas na época das chu- rdece, inicio da estagdo séca e vao busca vas, fazendo algumas visitas periddicas ‘ao local em que os ani- mais se encontram para ver as condigées de satde e de alimen. tagdo. IE, désse modo, uma atividade tipica de regiéo ao mesmo tempo sub-desenvolvida e sub-povoada. — Os grandes problemas agrérios do Nordeste Nesta sucinta exposigéo descrevemos os tipos de ativida- de agricola existentes na grande regiao nordestina, os sistemas de exploragao da terra dominantes, nos permitindo levantar uma série de problemas que estao ligados a fatéres que tém influén- cia sobre as atividades agro-pecuarias: a) — as condigées naturais b) — as estruturas sociais c) — os padrées técnico-culturais d) — a réde de obras de infra-estruturas basicas A Terra £ 0 Homem no NorvestE 55 e) — as organizagées_politico-administrativas. Quanto as condigées naturais costuma-se acusar o clima pelos baixos padrées e pelos grandes problemas nordestinos, isto porque, havendo uma grande séca cada dez anos no Nordeste, é a mesma responsabilizada pelos males que afligem a regido. Esquecem os seus acusadores, porém, que os agricultores e as: salariados agricolas da regido timida da Mata so bem mais mais miseraveis que os do Sertéo séco. Além disto, e nada tem feito o homem para corrigir os proble- S6 recentemente, a partir de 1934, o a cultura da pobres, nada ou qua mas causados pela s a] DNOCS vem procurando expandir, com éxito, a ¢ palma forrageira (Opuntia sp.) que na estago seca © excelente alimento para o gado. O sorgo, largamente _cultivado nas regides sécas da Africa ao Sul do Saara, da India, na China ¢ dos Estados Unidos, s6 agora vem sendo objeto de experimen- lacdo agricola e de estudos“na regido, quando, uma vez difun- dido, podera fornecer abundante € excelente alimento a pou € animais. Os processos de armazenamento de ane ay rante a estagio timida para serem utilizados na cue : 2 largamente usados em outros paises, ainda nao estio ae ee dos na regiao; s6 agora esta se comegando, timidamente, see ensilagem de gramineas e de grdos. Desta forma, ° one ainda se encontra to dependente das condigées ae que um adagio popular segundo o qual no sero homem’. © homem que cria o boi mas © boi que cria 0 Quanto as estruturas sociais, elas oe ae €poca da conquista, no século XVI, e com ae Matae no se mantém até hoje. A concentragdo fundiari ssuem a terra Sertdo é muito grande, sendo poucos ode ios de pes- que se acha concentrada ein sua maior ae is familias Soas ligadas pela origem ou pelo casamen oa ‘As grandes Patriarcais, quase sempre de origem F500 ba 7 que as vézes, Propriedades que sempre tém mals S p-aproveitadas tanto do se estendem por 20 e 30 mil ha., séo sub-apro am grandes Ponto de vista horizontal — a8 culturas ae oa ae Percentagens da Area apropriada — ee cacao no Vertical — a produtividade é baixa. Para cll i icar do Nor- stado de Pernambuco, principal produtor de agiear do 56 Manuet Correia pe ANDRADE deste, se obtém um rendimento agricola médio de apenas 42 to- neladas de cana por hectare. Estes proprietarios julgam-se ricos pelas extensdes de terra que possuem e se opdem a qualquer politica governamental que » da ter donos da frequente Consideram- tente disciplinar a ut terra e dos rios que cortam as suas propriedades — ¢ fo dos mesmos pelos residuos industriais sem a menor a polui consideragdo as populacées ribeirinhas ou a outras indis Dispondo de muitas terras e situadas a juzante da sua —. pagando salarios baixos, ndo tem a maioria dos proprieti ricola, a fim de néo in- imterésse em intensificar a atividade d » de maquinas e na construgaéo de os rendimentos verter obras de infri agricolas pode manter um elevado padrao de vida. capilais na aquisi¢ strulura, pois mesmo com baix Quanto aos padroes técnicos-culturais convém observar que sdo, em geral, bastante baixos, sobretudo no que diz respeito as lavouras de subsisténcia. Mas, mesmo naquelas cuja_produ- lerno, como ocorre com a cana- cdo é destinada ao mereado « ar eo cacau, a produtividade é baixa; assim, quanto ao primeiro produto. obtém-se, em média, em Pernambuco, 42 toneladas por ha contra 60 ton. por ha. em Sao Paulo. Con- o nas dreas vém obseryar que certos habitos como a irrigagal sécas e a adubacdo com matéria organica e sais minerais, mai Generaliza-se também ja vam sendo f o uso de inseticida meca-se a fazer experimenta riedades que melhor respondam ao desafio das condigdes cli- maticas e edaficas. Ja costumam preparar o terreno a ser cultivado, tragando curvas de nivel com o fim de atenuar a erosdo catisada pelos agentes meteorolégicos. Nas areas pla- nas ou de pequenas declividade os usineiros ja realizam a cul- tura mecanizada, diminuindo o custo da produgio e liberan- do a mao de obra. ilas nos tiltimos anos. s para evilar ou combater as pragas € co- io com a finalidade de obter va- Se ha uma modernizagéo com melhoramentos dos padrées técnico-agrondmicos nas grandes propriedades dedicadas aos produtos de exportagdo, 0 mesmo ndo ocorre com as pequenas exploragées agricolas destinadas a produzir os géneros alimen- ticios consumidos pelo mercado interno. Tanto que sdo pou- A Terra £ 0 Home no Norveste 57 co numerosos os agrénomos especializados em mandioca, mi- lho, feijéo, fava, inhame, e as técnicas de cultura e de indus- izacgdéo déstes produtos ainda séo as mesmas do periodo colonial. Nao se faz para os mesmos, estudos das variedades naturais existentes nem se procurou criar até hoje, salvo no ‘0 do milho, em que se cultiva o milho hibrido, novas varie- dades, a fim de melhorar a produtividade e a qualidade do produto. Domina assini, na regiao, uma agricultura extensiva que garante boa renda aos proprietérios médios e grandes, gragas a dois fatéres: 0 monopdélio da terra e o aviltamento do sala- rio do trabalhador rural. Quanto as obras de infra-estrutura bdsicas, dispde a gran- de lavoura nas areas por onde se expande, de boas estradas de rodagem e, as vézes, de estradas de ferro que permitem 0 es- coamento da produgao. Onde nao ha estradas de boa ou mé- dia qualidade a grande lavoura nao se expande, ficando as terras sub-aproveitadas ou sub-ocupadas com pequenas lavouras. ia oficial — Banco do Brasil, Banco do Uma réde bancari : Nordeste do Brasil e ;Bancos de Desenvolvimento dos Estados da regio — cobre quase todo o Nordeste, facilitando 0 crédito a juros baixos aos grandes e médios proprietirios, Os pequenos Proprietarios, os arrendatarios € os parcelros, so em bem peque- Nas percentagens, tém acesso ao crédito oficial, ficando ae Sempre a depender de comerciantes, de agiotas € de ae les Proprietarios que obtém o crédito a juros baixos nos bancos Oficiais e os transferem com juros altissimos aos pequenos agri- cultores. Tentativas tém sido feitas desde 0 Govérno Vargas, Para ampliar os beneficios do crédito agricola aos pequenos Agricultores, mas até hoje, éstes, dificilmente o consegucm®: A 7 foi feita nos anos de 1963 e mais séria e eficiente tentativa s 1964 em Pernambuco, através da agao de um cE a Vo da Produgio de Alimento (GEPA), que coer : ed multiplicado cinco vézes em um ano o mumero le pea Agricultores beneficiados pelo crédito oficial, teve as $1 Vilades encerradas. 58 Manvet Correia DE ANDRADE A energia elétrica vem tendo a sua réde de distribuigio largamente expandida, gragas ao aproveitamento e utilizagdo da cachoeira de Paulo Afonso para a producdo de energia, mas a utilizagdo maior é urbana, no sentido do consumo do- méstico, o que é de lastimar, de vez que poderia melhorar sen- sivelmente as condigées da produgdo agricola e de industriali- zagio dos produtos rurais. Quanto aos problemas ligados as estruturas politico-admi- nistrativas, devemos salientar que elas ainda se baseiam em -grande parte na organizagdéo dada ao espaco pelos portugué- ses no século XVI, claro que com o funcionamento adaptado, tanto quanto possivel, as necessidades do século XX. Assim, os grandes proprietdrios detém o monopdlio da terra, de vez que a propriedade esté concentrada fas maos de uns poucos e, em consequéncia, o poder politico. Para se ter uma idéia da concentragéo fundidria existente no Nordeste é interessante analizar-se a Tabela que se segue: Grupos Mata Extenséo Numeros de Area (ha) em hectare estabelecimentos A — 0—20 46.756 238 801 B — 20—100 8 272 354 663 c — 100—500 4 133 1 001 679 D — 500—1 000 948 701 663 E— + de1 000 529 1 139 891 Grupos Agreste Nimero de Area (ha.) estabelecimentos A — 0-20 | | 135 733 645 259 B — 20—100 i 18 288 784 881 Cc — 100—500 : 4 336 888 990 - D— 500—1 000 480 322 451 \ E—+de1 000 522 1 797 739 A Terra £ 0 Homem no NorDEsTE 59 Grupos Sertéio Numero de Area (ha:) estabelecimentos A — 0—20 206 058 1 352 350 B — 20—100 95 095 6 869 496 Cc — 100—500 38 889 8 061.755 D — 500—1 000 5 075 3 294 415 E—+de1 000 3 444 10 323 409 Désse modo, na Mata, os estabelecimentos do tipo E correspondem a 0,8% do nimero, mas ocupam 32,2% da area contra 0,3% do mimero e 40,4% da area no Agreste e 0,9% do nimero de 34,5% da area no Sertio. Se juntarmos a elas o grupo D, de mais de 500 ha. observaremos que juntos correspondem a 2,4% do nimero de estabelecimentos da Mata, a 0,6% dos do Agreste a 2,3%, do Sertéo, ocupando dreas correspondentes a 52,6% da Mata, a 46% do Agreste e a 35,5% do Sertio. Vé-se que na regiéo da M estabelecimentos ocupam mais 4 da. No Sertdo, devido a divisio da pro tiedade nas serras ser grande e haver muitos estabelecimentos | je nao proprictire é menor a concentragéo, mas ainda assim, 2,3% dos estabe- lecimentos ocupam mais de 1/3 da area apropriada. e politica dos grandes oft prietérios faz com que téda a infra-estrutura ee esteja voltada para os mesmos e que 0s setvigos PI ae cionem a fim de atender as nocessidadiog ime si aees i éles, da assisténci: Dai gozarem, quase apenas © * solo eee fata, a mais [povoada, 2,4% dos da metade| da drea apropria- Essa dominagéo econémica ee a dos de s fF ‘ oficial, através dos eee se exédito oficial a juros baixos, rantia de pregos minimos, ‘ ete. e poderem manter uma agricultura a = mas que, gragas ao monopélio oo, mio de obra, lhes é altamente rendos®- on baixa produtividade baixo prego da

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