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QUESTAO REGIONAL E GESTAO DO TERRITORIO NO BRASIL Claudio A. G. Egler* Professor do Departamento de Geografia da UFRJ INTRODUCGAO A Geografia Econémica foi desgastada pela tradigao positi- vista do primado da natureza e empobrecida pela posterior filia- ¢&o aos designios historicistas das pretensas leis imutaveis da so- ciedade. Devido a isto, esse ramo particular do conhecimento afei- to as dimensées territoriais da atividade econémica perdeu signifi- cativamente posi¢o nos curriculos académicos das universidades brasileiras. Entretanto, a Geografia Econémica é a legitima herdeira da visio espacial dos fatos econémicos. Nascida como Geografia Comercial na Inglaterra, ela foi um dos instrumentos descritivos * Professor de Geografia Econémica do Departamento de Geografia da UFRJ, MSc. em Engenharia de Produgao (COPPE-UFRJ), Dr. em Economia (UNICAMP). 208 GEOGRAFIA: CONCEITOS E TEMAS fundamentais da riqueza das nac6es e, desde logo, talvez tenha sido o ramo das ciéncias geograficas mals preocupado com os pro- blemas do desenvolvimento regional. Esse trabalho é uma tentativa de resgatar esta vertente, pro- curando estabelecer uma ponte entre economia e geografia na andlise das relacdes entre a crise e a questdo regional no Brasil. E uma contribui¢4o para 0 debate teérico sobre a dinamica espacial do capitalismo e um modesto subsidio para a reflexiio sobre os im- passes que imobilizam a economia brasileira e cuja superacdo exige uma concep¢o democratica e participativa de gestao do ter- ritorio nacional. POLITICA ECONOMICA E QUESTAO REGIONAL: UMA SINTESE O enfoque a partir da questao regional, como alternativa para explicar as origens das desigualdades territoriais na producio e distribuigéo da renda nacional, é pouco ysual entre os gedégrafos econémicos. £ comum encontrar referéncias & divistio, quadro ou estrutura regional, entretanto raramente as disparidades inter-re- gionais na apropriacao da riqueza sao tratadas como uma questo territorial, inscrita no espago desde origens da producao mercantil e constantemente transformada pelo préprio desenvolvimento do capitalismo. Uma questo significa uma contratficao presente no seio da articulagéo Estado-Sociedade Civil, que no caso da questo regio- nal se expressa historicamente em uma determinada regionaliza- g4o, enquanto projegao do espago de atuacao do Estado sobre o territério, e em diversas formas de regionalismos, enquanto ex- pressao dos ajustes contraditérios — em alguns casos até antag6ni- cos, quando entao se configura uma questao nacional — deste es- paco projetado com a sociedade civil territorialmente organizada. QUESTAO REGIONAL E GESTAO DO TERRITORIO NO BRASIL 209 Neste aspecto, é necessério concordar com GRAMSCI (1966), que a questao regional é necessariamente uma questao do Estado, na medida que sua resolugao passa necessariamente pela compo- si¢&o do bloco no poder e pelas medidas de politicas puiblicas que afetam a economia nacional e a distribuic¢do territorial da renda. CORAGGIO (1987: 81-2) reafirma esta concepcdo e mostra como os interesses regionais projetam-se em politicas ptiblicas, cuja forma mais elementar esta presente na relacao capital-provincia, cuja existéncia material s6 é possivel a partir de uma determinada poli- tica tributaria e de alocagao do gasto publico no territério. A politica tributaria é a forma elementar de politica econémi- ca do Estado moderno. Como mostra WEBER (1923: 305), “trata-se de um erro admitir-se que os te6ricos e estadistas do mercantilis- mo hajam confundido a posse de metais preciosos com a riqueza de um pais. Sabiam muito bem que a capacidade tributaria é o ma- nancial desta riqueza, e s6 por isso se preocupam de reter em suas terras o dinheiro que ameacava desaparecer com o comércio”. A regionalizacao do territério como forma de racionalizar a contabi- lidade nacional e ampliar a capacidade extrativa do Estado foi um dos mandamentos da politica mercantilista desde Colbert e, a par- tir de ent&o, esta aberta uma arena politica onde interesses locali- zados podem se contrapor ou tentar influenciar a “racionale” do Estado, seja ele unitario ou federativo. No entanto, a politica tributaria é apenas o substrato do apa- rato de politica econémica a disposi¢ao do Estado contempora- neo. Do ponto de vista da questo regional é importante destacar a ampliacao de sua capacidade financeira, no sentido schumpeteria- no de “avangar” recursos para 0 desenvolvimento econdémico, e a utilizagéo planejada do gasto piblico, nado apenas nas politicas anticiclicas de cunho keynesiano, mas também como promotor do crescimento da economia nacional e de correcao das desigualda- des sociais e territoriais que dele, inevitavelmente, resultam. 210 GEOGRAFIA: CONCEITOS E TEMAS Eneste contexto que, em uma das economias ditas mais libe- rais do planeta: os EUA, 0 planejamento regional foi inicialmente empregado — no esforco de recuperag4o da economia norte-ame- ricana dos efeitos da crise de 1929 popularizado como “New Deal” — através da criago da Tenessee Valey Authority (TVA). A TVA, devido as resisténcias dos interesses estaduais que a considera- vam uma ingeréncia da Unido em suas soberanias, transformou-se em um simbolo do “New Deal” e representou, no apenas a orien- tagao do investimento puiblico para a area deprimida da bacia do Tenessee, mas também um esforgo de coordenagao das diversas agéncias de governo em torno de metas comuns em uma regiado ‘vem delimitada. Apesar desta experiéncia pioneira, 2 conformagao do plane- jamento regional — enquanto instancia de ajuste entre politicas publicas € interesses territorializados — 86 adquire expressdo de- finida no imediato pés-guerra. Seu ambiente de formagao é a Europa arrasada pelo conflito e suas metas originais sdo a recons- trucdo e o desenvolvimento com um minimo de eqitidade social e territorial. O locus original destas concepgdes estava na Comissao Econémica da Europa da ONU, nas teses de seu Secretario-Geral Gunnar Myrdal, expressas principalmente no “Estudo Econémico da Europa de 1954” (ECE: 1955), que continha um capitulo espe- cial sobre os problemas de desenvolvimento regional e localizagao industrial, e em seu classico texto sobre “Teoria Econémica e Regi6es Subdesenvolvidas” (MYRDAL, 1957). As teses de Myrdal acerca dos efeitos da “causagao circular” no crescimento econdmico, acentuando as disparidades na distri- buigdo territorial da renda, séo bastante conhecidas. Sua impor- tancia tedrica para o rompimento com o imaginario do “cresci- mento equilibrado” difundido pelos liberais de entao, pode ser avaliada pela excelente revisao critica das concepgées acerca do desenvolvimento regional realizado por HOLLAND (1976), dispen- sando maiores aprofundamentos neste trabalho. Apenas um as- pecto deve ser ressaltado para os limitados objetivos deste texto, QUESTAO REGIONAL E GESTAO DO TERRITORIO NO BRASIL Qu que sintetiza sua concepcio acerca das relacées entre politica eco- ndémica e questao regional. Em suas palavras: “Se as forcas do mercado nao fossem controladas por uma politica intervencionista, a produg3o indus- trial, o comércio, os bancos, os seguros, a navegacao e, de fato, quase todas as atividades econémicas que, na economia em desenvolvimento, tendem a proporcionar remuneracdo bem maior do que a média, e, além disso, outras atividades como a ciéncia, a arte, a literatura, a educagao, e a cultura superior se concentrariam em de- terminadas localidades e regides, deixando o resto do pais de certo modo estagnado” (MYRDAL, 1957: 43). De um modo geral, esta “politica intervencionista” constituiu um instrumento de atuacdo do Estado em diferentes nagdes do planeta, com diversos niveis de desenvolvimento econémico e so- cial e distintos sistemas politicos, desde regimes democraticos de cunho social-democrata até militares autoritarios. Algumas expe- riéncias, como por exemplo a Cassa per il Mezzogiorno, criada no imediato pés-guerra para promover o desenvolvimento do Sul da Italia, foram reproduzidas em varias partes do mundo, servindo de modelo inclusive para a criacio da Superintendéncia de Desen- volvimento do Nordeste (SUDENE) no Brasil (CARVALHO, 1979). A eficdcia desses organismos como instrumento de corre¢gao das desigualdades regionais e instancia de negociacao politica com interesses territorializados deve ser avaliada caso a caso. Entretan- to, desde logo é importante frisar algumas das observacées de HOL- LAND (1977), resultantes de sua andlise da experiéncia britanica, acerca da crescente autonomia da grande empresa multilocacional diante das politicas de promogio do desenvolvimento regional. As relacées entre Estado, grande empresa e territério encon- traram em Perroux um de seus mais importantes analistas, nio apenas pela originalidade de suas concepgées, mas também pelo 212 GEOGRAFIA: CONCEITOS E TEMAS efeito que produziram sobre os formuladores de politicas regio- nais. Mais conhecido através da vulgarizacao de sua concepcao dos “pélos de crescimento” (PERROUX, 1955), ele foi antes de tudo o te6rico da economia dominante, cuja definicao partia da consta- tacao de que o mundo da concorréncia perfeita e do “contrato sem combate” era irreal. Utilizando a teoria da concorréncia imperfeita de CHAMBERLIN (1933) para mostrar que as negociacgGes dependem do “bargainig power” da grande empresa, Perroux estende esta viséo 4 economia nacional, que seria composta de “zonas ativas” e de “zonas passi- vas”, sendo que as primeiras exercem “efeito de dominacao” sobre as segundas, resultando em uma “dinamica da desigualdade”, que produz resultados semelhantes as inovacdes schumpeterianas, no que diz respeito ao rompimento do “circuito estaciondrio” da eco- nomia e de promogao do desenvolvimento. (PERROUX, 1961: 74) Na légica da construgao perrouxiana, “o espaco da economia nacional nao é 0 territério da na¢ao, mas o dominio abrangido pelos pianos econémicos do governo e dos individuos”, submetido aum campo de forgas, onde a nacao pode se comportar “ou como um lugar de passagem destas forgas ou como um conjunto de cen- tros ou polos de onde emanam ou convergem algumas delas”.(PER- ROUX, 1961: 114). A concluséo que emana destas formulagées é uma derivada de facil solugao e suas conseqiiéncias para a politica econémica, dbvias. No universo da “economia dominante” cabe ao Estado buscar plasmar, através de “pdlos de crescimento” situa- dos no interior do espago econémico nacional, as forgas motrizes que atuam na economia internacional. A questao regional passa entao a ser um aspecto subordinado da questo nacional e, embora Perroux procure relativizar o peso dos nacionalismos, sua teoria fornece um excelente argumento para a utilizagao do territério nacional como instrumento de afir- macio do Estado. O melhor exemplo da aplicacao pratica destas concep¢ées € a criacao da Délégation & l’Aménagement du Ter- QUESTAO REGIONAL E GESTAO DO TERRITORIO NO BRASIL 213. ritoire et & VAction Régionale (DATAR) em 1963 e a implementacao do V Plano de Desenvolvimento Econémico e Social (1965-70), du- rante a V Republica de De Gaulle. Em uma apreciacao sumaria: “O Plano partia do principio que o aménagement du territoire nao deveria ser visto somente como uma série de acdes compensatérias, permitindo atenuar os efeitos da evolucéo espontanea, mas ele deveria ter seus objetivos e sua dinamica propria; ele deveria cons- tituir uma politica ativa e néo somente corretiva” (LAJUGE et al., 1979: 378). Foi o auge da afirmacao nacional francesa e da regionaliza- 40 como forma de tratar a questo regional. A profunda crise eco- némica que se inicia na década de 70 vai interromper esta trajeté- ria e forcar a emergéncia de novas formas de tratamento para a questdo regional nas economias industrializadas. No caso francés isto significou uma profunda reforma politica que aumentou a au- tonomia politico-administrativa e financeira das entidades regio- nais, dotando-as de capacidade de gestao sobre os principais ins- trumentos de politica econémica que afetam o territério sobre sua jurisdigao. Na América Latina, a concep¢4o perrouxiana dos pdlos de crescimento encontrou terreno fértil no planejamento do periodo autoritario posterior 4 Revolugao Cubana. A polarizacao foi o ins- trumento preferencial para promover a integrag4o econémica dos mercados nacionais em varios pafses latino-americanos. Para CO- RAGGIO (1973: 64) este processo foi inevitavel, pois: “Nés sustentamos que, dentro da estrutura sécio- politica atual, a polarizagao e a tendéncia para a unifi- cacao dos mercados, longe de ser uma op¢ao que pode- mos adotar ou ndo, é uma tendéncia clara do sistema 214 GEOGRAFIA: CONCEITOS E TEMAS capitalista mundial, uma tendéncia que esté influindo sobre os paises da América Latina de forma peculiar.” No Brasil, a partir da crise de 1973, a estratégia governamen- tal se tomou mais seletiva, atuando nao mais numa escala macro- regional e sim sub-regional, através da implantag4o de pélos de crescimento. Poucos foram os pafses do mundo que levaram tao longe as idéias de Perroux como o Brasil. Sob a perspectiva da acumulacdo capitalista, a ideologia dos pélos de desenvolvimento mostrou-se 0 modelo mais adequado para a organizago do territé- rio proposta pelo estado autoritario, uma vez que envolvia a cria- ¢ao de locais privilegiados, capazes de interligar os circuitos na- cionais e internacionais de fluxos financeiros e de mercadorias (EGLER, 1988). Esta inexorabilidade da légica da polarizacdo afastou o pla- nejamento regional de suas determinacées sociais e politica privi- legiando o papel da regionalizac4o como instrumento de ordena- cao do territ6rio (BOISIER, 1979). O resultado foi o progressivo es- vaziamento da regiao, enquanto categoria de andlise e interven- ¢4o, em grande parte devido a auséncia “de uma teoria explicita do Estado ea falha para distinguir entre relacées politicas e econdmi- cas”. (MARKUSEN, 1981: 98) CONCORRENCIA, DINAMICA REGIONAL E INTEGRACAO TERRITORIAL Uma alternativa para tratar a questao regional é buscé-la de- finir no quadro da integrac&o territorial, que manifesta a sintese concreta dos processos de divisao técnica e social do trabalho, de concentracao produtiva e de centralizacao financeira no territ6- rio. Desde logo é importante advertir que 0 conceito de territério é distinto de uma visdo puramente espacial, como o fazem os mem- QUESTAO REGIONAL E GESTAO DO TERRITORIO NO BRASIL 215, bros da “regional science” de fundamento neoclassico. O conceito de territério pressupGe a existéncia de relagGes de poder, sejam elas definidas por relacées juridicas, politicas ou econdémicas. Nesse sentido é uma mediacao légica distinta do conceito de espa- G0, que representa um nivel elevado de abstracao, ou de regiao, que manifesta uma das formas materiais de expressdo da territo- rialidade, como o é, por exemplo, a nagao. Do ponto de vista da dinamica regional, vista aqui como mo- tor do processo de integracao, é importante ressaltar e discutir dois niveis analiticos fundamentais e interligados. O primeiro é 0 das relacGes cidade e campo, que embora sejam tratadas conjunta- mente nos fundamentos do pensamento econdmico, perderam grande parte de seu poder analitico ao serem divididas em “ramos” distintos do conhecimento, como a economia rural e agricola e, seu quase reverso, a economia urbana e industrial. Aqui vale um contraponto: muito tem sido atribuido a geo- grafia acerca da imprecisao do conceito de regio, como um ente natural e histérico; entretanto, desde a sua origem, enquanto con- ceito geografico, Vidal de la Blache afirmava, no inicio do século, que “cidades e estradas sao as grandes iniciadoras de unidade, elas criam a solidariedade das areas”. Neste sentido, a regiao 6, antes de tudo, um conceito-sintese das relagées entre cidade e campo, definindo-as e particularizando-as em um conjunto mais amplo, que pode ser tanto a economia nacional como a internacional. Admitindo isto, é importante, desde logo, afastar qualquer viés fisiocrata acerca do processo de formacao das regides. No ca- pitalismo, as regides ndo se formam a partir da captura do exce- dente agricola, como alguns ingénuos podem fazer crer. Nova- mente a geografia nos ensina que a “regiao nao criou a sua capital, 6a cidade que forjou sua regido” e “a industria e o banco, mais do que simples instrumentos desta construgao, sao 0 verdadeiro cére- bro dela” (KAYSER, 1964: 286). Toda regiao possui um centro que a estrutura, e a manifestacdo mais concreta dos niveis de integragéo 216 GEOGRAFIA: CONCEITOS E TEMAS territorial em uma determinada regiéo € a consolidacao de sua rede urbana. Na verdade, pode-se ir além disso: o préprio estagio de desenvolvimento da rede urbana revela os niveis de integragio produtiva e financeira de uma regio. E importante frisar que nesta estrutura nao existe nada que leve a um pretenso equilfbrio interno ou externo, como algumas formulacoes neoclassicas da “regional science” tentam difundir. Embora alguns modelos descritivos e dedutivos tenham sido for- mulados a partir de situacdes de equilibrio, como é 0 exemplo da célebre “teoria dos lugares centrais” de CHRISTALLER (1933), seu poder explicativo é bastante limitado e estatico, sendo incapaz de ax conta das diversas situagdes no tempo & NO Vspage. Estas observagdes podem ser ampliadas para a maioria das “teorias” de crescimento regional, desde aquelas de fundamento keynesiano, como a “teoria da base de exportacdo”, como também aquelas de viés schumpeteriano como a concepgao perrouxiana do “crescimento desequilibrado”. Nao estd entre os objetivos deste trabalho dar conta do debate hist6rico acerca da dinamica regional, apenas é importante frisar que boa parte das componen- tes fundamentais desta dinamica repousam nas relagdes que se es- tabelecem entre cidades e entre elas e 0 campo. Isto é particular- mente importante na andlise do processo contemporaneo de rees- truturacdo econémica, onde novos padrées de integra¢4o produti- va e financeira estao redefinindo a estrutura das relacdes cidade e campo e contribuindo para a reelabora¢4o do desenho das redes urbanas regionais nas economias avangadas. O segundo nivel a ser trabalhado é 0 das relagdes entre cen- tro e periferia, que neste texto sera assumido em suas dimensdes originais, isto é, como resultante da divisao territorial do trabalho, da concentrac4o produtiva e da centralizacao financeira durante o processo de formacao do “mercado intemo” para o capitalismo. Segundo LENIN (1899: 550), este processo “oferece dois aspectos, a saber: o desenvolvimento do capitalismo em profundidade, quer QUESTAO REGIONAL E GESTAO DO TERRITORIO NO BRASIL 217 dizer, um maior crescimento da agricultura capitalista e da indés- tria capitalista em um territério dado, determinado e fechado, e seu desenvolvimento em extensio, quer dizer, a propagacdo da es- fera de dominio do capitalismo a novos territérios”. Isto significa, em poucas palavras, que as relacdes centro-periferia séo, desde a origem, um processo dindmico de aprofundamento vertical e ex- pansao horizontal das forgas produtivas e das relacdes de produ- go capitalistas. Isto foi percebido claramente por PREBISCH (1949) em sua analise sincrénica da economia mundial do pés-guerra, onde cor- retamente pés énfase na desigual velocidade de incorporagdo do progresso técnico nas diversas porcées das economias capitalis- tas, que resultavam em diferentes niveis de produtividade e, con- seqiientemente, na deterioragao dos termos de intercdmbio entre centro e periferia. E importante, desde logo, afastar as concepgdes neo-ricardianas da existéncia de “trocas desiguais” devido as dife- rentes quantidades ou remuneracées do trabalho entre centro e periferia. AYDALOT (1976) parte da nogdo de progresso técnico para analisar a dinamica regional das economias capitalistas. Para ele, “se se considera que as implicagdes do nivel tecnologico sao es- senciais, mais do que 0 nivel de investimentos, as transferéncias de excedente apareceréo menos importantes que as escolhas es- paciais das técnicas (...). Mais do que isso, sua visdo do imperialis- mo esta definida “pela aptidao do capitalismo de impor uma divi- sao interespacial do trabalho tal que certos espacos tendem a se especializar nos produtos que possuem uma forte dose de conhe- cimento, enquanto outros se especializarfio nas producdes que exigem conhecimentos inferiores-(...) Assim, a conclusdo é sim- ples: “Os espacos nao se diferenciam mais sobre a base de seu es- toque de capital, mas em func4o das aptiddes produtivas de sua forga de trabalho, e de sua aptiddo em conceber bens novos e pro- cessos técnicos mais avangados”. 218 GEOGRAFIA: CONCEITOS E TEMAS: Em sua forma geral, a concep¢ao de Aydalot assemelha-se 4 visao do ciclo do produto de VERNON (1966) embora reforce o papel da qualificagao da forga de trabalho como elemento de dife- renciacao no espaco econémico. Isto permite com que ponha én- fase na mobilidade do trabalho e na transmiss&o interespacial das técnicas como elementos fundamentais de integracao territorial. Em sua visdo, para que haja desenvolvimento, “o trabalho caracte- rizado de maneira qualitativa e dinamica (aptidao para a progres- so) tornou-se a variavel estratégica”. Em sintese, a dindmica re- gional para este autor pode ser resumida assim: “Nas relagdes entre dois espacos quaisquer, h4 sempre uma parcela de autonomia e uma parcela de in- tegracdo. No correr do tempo, ao longo de um processo secular, se produz um alargamento espacial das rela- Ges entre os espagos de modo que os espacos ante- riormente aut6nomos se aproximam (reduc¢ao dos cus- tos das mobilidades, reducdo das ‘distancias’ entre es- pacos, desenvolvimento das informagGes, do conheci- mento interespacial). Assim, em dinamica de longo pe- riodo, dois espacos quaisquer passam, um vis-a-vis 0 outro, de um estado de autonomia a um estado caracte- rizado pelas relagdes cada vez mais intensas, embora os mecanismos da mobilidade continuem os mes- mos”(AYDALOT, 1976: 15-20). Aydalot pée énfase na “distribuicdo desigual das técnicas”, porém nao expe quais os fatores que a explicam, exceto um de- senvolvimento origindrio, também desigual. Neste sentido, a mo- bilidade das atividades produtivas seria um fator de homogeneiza- ao, a longo prazo, do espaco econémico através da difuséo da técnica pelas suas diferentes parcelas. Neste mundo construido pela solidariedade nao existe espago para a concorréncia, assim é QUESTAO REGIONAL E GESTAO DO TERRITORIO NO BRASIL 219 facil perceber a raiz de sua critica aos autores marxistas que anali- sam o desenvolvimento do capitalismo através de seus padrées de concorréncia (mercantil, concorrencial e monopolista), pois para ele “nao é 0 capitalismo que se transforma, mas 0 quadro espacial que se amplia” (Op. cit., p. 18), o que sem dtivida constitui uma cu- riosa forma de “determinismo espacial” da dinamica das econo- mias capitalistas. Do ponto de vista da concorréncia intercapitalista, uma das sinteses mais elaboradas da dinamica regional no capitalismo foi aquela realizada por HOLLAND (1976). Partindo da critica da visio neoclassica de equilibrio no espaco econémico, argumentando sobre as teorias de crescimento polarizado de Myrdal e Perroux, Holland utiliza a teoria da concorréncia oligopélica de SYLOS-LABI- NI (1964) para ensaiar uma sintese entre os aspectos micro e macro da dindmica regional através da defini¢do do setor mesoe- condémico. Para ele “o grau de competicao desigual entre grandes e peque- nas firmas é tao expressivo nas principais economias capitalistas que desqualifica toda a teoria regional fun- dada em modelos microeconémicos competitivos e suas sinteses em teorias macroeconémicas. O que emergiu na pratica leva a um novo setor mesoeconémi- co entre o nivel macro de teoria e politica e o nivel micro das pequenas firmas competitivas” (HOLLAND 1976: 138). O efeito regional da concorréncia entre firmas meso e mi- croeconémicas depende diretaménte da distribui¢ado espacial das firmas e, em teoria, poderia se afirmar que “algumas regides poderiam ganhar, a curto e médio prazos, se elas conseguissem manter tanto a matriz, 220 GEOGRAFIA: CONCEITOS E TEMAS como as plantas subsididrias de uma companhia me- soeconémica que é capaz de proteger ou aumentar sua parcela no mercado nacional através de aumentos de escala, inovagées ou taticas de formacdo de precos interfirmas” (Op. cit., p. 139). No entanto, Holland parte do exemplo dos EUA para mostrar que as grandes firmas nem sempre contribuem para integrar as re- gides de um mesmo mercado doméstico, pois “quando companhia atingem lucros extraordindrios devido a uma posicgaéo dominante no mercado nacional, elas preferem localizar novas plantas em economias mais desenvolvidas e com mercados que crescem mais rapidamente do que em regides menos desenvolvidas de sua pré- pria economia” (Op. cit., p. 140). Isto se deve ao fato de que, em outros mercados, o grau de competicao oligopdlica pode ser mais baixo ou que existem brechas a serem ocupadas, 0 que pode con- ferir lucros extraordindrios as empresas que atingirem posicdes pioneiras em outras parcelas do mercado mundial. A mesoeconomia, enquanto categoria analitica, 6 uma solu- cdo simplificadora para a amplitude da concorréncia em sua di- mensao territorial. Entretanto, apesar disso e do dualismo que em- prega ao discutir seu papel na dinamica das regides mais desenvol- vidas vis-4-vis 4s menos desenvolvidas, Holland avanga no sentido de territorializar as estruturas de mercado nas economias capita- listas, mostrando como, em um sistema crescentemente interna- cionalizado, a légica do investimento privilegia os territérios eco- némicos que possam garantir vantagens competitivas 4s grandes empresas que neles se instalam. No sentido de avancar na compreensio do carter destes ter- ritérios econ6micos, que apresentam a capacidade dinamica de atrair novos investimentos, STORPER (1991: 14) mostra que os com- plexos territoriais, onde existe aglomeracgéo industrial, “sio o modo geografico pelo qual as economias externas de escala nos QUESTAO REGIONAL E GESTAO DO TERRITORIO NO BRASIL 221 sistemas produtivos sdo realizadas pelas firmas” Para ele existe uma forte relacéo entre as economias de aglomeragao — e tam- bém de urbanizacao — e o surgimento e desenvolvimento de novas indistrias. Citando o exemplo do Silicon Valley nos EUA, Storper afirma que “as cidades e regides industriais emergem quando a divisdo social do trabalho se desenvolve no interior do sistema produtivo, e ndo simplesmente porque estas cidades for- neciam insumos e infra-estrutura para as firmas industriais”. Esta é uma questao central quando se analisa capitalismos tardios e periféricos, pois muito da histéria e da geografia da América Latina parte do pressuposto de que a indistria nasceu como continuacdo do circuito mercantil-exportador através do processo de substituicdo de importacgdes. Como veremos adiante, isto é apenas uma observacao superficial, pois a industrializagio brasileira desdobra-se do circuito mercantil pela légica da acumu- lac&o e da valorizagao de capitais, e nao pela mera conquista de fa- tias domésticas do mercado mundial. Isto é fundamental para que se compreenda que a formacado de um complexo territorial das di- mensées de Sao Paulo nao representa apenas uma expressdo geo- grafica de economias de aglomeragao, mas também — e principal- mente — uma fonte de crescimento da produtividade industrial, isto 6, de acumulacdo de capital no sentido clssico. Para STORPER (2991: 16): “A dinamica da industrializagao esta fortemente associada & urbanizacao, porque as inovagGes técnicas no curso do desenvolvimento dos setores lideres so freqiientemente conseguidos no interior de complexos urbano-industriais (...) A complexidade das relacées interfirmas, combinada com as estruturas do mercado de trabalho dos centros territoriais de crescimento, ga- rante que o centro territorial sera 0 foco de inovacées tecnoldgicas em produtos e processos.” 222 GEOGRAFIA: CONCEITOS E TEMAS Nao se trata apenas da urbanizac4o enquanto processo geral, pois a légica da divisdo territorial e da concorréncia no interior do conjunto dos setores produtivos dominantes faz com que as cida- des se organizem hierarquicamente em uma rede urbana, enquanto expressao da integrac4o territorial do mercado nacional. Storper associa a configuracao da rede urbana ao padrao de industrializa- go definido pelo conjunto dos setores dominantes, visto como aqueles que empregam grande nimero de trabalhadores, possuem altas taxas de crescimento do produto e/ou do emprego, disp6em de grandes efeitos propulsores nos setores a jusante e produzem bens de capital ou bens de consumo de massa. Assim, segundo este autor pode-se distinguir quatro fases distintas, que coincidem gros- so modo com os ciclos de inovacio de Schumpeter. “A idade téxtil do capitalismo no infcio do século 19, a era do carvao-aco-indtstria pesada na virada deste século, ou 0 periodo de produ¢do em massa do- minado pelos automéveis e bens de consumo duraveis nas décadas que se estendem entre 1920 e 1960. Agora, nds estamos entrando em um perfodo por novas indtis- trias, como a eletrénica, e novos setores de servigos como 0s servigos de apoio a produ¢ao” (Op. cit., p. 17). E importante observar que Storper procura relacionar os pa- drées de integracao, expressos fundamentalmente nos complexos territeriais e na rede urbana, as diferentes fases do capitalismo in- dustrial. Com isto, abre a possibilidade de que anova configuraca4o produtiva que emerge da crise e a reestruturagaéo da economia mundial na década de 70 venham a alterar a distribuicao territorial do investimento, inclusive nos paises de capitalismo tardio e peri- férico, no processo que RICHARDSON (1980) denomina de “reversio da polarizacao”, isto €, a tendéncia a uma maior dispersio espacial do investimento, revertendo os mecanismos concentradores que QUESTAO REGIONAL E GESTAO DO TERRITORIO NO BRASIL 223, caracterizaria o periodo de substituicao de importagées em dire- cdo a formas territoriais dispersas fundadas na producao flexivel (DROULERS, 1990). CRISE, QUESTAO REGIONAL E GESTAO DO TERRITORIO A crise do padrao de acumulagdo, que vigorou na economia mundial desde o imediato pés-guerra até o inicio dos anos 70, atin- giu nacées e regides de modo desigual. Enquanto crise da hegemo- nia norte-americana, ela se manifestou em fraturas irreversiveis No espaco monetério supranacional fundado no délar, enquanto moeda internacional, forgando a reajustes drasticos na politica monetaria e cambial dos Estados nacionais. Enquanto crise do padrao de concorréncia intercapitalista, elase manifestou no acirramento do conflito entre grandes blocos de capital, deflagrando um processo de fus6es e incorporagées de empresas multinacionais que alterou significativamente o planis- fério mundial da propriedade do capital. Por final, enquanto crise do padrao tecnolégico fundado na inesgotabilidade dos recursos naturais e na inexorabilidade das economias de escala, enquanto fatores bdsicos para a producéo competitiva em qualquer parte do planeta, ela levou 4 obsolescéncia de antigas regiées industriais consolidadas e forgou a reestruturacao produtiva das economias nacionais. A crise e a reestruturagdo econémica afetou diretamente as relacdes Estado-regiao, colocando a questao regional em um novo patamar, onde o processo de globalizacao da economia mundial € acompanhado pela fragmentacao politica em interesses localiza- dos (BECKER, 1985). Estas relagdes que estavam profundamente marcadas pela capacidade de regionalizago do Estado-nagao fo- ram profundamente alteradas pela emergéncia de novas formas de 224 GEOGRAFIA: CONCEITOS E TEMAS regionalismo, que, em alguns casos extremados, ameagam a pr6- pria integridade da economia nacional. Isto pode ser atribuido a varios motivos. Em primeiro lugar, a reducdo do ritmo de crescimento das economias nacionais e a generalizac4o de formas de subcontratac4o entre empresas permi- tem uma vasta gama de operacées cont4beis que levaram a uma substancial perda da capacidade extrativa do Estado, concomitan- temente com o aumento do desemprego nas atividades e regides tradicionais. Como conseqiiéncia deste duplo movimento, houve um crescimento desproporcional dos encargos sociais a um limite que inviabiliza qualquer politica territorial de distribuigdo da renda com base nos instrumentos fiscais classicos, acentuando, por outro lado, os conflitos distributivos regionais. Em segundo lugar, embora o desenvolvimento de novos ma- teriais e a flexibilizagao dos processos produtivos tenha contribui- do para reduzir a velocidade do processo de concentragao espa- cial da atividade industrial, ainda é prematuro para assumir inte- gralmente as teses de MARKUSEN (1985), acerca da falibilidade do principio da “causagao circular” de Myrdal. A experiéncia recente nao permite conclusées definitivas acerca da tendéncia espacial das economias capitalistas avangadas, existem evidéncias de que a desconcentragao da producg&o, quando ocorre, nao é acompa- nhada pela descentralizacao da gestao financeira e estratégica das empresas, que se baseia cada vez mais em redes telematicas para ampliar sua drea de atuacao e reduzir o tempo de decisao. Por outro lado, o papel do Estado nao pode ser desprezado na criagdo de novas localizagées industriais vinculadas as chama- das “novas tecnologias”. Seja nas economias liberais, como os EUA, onde os gastos militares tiveram papel decisivo na formacao do “Silicon Valey”, na Calif6mia, ou da “Route 128”, nos arredores de Boston. Nas economias reguladas, como a Franga, onde a poli- tica dos “technopoles” (pélos tecnolégicos), como Sophia-Anti- polis, recebeu forte suporte de 6rgdos ptiblicos, empresas estatais QUESTAO REGIONAL E GESTAO DO TERRITORIO NO BRASIL 225 e garantia de mercado civil e militar. Seja também nas economias de “capitalismo organizado” (TAVARES, 1990), como 0 Japao, onde a politica das “technopolis” (cidades tecnolégicas), como Tsuku- ba, constitui um elemento importante de reestruturagao produtiva ede negociacao com as comunidades territorialmente localizadas. A dimensio territorial do desenvolvimento econémico tende ase alterar com a difusao de métodos flexiveis de produgao. HAR- VEY (1989: 159-160) mostra o papel do acesso ao conhecimento técnico-cientifico 4s novas formas de produgdo como instrumen- tos fundamentais da concorréncia intercapitalista. SCOTT e STOR- PER (1992: 13) distinguem a configuracao das regides onde predo- minam as economias de escala daquelas onde a flexibilidade e as economias de escopo ou amplitude sao dominantes. Isto significa que, embora os centros de decisaéo permane- cam fortemente centralizados nas cidades mundiais, as atividades produtivas podem ser desconcentradas, desde que hajam cone- x6es faceis entre as unidades produtivas e os centros de gest&o e exista a disponibilidade de trabalho qualificado e uma base técni- ca adequada as operagées industriais. Estudos de campo realiza- dos no Vale do Paraiba, entre as duas grandes metrépoles nacio- nais do Rio de Janeiro e Sao Paulo, bem como nas suas ramifica- gées no Sul de Minas Gerais, mostraram que existem bolsées de trabalho especializado e qualificado formados por formas pretéri- tas de industrializacéo — como € 0 caso do Vale do Sapucai (MG), que sediava antigas indistrias do complexo metal-mecanico, in- clusive ligadas ao setor militar como a fabrica de armas de Itajubé — que fornecem mao-de-obra e base técnica para as novas fabri- cas do segmento eletro-eletrénico @ mecAnico que esto se implan- tando recentemente na regiado (BECKER e EGLER, 1989). F importante que se frize que este processo nao ocorre uni- camente por fatores espontaneos, ou seja, pela atuagao das “livres forgas do mercado”. As andlises realizadas em estudos comparati- 226 GEOGRAFIA: CONCEITOS E TEMAS vos entre o Brasil e a Franca mostraram que o Estado desempe- nhou papel determinante na afirmacao dos centros de produ¢ao com maior densidade tecnolégica nestes dois paises, seja no seg- mento aeroespacial como ocorre em Toulouse e Sao José dos Campos, ou eletro-eletrénica e informatica como em Grenoble e Campinas. Mais do que isto, nao se trata, na visdo corriqueira do Estado, como o poder centralizado no nivel mais elevado da estru- tura juridica nacional, mas sim de uma aco conjunta das diversas esferas de poder que envolve desde 6rgaos federais até entidades municipais ou comunais (BECKER € EGLER, 1991). Essa talvez seja a principal observacdo acerca da reestrutu- rac¢&o produtiva e as novas condigées de operagiio do Estado. Nao é mais possivel que as fronteiras de acumulacado sejam abertas apenas pelos investimentos concentrados em grandes projetos, é necessdria uma intensa cooperacdo entre as diversas esferas de poder para criar campos de atracéo para o investimento produti- vo, garantindo desde as obras de infra-estrutura até a formacao e qualificacaéo da forga de trabalho. Isto nao é possivel sem uma forte participacao e efetivo envolvimento das autoridades locais e regionais, 0 que coloca a questao do federalismo em outro pata- mar, ultrapassando os limites dos ajustes politicos para fincar rai- zes no terreno da economia. E somente sob este referencial que é possivel analisar as pro- postas atuais de politicas publicas que afetam o mercado domésti- co brasileiro a partir das estruturas produtivas regionais. As refor- mas constitucionais na distribuigao dos recursos ptiblicos altera- ram significativamente a parcela atribufda a cada esfera de poder, bem como criaram os chamados fundos regionais para o Norte, Nordeste e Centro-Oeste com recursos fixados por determinacao constitucional. Entretanto, se estao previstas na Carta Magna de 1988 as atribuigdes da Unido no que diz respeito ao desenvolvi- mento regional (Cap. V, Art. 43), o mesmo nao pode ser estendido QUESTAO REGIONAL E GESTAO DO TERRITORIO NO BRASIL 227 completamente as esferas estadual e municipal, que apresentam situacdes muito diferenciadas no que diz respeito as suas respecti- vas politicas territoriais. Isto pode ser observado claramente quando se analisa as propostas de implantac4o das Zonas de Processamento de Expor- tacdes (ZPE), preferencialmente localizadas nos estados nordesti- nos. Criadas em 1988, suspensas em 1990 com o Plano Collor Ie retomadas em 1992, ainda no mandato deste ex-presidente, as ZPEs ainda nao entraram em operacao e, talvez, jamais venham a fazé-lo plenamente. As criticas contundentes a sua extemporalida- de e ao papel de redutor do mercado doméstico, através do instru- mento da extraterritorialidade e da reducdo da restri¢ao cambial (SERRA, 1988), nao foram suficientes para afastar definitivamente este instrumento de politica territorial do cendrio brasileiro. No caso nordestino, o tinico fator que poderia constituir-se como vantagem locacional para a implantagao das ZPEs seria a disponibilidade de farta mao-de-obra barata e de baixa qualifica- ¢&o que seria utilizada em atividades rotineiras em unidades de montagem padronizada, no estilo das “maquiladoras”. No entanto, situagdes como esta est4o presentes em varios paises da América Latina, principalmente no México e Caribe, com posicdes geogra- ficas mais vantajosas do que o Brasil para competir como “plata- formas de exportag4o” para o mercado norte-americano. Mais do que isso, aparentemente o que o capital internacional esta buscan- do nestas “c4psulas produtivas” é trabalho rotineiro submetido a rigorosa disciplina e com fortes restricdes a sindicalizagdo (TSU- CHIYA, 1978), o que, convenha-se, é o padrao de Cingapura e nao de uma nacfo que aspira o minimo de justi¢a social com democracia. Partindo do pressuposto de que as ZPEs ndo serao instru- mentos significativos de atragao de capitais internacionais, pelos motivos apontados acima, bem como de que o mercado nacional sera preservado da concorréncia danosa das firmas que nelas ve- 228 GEOGRAFIA: CONCEITOS E TEMAS nham a se instalar, o inico motivo que pode justificar sua implan- taco esta na possibilidade das empresas ja presentes no mercado doméstico operarem no mercado mundial sem restrigdes cambiais e tarifarias, o que significa na verdade concentrar os incentivos e subsidios fiscais e crediticios ja existentes para a exportacao, com o acréscimo da liberdade cambial, em um conjunto de pontos pri- vilegiados no territorio nacional (EGLER, 1989). Os 6nus e riscos da reducao do controle cambial séo muito grandes para a integridade do mercado doméstico e sua adogao deve ser criteriosamente avaliada. A unica possibilidade em que seria justificado seu emprego esta em importar processos produti- vos inteiros, em setores determinados pelas caracteristicas pecu- liares da estrutura industrial, com a finalidade de praticar uma forma de engenharia reversa em escala regional. Nestes casos, um criterioso ajuste deve ser realizado entre o setor publico e o priva- do, no sentido de que a regiao hospedeira esteja capacitada a ab- sorver e difundir tecnologia, 0 que significa investimentos n&o apenas em infra-estrutura e capacidade produtiva, mas principal- mente em servicos coletivos que garantam a capacitacao técnico- profissional da mAo-de-obra, o que envolve as diversas esferas de poder em uma divisao mais equanime dos encargos e atribui¢des relativas ao desenvolvimento regional. A Zona Franca de Manaus (ZFM), criada em 1957 e implanta- da em 1967, nio deve ser confundida com uma ZPE. Embora ambas estejam sujeitas a regime tarifario especial, a primeira é uma 4rea industrial e comercial orientada basicamente para 0 mercado doméstico e a segunda destina-se a operar preferencial- mente no mercado mundial. O modelo da 2FM esta sendo generali- zado para a regido Norte do pais com a recente criacdo das dreas de Livre Comércio de Tabatinga, Guajaré-Mirim, Paracaima, Bon- fim — em areas fronteirigas da Amazénia— e Macap4-Santana, no estado litoraneo do Amapa. A justificativa para esta generalizagao de areas tarifarias especiais na Amaz6nia reside em que a dificil QUESTAO REGIONAL E GESTAO DO TERRITORIO NO BRASIL 229 acessibilidade elimina a necessidade de controle aduaneiro. (BRA- SIL, 1992: 27). Na verdade, este controle jamais foi efetivo na regio e tais 4reas somente regularizam uma situacao que ja estava pre- sente na fronteira amazénica. Com a promulgacao da Nova Constituic¢ao, a Zona Franca de Manaus teve o seu prazo de operagdo prorrogado por mais 25 anos, embora isto nao a tenha livrado dos efeitos da politica de li- berag&o das importagées posta em pratica pelo Governo Collor. Na verdade, tanto uma zona franca, como uma zona de processa- mento de exportacGes s6 sao atrativas, do ponto de vista do inves- timento capitalista, se o restante do mercado doméstico permane- ce protegido. Sao as barreiras tarifarias e cambiais no mercado do- méstico que definem o nivel do incentivo implicito nas areas de livre-comércio. Isto é conhecido desde o mercantilismo, apesar da retérica neoliberal. No caso especifico de Manaus, a situag4o é complexa, pois embora 0 papel comercial tenha sido importante, a partir dos anos setenta — dadas as mudancas do segmento eletro-eletrénico em escala mundial, com a introdugao de semicondutores integrados — aatividade industrial na montagem de produtos eletrénicos de con- sumo e aparelhos 6ticos passou a concentrar-se fortemente na Zona Franca. E evidente que isto significou uma distor¢ao na confi- guracdo da estrutura produtiva do segmento eletro-eletr6nico no Brasil. Mais do que isso, este processo o distanciou fisica e tecnolo- gicamente do eixo principal do complexo metal-mec4nico, criando alguns problemas para sua reestruturacao produtiva. Apesar desta configuragao peculiar, as exigéncias quanto a indices crescentes de nacionalizacao e a busca de verticalizagao fizeram com que parcela significativa da indistria de componentes eletrénicos se deslocas- se para a regido, a0 mesmo tempo em que intensificavam os fluxos comerciais com 0 nticleo dinamico da economia nacional. A prolongada recess&o e 0 avanco japonés e coreano no mer- cado mundial de eletro-eletrénicos tiveram efeitos devastadores 230 GEOGRAFIA: CONCEITOS E TEMAS ndo apenas no Brasil, mas também em varios paises de economia avancada. Firmas consolidadas perderam fatias ponderaveis de seu mercado devido a agressividade da concorréncia em escala in- temacional. A estratégia das empresas lideres no setor tem sido de conglomeracao, diversificacéo e rapida expansao das dreas de mer- cado. No caso brasileiro, dadas as condigGes de formacao e matu- ragao do ramo eletro-eletrénico e as dificuldades de sua integracio com a industria automobilistica e de informatica — considerando aqui inclusive as propostas politicas de reserva do mercado domés- tico — deve-se ponderar cuidadosamente as medidas de politica econémica para o setor, j4 que néio envolvem apenas decisées quanto a competitividade do ramo industrial, mas também a forma territorial peculiar que assumiu o seu desenvolvimento no Brasil. E na Figura 1 que podem ser avaliadas as recentes medidas de elevar o imposto sobre produtos industrializados (IPI) sobre os eletro-eletrénicos produzidos fora da Zona Franca de Manaus, 0 que constitui uma forma curiosa e invertida de incentivo locacio- nal. Bem como sua peculiar posi¢o no mercado doméstico diante da revogacao das medidas que garantiam sua reserva para empre- sas nacionais de informatica. A enxurrada de pedidos de incenti- vos para a instalagdo de unidades fabris de computadores e perifé- ricos em Manaus nao pode ser dissociada de uma definicao mais precisa acerca da politica industrial para o setor, assim como da politica territorial de desenvolvimento para a Amazénia. Sao ambas faces da mesma moeda. Por final, 0 MERCOSUL (Mercado Comum do Sul) constitui um ambicioso projeto de integracao territorial, relativamente inde- pendente dos planos norte-americanos para a América ao sul do Equador, que se defronta com sérias dificuldades para sua efetiva implementacao. O Tratado de Assuncao (1991), firmado pelo Bra- sil, Argentina, Uruguai e Paraguai, prevé a criacéo de uma unido aduaneira que progressivamente se ajustaria na consolidagao de um mercado unificado, nos moldes adotados originalmente pelo QUESTAO REGIONAL E GESTAO DO TERRITORIO NO BRASIL 231 Tratado de Roma (1957) para a formac4o do Mercado Comum Europeu. O MERCOSUL e as ZPEs brasileiras

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