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re conpnignt Aaron Rieti apoio cultural da Braskem 5.A, ato Rvea conmtowt coma Turismo da Governo do Evtado da Bahia, t Cultura e eda Secretaria de nEvisdd José Carlos Sant’Anaa CAPA Folio Desig provera oRArICO Quarteto Editor piwaLtzagAo AretéProgramacio Visual HL. caTALOGAGAD WA FONTE rs DE LIVROS. Ri CIP BAAS pos EDITOR! SiNDICATO. WACIONAL Ragah 2. ed, Ristiio, Anténio. 1953- Bahia / Ant@nio Risério. Uma historia da cidade da 2. ed, Rio de Janenro Versal, 2004 Inctol bibliogeala igAth 89-89309-08-8 1, Bahia ~ Historia, 2, Salvador ( |, Thala. 04-2075. BA) — Historia, coo 901.42 cpu 94(813.8) 03.08. eee ag7204 Tedon os direitos desta te nt ra cos rah digdo reservados 4, Centra Fone Ouse tis 2461-050 fio de peels Yeiton (21) 22 niobate f 2239-4023 ONT ae Presidido pela mentalidade barroca, o século XVIl LAr Te ea a Cera Mec sen en aT | TR MHA CA UE CLT) CLR OT tase Mgt eats riqueza. Tempo das invasdes EUG set COPTIC Te Rn Ete ice rene CSI slice eats dos cantos do poeta-musico Set mE Cotte Ete ats eg talizando em divisas. Saqueada, invadida, SECC e tiers SES URN kee Tel CUTE ct medieval, feito de ruas tortuosas e EMEC et eae NTE gem da arquitetura e do espetaculo etl a red Carty atic CO Cel Teta itt ie PLS CM ice lege agricola CLT et scar Gay Ee comegaram a dar o ar de sua graga ASL Cee eae ME CEUs em Tete EE CM earth LUD oe ey) ee CIM Thord ey Tempo de festas OR a a Oy “Saag ANG YT XN NO MEIO DO REDE, lebre verso di tN ym pouco o céle re 0 poeta “metagy ’ podemos dizer que, a partir da chamada “Era gg Day john Dow ja mais ills NO planeta Terra. Nenhuma regis, Sty, iva do globo terrestre esta mais ity mentos mente Si ificatl ou economical sais dos séculos XV e XVI desmantelaram, = Ada \ agoes a ois Terrarum, que via o planeta como itr &, val ha da Terr provi incia que Deus dera 4 humani, dade ide mpreendendo a Europa, 4 Asia e a Africa, Pa explodiram esse quadro fechado, abrindo mares e clas Plog época em que os europeus dobram 0 Cabo date terras que info desvelar um continente - a Ama: + (Gnd Jobo. 4 {ndia, dao a volta 20 & chogarr Em pocas pala © planeta se planetariza. Fala Jaime Cortesig na sua Historia da Expansio Portuguesa i ‘earl espaye de iis séeuly gue decorrem entre o fim da Idade Média e 0 comego do Renascimeniy dir-se-ia que de stibito 05 Povos, durante milénios canfinados nos limites mais ou menos escassos dos seus quadros geogr ficos, se lancam por ma e terra, através de continentes e oceanos, renovando e alargando infinj. tamente o horizonte da vida". Ainda Cortesdo: “Aos portugueses cabe, pode-se afirmé-1o hoje, a gléria de haverem sido os principais animadores desse primeiro esfarco de unificacdo da Humanidade”. E toda uma nova Imagem do Mundo que comeca a se compor af, sob os signos de Colombo ede Copémico, Nasce, em suma, o “mundo modemno”. A Europa estende as suas teias em diregdo a todas as partes da Terra. Povos que nunca ct se visto entram em contato, Milhées de quilémetros quadrados s¢ nlegram 20 mercado mundial. As realidades da politica e da economia crim, em conseqiléncia, nexos ¢ vincul fronteiras. Sim no hé mais ninguém sor os que ultrapassam frontetras. ‘i “pltalcat’ de qual eg te oe am Peimelro momento © assim que uma ee Bahia nép poderia, evidentemente, ficar de for Bélgca e Holanda) terg oi a Espanha e os Pafses Baixos (atualmen® Pata eto una pn fepercussio no trépico baiand. entao se ma idéia da rede de impli i fonais configurara, Tees ESE implicag6es internaciona? européia entre batavos e ibéricos V4 eM guerras ho Atlanti ntico Sul, mobilizando energicamente a™ oceanicos zi horizontes. Esta ea M2 it a Uma Historia da Cidade da Bahia do grande ocean. Assim como irao atacar lugares como Itapa- aoe jtamaracs, n#o Brasil, os holandeses vio tomar o castelo-fortaleza fie8 ag de S80 Jorge da Mina, na Africa. Teremos Mauricio de Nassau ports m ocidental do Atlintico Sul e, em sua margem oriental, van fe en as coisas nao ficaram s6 ai. Em Angola, o antigo reino do ; Neneh em luta contra a dominagao portuguesa, levars a legendaria inha Nzinga a tecer aliancas com os holandeses, E também essa realidade ee gna val cruzar as extensdes atlanticas. Neste sentido, o célebre ge dos negros bantos em Palmares, nas Alagoas, deve ser visto « um desdobramento brasilico daquela guerra africana. Na viséo do oriador Roy Arthur Glasgow, em Nzinga - Resisténcia Africana a Jncestida do Colonialismo em Angola ~ 1582-1663, Palmares representou, go lado de ca do Atlantica, a continuidade da violéncia mbundo-iaga que eniao infemizava @ vida dos portugueses no Ndongo. Vamos clarear 0 quadro, No século XVI, os relacionamentos de Porttigal e da Espanha com os Patses Baixos se apresentavam de modos claramente distintos. Entre Portugal e Holanda, o que havia, desde os tempos medievais, era um comércio sempre em expansao, Comércio largo livre, Navios holandeses levavam para os portos lusitanos produtos de diversos pantos do continente europeu ~ trigo, peixe salgado, equipamentos niuticos, objetos de metal, Em troca, carregavam sal, vinho, especiariais asiaticas, drogas africanas, agdcar do Brasil. Eseencarregavam de distribuir esses produtos por toda a Europa. Era, enfim, uma relagdo vantajosa para ambasas partes. Quantoa Espanha, a situacao era bem outra, Nesse mesmo siculo XVI, os Paises Baixos eram um grupo de provincias que constituiam uma possessdo espanhola: as provincias meridionais, que hoje formam a Belgica; @ as setentrionais, ou nortistas, que sio a atual Holanda. Acontece que, em meados daquela centtria, os batavos se rebelaram contra o dominio espanhol. E as batalhas pipocaram. Felipe Il, rei da Espanha, jogou duro. Obteve a rendicdo e, mais que isso, a adesdo das provincias meridionais, Mas as provincias notlistas foram em frente, prosseguiram ™ luta, até proclamar a sua independéncia em 1581. A proclamacao independentista nao significou, todavia, o fim do conflito. A Espanha nao @reconheceu, E a guerra continuou, Ocorre que, em 1580, também Portugal passou para o dominio ‘spanhol, Em 1578, 6 jovem rei portugués D. Sebastiéo morreu na Africa, hist 113 Antonio Risérig nas proximidades de Alcacer Quibir, sem deixa ibéricas acabaram unidas em maos de Felipg Pi . Espanha se converteram, automitica e forsosai, Loge e mea Portugal. Desenhou-se, portanto, o fim do grande en, in; A Espanha impés uma politica de embargos holandeses, dificultando-Ihes 0 acesso a costa Iusj se exibia entéo como a maior poténcia comercia frota mercante inigualada na época, viu-se agsin, do circuito comercial altamente rentdvel do aguc: basicamente em Pernambuco e na Bahia. Mas é mio do negécio assim tao facilmente. O aciicar brasileiro era, aquela altura, uma dag economia flamenga. Um negocio no qual a burguesia holang 4 metida até a medula. Dinheiro flamengo financiarg naa Cy, implantagao da empresa agucareira no Brasil - em Beral, 5¢ ate c historiador pernambucano Gonsalves de Mello, “através de comere; ny portugueses (muitos dos quais cristaos-novos) de Viana do Gage Porto”. E aquele acucar, produzido nos trépicos, era tefinadg a distribuido pela - Holanda. Celso Furtado resumiu: com clareza a sin, “Co se tem em conta que os holandeses controlavam o transporte fincasy | parte do transporte entre o Brasil e Portugal), a refinacao ea comer, lizacio do produto, depreende-se que o negdcio do acticar era, na req}, dade, mais deles do que dos portugueses”. Impedida de ter ACESSO As fons produloras de agticar, a Holanda resolveu, entao, tomé-las. A mao armada, é claro, porque ndo haveria outro caminho. E, como os centros da producig acucareira estavam no Nordeste brasileiro, na Bahia e em Pernamburo, passamos a ficar, assim, na mira dos empresarios, dos militares e, sobretudo, dos canhées batavos. Mais cedo ou mais tarde, o fumo e 0 fogo da guerra chegariam até ns. Tivéramos j4 um primeira sinal de sua vinda em 1599, crepisculo do século XVI Mal entrado o século seguinte, vee um andncio mais sério. Em 1604, sob o comando de van Carden, holandeses bombardearam a Cidade da Bahia durante quarenta diss consecutivos, Do ponto de vista baiano, o bombardeio foi urn corte inespers¢® E dramitico. Uma torgio abrupta e brutal nas réseas expectativas 1° entdo reinavam, Como bem disse Thales de Azevedo, em S¢U livre SCog hy, * ile A Ho a ne Tun, ae s Ly Subitama, ye a Prasiloirg “Gh claro que njy i 14 od ee ad - Uma Histéria da Cidade da Bahia nento da Cidade do Salouitor, oséculo XVI encerrara-se sob as melhores _ oranges: Os ataques de ingleses e holandeses haviam sido rechacados, 1 opulagdo aumentava, © ee noites no Recéncavo, para lembrar uma fase 40 poeta Paulo Pres era Posstvel ouvir 0 agucar inchando nos caules das canas. oO ines) foi assim a nota dominante a entrada do eo século. Mas a alegria duroa pouco, ° ataque holandés de 1604 signi- ficou gastos © destruigao, dinheiro desviado da producio para a defesa, ngenhos incendiados. Quarenta dias de insénia, apreensao, desgaste, enormes prejuizos. , : De qualquer modo, veio em seguida a Trégua dos Doze Anos (1609- 1621), assinada entre a Espanha e os Paises Baixos, Com isso, 0 comércio juso-flamengo foi refazendo lagas € retomando o ritmo. Consta que, ao Jongo dessa suspensao das hostilidades batavo-espanholas, cerca de 50 mil caixas de acucar foram levadas, anualmente, do Brasil para a Holanda -e que a5 refinarias se encorparam em terras flamengas, concentrando- se, basicamente, em Amsterda. Mas ha que assinalar aqui uma diversidade de perspectivas. Se, para os baianos, o armisticio Tepresentou um alivio e 0° prosseguimento normal dos negécios, para os flamengos a trégua teve outro sentido, Aproveitaram-se eles do cessar-fogo para se enfronhar ainda mais no Brasil, ndo s6 através da realizagdo de operagdes comerciais, como avancando, até a intimidade, o conhecimento que j4 possufam da colénia agora espanhola, Vendo-se a salvo, pelo menos por uma duzia de anos, do perigo flamengo, a Cidade da Bahia e seu Recéncavo foram no entanto castigados, entre os anos de 1616 e 1617, pelo retorno das epidemias. Foi a vez do sarampao e a volta da velha variola, matando principalmente escravos. Escreve Thales de Azevedo: “Morreram também muitos mamelucos, mulatos e brancos nascidos na terra; $6 os estrangeiros eram poupados pela epidemia. A escravaria foi de tal modo dizimada que os engenhos Pararam de moer e muitos senhores empobreceram com a perda dos Negros e a cessacdo do fabrico”. Em resumo, com o canhoneio batavo, a dupla sarampao-bexiga e a perspectiva do fim da trégua hispanico- ‘lamenga, a prosperidade, que se anunciara em cores tao claras & passagem do século XVI para o XVII, parecia destinada a ndo encontrar espaco onde florescer, De fato, ndo encontraria. Pelo menos, a médio prazo. 1621, 410 que marcou o encerramento do armisticio entre espanhdis e flamengos, 115 Fe nl Antonio. Risérig foi também o ano da criagdo da Com anhia da organizagdo empresarial-militar dirigida Het ’ Africa e na América, Rapidamente yaj ganhandg a que nada poderia ser mais proveitoso, Para og intense” niga fy : ty, que a Companhia se lancar 4 conquista de territorigg , S da i Fig achava, uma vez mais, na mira dos flamengos, Afinal : asi) att colonial, em posigao geografica privilegiada, centro ao CStaye Bay, acucareiro e provavel base para futuras investidas em . 80 Regs Py Brasil. tra, O projeto da invasao foi elaborado com Cuidado eg preparativos comecaram de imediato. Em Segredo, Bg ae armacdo de uma grande esquadra, com vinte e seis naviog ta is bocas de fogo e mais de trés mil homens. No comando, Jaco, a Nia, Pieter Heyn, 0 “Terror dos Mares”. A bordo, Johan van Dorth, dant como primeiro gavernador holandés no Brasil. Eassim,no més de deen do ano de 1623, a esquadra holandesa saiu Para o m; "ab contra as ondas, em diregio 4 cobigada Bahia de Todos os. Soa IS Teg Ny ar Oceano, ORETORNO DOS FLAMENGos “Efoitala tempestade de fogo e ferro, tal o estrondo e 4 confusig, que 4 muitos, principalmente aos Pouco experimentados, causou pertur. bagio e espanto, porque, por uma parte os muitos relampagos fuzilando feriam os olhos, e coma Nuvem espessa do fumo nao havia quem se visse; Por oulra, continuo trovéo da artilharia tolhia o uso das linguas e orelhas, & tudo junto, de mistura com as trombetas e mais instrumentos bélicos, era terror a muitos ¢ confusio a todos”. Assim Antonio Vieira, que ainda fazia o seu noviciado, descreveu que viu - €0 seu primeiro texto conhecido, um relatério sobre os jesultas no Brasil em 1624-1625, escrito quando o futuro pregador contava com @penas 18 anos de idade. No dia 8 de maio, a esquadra holandesa rote diante da Bahia de Todos os Santo: , visivel para quem se uae Segundo Vieira, suas “trombetas bastardas” . Em terra firme, a Pi se “Publicando o sangue”. aie : “Orrerias desencontradas, falta de coma! 116 y Uma Histéria ga Cidade da Bahia sentendimentos, oe Ea esquadra se *proximando, inexordvel. Na drugada do dia seguinte, alguns navios canhonearam Giforts da -velha ponta do pa para em seguida desembarcar mil soldados na enseada da Barra. Simultaneamente, outras. embarcacdes, tendo entrado ja nas aguas da propria bala, bombardeavam o centro da cidade. Ao pér-do-sol, rasores chegavam a Sao Bento, Aqui e ali, alguma resisténcia, mas os inv . Troe preve € leve. Com a noite, 0 siléncio, Na Cidade deserta, a respiragdo que ge ouvia era holandesa. Na verdade, © governador Diogo de Mendonca Furtado, cercado de alguns ausliares; Permanecera em seu posto, (‘D, Diogo nao me chamo/ E nem assim me chamara/ Se este fogo de loucura / Nao me es- praseassea cara” - rende-lhe homenagem, séculos depois, a poetisa Myriam Fraga, num dos poemas que dedica ao tema das. invasdes holandesas, em seu livro Sesmaria). Além desse grupelho de autoridades, restaram perambulando, pelas Tuas apertadas ¢ escuras de Salvador, apenas uns poucos escravos africanos e indios Catequizados, Gente que ndo tinha nada a perder, como se diz. Preso, Mendonca Furtado foi remetido para a Holanda. Era a manha do dia 10 de maio, E imediatamente comecou a farta da soldadesca, o saque da Cidade da Bahia pelas tropas batavas. Em primeiro lugar, a procura de caixas de acticar pata enviar 4 Holanda. Mas logo objetos de ouro ou de prata, pecas de arte sacra, coisas preciosas ou deluxo, enfim, tudo que tivesse valor era acambarcado pelos flamengos. Em sua Relagao da Conquista e Perda da Cidade do Salvador pelos Holandeses em 1624-1625, Johann Gregor Aldenburgk, testemunha dos fatos entao ocorridos, informa: “Na mencionada cidade de S, [sic] Salvador ndo encontramos outra gente sendo negros, mas grandes riquezas em pedras preciosas, prata, ouro, mbar, muscada, bélsamo, veludo, sedas, tecidos de ouro e prata, cordovao, acticar, conservas, especiarias, fumo, vinho de Espanha ede Portugal, vinho das Canérias, vinho tinto de Palma, excelentes cordiais, frutas e bebidas, com o que muito nos maravilhamos, ¢ alguns soldados denominaram a terra de "batdvica’; no tardou em comecar 0 jogo do @ vous, d moi, dividindo-se 0 ouro ea prata em chapéus, ¢havendo quem arriscasse numa carta trezentos ¢ quatrocentos florins”. Sem maior demora, um iate foi despachado para a Holanda, “a fim de Clentificar aos Senhores dos Estados Gerais e ao Principe Mauricio de Be do assédio e da conquista da cidade de S. Salvador”. Era o iate d 17 a evande “farto carregamento de z de quatro navios csr belas 2 andesas. En fim, a Cidaqe ae Hiatt As:suee pom aa Bayh sao Bento passoul a se chamar Bee ae cap tropa comandada pelo capitao En de fg, Roy" do Carmo recebeu a denomina ANS von ch, . agem-referéncia a um outro eee) de pt baiana desertora ia se agrupando ii lag omodaram-se como pu iapaiee Vizing, aldeias de indies, debaixo de Arvores, ao céu abet gen de Abreu, para em seguida comentar - ele < omo foi dificil sustentar & conter esta multidao, S Drivacs * alquer sorte; havia que se dar um minimo aoe be as pessoas € 45 gas. E tentar a reconquista da cidade. O my i entio escolhido para ser a base das operacées milit do R, Nao se sabe bem comor mas © posto de a o bispo Marcos Teixeira, religioso ane ar o préximo para o outro miunda: Bal ‘uta ue partira I foi a ve terras hol atrole batavo- Rapes? 4 Ent seguid paianas para sob cor totalmente 3 nomes. # Porta de guarnecidl im come 4 Jd, em honen pulagao "Og fugitives ac ser as Bastefe da cidade. proximo=, Capis trano passaram ec inaginar” De qu Vermelho fo! a antibatava. ficando com n despach resisténcl mor acabou hesitava muito ef comegou. Podemos dizer que Como nao hal, a opeao foi c Je circulasse pela regido para reno ‘ de guerra extraiu sua Virtude fogo para a orquestracao de Manter o invasor sitiado, var seus mantimentss toriador, conseguir a adesdo dos escravos, lidade do senhor, pois o cativeiro i Vicente do Salvador, que ° da necessidade- havia poder de uma ofensiva glo ercar a cidade. impedindo que € ou mesm como lembrou un his ja que para estes era indiferente a naciona prosseguirta do mesmo jeito. A propésito, fre foi prisioneiro dos holandeses nessa época, fala de “negros de Guiné que = eae = : se metido” - ¢ cita 0 — de um escravo que ‘eae sas ricseeat je para, com a ajuda the outros negros ede ete senhor. A Pas paatids ds conten the 5 jogassem per conta prépria, a fim de tirar De qual } ibero-batavo, era, portanto, real. LJ seiscentista Ses . bom frisar uma coisa. Ness guera negros brigando tant o da Cidade da Bahia, vamos encon®% indios ¢ ‘0 ao lado de lusos e espanhdis quanto ao lado dos 118 y- Uma Histéria da Cidade da Bahia potaves Aldenburgk fala, Por exemplo, que intimeros holandeses cairam mortalmente feridos pelas “flechas ervadas” dos indios. Mas para, adiante, peferit-S2 A008 goelvapens Aces Pescadores”. Do mesmo modo, muitos retos s¢ engajaram nas fileiras de Portugal e Espanha. Mas outros tantos ge alistaram entre as falanges flamengas. Ainda Aldenburgk: “Como iessem ter conosco muitos escrayos e Negros cativos dos Pportugueses, foram alguns destinados a trabalhar, e Outros, armados de arcos, flechas, yelhas espadas espanholas, rodelas, piques e sabres de abordagem, se organizaram numa companhia de Negros, para capitéo da qual foi escolnido um deles préprios, chamado Francisco, O seu tambor, quando tinha de tocar a reunir, tomava dum duplo chocalho de carneiro e batia nele com um pau. Esta companhia nao apresentava grande préstimo para §9, mostrar os passos, e combater; mas servia para espreitar 0 inimi transportar os soldados contundidos, feridos ou Mortos; também ndo era posstvel manté-los em ordem, pois corriam uns pelos outros, inteiramente nus, e, quando se abeiravam do inimigo, manifestavam-se por estranhos saltos e gritos”. O destino desse Preto Francisco é, alids, conhecido, Cessada a luta, com a Tendigao dos invasores, companheiros foram enforcados pelos lusitanos. como porcos, ele e seus Mas vamos adiante. A tatica da guerra anti-holandesa também foi ditada pela necessidade. Os baianos nao contavam com armas pesadas, de razodvel poder destrutivo. Havia falta - ©, em seguida, inexisténcia - de pélvora. Restavam os recursos “A arma branca, a flecha, ao combate singular, 4 tocaia” (Capistrano), Partiu-se entdo para a guerra de guerrilhas, com a sua tfpica estrutura mével, aberta. Eram vinte e sete grupos guerrilheiros, as companhias-de-emboscadas, cada qual com o seu capitao €umas poucas dezenas de homens. Esses grupos funcionavam na base do ataque-relampago, da surpresa guerrilheira, realizando investidas em Pontos diversos da Cidade do Salvador e cercanias, Ataques quase sempre exitosos, alids, Ainda Myriam Fraga, poetizando: Agora que tudo é claro, Que a Iuz do sol nada esconde, Mergulho os olhos no escuro Livro do tentpo passado. ng Antonio Risério Eéitudo um jogo moniado O peiio com seu cavato, Un rei ent xeque no mapa Euma torre decepada, O bispo com seu remorso, O soldade com seu medo, D. Diogo prisioneiro Ea cidade conquistada, Agora nant risco na areiat E ume espada no chao. ‘Asserttados no Consellio, Obispo por capita, "Da nossa fraqueza, forga. Teceremos a viloria Com fios de asticia e sangue, De emboscada e de surpresa, Por eaminhos que nao veja Oinimigo, E nem se atreva Sern tema escolta de medo Aléni das portas pisar’. Na boca cornas de prata Sopram fitria nos ovtaidos, Som potas de cavalo, Rasteja um compo no escura Enasombrado caminha Otho do hacamarte Pupita de chute, frig, Espreita a. morte que passa. Uma Historia da Cidade da Bahia Pela noite da emboscada Maduro 0 sol da Suerrilha Sobre a coragem: se abria, Luis Henrique Dias Tavares conta alguma coisa dessas surtidas da errilha baiana: “Por vezes, ' chegavam até o Carmo; outras vezes, até Agua de Meninos. Certa feita, em julho, nas proximidades do forte de Sao Felipe, 0 capitéo de emboscada Francisco Padilha surpreendeu um grupo de holandeses, no qual estava Johan van Dorth. Atacando-os com os seus homens, matou 0 governador. De outra, os capities Afonso Rodrigues Adorno e Pero do Campo desembarcaram na ilha de Itaparica etomaram armas ¢ pequenas embarcacdes aos holandeses, que ali haviam instalado o matadouro. Ainda em outra ocasiao, Padilha e os capitaes Anténio de Morais, Francisco Brandao e Anténio Machado saltearam uma companhia holandesa, matando 45 soldados, dentre os quais 0 coronel Albert Schouten, sucessor de van Dorth no governo”, Ojé citado holandés Johann Gregor Aldenburgk narra nos seguin- tes termos a morte do seu general van Dorth (que parece ter servido, ao menos parcialmente, de pasto para canibais) pelos guerrilheiros da Bahia: “Logo também apresentou-se 0 inimigo, com grande forga, junto a porta de Bastefeld [Carmo], pelo que saiu ao seu encontro o Sr, van Dorth, com duzentos homens, metade dos quais, armados de escopetas pistolas, a servir como arcabuzeiros a cavalo, e a outra metade de mosqueteiros. Quando, porém, o Sr. General, que cavalgava na frente, A espreita do ini- migo, acompanhado apenas de um tambor e de um ordenanca, adiantou- se demais por estreita vereda, cheia de mato, na qual era impossivel fazer meia-volta, foi ali, afastado do grosso da tropa, surpreendido pelos indios selvagens, portugueses e pretos, e ferido, bem como seu cavalo, de muitas flechas ervadas. © mesmo sucedeu ao tambor, em cujo corpo se fincou uma flecha, tendo entdo a ordenanga trazido a noticia A nossa gente, gritando que se apressasse, e exclamando: ‘O general est4 morto’. Avanca- Mos rapidamente, carregando contra o inimigo, que, por sua vez, feriu Tiuitos dos nossos, e achamos primeiro o cavalo do Sr. General, cafdo e ricado de flechas, e logo adiante o corpo e a cabega do nosso chefe, que arrancamos aos desumanos e satdnicos selvagens, j4 ambas aquelas partes Tutiladas, com falta dos narizes, orelhas, maos e outras porgdes mais 121 Antonio Risério < que, ou os portugueses Sorat ies Brande a pamento, ou os selvagens devorai e xemos dade a aan, 4 maior tristeza, 0 corpo e a cabega 0 nosso 8eneral, dois a eis sepultamos o seu cadaver, no chao da iereja nova [a $6, cy “8 em contraste com a da Ajuda, também conhecida como a referéncia a sua primitiva cobertura], salvando nessa Oca: em derredor da muralha e a de todos os navios' 4 Prossigamos. Em setembro, 0 capitéo-mor Francisco Nunes nho veio de Pemambuco para assumir 0 comando das OPeracdes companhias guerrilheiras avancavam, cutucavam o cao flamen, oh vara curta, ousando cada vez mais para dentro do sitio Sitiado, Faiscavan em ataques de surpresa na Vila Velha, na Graga, na estrada da Vitgy; em Sao Bento. Enquanto isso, os holandeses iam conhecendo a Paralisia¢ divergéncias internas. Nao era para menos. Estavam obrigados 4 permanecer dentro dos limites de um lugar vazio, uma espécie de Cidade. fantasma, sem vida, onde a qualquer momento podiam ser flechados Pelo corisco de um golpe da guerrilha, Mantinham-se ali, na verd, jade, por conta de sua supremacia naval ~ a armada de Willekens e Heyn dominando amplamente as dguas da grande e calma baia. Em dezembro, ostentando 0 vistoso titulo de “capitao- céncavo”, chegou Francisco de Moura, antigo governador de Cabo Verde, trazendo com ele a informagiode que uma esquadra luso-espanhola estava a caminho da Bahia de Todos os Santos. Bem, ndo era simplesmente uma esquadra, mas uma Superesquadra, com nada menos que 52 navios e 12 mil homens armados, do de Fradique Toledo Osério. O que da invasio da Cidade da Bahia chegou 4 Peninsula Ibérica, provocoy uma espécie de onda patriética em meio a nobreza. Foi a chamada “Jornada dos Vassalos”, de entusiasmo quase cruzadista. Formou-se entdo essa esquadra admiravel - “a maior que até entdo cruzara o Equador’, Segundo o historiador pernambucano J. A- Gonsalves de Mello, emo Donitnio Holandés ng Bahia e no Nordeste, estudo inclufdo na ja citada Histérie Cerat dq Cilizaga ae 1 A viagem foi rapj é 680 Brasileira scta ee ! Tapia, No dia 27 de mar fizeram visiveis, tingindo a Paisage '€0, Suas velas se fi mente encantado com a a, ™ bajana, Se agora certamente se ent tri Tiunfo in Para a Cida ada Séde Pal a Sido a atte ‘mor do Re- sob 0 coman aconteceu foi que, quando a noticia : © adolescente Vieira ficara visual- Parigto da frota fla f imen; i 24, ele Tegaria, Plasticam, Be mumalo de a6 ente seduzido, a contemplagao a Uma Histéria da Cidade da Bahia ovimentos da armada ibérica. N; 5 me a descrica i Vi dos dra foi se movendo até forma: spo fei Vicente a poderosa rum i Site seus navios em oh as embarcagdes ae oe mae oe a : parcando- Houve reacdo. Combates sangrentos, Quase y Pain rados, soldados holandeses foram ao ponto de j s ae ee of roprio comandante ~ Aquela altura, o coronel Amt sai, ‘Eee Slt nossos diariamente e desejavam com ansiedade, Q e um assalto geral, no qual acabassemos to pee w al, ual acabé, todi Ss os, escre F denbureks dando a midday de tal desespero. Soldados holandeses ch adecidir se entrincheirar em seu préprio paiol, dispostos a = See onde fosse possivel, quando entao langariam fogo a pélvora-“e eee. todos pelos ares’. Mas os portugueses e espanhdis nao empreenderam o sterrivel assalto”. Preferiram parlamentar. Até que, no relato de Dias Tavares, “0 iltimo comandante holandés na Bahia, Hans Ernest Kijff, final reconheceu a derrota e solicitou os termos da rendicio, que aan aceitos € assinados na sacristia do convento do Carmo, no dia 30 de abril”. ‘Assim, no primeiro dia de maio de 1625, a Cidade da Bahia estava livre daquele pesadelo. Depois de um ano de ocupagao flamenga, seria aquelaa hora de reatar os processos, retomar os fios da meada, reconstruir ascoisas. Mas af veio a segunda parte da histéria. Os soldados da armada libertadora passaram a se comportar como se fossem invasores, ocupantes de uma cidade inimiga. Pintaram e bordaram em Salvador, promovendo saques € badernas. Como se fosse pouco, Toledo Osério partiu para a Europa deixando aqui uma guarnicao de mil soldados, com o propésito de defender a praca baiana. Nada poderia ter sido mais desastroso. Além de ter que pagar pesados tributos para sustentar a tropa desordeira, os teianos tiveram que engolir a seco 0 po que o deménio esmagou. Thales de Azevedo sintetizou a situacdo: “...aos estragos e mortes, ao saque ¢ a destruicio resultantes da luta contra os batavos, nao tardaram a sobrepor- sa pilhagem, o incéndio, os assassinios perpetrados pela soldadesca espanhola, A Bahia ficou reduzida a extrema miséria. Da metade do casario ue testava, a tropa de ocupagéo arrancou até as fechaduras das portas. : = fugira, os canaviais haviam sido incendiados, os engenhos ados. Pobres e ricos padeciam as mesmas misérias”. “Espera- 13 Antonio Risério a 0s holandeses, por S48 ae ee expulsos, mas , ; jo. Para a Companhia das Indias Ocidentais, era vita) , — "ig Bahia de Todos os Santos € seu Recéncavo, "Ske ena logo nos assenhorearfamos do Brasi! iniees Bay historlador seiscentista holandés Caspar Barleus, em sua Historia ea, Recentemente Praticados durante Oito Anos no Brasil. E as investide seguiram. Em margo ¢ maio de 1627, por exemplo, Pieter Heyn - navios na enseada da Ribeira e engenhos nas a Holanda ocupou Olinda, a Bahia nao fie tro de apoio a luta pela libertacao de Pem Hl latério do conselheiro Adin desistid da regio da ao nosso poder, carga, saqueando Recdncavo. Depois que de foco. Convertera-sé emcen buco. E, assim, yoltou a ser atacada. No rel yan der Dussen, apresentado a0 parlamento holandés e A diretoria g, Companhia das {ndias Ocidentais, lé-se: “Gabemos que a Bahia € de tog, as cousas a mais hostil, tal qual unha doente num corpo sadio. Ela dts a terra com saqueadores € 0 mar com os seus navios, o que lhe é facil em razdo dos portos e bafas acessiveis a ela em toda a parte. Por consequiinca ficando de pé esta Cartago, nao haveremos de ter nenhum descanso de guerrear. Precisamos de pdr este remate a tantos triunfos; cumpre aos aliados expugnar este antro de Caco [ladrao mitolégico morto por Hércules] e este valhacouto de vagabundos. Nisto estard © dpice e o prin. cipal de toclos os labores nossos”. Nao admira, pois, que em 1638 0 proprio Nassau tenha tentado tomar a regio, Sabedor das disputas entre governo e comando militar na Bahia, Nassau imaginou se beneficiar dessas dis- sengdes. Achou que, diante de um ataque pesado, as forcas baianas se mostrariam algo divididas e, logo, hesitantes. Estava bem informado o principe. Mas calculou mal a reagdo baiana - e errou o bote. Em vez de atacar coracio da cidade, Nassau resolyeu desembarcar na enseada da Ribeira, acampando os seus soldados na peninsula itapagipana Contava, ban com as citadas divergéncias internas. Infelizmente para ele, 08 Ml Se uniram, is = bloqueando eo ee on direcdo ao alto da Soledade. Tentou ro: lan 2 Além do Carmo. Sem sucesso. Vente © cerco por Santo Ant6nio retirada na madrugada do dia 26 de maio oo ee principe Mauricio de 124 > <-_ Uma Histéria da Cidade da Bahia Vimos, antes, trecho da “Carta Anua’ dos jesuitas, neira. Foi a sua impressao da primeira investida batava. Mas oan tanto fogo por aqui, que Vieira, ja padre ¢ lO alguns SIDES 40 assunto, jéias admirdveis da lingua portu- esa, como 0 Sermio de Santo Anténio, i Q Sermao da Visitacto de Nossa Senhora a Satta Isabel ou 0 Sermo de Santa Cruz. Foram anos de brilhante oratria antibatava. Mas o mais célebre desses: SermGes ficou sendo o Sermio wo Bott Sucesso das ee de Portugal contra as de Holanda, E um texto esplendido, Vido na Igreja de Nossa Senhora da Ajuda da Cidade da Bahia, an 1640. Nele, Vieira encara ninguém menos que o proprio Deus - e o faz +mnais protestando que orando”, pedindo-lhe contas pelas derrotas lusi- tanas diante de “inimigos da fé" (os flamengos eram calvinistas), j4 que os holandeses continuavam firmes nas terras de Pernambuco e dali amea- vam a Bahia. Tedigida por os flamengos pregador, acabou Em cena, nesses serm6es, o nacionalismo mistico de Vieira. Ele Portugal como um instrumento de Deus. E é assim que fala das obras maravilhosas, das vit6rias contra “nacdes barbaras”, que a onipoténcia divina realizou “por meio dos portugueses”. Mas, diante dos triunfos holandeses em Pernambuco, Vieira vé “tudo isto tio trocado”, que parece que Deus abandonou 0 seu Povo: “j4 nado ides diante das nossas bandeiras, nem capitaneais 05 nossos exércitos”. Como 0 povo portugués pode perder fazendas, vidas e honra, sofrendo as mos cruéis da “desuma- nidade herética”, se ele 6 0 povo da fé, a gente de Deus, 0 povo eleito? “O reino de Portugal, como o mesmo Deus nos declarou na sua fundacdo, é reino seu ¢ nao nosso”, frisa o pregador, num tom que repercutira fundamente na cultura portuguesa, para atingir em cheio, no futuro, a alma de um Fernando Pessoa. E é por isso que ele, Vieira, investe “piedosamente atrevido” contra Deus, cobrando-lhe a razio do seu descaso, E um sermao ousado, original, aquele pregado “pelo bom sucesso das armas de Portugal”. Nele, Vieira diz que, ainda que sejam os Portugueses os pecadores, Deus é que haveré de ser o arrependido, De tetto modo, Vieira se coloca no lugar de Moisés e identifica 0 povo tae. a9 povo de Israel. A referéncia é a passagem biblica em que se fala do ” : bezerro de ouro”, quando Deus se enfurece com os judeus, 15 Antonio Risério. % ameagando destrui-los, e Moisés o contesta, arrazoa vida de seu pove. Vieira fala desse mesmo lugar, Sai &M dey sobre os motivos que 0 fizeram voltar a sua ira contra : eunlandy cS 4 o povo de Portugal, ao qual escolhera (este é 0 verbo i TOprig pregador: escolher) “entre todas as nagdes do mundo para 3 Tega, ae da vossa Fé”. Teria Deus virado batavo? Bem, o que eae stag, hb para Vieira, eram a honra e a gléria de Deus, da fe ee jogo : encamada nos portugueses. Eo que Vieira quer é que Deus es Toman barate as armadas holandesas, que despeje doencas e pestes ae i ive o“herege torpe e brutal”. Enfim, que Deus entre na Buena age ae que vi nhor dos exércitos? nio era ele o rei dos Teis, 0 Se A resposta divina demorou um pouco. Naquele mesmo 1640, alids, partira para a Bahia uma expedic4o com vinte naus ¢ ae de e quinhentos homens. “Desembarcando ali os soldados, deram om horrendas do seu furor bélico. Reduziram a cinzas todos os engenhos portugueses, menos trés; lomaram ou queimaram quantos navios peed encontraram aqui ¢ acolé; devastaram e depredaram, a vista dos cidadios, as lavouras circunvizinhas, os casais, granjas é prédios. A ilha de Itaparica e outras foram inteiramente postas a saque, para nao se mencionarem outros danos, porquanto em parte alguma estorvou ou sustentou 0 inimigo a nossa violéncia”, relata o holandés Barleus. Era a estratégia da terra arrasada. “Trucidavam-se a ferro os homens ¢ 0s que podiam pegar em armas”. Em fevereiro de 1647, novo massacre em Itaparica, coma infantaria holandesa sob o comando de van Schkoppe ~ ofensiva que, séculos mais tarde, nos daria as maravilhosas primeiras paginas do romance Vina o Peve Brasileiro, de Joao Ubaldo Ribeiro, obra que tem. como uma de suas matrizes fundamentais, 0 sermondrio vieiriano. Mas © fato 6 que, s6 em meados da década de 1650, os holandeses assinariam 4 sua rendigdo. PAISAGEM DA RESTAURAGAO ; ‘ern? Com a Espanha vivenda dias de funda crise econémica © 0B ee f de Madri inteiramente concentrado na luta para derrotar 4 sublevas4 separatista da Catalunha, a nobreza portuguesa mergulhou fundo —_— 126 ~~) <2) —— Uma Historia da Cidade da Bahia onspiragao: estava na hora de libertay Pon A hecido. Em 1640, Portugal Tecuperou a Z dependente da monarquia castelhana, eam D. Joao IV, duque de Braganca, subi No plano internacional, algumas Coisas fj : confusas. A Holanda investira contra © Brasil tado, como colénia portuguesa, seria natural que, na nov; i tugal. © desfecho da historia Sua autonom; ica. Fi = momia politica, Ficou ka | amada “Ri estauracao” ndo a0 trono lusitan, i orientou 4 sua polftica externa no Sentido de estabe! holandeses. Mas nada poderia ser muito simples, Aq e batavos achavam-se engajados, no quadro das disputas coloniais, Como obsery, paz imediata com a Holanda Significaria para os holandeses Tenunciar a sua politica de conquista na Asia e no Atlantica”, No que nos diz Tespeito mais de perto, 0 processo atlantico {4 tinha adquirido uma légica propria A Companhia das Indias Ocidentais considerava que a Paz era “nociva” para os seus interesses. Nassau atacou a Cidade de Luanda, em, Angola. No Brasil, anexou 0 Maranho aos seus dominios. E assim a luta prosse- guiria até a rendicdo final dos holandeses, em 1654, Diz F. A. de Varnhagen, €m sua Histéria Geral do Brasil, que a aclamagdo de D. Jodo IV fez-se com “felicidade andloga” por todas as tegiées do Brasil que nao se achavam submetidas ao dominio batavo, Evidéncias inclicam, todavia, que a Restauracao nao chegou a ser recebida com foguetério em certos circulos da elite politico-administrativa colonial, No Rio de Janeiro, Por exemplo, houve a hesitacdo do governador local, Salvador Correia de $4, que, ligado aos espanhtis, ficou sem saber o que fazer ao receber a noticia da independéncia portuguesa. Mas acabou °ptando por reconhecer 0 fate e permanecer no cargo, A esse respeito, aliés, os historiadores Mello @ Bandeira perguntam e respondem com todas as letras: “CQ que dizer, porém, da maneira como essa restauracdo reper- Sulit no Brasil? Atode simples protocolo, ondese vé claramente um aspecto indamental: 9 Cuidado das autoridades coloniais em ndo pesuereny ° Posto”. A Bahia €ra governada, na época, pelo Marqués de Montalvao, "9350 primeiro Vice-rei, que, na conta curiosa de Vilhena, “governou ‘ou Oliveira Marques, “a lay Aatenio Risério um ano menos um més, e catorze dias” Re ce 1 de p.: Seu titulo de “vice-rei” fora dado, claro aig Ah Pelos Ay abril de 1441. an ee vi é inda segundo ihe: is 1S aviaram até 65, 2! i ilhena, “para = Pan, h rear ett r No processo da Restauragado, sua mulher @ se nte europeu, optaram pelo partido de cee filo,” oy rqués como exemplo tfpico de tela, py We PERO ag : ad, ar da deposigdo de um reinado. A reacdo da =u i Bi Ori viva o rei. E isso exatamente 9 que oe * itap, unicamente que o€! holandeses’ viviam 10 contine! e Bandeira tomam 0 mai naquela conjuntura: “4 noticia recebida por Montalvio ¢ de um reine € simples. Rei morto, rei posto, 95 seus interesseS imediatos". ‘As coisas, no entanto, podem ter sido mais complexas, jy * MUitys telhanos se achavam, naquele momento, na Cidade aa ahi, soldados cas! Ehd quem considere que o vice-rel agiu com “argticia”, a fim de co, sem tumultoaaclamagao baiana de D. Joao IV. Além disso, existem not; fn! Stag e Montalvo batalhou pela adesao de outros, despachando Emissriog istas e mesmo para Mauricio de Nassau, na esperanc, de reintegrar Pernambuco a0 dominio lusitano, ja que os portuguese, acreditaram, naquela conjuntura, que a paz com a Holanda serig estabelecida de imediato. O certo é que, no dia 27 de fevereiro de 1641, uma comissao nomeada pelo vice-rei (da qual faziam parte os jesuitas Simio de Vasconcellos ¢ Antonio Vieira) partiu da Bahia para Lisboa, Jevando a mensagem da fidelidade baiana a D. Jodo IV, Mesmo assim, perdurou o medo de que Montalvo traisse Portugal, optando pela dominacio espanhola. Quem desempenhou um Restauragdo, foi o padre Antonio Vieira, que por sia ira do Tribunal do Santo Officio, adversdrio tenaz da autonomia Jusitana, Mas a ago de Vieira nao se dew no interior dos limites colonials, esim no proprio coragdo do reing. Em 1641, ele partiu da Bahia pat Lisboa, onde foi recebido por D. Jofio IV, de quem logo 5€ tornaria conselheiro proximo e influente, Entre outras coisas, Vieira foi entéo nrnenc “pregador régio”, tomou-se embaixador extraordindrio do em missées diplomaticas em Paris ¢ Haia (onde tentou estabelecer ape a c holandeses)¢ redigiu a sua “Proposta” ao rei acerca dan idade le readmitir no reino os judeus de origem portuguesa que se achavam espalhados pelo mundo. Mas falaremos disso pe de qui para capitanias sul papel fundamental, no contexto da isso mesmo atraiu para 1B — A Cidade da B, ahia @ Ox, obviamente ey ™MPenhados na com as ofensivas Predatoriag todo modo, a Tegiao Nao ava Recéncavo ampliar og Seus, ip onde abrigar os seus hal itantes, ja Parte pelos holandeses Ou se onvertery em alojam, caso, era uma cidade que ja se Consolig: T, com g comércis nae *@y 8 Zona TeSidenciay imy Erejas, © Um guin Aste ou grag azZendo 4 praia eg cume da €scarpa, Mas eta, Sobretudo, uma cidade Que angi Coma proclamacio de D. Joao ry COMO rej no horizonte era o advento de um t liberdade para 0s portugueses g pudesse refazer a la em ruina”, como vendo em sua Parte bai: mente Com palacios e de mereadorias entre ada, €Screvey Affonso Administrativa dq Cidade do g ©M sua His alvador, © de acontecer. Na obsery, que, em Tealidade ‘ago do histotiadoy Russell- Wood, i Bahia e 0 Recdncayo conheceriam a Sua “j 1650 e 1700, come a “s sexuais masculinos ou 1ém disso, cuidava femini © @ conjuncao anal heterosexual. Al eMininos e mesm« : isdo & pena de morte, da censura de livros. E suas sentencas iam da Pee pel infratores do eédigo isco dos bens dos infra! inagdo do confisco Passando pela determinac: inquisitorial, 129 Antonio Risério Os eristiias NOVOS (ou a “gente de naco”, come _ em sua maior parte, descendentes de judeus since, convertidos 20 Catolicismo - eram © alvo principal dos jn, Portugal jamals possuira qualquer legislacag eons ir dai, da segunda metade do século XVI, Conan: Ay eacaga ao Judaismo. Ainda no século x wat Maria José Ferro Tavares, em Os Judens v, Port, + Deseobrimentos, uma espécie de “el dorado para os judeus vi be Este é, entre oulras coisas, o perfodo em que se ergue a sinagy I SUlateys Tomar, a0 pé do célebre castelo da Ordem de Cristo, ¢ em qu Big é "judiarias” de Lisboa, do Porto, de Evora, de Santarém. Assim a a foi que, nos dltimos anos da centiria de quatrocentos, “Portugal nad seo centro da cultura dos judeus da Peninsula”, OMoy, Ao mesmo tempo, a intolerancia foi também se desenvolveng pouco ¢ pouco, Tumo 20 desfecho de 1496, quando D. Manoel, para ee a se casar com a princesa Isabel, filha dos “Reis Catdlicos” e herdeizg [ Es , teve que expulsar formalmente os judeus do territério 2 2 ua ans ue para manter a minoria judaica, see mulando a conversio & recorrendo ao expediente do batismo computsiria . Mas se 0 “Venturoso” era contraditério, expulsando judeus em ito de uma clausula do seu contrato nupcial, D. Jodo JU, um fandtico religioso, era claro. Foi ele quem pediu ao papa a licenca para organizar a Inquisi¢ao em Portugal. E o tempo fechou. Entre 1541, ano do primeiro “auto-de-fé", e 1684, a Inquisigaoe queimou cerca de mile quatrocentas pessoas ¢m Portugal. Algumas, por feitigaria; outras, por “depravacao". Mas a maior parte dos que morreram nas fogueiras inquisi- toriais lusitanas era formada por individuos acusados de Judaismo. “No século XVII, tanto a Espanha como Portugal se acham domi- nados pela verdadeira obsessao da idéia de pureza de sangue”, assinala Anita Novinsky (em Cristios Novos a Bahia), que localiza exatamente at o primeiro exemplo, na Histéria, de um racismo organizado”. F 0 circulo | repressor se aperta em tomno das cristdios novos, gente de sangue impure Perseguigio. Ainda Novinsky: “Resumindo, temos os cristaos novos nm século XVII impedidos de ingressar na carreira eclesidstica, de ocupa! cargo da Justica ou Fazenda. Desde o ano de 1898 nao podiam desempenhar fungBes publicas na fndia, néo podiam ser baticarios ne tambs. TO OW fo diy, ig entio, | hy masa part da crescente, 0 cerco fora, nas palavras de ar mats cumprime’ 130 aa Uma Historia da Cidade da Bahia m ser admitidos a nenhuma cadeira da Universidade. Nao midi rtencer as ordens militares, nem negociar na Bolsa, ¢ cogitava- a edidas que 0S impedissem de casar com cristaos velhos. Nao podiam : ‘ dalgos nem ter honra alguma e tentaram impedi-los de exercer 0 st arcio, aumentando sempre as queixas de que os comerciantes cristdos oe 3! rejudicavan’ os naturais. Também os bispos quiseram exclui-los oe elamente da atividade mercantil, porém como fosse impraticdvel o cate pediram que nao os admitissem como arrematadores de impostos”. in E certo que ha varias leituras e interpretagées do fenémeno in- uisitorial portugues. Mas nao é este o lugar adequado para esquadrinhar a questdo. Basta reter o seguinte. Em termos claros ¢ didaticos, podemos dizer que o Estado lusitano monopolizava entdéo o comércio e repartia os seus lucros em meio a nobreza. De outra parte, a burguesia prosperava. Em seu ambito, moviam-se cristdos novos, exibindo respeitdvel poder econdmico. Na concorréncia entre cristdos novos ¢ aristocratas, o Estado ficou com a nobreza senhorial. E a Inquisicaéo, em que pesem os signos sagrados que ostentou, surgiu como uma espécie de instrumento da oligarquia hereditaria lusitana para barrar os passos da burguesia, em cuja esfera estavam os judeus. E nesse contexto que ganham relevo (e sentido) 0 combate ao comércia judaico ¢ a politica de confisco dos bens dos cristiios novos, que sustentavam e enriqueciam o Santo Officio. Confiscar a fortuna alheia era, alias, altamente oportuno, também, para um Estado imerso em imensas dificuldades econdmicas. Além disso, o judeu servia ainda de “bode expiatério”, responsabilizado pelos males e misérias que castigavam Portugal. Assim, tinha-se como inimigo externo, naquela época, a Reforma de Lutero e Calvino. Internamente, o herege era 0 cristo novo. Havia que combater e destruir o Judaismo. Essa maré antijudaica do reino alcangou, obviamente, as terras taianas. Na Bahia, “o portugués de remotas origens judaicas continuard sendo legalmente objeto do mesmo programa de eliminagao vigente no Reino e discriminado como casta a parte” (Novinsky), Tivemos entao, em nosso meio, as primeizas “visitagdes” oficiais do Santo Oficio, em 1591- BB e 1618. Os inquisidores procuravam, nao por acaso, as regides mais oe da eaiey E foi assim ae songenitaram seu fogo, i iain tes 1618 corse Pernambuco. Na “visitagdo” de D. Marcos Teixeira, em é cristdos novos foram presos e remetidos para o reino. Também ad 131 Se a ea En Ato ce ie rr Antonio Risérig “ aqui, na Bahia, as autoridades governamental o lesigcs: a forga econémica € 0 prestigio dos cristdos nove. oo Peay hereges que viravam as costas a Igreja e chicoteavan ican a Uy no era nada, Tempos realmente rudes, para os ck wee viriam entre og anos de 1642 e 1647. Este 6 9 Periods ey Toyo, i. ai D. Pedro da Silva Sampaio, cognominado “o Dury” as o inj ‘ bispado do Brasil. E em que o governador é também ee — het sigdo - Antonio Telles da Silva, mercador rico, que concg omen da in noves no setor do comércio de exportacao. Sob o acniie ee co; ae: e do governador, a “gente de nacdo” foi asperamente Petseguin. qd ay conhecendo humilhagées, processos € © c4rcere, No entanty a na cs antijudaica ndo chegou a atingir, entre nds, os extremos aie Fine, em Portugal. Alan... JA fiz referéncia ao confronto entre Vieira ¢ 9 Santo Offi ansiava pela recuperagao da autonomia lusitana. 4 Inquisie contrario, apoiava a dominagdo espanhola - e acionou as Suas Pe tentar impedir a Restauracdo. “Atacou a casa de Braganca emt Pa frentes, e procurou até depois da morte de D. Jodo IV minar as ae lidades de consolidagio da nova monarquia”, observou Anita Novinsly. para esclarecer: o Santo Oficio lutava, acima de tudo, pelos seus Prprio, interesses. "Com a independéncia de Portugal, os rumos que se esbocavam na politica de D. Jodo IV em relagdo aos cristaos novos, tendo ao seu lado um conselheiro como Vieira e politicos como o Marqués de Nizae Francisco de Sousa Coutinho, nio agradaram aos Inquisidores, que viam assim suas bases ameacadas: as confiscos”. E logo a Santo Officio comecou a perseguir os idedloges da Restauragdo, datando daf as primeiras dendncias contre Vieira ¢ a tentativa para expuls4-lo da Companhia de Jesus. Era inevitavel. E Vieira sabia disso. Ao dizer, em sua primeira “Proposta” a D. Jodo IV, que Espanha e Franca sé agiam de acordo com as leis da conveniénca propria, ele escreveu: “Imaginar o contrario ¢ querer emendar o mundo, negar a experiéncia, e esperar impossiveis”, Essas palavras se aplicariam, a perfeigdo, As acbes desencadeadss pelo Santo Oficio, Para a Inquisigio, Antonio Vieira era um inimigo 1° cumpria varrer da mapa, Ele pretendia, de um sé golpe- ale discriminagées antijudaicas ¢ desarticular a base material sobre aq" estruturara a Santo Officio. No seu modo de ver, sé por esse caminhe Vieisy 40, a9 132 ——— re Uma Hist6ria da Cidade da Bahia nova monarquia portuguesa poderia se sustentar. E o seu raciocinio 6 ex- sto sem rodeios nas “Propostas” de 1643 e 1646. Nesses textos, ele ndo 6 chama a atencdo do rei para o “perigoso estado” em que se encontrava areino, como, em seguida, se apressa em apontar “os meios eficazes com que se Ihe deve acudir e procurar os seguros da sua conservaga0”. Em resuma, Vieira pensava, lticida e pragmaticamente, o seguinte. Portugal vivia tempos de crise. A monarquia nao conseguiria sobreviver apelando apenas para si mesma. As colénias, naquele momento, significa- yam “maior gasto que proveito”. E tampouco Portugal deveria se fiar na alianca com a Franca, entéao em guerra com a Espanha, ou apostar na paz com a Holanda. “A nacao francesa naturalmente é inconstante, in- quieta, amiga de novidades e facil de corromper-se por dinheiro”, dizia ele. Cessasse a guerra entre Franca e Castela, e logo Portugal teria pela frente a espada espanhola. Quanto 4 Holanda, alertava: "a pouca fé, € falsa amizade com que os holandeses nos tratam, bem mostra que debaixo do nome da paz, nos querem fazer na {india a mesma guerra, que em Pernambuco, Angola, Maranhao e S. Tomé, entretendo-nos com fingidas promessas e embaixadas, para mais nos divertirem, e segurarem as suas conquistas”. Esbocado 0 panorama critico, Vieira defende o retorno ao reino dos portugueses de origem judaica, fortes homens de negocio que andavam dispersos pelo mundo, em decorréncia da caca inquisitorial aos cristdos novos. Portugal deveria recebé-los de volta - e de bragos abertos, sepul- tando a divisio entre cristéos novos e velhos, j4 que todos amavam a sua patria. Com os seus capitais e o interesse que tinham pela sorte de Portugal, esses mercadores luso-judaicos - “homens de grandissimos cabedais, que trazem em suas méos a maior parte do comércio e riquezas de mundo” ~ poderiam providenciar uma poderosa injecdo de vitalidade econémica, levantando o reino, Mais - Portugal se fortaleceria vendo os seus rivais enfraquecer, j4 que os tais capitais judaicos dinamizavam a Holanda, a Espanha e a Franca. E 0 que “desnaturalizara” os cristaos novos e agora os impedia de voltar? A Inquisigéo, que os escorracara injustamente de Portugal. Colocando-se frontalmente contra o Santo Offcio, Vieira ataca em duas frentes, que podemos definir como a frente teolégica e a frente nian Na primeira, recorre aos “sagrados canones” e a exemplos istoria sagrada” para demonstrar que 0 retorno dos judeus nao 133 Antonio Risério - ig em nada OS principios cristdos. Pelo contratig eontraniar ‘Argumenta, assim, com a “rags * Ont ‘ 220 Caticas % samento da fe. pare alan oc pede uma “mudanga de estilos” do Senin ee waco de bens: Fruto dessa batalha de Vieira, nasco Ofcig y do Comércio do Brasil, com 0s seus acionisinn I 7 : ; do seqiestro de bens. Um golpe duro na Inquisicae, og! * cpcar as suas fortes de financiamento e corrup¢ao, des ei como disse, era poderosa, E Prossepuiy tando 0 S20 programa racista. No mesmo ano em que letra defn : : Be 9s cristios novos, 2 Cidade da Bahia experimentava a cha, : oie Inquirigio” de 1646. E aqui ha um dado de muito fig : *Grande Inquiricdo", a acusagdo a0s cristdos novos se deslocou do mt religioso para 0 plano politico. A pecha de herege melipare de oe camplice da invasdo holandesa, 0 que émais um atestado rene c mise central da Inqus tamente teolégico, mas econdmico, jgao ndo era exa pretexto para confiscar bens podia variar, desde, é claro, que permitisse g confisco. E ponto final. cao de traigao, atribuindo aos cristios A verdade 6 que a acusa rega da Cidade da Bahia aos holandeses, em 1624, O fato é que alguns cristaos novos, assimoomo alguns cristios velhos, chegaram a ficar a favor dos holandeses. Mas eram adesdes isoladas, numericamente pouce significativas, e ditadas por interesses econdmicos. Nao se pode falar genericamente de colaboracéo dloscristios novos ou dos cristios velhoscom oinvasor. A falcatrua histbrica da traigio” judaica foi uma manobra dos inquisidores. Sabe-se que nao fallaram cristios novos lulando contra os batavos. Para citar apenas dois Lae Lopes Francoe Diogo Lopes Ulhoa. ieee — da defesa da Bahia, inclusive construindo inns BRE socorrer os engenhos do Rec6ncavo- Pot Brasil ~ formada peaine que a Companhia Geral do Comércio do esquadra que veia a coe ae sob a inspiragao de Vieira - Sle Por sina, levou A sepuinte afi 0s olandeses de Pernambuco. Fato a i singular, sebem que nae rmacio enfatica do estudioso I. 5. Révah: Brasil ¢ a indepen inca ica alianca, dos judeus e dos jesuitas, salvou® Porluguesa’”, novos uma suposta ent jo resiste 20 menor exame histérico. Uma Historia da Cidade da Bahia Feitos esseS esclarecimentos, podemos, finalmente, abordar uma engi sev cristo NOVO Na Bahia. Na verdade, talvez nao seja incorreto dere inda que sem maior rigor, de uma calegoria - 0 “cristao novo ee Portugueses de ascendéncia judaica comecaram a chegar na Bahia Fa cedo, num processo migratério que atravessou o século XVI e entrou ala centiiria seguinte. Rae acg pela Bahia em 1610, Pyrard de Laval potou 0 grande TIMES de “cristianos nuevos” aqui existente. Calcula-se ue, entre 1635 e 1654, eles somassem de 10 a 20% da populagdo de Galvadot. Mas 0 fato é que, apesar do niimero, ndo formavam uma “comu- nidade judia”, no sentido mais exato da expressao - isto é, um grupo 0es0, levando existéncia apartada, nitidamente demarcdvel, nas tramas etessituras da vida baiana. No século XVII, eram uma gente estabelecida aqui de longa data, perfeitamente integrada nos ritos e ritmos daquela yida social. E o seu judaismo era mais um vinculo com 0 passado, a ancestralidade, do que uma militancia no presente. Ou, por outra, era mais um eco ou um reflexo do que propriamente uma pratica. Nao se quer dizer com isso que o preconceito e a discriminacao inexistissem. O cristo novo nunca deixou de ser tratado e de se perceber como diferente, como individuo marcado por um estigma, num mundo que cultivava ostensivamente o mito da “pureza de sangue”. Mas também éverdade que o quadro reinol de discriminagao e perseguicao se atenuou nos trépicos. O que se podia ver, na Bahia, era uma plasticidade maior, ou mesmo um certo relaxamento, no campo das relagées humanas. Citemos, novamente, Anita Novinsky: “De um lado, as autoridades e a massa da populagao crista velha descuidaram-se das numerosas proibigées e tabus, de outro, os cristiéos novos deixaram-se envolver com maior docilidade pelo processo assimilatorio". Daf a concluso da pesquisadora, falando em termos comparativos; “O cristéo novo no Brasil apresenta algumas caracteristicas extremamente interessantes e que o distinguem nitidamente dos cristaos novos que emigraram para os paises do norte da Europa ou para o Levante. Miscigenou-se com a populagao nativa, criou taizes profundas na nova terra, integrando-se perfeitamente na organizacdo social e politica local”. Vamos encontré-los em diversas posigées na estrutura social e na vida politico-administrativa da Bahia seiscentista. SAo senhores de 135, so Antonio Risério engenho, homens de negécio, burocratas, artifices, bach, lavradores, religiosos, etc. Ocupam postos na administra, Jo Pot recem na Camara como representantes do povo, cha am 4 ig poder, como Diogo Lopes Ulhoa, que foi conselheiro dg he Midag, Luis de Oliveira. Mas ha também os artesdos © empregados meee Dig, Alias, como frisou Novinsky, 0 processo assimilatério dos ae ay ae “cumpriu-se de modo mais integral entre os 8TUpos sociais extra Site que atingiam as posigdes mais altas na hierarquia Social, fen. Mos” cristios velhos; 05 mais pobres muitas yezes se mesclavam com a On, indios. E os casamentos significavam que novas familias entravam © e tol dos cristios novos. Parag Em suma, o que houve na Bahia foi assimilacdo e Mistura, Ona Oposto a integracao teria sido representado pela figura de um jovem Poh lo brilhante e sedutor - Joseph de Liz (Isaac de Castro Tartas), 9 "judeu francés”, enviado Para instruir os cristdos novos do Brasil na fe fUdaica Conta-se que era um rapaz especialmente culto, falando diversas linguas “um dos judeus mais conscientes e idealistas que passaram pela Colin, nesse século [XVIT]” (Novinsky). Detido na Bahia, Joseph de Liz foi enviado Para Lisboa, sendo atirado nos carceres da Inquisigado, E os inquisidores foram implacdveis em sua sentenga. Liz morreu queimado, em 1647, aos 24 anos de idade. Mas, por mais rumor e fascinio que a sua passagem tenha provocado entre os cristdos navos da Bahia, o que prevaleceu foi a integracdo, aris, jy Xan; mene a DESENHO DO ENGENHO A empresa acucarvira foi um tipo de organizacao econémica cuja configuragao seria simplesmente impensdvel antes do século XV. Um rebento tipico da rede de relagdes mundiais que se instaurou a partir o grandes navegacées ocednicas deflagradas desde Sagres, em Portugal, - Infante D. Henrique e sua comunidade tecnocientifica, reunindo fee listas nascidos nas mais diversas partes do globo terrestre, inclusive JU e mugulmanos. i O cultivo da cana-de-acticar comegou em terras asiaticas. coe co posteriormente a Pérsia - ¢, $facas aos conquistadores drabes, foi Uma Histéria da Cidade da Bahia ao Mediterraneo. Chegou, depois, ao Norte da Africa, ao continente europeu, as ilhas atlanticas. Para, finalmente, implantar-se na massa conti- rental da América. Mas se a cana veio do Oriente, o trato técnico a que foi submetida aprimorou-se no Mediterraneo, nas ilhas atlénticas e em terras africanas, ao longo do século XV. Também af se impuseram a opsdo pela monocultura eo emprego de méo-de-obra negroafricana. Os capitais e 0s sistemas de financiamento e comercializacdo foram, por sua vez, gerados na expansdo comercial européia. Assim nasceu uma espécie de empre- endimento cujo cardter era francamente cosmopolita. Os relatos da época gio generosos ao fornecer exemplos dessa sua natureza transcultural. E njo era apenas a tecnologia produtiva que se difundia rapidamente, cobrindo as distancias. Os proprios técnicos eram recrutados em locais yariados - muitas vezes entre nagdes em conflito ou em estado de compe- ligdo acirrada - e, numa politica de transferéncia de recursos humanos que contava, quase sempre, com apoio governamental. No Brasil, essa histéria tem o seu ponto de partida com a passagem da armada de Martim Afonso de Souza. Martim trouxe colonos portugueses, italianos e flamengos que tinham experiéncia na manufatura doacacar. Como todos sabem, o plantio e a producdo prosperaram, apesar de todos os obstaculos. No final do sécule XVI, existiam j4, na India Brasilica, mais de uma centena de engenhos. Quase todos localizados no eixo Pernambuco-Bahia. O caso baiano, aliis, comecou mal. Os dois engenhos construidas por Francisco Pereira Coutinho = um deles, em Pirajé - tiveram vida curta. Foram destrufdos, como vimos, pelos {ndios tupinambds. Ainda assim, ao crepusculo do século XVI, a Bahia contava com cerca de 40 engenhos. Mas vamos por partes. Passado o fracasso do Rusticdo, veio o Governo Geral. E Thomé de Sousa chegou com a orientagao de construir um engenho real e estimular a criagdo de outros engenhos, através da concessio de sesmarias e de beneficios fiscais. O engenho real foi erguido sobre as cinzas do velho engenho de Joao de Velosa, em Piraja. E logo o empreendimento acucareiro estaria seguindo os passos do avanco militar dos portugueses sobre as terras férteis do Recéncavo. Na década de 1560, engenhos jé coloriam a paisagem da area norte da Bahia de Todos os Santos, instalando-se em Paripe, Pirajé, Cotegipe e Matoim. Adiante, Mem de $4 alargou a zona de expansao, ao liqiidar a maioria das aldeias 17 m Antonio Bistrio > rupinambss do Re a iE a peas oo eM frente, til proprio goverma lor geral tomo, Sp. nt de terra (tres léguas e meia no litoral, 4 Par, ie oe o anterior), onde fez peruee um dos engenos ma,” ‘ S| rosea histéra colonial, 0 SergiPe: ne eg partir dal- eapesar de tudo ~ as plantagdes de canaeg It se estabeleceram, para se converter em fatores fur ing, sida baiana. Stuart B, Schwartz acha que a en gi, em 1572, a geografia baiana do ae “ uma parte, havia a concentracgy ta Ihas. De outra, j4 estavam formes : Jantacio as areas dos eee que constituiriam g — ‘ da economia agueareita, florescendo, no século XVII, entre Sio Fra me do Conde ¢ Santo Amaro da Purificagao. Neste século, a ocupacio 4 Recancave jase pode considerar obra yealizada. Para se ter uma idéig - quadro, em 1676, a. com nada menos que 130 engenhos f desde que Pernambuco foi tomado pelos holandeses, ela assumiy : comando da produgdo brasileira de agticar- Depois que a ponta-de-lanca militar desbaratou a massa indjgen, do Recéneavo, 03 engenhos desempenharam © pa pel de desbravar brenhas e fisar gente, do o dominio territorial efetivo da regiao, Para isso, muito contribuiu o fato do engenho nao ser somente uma unidade econdmica produtiva, mas, mais que isso, uma unidade cultural, coloni- zadora, formada pela fabrica, a casa-grande, a capela ¢ a senzala. Ao se implantar num deterrninado ponto do Recancavo, fosse perto do mar ou em borda de rio, ele imediatamente magnetizava 0 espaco a sua volta. E no rastro de sua expansdo, jam surgindo, paulatinamente, vilas e de agucar determinantes, das da morte de Mem de ja definitiva. De poasua fisionontl: ~ e engenhos espalhados pelas i rios Sergipe & promoveni assim, pardquias. A gente que colocava 03 engenhos para alteracdo baisica em sua composicao, se compararmos og XVleoquehouvenoséeuloXVIL Noséculo XV, osengenhos se instalaram “2 ss forgado dos indies. No limiar a centiiria seguinte, pepe ve mista, mesclando, em termos mais ou menos eee avo mews e-esceavos africanos. Regra ger! sei we os em tarefas mais técnicas, mais propriament? a0s indios atividades de certo modo periféricas ” funcionar sofreu uma ue havia no século 138 a ea Uma Historia da Cidade da Bahia nsporte de lenha, a uilibrio vq dO acucal como a caga, a pesca, o corte eo tral fabric ade mandioca. Com 0 andar da carruagem, todavia, © €q foi rompido. Os negros passaram a predominar de ponta a porta. ganic? e ragdo com 08 padrées vestuais ¢ alimentares de certas regioes Fm ag, aqueles esctavos S¢ vestiam mal e comiam pior ainda. Os vc eram sovinas, messe particular, A Coroa portuguesa chegou a genre? = ada convo assunto, determinando que os escravos recebessem gicat Pr Sele adequada, Sabe-se que seu alimento basico era a farinha, Se mse seca, algum peixe, algumas bananas. De qualquer modo, : Be situados perto da praia ou de manguezais, podia-se pescar m disso, durante a safra, sobrava sempre um pouco de algu™ em enge! i e mariscat- Alé haga $a “ “hoes cad 7 comeco da safra, alids, era marcado ritualmente. Em inicios do ag de agosto, 05 engenhos jA se achavam em ponto de bala, peoaine. ae entrar em aco. O senhor convocava os seus trabalhadores e recebia t ae livres que moravam nas vizinhangas. Era entao que vinha o i celebrar a missa, abencoar 0 engenho, aspergir 4gua benta sobre a ain Caldeiras, escravos, carros-de-boi especialmente coloridos a a ocasiao, tudo era abencoado. Feitos os pedidos e promessas, era a hora do banquete na casa-grande. Mesa e sobremesa fartas. Garapa de sor alcodlico ia para os escravos. E, em seguida ao rito ea comilanga, paixote : nye ala o trabalho - sob 0 olhar e 0 acoite do feitor. Trabalho duro, Durissimo. Para os escravas, € claro. Em Segredos Internos - Engenhos e Escravos na Sociedade Colonial 1550-1835, Stuart B. Schwartz escreve: “O trabalho em um engenho brasileiro era ininterrupto, sendo as tarefas pertinentes aos canaviais realizadas durante o dia eas atividades de moenda feitas anoite. A moenda ficava em funcionamento normalmente por dezoito a vinte horas, parando por apenas algumas horas para limpeza do mecanismo. No século XVII, os engenhos baianos (..) iniciavam a moagem as quatro horas da tarde, prosseguindo durante toda a noite até as dez horas da manha seguinte. Entao limpavam-se as caldeiras e a moenda, que as quatro recomecava a funcionar, Durante as poucas horas de folga, os escravos tentavam dormir, mas 45 vezes passavam esses momentos procurando mariscos ou outros alimentos”. Note-se, ainda, que nem todos os engenhos utilizavam forga hidrdulica, Havia os que eram movidos a tragdo animal - bois, em geral. E 139 Antonio Riséno o condutores desses animajs. Cy gadas com abalho- mais do que penosas, andando horas @, Tr, ™ ctreyj, itado pelo ritmo da moagem. , criangas © mulheres. A colheita era feita por homens cortando a cana rente ao solo e retirang, tog as mulheres reunindo a cana em feixes, 3 lhe via mulheres trabalhando na moenda, i Sere, as engrenagens ou cuideess entre exaustas e bébadas, tives da adas pela maquina. Ea faina prosseguia, a as: eram alimentadas por um escravo chamado 2 dag fogo. Naquela época, ser “metedor” era a sculina. Era um servigo arriscado (geralmen, ‘ tor), onde se corria o risco de, a qualquer as chamas. Alguns escravos, de resto E houve senhor que jogasse cen amy Ng dois sexas - 95 folhas superiores: transportadas. Esempre ha canas, carregando bagago, : de dleo de peixe- Muitas delas, regando candeia as suas mdos tritur fornalhas. Estas, alias, tedor”, ou metedor-de- atividade exclusivamente ma um castigo determinado pelo fei distracao, cair em cheio no meio d se suicidaram assim, atirando-se ao fogo. viva na fornalha de seu engenho. Mas a faina, repito, prosseguia. O caldo das canas indo para as e daf para a “casa das caldeiras”, passando por processos de até atingir a consisténcia do “melado”, que era retirado das entagao do chamado mestre-do-agucar- Colocado em Maragogipinho, por exemplo -, na “casa de purgar”, esse melado passava duas semanas endurecendo, antes de ser fillrado. Seis semanas depois, 0 acucar estava pronto. Escolhia-se um dia de sol, e o produto era retirado das formas. Havia uma gradagao de valores: 0 agucar branco, que ficava no topo do vaso, era o mais caro; odo meio, pardo, tinha menor valor; € 0 do fundo da férma, escuTo, era considerado de pior qualidade. Era quase que uma representacao visual pee social escravista. Acucar branco © meus ea produto era acomodado em caixas de jequitiba ou camagari. A venda, due = maio, quando = de maior autonomia para 0 a h eee 3 oe es Uberdadescidicaueeaine eat umano escravizado. Sobre essa Fe = ise belecer uma gradai ‘Jo. Ni A aon oe —_ pees Ee co - cdo. Num extremo, ficaria a escravidao mineit- Eng@ a gamel cozimento, tachas sob a ori formas de barro - como os vases de gavam as 140 Uma Historia da Cidade da Bahia jado nas tarefas continuas da mineragdo, 0 escrayo praticamente nao contava com um tempo para si mesmo, onde pudesse compor ou recomper gm espaco de reftigio cultural, voltando-se para o cultivo e a transmissio de seus valores ¢ de suas praticas, No extremo oposto, vamos encontrar a escravidio urbana. Foi na cidade que o escrayo pode desenvolyer um maior grau de autonomia fisica e psiquica, circulando pelas ruas, encon- trando seus pares, realizando seus ritos, trocando informacées, Entre um extremo e outro, eslava a escrayidio agricola. O escravo agricola teve bem mais liberdade do que o escravo das minas. No intervalo entre os periodos de trabalho mais intenso, isto é, no tempo quese prolongava entre o plantio ea colheita, ele se via relativamente livre para trabalhar e retrabalhar os seus sons, 0s seus dons ¢ os seus sonhos. Mas ndo ha dtivida de que era menos livre que o escravo urbano ~ os chamados “negros do ganho", por exemplo, nem mesmo costumavam. morar em casa de seus senhores -, na medida em que se achava demasia- damente proximo 4 casa-grande e em que o seu mundo era acanhado, sem a variedade e o colorido da vida citadina. Ainda assim, esses escravos nao deixaram de fazer os seus préprios empreendimentos culturais, deixando uma funda marca na vida do Recéncavo da Bahia, como veremos adiante, em outro topico deste capitulo, ao tratarmos da presenca, entre nés, dos negros bantos de Angola e do Congo. Seja como tenha sido, o Recéncavo Baiano se tornara um centro internacional da produgdo acucareira. Nao admira, pois, que o romancista inglés Danie! Defoe tenha feito, do seu célebre aventureiro Robinson Crusoe, senhor de engenho na Bahia. Sim: antes de naufragar em sua ilha deserta no Caribe (onde se lamenta da falta de um escravo, mas nao se importa com a falta de uma mulher), o puritano Robinson veio para ca. Tentou a sorte em nossos trépicos. Chegou aqui a bordo de um navio portugués (“We had a very good voyage to Brazil and arrived in the Bay de Todos los Santos”), implantando-se no Recéncavo, onde plantava fumo e cana-de-agticar. Depois de quase quatro anos no Brasil (onde afirma que aprendeu a lingua portuguesa, embora ela, no texto de Defoe, se reduza as expresses “seignior inglese”, “ingenio” e “assientos”, palavras que nao sdo exatamente partuguesas), é que ele parte da Bahia (da Cidade do Salvador, “our port”) para a Africa, com o intuito de traficar escravos. O que Robinson queria era se tornar comerciante de negros, fazendo a rota 141 Antonio BISCTIO oe : na viagem de estréia, seu navio foi col}; Africa-Ba irado numa jJha caribenha, naufragando, ido = tempest re do Gexta-Feira. Mas 0 que nos jr 5 at ue vat simples ae Counce bea ingles, exten ae srincipio do século quits an eee Ocoee eeladerss met a Reconcave, situar uma Pen agricola, escravocray ®t ae personageny : se £ cot significavamos entag a mundo. A Bahia era sinonimo de acticar e de negros. fato de um es¢ e Para g FIDALGOS CARAMurus de ostentagao ¢ aparéncia, que foi a sociedag ie g mais abastados devotavam absoluto desprezy seisce! ao trabalho - especialmente, ao trabalho manual - os que possufam beng e capilais © esforgavam para Ser reconhecidos como “fidalgos”. Como duzido circulo da chamada “nobreza de sangue”. Para nealégicas. integrantes do re isso, ndo hesitavam em falsificar arvores 5¢ ao apreciador critico daquela vida Mas dificilmente escaparia, ens. Boa parte daqueles ratica da falsificagao de linhag evidentemente, mestica. Descendia, nao antropofagia. Familias os mamelucos. Basta u chegou a ver, ainda elhores familias” do Naquele mundo ntista baiana, onde 0 baiana, e354 P' senhores e comerciantes ricos era, raro, de indios que andavam nus e cultivavam 4 poderosas da regiao eram, assim, agrupament lembrar que a india tupinambé Catarina Paraguag em vida, descendentes seus fazendo parte das “m lugar - e ocupando postos publicos importantes. Fidalgos recebiam suas filhas em casamento. Um neto do casal Caramuru-Paraguagu, chamado Diogo Dias, casou-se, por sinal, com Isabel de Avila, o que fez com que? sang i ive] 4 a ts indigena fosse irrigar, também, a Casa da Torre. Genes em rotacae. ae ae d’Avila, 0 primeiro, foi, portanto, bisneto do velho oe ope esse entroncamento das familias Caramuru (cujo nome fo i 4 fH a“ . ii Moréia pela re ezes por “moréia”, como vernos em Belchior Dis i o le Robélio Di. i fae i beolaie Our, ias, o das minas de prata) e Avila nao foi um fale . Outros cruzamentos ocorreram Satirizando a vi i : rida bi ‘ ja a0 largo do tema. Alias, ele aiana, Gregério de Mattos nao passari? - zi que era branco e cristéo vetho, descendenté de M2 Uma Histéria da Cidade da Bahia conhores de engenho - nao via com bons olhos a ascensio social dos novos- rico8, com seus anseios de fidalguia, nem a proliferacdo de mulatos, os uais considerava atrevidos e bocais. Por isso mesmo é que dedicou alguns emas a0 desnudamento da linhagem “pura” de alguns dos nossos fidalgos- Daqueles que formavam, como ele dizia, a nobreza de “sangue de tatu” (“tatu’, no caso, para acentuar a sua origem tropical, e ndo reinol). £ foi ao ponto central da questdo, mostrando que, por tras dos véus, dos truques e disfarces de cariz aristocratico, 0 que se encontrava era a antro- ofagia. Mais preciso ainda, em sua referéncia baiana, Gregorio adjetivou o apelido indigena de Diogo Alvares, agrupando aqueles falsos nobres soba denominacio geral de “fidalgos caramurus”. Para entao disparar: Un calgao de pindoba a meia porra, camisa de urucu, mantéu de arara, em lugar de cold, arco e taquara, penacho de guard em vez de gorra, Furado o beigo, sem temor que morra, o pai, que the envazou cont ita titara, senio a mide, a pedra Ihe aplicara a reprimir-lhe o sangue, que ndo corra. Alarve sem raziio, bruto sein fé, sem mais lei que a do gosto, quando berra, de arecund se tornou em abaité, Nifo sei comoacabou, nem em que guerra; sd sei que do Adio de Marapé pracedem os fidalgos desta terra. Bem, sejamos didaticos, ainda que correndo o risco de entediar os entendidos, O que Gregério compée poeticamente, nesse texto, é a figura ancestral dos “fidalgos caramurus” - 0 Addo de Marapé (ha quem leia “massapé"), “Um calgao de pindoba a meia porra” é, na verdade, uma “spécie qualquer de tanga de palha (pindoba = palmeira), mais ou menos na altura (ou na metade) do pénis. A figura esté pintada de urucu, praxe 143 Antonio Risério \ indigena, e, em vez de cutelo e gorra, leva arco e penachy traz o beico furado. E é des, de py segunda quadra, vemos que - : parecido (o indio exterminado na Bahia) que descendem noel i N Trata-se, assim, de um Addo dos trépicos. Mais exatamente cn fi lang do Recéncavo, Marapé era uma localidade da regiao ("Mairaper "Ada, Theodoro Sampaio), onde comeyavam, de acordo com Gabrie & Bundy ares, é Lung, terras de Mem de Sa. Ainda Gregorio, frisando, em outro poema, o vinculo q a pseudofidalgos com 0 mundo amerindio, 0 canibalismo (os tupi a in, como se sabe, separavam os ossos das vitimas que devoray eles, aMbis, Agiena\: AM, para f flautas ou empregar em artes mé igicas): fazer Que é fidalgo nos ossos cremos nds, pois nisto consistia o mor brasto daqueles que comiant seus avds. Um dos alvos da satira gregoriana foi, note-se bem, 0 govemag, 5 - at lor geral Camara Coutinho, que teria sido neto de portugués e india logo, um mameluco. Fala, sobre esta, 0 poeta: a Atal era uma tapuia « grossa como una jibdia que roncava de tipoia emanducava de cuia, Nao é dificil imaginar os efeitos que tais porretadas verbais devem ter tido na Bahia de entio, sociedade marcada pelo culto das aparéncias, onde a mascara importava mais do que a cara. Gregorio avivava a ascen- déncia amerindia que aquela fidalguia pretendia abolir ou, ao meno sublimar. Ao dado genético, acrescentava um trago fundamental do ut verso cultural indigena. Além do sangue “impuro”, aquela gente trazia a alma maculada, manchada por um pecado pavoroso, do ponto de vista europeu. Era filha, em linha direta, de canibais. os Uma Historia da Cidade da Bahia DA VIOLA AO PATURI Apaixao dos nossos indigenas do litoral - tupinambis e tupiniquins - pela danca, pela musica e pela retérica, pela elogiiéncia discursiva, tornou-se proverbial entre os estudiosos, Ser muito dificil encontrar qualquer registro daquela vida amerindia que nado mencione o fato. Jean de Léry, por exemplo, fala que os indios dangavam todo santo dia. Dangar, cantar e beber constitufam a sua “ocupagio ordinaria”. Léry nos conta, ainda, de criancas de corpo pintado, dangando em grupos, quando europeus visitavam suas aldeias. E das grandes farras regadas a cauim, prolongando-se por dias: “...enquanto dura a cauinagem, os nossos bre- jeiros americanos, para melhor esquentar o cérebro, cantam, assobiam e se incitam uns 20s outros a portarem-se valentemente e a fazerem muitos prisioneiros na guerra; enfileiram-se, como grous, e ndo cessam de dangar, de entrar ¢ sair da casa em que se redinem, até que tudo se conelua, isto é, que se tenha esgotado toda a bebida”. O capuchinho Claude d’Abbeville, por sua vez, nao economiza elogios, ao se referir aos bailarinos tupinambas. Para o missionario, eles eram “os maiores dangarinos deste mundo”. E d' Abbeville é preciso em sua descricdo: “Dangam sem trejeitos, nem saltos, nem requebros ¢ rodeios; colocam-se todos em circulo, muito perto uns dos outros, sem entretanto tocar nem falar; quase sem sair do lugar”, Em tempos de cauinagem, contudo, o desenho era algo diferente. “Assim nao se entusiasmam demasiado durante a danca a nao ser no tempo do cauim; entaio percorrem as aldeias dancando e saltando em torno de suas cabanas”. Mas resta o padrio coreografico: “Dangam em geral com os bracos pendentes, as vezes com a mao direita nas costas ¢ contentam-se com mover a perna ¢ o pé direito. E verdade que nao raro se aproximam uns dos outros, voltam, param e giram sempre com o pé no chido; mas de trés a quatro voltas regressa cada um em cadéncia ao lugar de onde saiu”, E curioso; aqueles indios, que desconheciam a caricia do beijo, ndo se tocavam corporalmente, em seus passos dancarinos, Infelizmente, sabemos que eles cantavam, mas ndo sabemos como tematizavam a vida e o universo, recriando-os em seus textos, Disso, o que chegou até nés é muito pouco, praticamente nada. De qualquer modo, hé uma coincidéncia curiosa, fascinante mesmo. Ao falar das aves 145 ml oO Antonio Risérig brasileiras, Léry ere 4 Nossa atencdo para Matera. plumagem do peito amarela como 0 oyro fino: o g, : “ning sio de um belissimo azul, e pasmamos ante tanta for TSO, as, zi que. que vestida de ouro e por cima toda sombreada as ag vat fosse uma ave doméstica, a arara nao era facilmente oe Emby Son, sim nas grandes arvores que envolviam as aldeias. Os in ie "a ina = de tempos em tempos, usando as suas belas Plumas pace fos Adobe, guarnicbes de clavas, braceletes e outros enfeites con ‘ — no momento, em segunddo Léry, os tupinambs, Quen Tequentemente a essa ave, nos textos de suas cangdes, Big Ss alug, transmite um estnibilho referente 4 arara, que diz mais ae apr “canindé amarela, canindé amarela, feito mel”, Men Eo inirigants € que vamos encontrar essa Mesmissima ar, texto de um dos ultimos grupos tupis que entraram em one Puy nossa sociedade, no Brasil, na segunda metade do século XX ao Com g da regido amazonica. O texto, compasto pelo xamg Kani os (pronuncia-se Kanhipaiéro), foi apresentado na aldeia ida: ie Very madrugada do dia 26 de dezembro de 1982, fora, alias, de eon ha calendario ritual. O texto foicolhidoe traduzido pelo antropdélogy ae Viveiros de Castro, que o publicou em seu livro Araweté — O8 Deuses Canibais. Talvez a leitura desse texto nos dé uma idéia aproximada do que pode ter sido a poética tupinambd, mas a verdade & que nao ha comp afirmar categoricamente nada sobre o assunto. De todo modo, trata-se de um canio xamdnico araweté, pertencente ao género Mai maraké, o dos cAnticos ditados pelo mundo extranatural. E af aparece, entre imagens magico-erdticas perfumadas de mistério, a figura de uma divindade feminina, a Mulher-Canindé, Kadine-kanhi, em meio a seres sobrenaturais que emplumam “a face” de uma castanheira amazénica... A partir do século XVI, os portugueses comegaram a freqlentar, » com assiduidade sempre maior, os nossos litorais. Trouxeram pata 05 trépices brasilicos, entre outras coisas, a sua lingua, a sua poesia, a 53 musica, os seus instrumentos musicais, as suas dangas, as suas age tupiniquins do atual Estado da Bahia, das terras litoraneas vizinhas ‘x Espirito Santo, foram os primeiros a conhecé-los, A passagem da ee Pedro Alvares Cabral, que viajava com destino a India. eon regiio de Porto Seguro, naquele final de abril de 1500, 0 que P™ aa ; ir, Porais. Mag, any Tip, Noy DS agg, 146 “© ss es te Uma Histéria da Cidade da Bahia classificar como @ danca de encontro, devidamente descrita por Caminha. Conta 0 escrivdo que um grupo de tupiniquins dangava a seu modo, na margem de um Tio que desembocava na praia, quando Diogo Dias, ex- almoxarife de Sacavém, partiu em direcdo a eles, levando consigo um iteiro, um tocador de gaita de fole ou gaita galega. Ao som de alguma antiga cantiga lusitana, Diogo foi tomando os indios pelas maos (fato sig- nificativo, ja que tupis ndo dancavam de maos dadas) e saiu com eles a dancar = “e eles folgavam e riam, e andavam com ele mui bem ao som da gaita”- Enfim, houve entao um pequeno baile praieiro, festa A luz do sol € oar livre, encontro de humanidades sob os signos da musica e da danca. Mas a gaita cabralina em Porto Seguro nao foi mais que uma wena amostra gratis. O sincretismo musical s6 vai acontecer (ou se incrementar) adiante. Especialmente, a partir da construcdo da Cidade da Bahia. E isso tanto de modo informal, no dia-a-dia das populagées, como de forma sistematica, na pratica pedagégica dos padres da Com- panhia de Jesus. Sabemos que, em seu trabalho catequético, jesuitas faziam sermées e compunham versos em tupi. Mas nao sé. Nessa pratica missiondria, acionaram também a musica. E de modos diversos. Usavam instrumentos e criagdes musicais tupinambds ad mtajorem Dei gloriam. Substituindo lyrics de cantares amerindios por textos doutrinariamente catélicos, por exemplo. Assim como atraiam indios, para a sua esfera de influéncia, através do ensino do canto e da misica, incluindo-se, aqui, a leitura partitural. Esse duplo movimento jesuitico - uso da musica amerindia, ensino da musica européia - aparece claramente nas cartas que os padres enviavam da Bahia para Portugal. Na correspondéncia de Manoel da Nobrega, por exemplo, quando ele se refere ao desempenho do jesuita basco Azpilcueta Navarro: “Na lingua deste pais [o tupi] alguns somos muito rudes e mal exercitados, mas © padre Navarro tem especial graca de Nosso Senhor nesta parte, porque andando pelas aldeias dos negros [indios}, em poucos dias que aqui estamos, se entende com eles e prega na mesma lingua... e 4 noite ainda faz cantar os meninos certas oracées que lhes ensinou em sua lingua deles, em lugar de certas cangées lascivas e diabslicas que dantes usavam”. Os jesuftas costumavam, ainda, tocar (ou “tanger”, como entao se dizia) instrumentos tupis ~ e aqueles indios fabricavam, entre outras coisas, chocalhos, flautas ésseas e borés de 147

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