You are on page 1of 5

<Tema: Cinema-filmagem>

<Data: 12/03/2024>
<Site da coleta:
chrome-extension://efaidnbmnnnibpcajpcglclefindmkaj/https://www.direcaodefotografia
.com/_files/ugd/ae8407_56fa3bf342ef4aee9dec48a5ab0ffcf4.pdf>
<Pesquisadores: Doris e João>

Caminhos fotográficos: o enquadramento numa trilogia audiovisual


Rogério Luiz Silva de OLIVEIRA
Resumo
O presente relato objetiva compartilhar a experiência que tive como diretor de
fotografia e diretor de três curtas-metragens documentais, realizados entre 2014 e
2019. Os trabalhos constituem a trilogia Caminhos Fotográficos, dedicada a
fotógrafos de imagem fixa que atuam na região sudoeste da Bahia: Zé Silva – uma
fotobiografia (2014), J. C. D’Almeida – uma foto-síntese (2015) e Zanata –
fotógrafo do campo (2019). A série tem imagens em preto e branco e, cada um dos
curtas, constrói uma diferente elaboração conceitual do ponto de vista imagético,
ainda que todos eles tenham recorrido à monocromia. A intenção, aqui, é relatar o
percurso criativo dos trabalhos com ênfase nas escolhas referentes à direção de
fotografia a partir dos enquadramentos das entrevistas.
Palavras-chave: Caminhos fotográficos; Direção de fotografia; Estética; Preto e
branco.
Caminhos fotográficos
A trilogia Caminhos fotográficos surgiu do desejo de criar um espaço para
experimentação de imagens em movimento. Essa vontade foi viabilizada pela
possibilidade de realizar retratos audiovisuais sobre fotógrafos. A combinação se
mostrou sugestiva para a proposição e afirmaria isso a partir do resultado que
estava por vir. Ao passo em que ouvia intrigantes e inspiradoras histórias de
fotógrafos, falando sobre os seus processos particulares com a fotografia, pude me
lançar no desafio de elaborar estratégias imagéticas que iriam compor as
narrativas. O desafio posto era,
Trabalho apresentado no MOVI - I Encontro brasileiro de fotografia em movimento,
realizado de 30 de junho a 02 de julho de 2021. Modalidade: relato de experiência.
Professor do Curso de Cinema e Audiovisual e do Programa de Pós-graduação em
Memória: Linguagem e Sociedade, da Universidade Estadual do Sudoeste da Bahia -
UESB, e-mail: rogerioluizso@gmail.com.
sse trabalho é co-dirigido por Filipe Gama, que também participa com a câmera
adicional. da direção de fotografia.
nesse sentido, traduzir por meio de imagens em movimento uma leitura possível do
perfil de cada um dos fotógrafos.
A arquitetura imagética de cada um dos trabalhos, ainda que próximas do ponto de
vista cromático – pois foram os três filmados em preto e branco -, segue uma
estratégia diferente. Seja nos quadros de entrevistas ou na composição de planos
que servem à montagem, o esforço sempre presente era o de traduzir os espaços e
situações sugeridas pelas obras em si. E desse exercício, inevitavelmente emergiu
uma experiência de cinematografia que, nessa distribuição tricotômica, resulta num
repertório que inspira uma reflexão sobre nuances da direção de fotografia.
As construções narrativas dos trabalhos têm traços recorrentes: entrevistas, uso da
mise-en-film da fotografia, planos dos fotógrafos em ação, imagens experimentais
inspiradas nas histórias, obras e trajetórias dos fotógrafos em questão. Cada uma
delas funciona como uma das camadas que constituem os curtas-metragens documentais.
É sobre as escolhas referentes à cinematografia que prosseguimos, mais
detalhadamente, com este relato de experiência. Contudo, elegemos o enquadramento
como elemento de cinematografia que sintetiza a experiência de registro de imagens
em movimento.
Zé Silva – uma fotobiografia (2014)
Figura 1 – Quadro de entrevista do fotógrafo Zé Silva.
Fonte: Frame extraído do documentário Zé Silva – uma fotobiografia (2014).
Documentário disponível em: https://vimeo.com/124564471.
Ao enquadrar o fotógrafo Zé Silva para o registro de nossa conversa sobre a sua
trajetória e outros aspectos da profissão, percebi o quanto a estrutura da sala da
casa favorecia uma fotometria equilibrada e, ao mesmo tempo, sugestiva à proposta
do documentário. Seu rosto ficava sob sutil penumbra, gerada por uma contraluz que
entrava pela janela da sala da casa sem, contudo, criar um contraste muito
acentuado. Essa mesma luz que entrava pela janela reverberava nas paredes brancas
do compartimento da casa, atenuando a sombra do rosto. Essa distribuição de luz não
chegava a esconder o rosto por completo, permitindo perceber sua feição e gestos
faciais motivados pela força da fala. A decisão por esse quadro buscou a conexão da
entrevista com todo o conjunto narrativo do documentário a partir do perfil de Zé
Silva.
Zé Silva – uma fotobiografia (2014), realizado em 2014 – com duração de 14 minutos
–, é o trabalho de abertura da trilogia. O protagonista (personagem) é um
experiente fotógrafo que atuou no fotojornalismo baiano. Durante décadas, registrou
imagens para reportagens do Jornal A Tarde. Por essa razão, carrega muitas
vivências que tem grande prazer em partilhar. Após a extinção da versão impressa do
jornal para o qual fotografou por 23 anos, aposentou-se. Passou a fotografar como
freelancer. Foi numa dessas ocasiões que tive a oportunidade de acompanhá-lo ela
primeira vez. O meu plano de construir um documentário com ele coincidiu com a
jornada dele em busca de uma lagoa que tivesse sido construída pelas mãos humanas,
uma encomenda que recebera de uma agência de notícias. Precisava registrar um
espaço com essa característica para ilustrar alguma reportagem sobre ações humanas
como estratégia de enfrentamento à seca.
Figura 2 – Fotógrafo Zé Silva em ação. Registra lagoa construída pela ação humana.
Fonte: Frame extraído do documentário Zé Silva – uma fotobiografia (2014).
Nesse primeiro trabalho da trilogia, filmar o fotógrafo em seu campo de ação já
parecia ser uma camada fundamental da construção narrativa. Nela, foi tanto
possível colocar a gestualidade do fotógrafo dentro do quadro da câmera que eu
operava quanto encontrar imagens que ocasionassem um exercício rico de
cinematografia. Uma das espacialidades encontradas foi um pequeno cemitério da
comunidade onde ele buscava a lagoa artificial. Ali encontramos não apenas imagens
potentes do ponto de vista sígnico ou composicional, mas também fundamental na
amarração narrativa.
Figura 3 – Plano registrado no cemitério.
Fonte: Frame extraído do documentário Zé Silva – uma fotobiografia (2014).
O tema da morte, naturalmente suscitado pela força dessas imagens, acabou sendo
explorada na entrevista que gravamos. Ali, pude perguntar sobre a relação dele com
coisas da vida e da morte. Ao mesmo tempo, as imagens das cruzes e sepulturas
ocasionaram o desenrolar de uma outra temática. Em tom de algum modo misterioso, Zé
Silva acabava por revelar um segredo que ele guardava à maioria das pessoas que com
ele convivia: o fato de ter trabalhado como detetive particular anos atrás. Dizia
ele que, diante de um determinado trabalho, ao ser questionado sobre a privacidade
das informações de uma determinada investigação, ele afirmava: “sou um túmulo”. O
ar misterioso do fotógrafo que reservava a confidencialidade investigativa ditou o
ritmo da construção inspirando os planos numa sugestão à observação que com o
fotógrafo aprendemos.
Acima de tudo, o contato com Zé Silva deu acesso a uma postura de discrição na
aproximação dos temas a serem registrados. Assumindo a perspectiva da fotografia,
ele se coloca numa condição de escuta. Por certo, a busca cuidadosa por um quadro
de entrevista também tem a ver com isso. Na minha concepção enquanto fotógrafo,
escutar tais histórias precisava minimamente do estabelecimento de uma atmosfera de
intimidade, sem artifícios de luzes artificiais ou grandes interferências. Por essa
razão, aproveitamos a luz que entrava na janela da casa e iluminava o fotógrafo e o
espaço da sala, tão propício a uma conversa. Em alguma medida, buscávamos
reproduzir a própria ambiência de encontros comuns nas localidades rurais (ou de
menor porte), onde ainda se abre as portas da casa para receber alguém para
conversar. O olhar fotográfico de Zé Silva para as pequenas comunidades que ele
tanto demonstra respeitar em suas fotos, comparece num quadro em que, sentado no
sofá da sala, a luz da janela toca seu rosto.
J.C. D’Almeida – uma foto-síntese (2015)
Figura 4 – Quadro de entrevista do fotógrafo J.C. D’ Almeida.
Fonte: Frame extraído do documentário J.C. D’Almeida – uma foto-síntese (2015).
Já o quadro de entrevista do segundo trabalho da trilogia, segue uma outra lógica.
Com o entrevistado posicionado em primeiro plano em relação a uma parede branca
superexposta (em segundo plano), esta imagem dialoga com um contexto sócio-
imagético exemplificado na série do fotógrafo estadunidense Richard Avedon. Nesse
conjunto de fotografias, o fotógrafo retrata pessoas atuantes na cultura dos
Estados Unidos.
Disponível em: https://vimeo.com/142064004.
Disponível em: https://www.avedonfoundation.org/the-work
Figura 5 – Retrato de Truman Capote (1955), registrado por Richard Avedon.
Fonte: https://www.avedonfoundation.org/the-work.
Retratos como o do jornalista Truman Capote constituem um imaginário fotográfico
que nos informava à época do registro das imagens do documentário. Chama a atenção
o volume de personalidades “lembradas” nesses retratos. A arquitetura do
enquadramento utilizado em J.C.D’Almeida, em consonância com isso, é justificado
pelo objetivo de construir um filme-homenagem para uma pessoa que, por meio da
fotografia, dá importantes contribuições para a cultura da região Sudoeste da
Bahia. Ao enquadrar o personagem dessa maneira, há uma ênfase na pessoa,
propiciando um contexto de atenção ao discurso por ela construído verbalmente. A
exemplo do contexto imagético que nos inspirava, o documentário também era feito
para registrar a presença de uma pessoa fundamental.
A opção por colocá-lo na condição de uma “personalidade”, enquadrando-o dessa
forma, é motivado, de certa maneira, pela própria construção discursiva de J. C. D’
Almeida. Atento à sua narrativa de si e integradora da própria trajetória, percebia
a sua, às vezes, inconsciente aproximação de padrões gestuais e ideológicos de
reconhecidos nomes da história da fotografia. Destaco, nesse sentido, a referência
mais marcante: Henri Cartier-Bresson (1908-2004), fotógrafo francês que marcou uma
geração e co-criador da Magnum Photos, uma das mais conhecidas cooperativas da
história.
É muito curioso notar o modo como essa presença histórica marca J. C. D’ Almeida e
inspira a direção de fotografia do próprio documentário de um modo geral. Como
parte das imagens foi registrada em Paris, a voz do fotógrafo ecoava durante a
construção das imagens posteriormente utilizadas na montagem. Em certa medida, a
procura de Cartier-Bresson pelo “instante decisivo”, filtrada pelo fotógrafo baiano
que documentávamos, era transferida para a minha composição enquanto fotógrafo de
imagens em movimento.
Figura 6 – Plano ilustrativo do encontro do sonho com a realidade na montagem.
Fonte: Frame extraído do documentário J.C. D’Almeida – uma foto-síntese (2015).
Este frame é extraído da sequência em que D’Almeida, no documentário, fala sobre a
chegada dele à França – no episódio mais importante do seu percurso como fotógrafo,
no início dos nãos 2000. Ali, ele relata ter testemunhado, em seu íntimo, o tão
sugerido encontro do sonho com a realidade, numa referência a Cartier-Bresson.
Estar ali era uma experiência idealizada por ele à distância. Sonhava em um dia
poder viver um pouco do que se viveu na Europa nos anos dourados da fotografia, nos
idos das décadas de 1950 e 1960, quando a figura da(o) fotógrafa(a)s tinha um
espaço especial na vida social. Me refiro, especialmente, à força da condição
intelectual que fotógraf(o)s ocupavam nos debates públicos a partir de suas imagens
nesses anos, pautando debates
A expressão “foto-síntese” contida no sub-título do documentário é uma referência à
agência de imagens criada por J. C. D’ Almeida, claramente inspirada em
experiências como a da Magnum Photos.
e conversas, de modo a inseri-lo nos espaços informais da intelectualidade, tais
como os cafés, bares, restaurantes, praças públicas.
Figura 7 – Imagem registrada à margem do Rio Sena.
Fonte: Frame extraído do documentário J.C. D’Almeida – uma foto-síntese (2015).
D’Almeida, ao longo da entrevista utilizada no documentário, relata sobre as
belezas e agruras de embarcar num navio numa aventura em direção à Europa. Na
oportunidade de também estar lá, tentei seguir os passos do fotógrafo, a partir das
memórias que ele havia compartilhado comigo, e o resultado foi um conjunto de
imagens sugestivas dessa relação especial que ele viveu. Ao fazer registros para o
documentário, à margem do Rio Sena – lugar distinto nas memórias de J. C. D’Almeida
-, me dei conta do quanto a vivência com o fotógrafo me ofereceu motivações
mobilizadas ao enquadrar os temas. A imagem dessa mulher à beira do rio, em pleno
inverno, me remeteu a imagens que encontramos na obra de Cartier-Bresson.
Composições enxutas no que diz respeito à quantidade e disposição dos elementos. E
não só. Tal gesto fotográfico, marcado por um ato observador à distância, dialoga
com a própria ideia do flâneur, fartamente destrinchada no fio que passa por Alan
Edgar Poe, Charles Baudelaire e Walter Benjamin. O conjunto de imagens que
constitui o documentário está guiado por esse princípio quando foi necessário
registrá-lo em ação. Sempre dinâmico em sua movimentação corporal, era sempre
preciso enquadrá-lo de
longe. Posicioná-lo dessa forma na entrevista também tem a ver com o desejo de
mantê-lo parado, nem que seja por alguns instantes, para uma conversa.
Zanata – fotógrafo do campo (2019)
Figura 8 – Quando da entrevista do fotógrafo Zanata.
Fonte: Frame extraído do documentário Zanata – fotógrafo do campo (2019).
Em Zanata – fotógrafo do campo, a opção é por uma composição de quadro que integra
o personagem ao tema central do documentário. Diferente dos outros dois que o
antecedem neste relato, no caso dele há opção pelo registro de um único tema: o
futebol. Ainda que tenha havido tentativa de ampliar para outros esportes ao longo
do tempo, sua obra revela uma indissociabilidade exclusiva entre futebol e
fotografia. Mais que um retrato audiovisual de um fotógrafo, esse curta acaba por
tratar da relação de uma pessoa com o futebol. Dedicando-se a fotografar
campeonatos da zona rural, Zanata transfere o seu gosto pelo esporte para a prática
de um ofício. Ao longo do documentário, demonstra uma dedicação que parece
extrapolar a mera lógica laboral. Relata sobre o quão prazeroso é, para ele, sair
de casa para registrar especialmente atletas amadores. Não só. É a partir de uma
fotografia da arquibancada lotada de torcedore(a)s num dia de jogo entre
profissionais do Campeonato Baiano de Futebol,
Disponível em: https://vimeo.com/403011688.
que pensamos no enquadramento para a entrevista que ele concedeu para o
documentário.
Figura 9 – Fotógrafo Zanata com publicação da foto da arquibancada lotada.
Fonte: Frame extraído do documentário Zanata – fotógrafo do campo (2019).
Nesta imagem extraída do documentário, o fotógrafo nos mostra o ângulo de onde ele
registrou a fotografia naquele dia. A imagem está estampada na capa do Jornal
Esporte do Sudoeste, que ele criou para divulgar as práticas esportivas da região
Sudoeste da Bahia. A fotografia dá pistas para uma leitura da direção de fotografia
do documentário. À medida em que filmávamos, percebíamos a integração de Zanata com
a espacialidade e com o esporte. É como se não observasse apenas de fora, mas fosse
parte do espetáculo.
Figura 10 – Fotógrafo Zanata lembra momento do registro da foto da arquibancada.
Fonte: Frame extraído do documentário Zanata – fotógrafo do campo (2019).
Num dos planos mais destacáveis da narrativa, filmamos o fotógrafo de costas,
apontando para a arquibancada numa espécie de etnografia da imagem que ele mesmo
fizera anos antes. Essa busca do fotógrafo guiou a operação de câmera ao passo que
constituiu uma mise-en-scène favorável ao registro. O conteúdo e a forma do plano
convergiram numa mesma intenção. É como se buscássemos dar movimento à imagem fixa.
Figura 11 – Fotógrafo Zanata registra partida de futebol à beira do campo.
Fonte: Frame extraído do documentário Zanata – fotógrafo do campo (2019).
A integração do fotógrafo com o tema é percebida em outras tomadas constituintes do
documentário. Ele está inserido na paisagem do espetáculo esportivo de forma
recorrente. Aparece à beira do campo, no limite da linha que separa os jogadores da
torcida. Ou pelo menos deveria. Enquadrá-lo de forma quase que incrustada na
arquibancanda de um estádio de futebol revela, assim, que Zanata não apenas
fotografa algo que lhe é estranho, mas ele mesmo é personagem do espetáculo. A
maneira como ele orienta os atletas para a pose da foto da equipe, antes de cada
jogo, como se percebe no documentário, é gesto de um ator da mise-en-scène à qual
ele pertence. Tal espetáculo, cabe dizer a partir do que é registrado no
documentário, não acontece apenas entre as quatros linhas da partida envolvendo
jogadores e arbitragem. Com Zanata, apendemos que o observador do jogo – como é o
caso dele -, tem igual importância. Às vezes, ele parece querer invadir o campo, o
que acontece com sua lente teleobjetiva de alcance focal variável entre 75 e 300mm.
Enquadrá-lo na arquibancada é situá-lo no interior de suas próprias imagens.

You might also like