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ie od Normelio Zanotto © de Normelio Zanotto 19 edigao, EDUCS, 1986 UCS, 1991 1996 sDUCS, 2001 Capa: Thanara Sclionardie Rev Izabete Polidoro Lima Preparo dos originais: M&M Buss Assessoria Grdfica Digital Impressio ¢ acabamento: Merrépole Indiistria Grafica Dados Internacionais de Catalogagao na Publicagéo (CIP) Universidade de Caxias do Sul UCS ~ BICE ~ Processamento Técnico Z33e — Zanotto, Normelio, 1945. Estrutura mérfica da lingua portuguesa / Normelio Zanotto. ~4. ed. rev. - Caxias do Sul: EDUCS, 2001. 101 p. :22.cm ISBN 85-7061-162-5 CDU: 806.90-55 Ficha catalografica elaborada por B. H. Rech - CRB 10/337 Direitos reservados a: EDUCS - pq Kua Franses Ou: Cate Poxt Da 7 Universidade de Caxias do Sul ‘ ae ‘ » 1130 ~ CEP 95070-5600 ~ C s do Sul ~ RS ~ Brasil Telefone J foal 1382 ~ CEP 95001-970 ~ Caxias do Sul RS ~ Brasil efx Home Page: wy, sie 133 ~ Ramais: 2197 ¢ 2281 ~ DDR: (54) 218 2197 Digalizado.com CamScanner Sumario Apresentagao da 4! Kdig Introdugiio / 75 1 Bases par 1.1 Delimita 10 do Vocabulo Mérfico / 19 2 Constituiga do Vocabulo Mértico ~ Comutagio, Oposigao / 23 1.3 O Morfema /29 1.3.1 Tipos de morfemas quanto ao significado / 29 1.3.2. Tipos de morfemas quanto ao significante / 3/ A Raiz ¢ Radical / 37 5 Afixos / 39 .6 Vogal Tematica / 42 7 Mudangas Morfofonémicas / 44 8 Alomorfia / 45 9 Regras Morfofonémicas / 47 10 Homonimia / 52 154 12 Cumulagao / 54 1 1 1 1 1 1 1 1 1 2 Estrutura Nominal / 57 1 ONome/ 57 Constituigdo Mérfica do Nome / 58 Formagiio de Palav Derivagao, Flexio e Gr 2.4.1 Derivagio e flexiio / 61 2.4.2 O gran] 64 NNNN Rb Digalizado.com CamScanner 25 OGénero / 65 7 28 2.5.1 O significado do género / 66 25. minagao do género / 68 fio do género / 70 2.6 ONtimero / 76 2.6.1 O significado do ntimero / 77 2.6.2. A determinagao do nimero / 78 2.6.3 A descrigao do mimero / 79 3 Estrutura Verbal / 83 3.1 Verbos Regulares / 83 3.1.1 As trés conjugagées / 84 3.1.2 Andlise dos elementos estruturais / 88 3.1.2.1 Radical / 88 3.1.2.2 Vogal tematica / 88 3.1.2.3 Desinéncia modo-temporal / 90 3.1.2.4 Desinéncia ntimero-pessoal / 92 3.2. Verbos Inregulares / 93 3.2.1 Irregularidades no radical / 93 3.2.1.1 Irregularidades na P| IdPr / 93 3.2.1.2 Inregularidades na P2 TdPt2 / 95 3.2.1.3 Alternancia vocdlica mérfica no R / 96 3.2.1.4 Heterominia no R (radicais supletivos) / 96 Irregularidades no tema / 100 3.2.3 Inregularidades na desinéncia / 100 3.2.2 Referéncias Bibliograficas / 10/ Digalizado.com Camcanner 1 Bases para a Anilise Mérfica 1.1 Delimitagdo do Vocabulo Mérfico Como vimos na introdugao, nosso centro de interesse € a palavra, o vocabulo mérfico. Mas e o que se entende por palavra? Que é 0 vocdbu- lo mérfico? A primeira vista, a pergunta parece simpléria, e a resposta, um tanto Obvia. Veremos, porém, que 0 conceito que se tem desses termos nao € tao univoco, tornando-se indispensdvel dar-Ihes mais precisao conceitual. Em principio, poderfamos aceitar que palavra e vocdbulo mérfico se equivalem. E uma definicao esponténea diria que por palavra entende- se 0 segmento grafico separado na escrita por espago em branco. Euma definic’g que o concenso e a tradi¢ao certamente aprovariam. E, nesse caso, na frase Vimos nuvens brancas, ha trés palavras: vimos, nuvens, brancas. Note-se, porém, que essa definig&o € de critério grafico, ou mais que isso, ortografico, devendo; portanto, obedecer as normas de correco da lingua escrita. Ea escrita inegavelmente esta sempre bas- tante defasada em relacdo a realidade da lingua, que € primeiramente oral. Além disso, esse critério grafico, contrariamente ao que parece a primeira vista, dé margem a muita indeciso quanto 4 delimitagao do vocdbulo mérfico. Por exemplo, os artigos 0, a, 08, as, ou Os pronomes obliquos como me, te, se (tanto em énclise, como em préclise) constituem — Sozinhos — uma palavra? E em guarda-noturno, pé-de-moleque, arrepender- m intimeras outras formas nos-iamos quantas palavras existem? E ass deixariam davidas. Estrutura Mérfica da Lingua Portuguesa - 19 Digalizado.com Camcanner ; jo bascado em eivilizagbes dgrafas, OW NOS Aprendizes 4, Um estudo 7. no cotejamento entre linguas diferentes, Tove a, ou : eat ve eeito de palavra é bem mais complexg, ling! Jaria certamente que ; sis moderna poderia identificar a palavra com, ngiifstico, 0 SIZNO de Saussure, resultante, como jaunido de um significante ¢ um significado. Mas, nesse cacy eas oo signos? Na verdade, mudaram 0s termos, may, sigt at, Jém disso, cerlos autores, como André M. até uma frase inteira. Uma definigdo ™ equivalente a signo lit os exemplos citados s ec. A tine, imprecisio persist é consideram signo lingiiistico Poder-se-ia. quem sabe, reconhecer como palavras todas aquelas listadas num diciondrio. Os Sbices, porém, sao imediatos e€ varios. Por um lado, sabemos que os dicionat ios divergem uns dos outros, sob varios aspectos. Por outro lado, sao defasados, de vagarosa atualizagio. Além disso, muitas formas contextuais flexionadas, etc., nao sao, via de regra, dicionarizadas. sendo listados, isto sim, afixos, raizes de explicagao diacrénica, dificeis de aceitar como equivalentes a palavras. Percebe-se que palavra realmente n&o é um termo univoco; plurissignificativo, polissémico, em decorréncia de seu amplo uso popu- Jar, o que Ihe confere contornos semanticos imprecisos, tornando-o ina- dequado para emprego cientffico. Mesmo num contexto metalingiifstico, como numa aula de portugués, 0 termo palavra serve indistintamente tanto para fim morfolégico e sintatico, como semantico e lexicografico. Essa imprecisao conceitual recomenda deixar palavra servindo a seu uso tradicional e partir para a definigado de um termo substituto, 0 vocdbulo mérfico, ja referido. Nao se trata de procurar solug’o dando outro nome ao problema. Ocorre, em primeiro lugar, que vocdbulo mérfico € uma denominagdo em si mesma de indole morfoldgica. favorecendo, assim, uma especializagio de significado, Além disso. esse termo j4 encontra base de emprego ¢ definigio em manuais ¢ autores que trataram de estrutura mérfica, possibilitando partir-se de posigdes Ja estabelecidas, formas lingiiistic Tomaremos por base a teoria que distribui em livres, presas ¢ dependentes 20 - Normelio Zanotto Digtalizado.com CamScanner aco om eivilizagées dgrafas, ou nos aprendizes da seado OM cotejamento entre Linguas diferentes, reve. &bem mais complexo, ‘Um estudo bas oe cou mesmo n lingua requ o conceit cepa dlerna poderia identificar a palavra como +9, o signo de Sausstre, resultante, como ficante e um significado. Mas, nesse caso, salberios, da uni cio signos? Na verdade, mudaram os termos, mas a im . consideram signo lingifstico até uma frase inteira. Uma definigéio mais mo cequivalente a s Poder-se-ia, quem sabe, reconhecer como palavras todas aquelas taday num dicionério, Os dbices, porém, so imediatos e viios. Por mado, sabemos que 0s diciondtios divergem uns dos outros, sob varios aspectos, Por outro lado, sto defasados, de vagarosa atualizagao. Além disso, muitas formas contextuais flexionadas, etc., no sao, via de regra, sendo listados, isto sim, afixos, raizes de explicagdo sr como equivalentes a palavras. dicionarizada dincronica, dificeis de ace’ Percebe-se que palavra realmente nfo é um termo univoco; é plurissignificativo, polissémico, em decorréncia de seu amplo uso popu- Tar, o que Ihe confere contornas semanticos imprecisos, tornando-o ina- dequado para emprego cientifico. Mesmo num contexto metalingtifstico, como numa aula de portugués, 0 termo palavra serve indistintamente tanto para fim morfoldgico e sintético, como semantico e lexicogrifico. Essa imprecisdo conceitual recomenda deixar palavra servindo a seu uso tradicional e partir para a defini¢ao de um termo substituto, © vocdibulo mérfico, jé referido, Nao se trata de procurar solugio dando outro nome ao problema. Ocorre, em primeiro lugar, que vocdbulo moifico € uma denominagio em si mesma de indole morfoldgica. favorecendo, assim, uma especializagdo de significado. Além disso, esse {ermo jé encontra base de emprego e definigdo em manuais e autores Ge trataram de estrutura mérfica, possibilitando partir-se de posiges Hestabelecidas. Tor 7 maremos por base a teoria que distribui as form: lingiifsticas em livres, presas e dependentes, ° 20- ter io Zenota Por esse prisma, so vocdbulos mérficos as formas livres e depen- dentes. As formas presas nao constituem vocibulo mérfico; sio parte imtegr O methor entendimento dessa afirmacao exige que se examine com clareza 0 conceito de formas livres, presas e dependentes. O conceito de formas livres e presas foi introduzido pelo linguista americano Leonatd Bloomfield. Camara Jr. acrescentou as formas de- pendentes. Formas frase. ‘es silo as autGnomas, as que sozinhas podem constituir Maneira pritica de identificar as formas livres é através de pergunta € resposta. Por exemplo, os vocdbulos que couberem como resposta & pergunta: cle & seu amigo? so formas livres. E a resposta pode ser: ~E. ~ Sim. — Nao. ~ Felizmente. Etc. O recurso da perguntae resposta € pritico, mas ndo exclusivo, para caracterizar as formas livres, que podem manifestar-se em qualquer con- texto, mesmo fora do diseurso direto. © fato de uma forma figurar, ou a possibilidade de poder figurar sozinha, quer numa pergunta, quer em resposta ou em outro contexto, caracteriza-a como forma livre e, portanto, como vocibulo mérfico. Os substantivos, os verbos, os adjetivos so sempre formas livres. ‘Também o sao parte dos advérbios, parte dos pronomes e o numeral, A forma livre seri simples, se for indivisivel em unidades mérficas menores, como radical, afixos, desinéncias, vogal temitica. Se for divi- | forina livre, 2 presas € 1 dependente Eetrulura Mérica da Lingua Portuguese = 21 Digtalizado.com CamScanner segs, as onjunges so formas dependents, Os atigs, a8 PEP giscurso. Sempre aparecem acomaPanhadas ao tém auton pois nao de outras formas. « integrante de um voesbulo. Na lingua go part Eas formas presas sf Pt -a forma. £0 caso dos afixos, te a out adas diretame eserta aparecen lig ; das ‘estes, dos radicais ndo-aut6nomos vi algunas caactersticas que aucam a dstinguir as formas pre- alguns : canrrrendentes, Enquanto a press sf0 parte de vordbillo e ocu- sas das eee junto & forma de que fazem parte (REp9r), as depen a dar de posigo em relagdo ao vocdbulo de que no discurso, e podem mu Gependem (chamou-te, ndo te chamou), ou aceitam intercalagdo de utras formas (0 colega, 0 meu caro colega). Em: Os pdssaros voam no céwazul existem seis vociibulos mérficos, assim constituidos 2) os: forma dependente composta por uma forma dependente ¢ uma presa (0-8) ) pdssaros: forma livre composta por trés formas presas (pdssar-o-s) ) voam: forma livre composta por trés formas presas (vo-a-m) 4) no: forma dependente composta por duas formas dependentes (em-0) ©) céu: forma livre composta por duas formas presas (cé-1) 4) azul: forma livre simples. Em: A moca gostou da miisica ha cinco vocdbulos mérficos, que apresentam esta constituigao: 4) A: forma dependente simples +) moga: forma livre composta por duas formas presas (mog-a) ©) gostou: forma livre composta por trés formas presas (gost-0-U) d aa: forma dependente composta por duas formas dependentes (de-a) ¢) misica: forma livre composta por duas formas presas (miisic-a). Sabemos que existem outros pontos de vista sobre formas livres, ee dependentes. Esse que foi exposto e adotado, porém, parece ‘sivel etl na delimitagio do vocdbulo mérfico. 22 Normal Zanoto Embora aparente ser clara a deli \itagdo do vocdébulo mérfico pelo método exposto, poderiio surgir situagdes nao plenamente resolvidas. E 0 caso das palavras compostas, de locugdes estereotipadas, de frases fei- tas, que so caracterizadas como unidades sintaticamente indissocidveis, mas que morficamente se comportam como unidades compostas. 6 0 que Pottier (1972: 26-27) chama de lexias (guardda-noturno, fazer de conta). Elas atestam, sem diivida, a imprecisdo de limites entre a Morfologia ea Sintaxe. Mesmo assim, para fins didaticos de dissecacao morfolégica, optamos pelo desmembramento desses sintagmas, até pelo argumento de que, se assim nao pocedéssemos, haveria necessidade de admitir infixos flexionais, inexistentes em portugués. Nao desconhecemos, porém, que ‘© assunto é complexo. 1.2 Constituicao do Vocabulo Mérfico — Comutagao, Oposic¢ao ‘As formas livres e as formas dependentes constituem, como vimos, ‘08 vocdbulos mérficos. Do que se expés anteriormente também deve ter fieado a concluséo de que vocabulo mérfico tanto pode ser constituido por uma tnica unidade morficamente indivisivel, como pode ser com- posto de duas ou vérias unidades menores. Essas unidades menores indivisiveis so os morfemas. Quando 0 vocabulo for indivisivel, equi- vale a um tinico morfema; € monomorfémico. O morfemaé unidade elementar no Ambito da morfologia. E, portanto, unidade minima significativa, pertencente & primeira articulagdo de Martinet. Nao deve, entio, ser confundida com a unidade mfnima distin- tiva, o fonema, da segunda articulagao do mesmo Martinet (197 1a: 11). ‘Também nfo existe relagdo necessiria entre morfemae silaba. Pode, por acaso, coincidir 0 morfema com a sflaba, ou com o fonema, ou com 0 prdprio vocdbule, mas ser mera casualidade. Fonema e sflaba sio com- ponentes fonolégicos. Morfema & constituinte morfol6; Como depreender, destacar cada um dos morfemas constituintes do voesbulo mérfico? Sio dois caminhos para chegar com seguranca & depreensio dos morte Estrutura Motica da Lingua Portuguosa - 23, Digalizado.com Camcanner sro caminho é 0 da significaedo. Os morfemas so unida- rae eb faz sentido considerar um segmento de vocabulo ce segmento for significativo, se for responsavel bulo, como veremos nos tépicos Op des significativas. ‘como morfema Se esse por parte da significagao total do vo aque seguem. ; © segundo eaminho 6 fazer comutagéo entre voesbulos, mantendo uma eoluna uma parte permanente, listando noutra coluna elementos da oposigao lingtifstica em contraste, segundo estabelece o prine' “Por esse nome (comutagdo) se entende a substituigdo de uma invariante por outra, de que resulta um novo voeabulo formal” (Camara Je, 1970: 62). Ea comparagio entre palavras, substituindo ou eliminan- do parte da palavra, do que deverd resultar novo voedbulo. E importante ressaltar logo que dessa troca de elementos deve resultar nova significa- go, novo vocabulo. Exemplo: liv- | -inh(o) -A(0) -ari(a) -eir(o) Nessa “tabela”, pela terminologia de Elson & Pickett (1973: 19), temos um mesmo radical — livr- — mas comutamos os sufixos -inh(o), ~Alo), -ari(a), -eir(o). Cada vex que foi substitufdo um sufixo por outro, percebemos que surgiu novo vacabulo, com a significagao também nova. Esses quatro sufixos foram entdo responsdveis pelas novas significa- 05, ou, diga-se melhor, responsaveis pela parte nova da significagao, pois a base ~ liv-~ & a mesma, Nenhum desses quatro sufixos, porém, Pode ser subdividido em unidades significativas menores (a nfo ser des- tacar a vogal temdtica, que estd entre parénteses). Conclui-se daf que 08 uatro sufixos séo morfemas, so unidades minimas significativas. Como reforgoe para melhor entendimento, é interessante percorret occa é 5 "minho inverso, isto 6, manter permanente cada um dos sufixos & comutar 0 radical 24-- Normal 2anoto in(o) amigu- Test- ~A(o) cabeg- livre Jat- -ati(a) borach- | -eir(o) cozinh- cop- Devemos tomar dois cuidados bésicos na tarefa de comunicagio: fio segmentar além do permitido pela funcionalidade dos elementos, nem deixar de segmentar quando possfvel. Estarfamos incorrendo no primeiro caso se fizéssemos, por exem- plo, a seguinte segmentac4o carp-int-eir(o), pois a significagao bésica, 0 radical, ndo é carp-, mas carpint:. Além disso, que significaria int-? Qual sua fungao no todo do vocabulo? Nao s6 a resposta € negativa, como ainda inexiste esse suposto sufixo em outros voeabulos. Carpint-€, pois, um morfemna tinico indivisivel, nesse vocdbulo. O segundo procedimento incorreto seria considerar carpinteir- um morfema tinico, deixando de consignar a presenga de segmentos com fungao distinta, As comutagSes feitas acima comprovaram a existéncia do morfema eir(o); e 0 morfema carpint- pode ser depreendido comu- tando-o com, por exemplo, carpint-aria, carpint-ejar. Ressalvemos, por fim, que esses cuidadlos nio devem levar & obses- siio da segmentacdo, sendo proibido registrar mais de um morfema junto. Nao hé nada de incorreto em registrar-se, por exemplo, desatualizada-s, destacando-se somente o morfema designativo de plural -s, se essa éa inten- ¢f0, deixando juntos os demais morfemas. Os cuidados aqui recomendados silo pertinentes, quando a tarefa é depreender todos os morfemas de um vocdbulo, na intengio de dissecar a estrutura mérfica nele operante. Estutua Métea de Lingus Portuguese « 25 ad Digtalzado.com CamScanner Outros exemplos de comutago, com verbos: part 'b) vogal tematica ga anul- aument © desinéncia modo-temporal | reserv-a- “va mand-a- coloc-a- d) desinéncia nimero-pessoal_ | gast-a- “8 beb-e- dirig-e- Essa tarefa da comutagdo esté assentada basicamente no principio da oposigao lingiifstica, que examinaremos melhor a seguir. “Oensinamento de Ferdinand de Saussure convenceu os lingilistas que nada vale na lingua sendo por oposico, o que é verdadeiro para todas as unidades lingifsticas, quer sejam fonicas e distintivas, ou significativas, isto é, dotadas de uma forma e de um sentido” (Martinet, 1971: 146). E sem divida basilar a afirmagdo de Saussure classificando a lin- gua como um sistema de oposicdes. Oposigao é, entdo, a propriedade que tém os elementos da Iingua de se distinguirem pelos tragos contrativos que apresentam. Toda oposicdo supde identidade ¢ diferenga. A identidade permite ae Possam ser comparados. A diferenga permite que se oe un. Doi elementos que nao apresentam diferenga nao sio dois: ne “Omparado a ele mesmo. Por outro lado, dois elementos Presentam algum traco de identidade nada t¢m de comparivel. 26 - Norma Zanoto A identidade ea ferenga devem ser relativas ao aspecto que esteja sendo investigado. Se o interesse é fonol6gico, podemos comparar, por exemplo, /patol e /batol, sendo a diferenca o primeiro fonema, e a seme- 08 ts Uhtimos. Se o interesse for morfolégico, é cabivel compa- ar vender e vendar, sendo a diferenga a vogal temiitica, que distingue as duas conjugagées, ¢ a base comum, o fato de pertencerem ao sistema verbal (ndo sendo pertinente & morfologia a coincidéncia de os elemen- tos contrastivos serem fonemas). A diferenga que os termos comparados apresentam é a marca. A oposigtio pode dar-se entre um termo marcado e outro niio mar- cado, ou entre termos todos marcados. No primeiro caso, a oposigio chama-se privativa; no segundo, a oposicao € agitipolente. A oposigéio privativa poe em contraste um termo que apresenta de- terminada marea com outro que se distingue do primeiro pela auséncia dessa marca, ou vice-versa. E assim que se distingue, em portugués, na maioria dos casos, 0 singular do plural: casa, casas. Sabe-se que casa é singular pela auséncia da marea de plural (morfema zero) em oposigio a casas, que tem a marca de plural -s. Assim se di também a oposigio entre masculino e feminino na maior parte dos nomes: gato, gata, em que gato nio tem marca de masculino (0 -0 vogal temética) e gara tem ‘0 morfema de feminino ~a : A oposigdo privativa nao ocorte somente para distinguir o singular 0 plural, ou o masculino ¢ o feminino. O nimero ¢ 0 género foram af citados como exemplos. Es outros intimeros fatos lingtifs A oposigdo eqitipolente coteja vorabulos todos marcados. Cada um “aso de «tn oe is. A pessoa verbal nos nos & desinéncia de pri- fa pessoa plural (PA): -is 6 nda pessoa plural (P5). Na for ogia, € eqitipolente a oposigao entre os dois ditongos de- io as marca lala da Lingua Portuguesa = 27 Digtalizado.com CamScanner re ¢ ledo: segundo André gd, t base cor Semant Martinet (197 6 fato de serem termos pertenc \ém disso, tém de idéntico u o animal, gue ise ere mares etabsese se através dos ter panama essa a no cofundi um aia om © out ‘Un teoeiro tipo de oposieao. a gradu, que se daa entre tr€s ou nai are aradativamente, corno admitem Trubetzkoy e Camara Jr i eras Je 1970: 3), pode ser desconsiderado, desde que se admit para todos os casos 0 binarismo. YYejamos o tipo de oposigdo que ocorre entre os termos abaixo sob o ‘ofato de pertencerem 20 reino a -s aspecto indicado, a) Género: menino, menint privativa b)Género: peru, perua: privativa ©)Niimero: muro, muros: privativa )Némero: alto, altos: privativa ¢) Pessoa e nuimero: escreve, escreves: privativa £ Pessoa e nimero: escreveis, escrevem: eqiiipolente 2) Vogal tematica: cortay, vender: eqipolente h) Modo e tempo: enviasse, enviard eqiiipolente i) Modo e tempo: envia, enviasse: privativa J) Sufixo derivacional: Jaranyja, laranjei privativa Ocssencial a destacar, enfim, € que 0 vocdbulo mérfico compie-se de morfemas: um, se for vocdbulo simples, dois ou mais, se for compos- 12, Nocaso de ser composto, a depreensdo dos varios morfemas é feta Bs andoseem Contaa significagao e fazendo comutagdes, com o objetivo ar identidade e diferencas entre os vocabulos. 28 nemato Zanota 1,3. O Morfema mente portadora de alguma significagao ou fungao As palavras mar, sol, colibri, jacaré constituem cada uma um morfema, porque so unidades significativas indivisiveis. Isolada parte qualquer cesses vocdbulos ~ *col-, *jacar- por exemplo ~ esse segmen- to fonico nao sera portador, sozinho, de nenhuma significagiio, nfo pas- sa de fragmento de palavra. Nem sempre, no entanto, morfema e vocabulo se equivalem, Em ja- caré-s € colibri-s existem dois morfemas em cada palavra; além de jacaré ¢ colibri — radicais — aparece o morfema de plural -s. Em sol-ar também ha dois morfemas — 0 radical sol e o morfema derivacional sufixal -ar. ‘Também pode ocorrer que 0 morfema seja constituido de um s6 fonema, ou de uma s6 sflaba, como em e, hd, -a (desinéncia de femi no), mas ser por simples coincidéncia, Morferna, entio, é a unidade mérfica minima. podendo coincidir, mas nfo se confundindo nem com vocabulo, nem com silaba, nem com fonema, 1.3.1 Tipos de morfemas quanto ao significado Levando-se em consideragio 0 significado, os morfemas dividem-se em lexicais e gramaticais. Essa divisio leva em conta a funcio ou signi- ficagiio que 0 morfema desempenha no conjunto do vocabulo. 1) Morfemas lexicais ~ So os portadores da significagio basica do vocibulo. Martinet os denomina de lexemuas.e Vendryes, de semantemas. Silo eles os responsiveis pela signifieagio externa, ndo-gramatical, Essa ficagio na raiz (ou radical primério) do vocabulo. Estrutura Mrfica da Lingua Portuguesa » 29 Digtalizado.com CamScanner vos so as classes de maior carga se~ - eee ! Nessa classificagio, Luft considera a vogal temética como sendo Verbos, substantivos € panne | va que est concentrada exatamente 10S um morfema derivativo, o que é discutivel, pois nesse caso uma palavra tb) Morfomas grameaticais (ou morfemas siriel0 $e Sao os res- como livro seria derivada, ja que 0 -0 é vogal tematica. Or ance is do vocabulo, Podem ser divididos ponsaveis pelas fungoes gramaticais Cote, Nos exemplos abaixo, os morfemas lexicais esto e eens grupos. de acordo com su func ciulas ¢ 0s gramaticais, em mindsculas. — que servem para formar novas pala- L. salinha: SAL- 1. morfemas derivac ras: $80 05 prefixos € 08 SUfIXOS: 2. bebas: BEB-< + moyfemas flesionais ~ que respondem pelas flexdes (de tempo, 3. deseduear: des-EDUC-a-r modo, niimero e pessoa nos verbos, ¢ de género niimero nos nomes); 4, desengarrafadas: des-en-GARRAF-ad-a-s 3, morfemas clasiicatéros ~ que distribuem os vocdbulos em ca- 1 5, complicadissimas: COMPLIC-ad-tssim-a-s tegorias:sio as vogais temsticas, tanto verbais como no | Vendo 0 assunto por outro Angulo, podemos dizer que so basica- Excetuando-se, portanto, os lexemas, 0s demais constituintes | ents qual’ 6s lingoer do morfena mérficos do voedbulo sao morfemas gramaticais. 1. enfeixara significagdo basiea........ R2-Rd (semantema) MD (prefixos, sufixos) MF (desinéncias) VT (vogal teméticano- minal e verbal) Observacdo 1 - Entre um grupo e outro dos morfemas gramati- cais, existe certa gradacdo de significacio, isto é, os morfemas flexionais ‘fo menos nocionais que os morfemas derivacionais; 0s classificat6rios sGo mais vazios ainda, havendo até quem negue & vogal temitica a con- digao de morfema. 2. derivar novas palavras. 3. flexionar as palavras 4, distribuir as palavras em categorias. Observacao 2 — Existem autores que consideram morfemas so- | Bxemplificando: mente os morfemas gramaticais propriamente ditos, que se combinariam Se ‘com os semantemas. | paso Lentronizados | en- | tron- | iz-ad- | o- “S interessante aclassificagao que Luft (1989: 90) faz.dos morfemas: | 2erecolocadas | _re- | coloc- | -ad- “as | 3. papelucho papel_| -uch- pretixo sufixo | 1.3.2 Tipos de morfemas quanto ao significante icatério: vogal tematica f nuclear. somes | peritricos de tema: class se em consideragao o significante, os morfemas dividem-se aditivo, subtrativo, alternativo, reduplicativo, de posigao, fexivos. asm desinéncias 80 - None zene Estrutura Méfiea da Lingua Portuguesa - 31 to rT Digtalzado.com CamScanner fas, tomando-se por base 0 sign ‘a fungao do morfema, m . al fonico, que pode ser um seg. significant mento acrescido, »)Adiivo - & 0 morfema rep base mérfica ji mo de um seg. existente (radical, tema). mento fonico feito & ‘Acréscimo ao radical: IN + fe ‘Acréscimo ao tema: livro + S, 0 seamento fonico pode ser adicionado no comego, no meio ou no fim. No comego ~ Sio os prefixos. Na lingua portuguesa, $6 existe o prefixo de carsterderivacional: IM + por, DES + leal. O prefixo flexional inexiste em portugues. Aparece em outras linguas. No grego — leipo: eu deixo, elepon: eu deixava: no sanscrito ~ vadamé: eu falo, avadami: eu falei Pata Cimara Jr. (1970: 51), 0 prefixo derivacional é um caso de composigio vocabular, posicdo dificil de defender. O autor faz. essa afir- magiio considerando que os prefixos so preposigdes com “tragos pré- prios, de natureza morfolégica e semantica” (id. ib.), o que até pode ser uma verdade, mas de natureza diacronica, hist6rica, Na funcionalidade atual da lingua, os prefixos so formas presas (ver 1.1), desvinculados do quadro das preposigées, No meio — E 0 caso dos infixos. Na lingua portuguesa nfo existe infixo de cardter flexional, nem de carter derivacional. Ha quem cite as vogais € consountes de ligacio como sendo infixos. As vogais ¢ consoantes de ligacio, porém, néo desempenham nenhuma fungio ‘morfol6gica, ndo podendo, por conseqiiéncia, ser consideradas morfemas. Na descrigaio mérfica : — ‘40 mérfica podem fazer parte do morfema seguinte, consti- 'windo com ele um alomorfe (ver 1.5). fo haver é Troe zo infixo em portugués, podemos exemp! ficar com umit ee ia da California, o yana, que tem o infixo RU, ind ‘wi: curandeiro, k'uruwi: curandeiros, 382 - normets 2anoto No. final — Constitui o morfema aditivo sufixal. Eo que mais ocorre em portugués, tanto para a derivacio como para a flexiio. Na flexio € quase exclusivo. Q acréscimo pode ser feito: ~ ap6s 0 tema: mestre + s: mestres ~ apés 0 semantema: guri + zada: guricada b) Subtrativo - Consiste na eliminago de um segmento fonico, de uma parte do vocdbulo (do tema ou do semantema), acontecendo, por- tanto, 0 contrério do que ocorre com o morfema aditivo, Sao exemplos em portugués: réu, ré— mau, md, em que foi eliminada a vogal temética -1nos dois casos, ficando somente o semantema: ré, md. O efeito dessa subtragdo € a oposigdo masculino-feminino ‘Também pode ser exemplo de morfema subtrativo a chamada for- magao regressiva de palavras: foto por fotografia, cine por cinema. Curioso é observar que, em certas ocorréncias, 0 elemento subtraf- do € 0 semantema, permanecendo o prefixo, que passa a constituir nova, palavra, aut6noma: extra por extraordindrio, micro por microempresa, méxi por maxidesvalorizagao (da moeda, em época de inflago) O morfema subtrativo nao é a presenga de segmento fonico, nem sua eliminago, mas a oposigdo entre os dois estados. O morfema passa a ser uma abstragio. ©) Alternativo — Caracteriza-se pela mudanga, pela alternancia de tragos fénicos dentro do proprio semantema, Aqui também o morfema € sutil, abstrato, resultando da diferenca proveniente da oposigao estabelecida entre um vocabulo e outro. Ocorre morfema alternativo centre, por exemplo: avo e avs pude e pode Siz, fez, faz No inglés: house/haus/ (casa) & house/hauz/ (morar) No alemio: tater (pai) © véiter (pais Estiutora Mérfica de Lingua Portuguesa - 33, Digalizado.com Camcanner alternativos, é importante ressaltar dois tipos mas z vr amorfénica a sbmorte troca de uma vogal por femas diferentes. Eo caso de avé, avd, para -6. Essa troca € responsdvel Dentre os morfe de alternancia vocalict 1. Alternéncia vocdilica do que resultam mort dou de -0, yal final do radical mu oC ° inino de av6 nao 6 0 -6, que rn ri Oe verbs fi, foi tive, teve ~punha, pon. Sao ocorrencias especiais no vesanismo da flexdo portuguesa, que, afora esses e alguns outros ca- fos, asenta basicamente em morfemas segmentais aditivos, isto 6, seg- mentos fénicos acrescidos ao radical ou ao tema. 2. Alternéncia vocdlica submorfémica — Aqui ocorre também a troca de vogais, mas concomitante com outra modalidade de marear a presenga de determinado fato gramatical. Ocorrem, por exemplo, na formaczo de feminino dos adjetivos terminados pelo sufixo -oso: gran- dioso, grandiosa. A indicago de feminino é feita primeiramente pelo morfema aditivo sufixal -a; secundariamente, pela alternancia de timbre fechado para timbre aberto das vogais. Por ser secundaria, redundante, ssa alternncia € submorfémica, sendo morfémica a adigao da marca de feminino -a. Assim ocorre na formaco do plural desses adjetivos, ben como de muitos substantivos: porto, portos; tijolo, tijolos. Também mui- tos verbos alteram a vogal do radical mudando de pessoa, ao mesmo tempo que acrescentam a DNP: firo, feres; durmo, dormes outra, Outro tipo de morfema altemnativo é 0 que tem por base tragos su- Pra-segmentais, Em portuguts é relevante destacar, sob esse aspecto, a oposigdo que se estabelece pela troca de acento tOnico: (@) formula — (ele) formula (@) fébrica ~ (ele) fabrica (0) médico (eu) medico Sdbia - sabia ~ sabia esta ~esté 34 Nometo Zancta 4) Reduplicativo - Consiste na repetigo de parte do semantema. NZo existem exemplos na flexdo portuguesa. Ocorre, por exemplo, em sudanés: wo (Fazer), wowo (feito); no tupi: abd (homem), abd-abd (homens). Em portugués, hd casos de reduplicagdo, mas com efeito estilistico ou semiintico, para indicar, por exemplo, carinho: pai, papai, papd; mae, mamde, mamd; Zé, Zezé; Edu, Dudu, Duda. €) De Posigiio ~ O morfema de posigéo ocorre com a troca de posi- ‘gfio dos sernantemas. O resultado pode ser a mudanga de classe gramati- cal (estudante brasileiro, brasileiro estudante), mudanga de classe gra- matical com implicagio estilfstico-semantica (autor defunto, defunto autor), mudanga de fungao sintatica (0 pai ouve 0 filho, o filo ouve 0 pai). Como se nota, o morfema de posi¢do extrapola a estrutura mérfica, envolvendo sintaxe, seméntica, estilfstica f) Zero -O -O morfema zero € o resultado da auséncia significativa de morfema, Sabe-se, por exemplo, que livro est no singular pela ausén- cia de um morfema que indique plural, em contraste com livros, em que plural esta caracterizado pela presenca do morfema de plural -s. Eo que ocorre, como regra geral, com o ntimero, em portugués. O singular caracteriza-se pela auséncia de morfema de ntimero, isto é, pelo morfema zero, enquanto o plural apresenta morfema aditivo sufixal -s. Outros exemplos, quanto ao mimero menino+@ — menino +s guri+® = = gurits discot+® — - discos menina+@ —— —-menina +s ave+® - avers belo+O = - —rdbelots Idéntica presenga tem o morfema zero para indicar género masculi- no, em contraste com o fem mo norma geral, € marcado pelo mor {guri, © masculino esta indicado pelo mortema zero (~ of ai, Vogal temtica), enquanto 0 term como Marea o Mortema = vr BN ;[Pel_+ RSD SD + G+ DN] — oe Observe a estrutura mérfica dos nomes do quadro abaixo, pap peel 2: ah le 3. costume |costum- 7 : 4. acostumado ' S ssexssenal i sam fete 5 coin [ak ° i ‘58 Noxmelio Zanotio Podemos, & primeira vista, ter a impressio de certa desordem na estrutura do nome. Essa impressio sera de pronto desfeita se nao perder- mos de vista que so trés os tipos basicos de morfemas que constituem o nome: 1. 0 radical (semantema), que dé a significagao basica; 2. os morfemas derivacionais (prefixos € sufixos), que formam novas palavras; 3, os morfemas flexionais (desinéncias), que especificam género € néimero. Nos nomes teméticos, ha um quarto elemento, a vogal tematica, que, somada ao radical, forma o tema. 2.3. Formagao de Palavras ___ 3 roo A formagio de palavras consiste, basicamente, na combinagao de morfemas (radicais e afixos), possibilitando, assim, que o niimero de pa- avras de uma lingua seja maior que o acervo de elementos. Compulsando quaiquer boa gramitica, constataremos que o niimero de prefixos e sufi- xxos nao passa de algumas dezenas. Porém 0 mimero de palavras em que cles aparecem repetidos sobe a varios milhares. A mesma multiplicago de usos se verifica com os radicais, que se repetem em todos os cognatos. Essa possibilidade de manifestar diversas significagdes ou fung&es combi- nando elementos, nao criando um novo vocdbulo a cada vez, constitui-se ‘em fator de economia. E 0 uso multiplicado de um acervo de morfemas limitado, fato que acontece nio s6 com a formagio de palavras, mas também com a flexiio. Sio, a princfpio, dois os processos de formagio de palavras, com subdivisoes: = acombinagio de radicais: composigio — a combinagiio de afixos com radicais: derivagao. Estutura Mérfica da Lingua Portuguesa - 59 Digalizado.com CamScanner vide em girassol cabisbaixo. A composigdo se subdi ~ justaposigdio: passatempo, ~ aglutinagio: boquiaberto, 10 modalidades: ‘A derivagio aprese ~ prefixagio: DES-leal, BIS-av8 = sufixagao: folh-AGEM, sol-AR ~prefixagio esufixagio: DES-Leal-DADE, SUPER-aquec-IMENTO ~ parassfntese: A-mort-EC-er; DES-alm-AD-o = regressio: corte (de cortar), descanso (de descansar). ‘As quatro primeiras modalidades de derivagdo fazem-se com ‘morfemas aditivos. A derivagdo regressiva é a tinica que se forma atra- vés da subtragao de morfema. As graméticas acrescentam a derivacao imprépria e o hibridismo. A derivacao imprépria fica fora do ambito da estrutura mérfica, pois nela ndo ocorre a combinago de morfemas. Esse processo, que designa a troca de classe gramatical de um vocabulo, envolve a Sintaxe e a Se- mantica, pois é o contexto eo sentido que entram em jogo. A Morfologia interessa a conseqiiéncia do processo, que € a troca de classe, mas nao é, ha verdade, um caso de formagio de palavras por combinagao mérfica. Na frase: Um sim é menos duro que um no, o sim e 0 ndo, que normal- mente sdo advérbios, trocaram de classe gramatical, funcionando ai como substantivos. Mas essa troca resulta do contexto sintético, pois morfi- camente 0s dois termos nenhuma alteracdo sofreram, voi Quanto a0 hibridismo, esse é um processo que se dilui nos demais, na combinagdo de afixos e radicais, O fato de provirem de linguas diferentes no interfere fi ‘i hibridismo, porque aati na classificagdo, Auriverde — dito dade, composigao por a portugués, por gles, -ista: vele um fato lingii Embora re- sas na formagao de fnguas diver- rangi 60 - Normete anata 2.4 Derivacao, Flexao e Grau __ eee er As graméticas, tradicionalmente, apresentam, de um lado, a deriva- ‘go. como um dos processos de formagao de palavras, e, de outro, aflexio, incluindo o grau entre os processos flexivos. Mas 0 grau € realmente um caso de flexao, ou ficaria mais adequado inclui-lo entre as possibi des derivacionais? Destacando primeiro as caracterfsticas da derivagdo e da flexdo vendo as marcas do grau, ficaré facil deduzir, a0 final, a classificago ‘melhor do grau, se entre as possibilidades derivacionais ou flexivas. | 2.4.1 Derivagao e flexio | {A primeira distingdo ressalta do fato de que a derivagao faz parte de \ uma relagdo aberta, ao passo que a flexdo pertence a uma relagtio fecha- da, Isso quer dizer que as possibilidades de derivar novas palavras ¢ até | mesmo de criar algum novo morfema derivacional permanecem em aberto, aceitam quer a imposigao da necessidade de expressar novos conceitos, | quer a intromissao do impulso criativo, geralmente ligado & literatura, \ 0 passo que as possibilidades de flexdo esgotam-se nas listagens da zgramética, ou neste quadro sinético: de ginero {™B2euine | gine Ye singular de ndmero 3 plural flexio dda modo e tempo no verbo do numero e pessoa fa Matin a Lingua Po Digalizado.com Camcanner lo, as possbilidades flexivas de peda? So. irlista de flexes desse termo se esgo. porém, sio varias. Listando algumas, (ou. Promos sempre orsca de esquecer outras, ou de nfo imaginar que comelo dia certo autor descobrisse nova possibilidade derivacionay ‘iu ndo consignada pelo Ixico da lingua. Por isso a derivac&o € relagio aberta Caso fossemos incumbidos da tarefa de listar, por exemplo, as possibilidades derivacionais do radical escur(o), certamente no nos Iembrarfamos de incluir esta, que surgiu no seguinte didlogo, entre pai ¢ filho, viajando de madrugada: Quais sfo, por exer mente uma, a de plural pedras. € tou. Possibilidades derivacional — Deita e dorme, ho: é madrugada ainda. ~ Nao, pai, Eu preciso ficar despertado, Quero ver desescurecer, Noutro didlogo, a mae quis saber do filo como conseguira colar uma folha, se a cola havia acabado. O menino logo esclareceu: ~ Mie, eu lingiiei a folha e depois colei, deri ambem £ provével que, numa listagem das possibilidades derivacionals de chuwa no fossem inclufdas as seguintes, de Carlos rummond de Andrade (do poema Caso Pluvioso): ~ chuvissima criatura ~~ chuvadeira maria ~chuvil, pluvimedonha ~ as fontes de maria mais chuvavam = atro chuvido = tal chuvéncia, No sistema fechad Sm 10, as possi — morfemas sao previchen Po*silidades combinatérias e o nimero de Fl A f exaustivamente, Do ven * Etamética tem condigoes de listé-los exaust das combinagaes (us nag oy POUese fazer uma listagem completa do verbo, ‘Aue nO € outra coisa seniio a conjugagio 62 tometo 2enate O sistema fechado nao é exclusividade dos morfemas formas presas. ‘Af sZo incluidas também formas dependentes ¢ livres como 0 artigo, a preposigio, 0 pronome, o advérbio pronominal; o numeral e a interjei- ‘go, até certo ponto; 0 numeral é listavel, mas prossegue a0 infinito; a interjeigdo também aparece listada, mas nao exclui criagdes novas. O sistema aberto, por seu turno, também vai além do processo derivacional, estendendo-se aos substantivos, verbos, adjetivos e advér- bios nominais, ou mais exatamente, aos semantemas em geral. A cada instante o mundo sente necessidade de criar novas palavras para designar inventos, idéias, fatos que acabam de vir & luz Em sintese e reafirmando, a flexao pertence ao sistema fechado, a0 passo que a derivacio constitui relagao aberta, ‘A segunda marca que distingue derivagao ¢ flexao é a obrigatoriedade para esta e a liberdade para aquela, Podemos escolher entre usar uma forma primitiva ou derivada, mas nao podemos escolher entre um mas- culino e um feminino, um singular e um plural. Dessa segunda marca decorre uma outra caracteristica distintiva, @ concordancia. Junto com um substantivo feminino s6 cabe adjetivo flexionado no feminino. Acompanhando um sujeito de segunda pessoa singular deverd aparecer um verbo na segunda pessoa singular. F a obrigatoriedade da concordancia. Como diz Camara Jr. (1978: 49): “[...] na ‘flexdo” hd obrigatoriedade e sistematiza¢ao coerente’ '. E ainda: “Qs morfemas flexionais esto concatenados em paradigmas coesos.” Outra diferenga que distingue flexdo e derivagio é de carter se- mintico. A derivagio introduz, via de regra, alteragdes de sentido mais profundas do que a flexo, Entre anda e andava existe apenas a diferenga de tempo; e entre pedrae pedras também a diferenga é de uma unidade para mais de uma, diferenga inegdvel, mas menor do que aquela que existe, por exemplo, entre pedreiro e pedreira. ‘A derivagao é, enfim, um processo de formar palavras, de multipli- car 0 uso de um mesmo semantema, wtilizando-se prefixes ¢ sufixos, dentro de um quadro de possibilidades que a lingua oferece, mas um adro aberto, facultando novas eriagdes. etrtura Moti da Lingua Portuguesa - 63 Digalizado.com CamScanner ormativa da lingua, que preceitua a gdm 7 imposigi t certos outros, SM Opeao para ing. a flexio é uma i aoe termos com concordéncia de certos vagbes arbitrrias. 2.4.2 O grau icas da derivagio e da flexdo, vejamos a “Analisadas as caracte! di rat. melhor posigao pare 0 s! ~ aa das gramstca alia 0 grau no quadro das flexes, em tabelece a propria NGB, que claramente explicita Am decorténcia do que es 2a) em género joxio do substanvo { b) em numero co) em grau 'a) em género flexdo do adjetivo —{'b) em nimero ) em grau (Kury, 1964: 20) Quem contestou essa posigdo fortemente enraizada na tradigao foi Camara Jr. (1978: 50): “[...] a expresso de ‘grax’ nfio € um processo ¢gramatical em portugués, porque nido é um mecanismo obrigatério ¢ coe- rente, ¢ nao estabelece paradigmas exaustivos e de termos exclusivos entre si Essa oposigao € defensavel e, além disso, coerente com 0 que Se disse no t6pico anterior sobre derivagao e flexio. Foi dito, em sintese, impde a concordanci tizago coerente’ bem definido den pela gramitica. ue a flexio tem o cardter de obrigatoriedade, Constitui uma série fechada ¢ apresenta “: isto €, um modo de operar (de fazer feminino, plural) tro de um quadro de possibilidades preestabelecidas 64-- NarmatoZanoto a io, foi caracterizada como de uso livre, sem obrigacdo de concordancia, constituindo uma relagio aberta ¢ desindexada do sistema gramatical, Eo grau, a qual dessas q rO marcas se submete? Em primeiro lugar, o grau 6 de uso livre. & de livre escolha do falante dizer se prefere wma casa pequena, ou pequeninha, ou pequentssima, ou, ainda, wna casinha, um casebre, um casario, uma baita casa. Em segundo lugar, ndo hé concordancia entre uma forma e outra, podendo estar casa em grau normal, pegiena em grau diminutivo, ou vice-versa, ‘ou em qualquer outra combinagao que a lingua admita. Em terceiro Iu- gar, © grau constitui série aberta e assistemtica, uma vez que, por um lado, os sufixos de grau sao até certo ponto aleatorios, existindo varios para certos nomes e inexistinclo para outros, e, por outro lado, as listagens, tanto dos sufixos de grau como de suas combinagdes com os semantemas nao sto exaustivas; as graméticas nao esgotam as possibilidades; citam exemplos, cio amostras, mas nao retiram a faculdade de novas criagdes. Por tltimo, vale relembrar uma diferenca de ordem semantica: enquanto a flexao, especialmente no adjetivo, simplesmente cumpre uma obriga- io de concordar, o grau introduz alteragdes considerdveis de significa- Gio. Conclui-se com facilidade, entdo, que o grau apresenta as caracte- risticas dos fatos derivacionais. Sua inclusio entre as possibilidades flexivas da lingua deve-se a uma atitude de imitacdo A gramatica latina, em que havia motivos para enquadrar o grau entre as flexdes. Mas a inércia dos gramiticos deixou essa situagdo reproduzir-se até hoje 2.5 O Género A trad género. Li guesa, de do recimeentos, por etapas. Esutua Moti da Lingua Portuguesa - 65 Digalizado.com Camcanner __2.5.1 0 significado do gener | 2.5.1 O significado do género ingiio de sexos. Para les género sig ples d . comegar, o género € uma cago obrigatéria para todos os subs tantivos, que so ou masculinos ou femininos, apesar de incontéveis substantivos designarem seres assextiados, os quais sequer pertencem a0 reino animal. ‘Sob o aspecto da influéncia semdntica que género tem sobre os substantivos, estes dividem-se em vérios grupos. Inicialmente, para um grupo numeroso de substantivos, o género no tem nenhuma influéncia semantica. So masculinos ou femininos pela obrigatoriedade gramatical de serem uma ou outra coisa. Se ponte, {fonte, parede passassem para 0 grupo dos masculinos, s6 haveria a ‘estranheza inicial de quem jé esta acostumado a fazé-los acompanhar de determinates femininos, mas nenhuma alteragio de significado ad) Continuariam com sua carga semantica inalterada, Corrobora essa tese a troca de género de intimeros substantivos na passagem do latim ao portugues (e a outras linguas romfnicas). Quercus (carvalho) era feminino em latim e passou para 0 masculino no portugués. J4color (cor), honor (honra) no latim eram masculinos. Os neutros obri- gatoriamente trocaram de género, passando a masculinos ou femnininos, Muitos substantivos em portugués tém género vacilante: o/a soja, ofa tapa, ofa telefonema; outros sio indiferentemente masculinos ou femininos: o/a personagem, ofa soprano, ofa sentinela, Em qualquer dos casos, porém, sua carga significativa permanece inalterada, Pouco importa que as graméticas fagam listas de alerta, fato, lids, que comprova a vacilago no uso, que é 0 verdadeiro fato lingtifstico analisdvel. A lista da gramaitica é imposigo normativa. A gramitica determina: cal, cdlera, dinamite so femininos; ¢ setencia que dé, telefonema, grama (peso) si0 masculinos. O uso, indiferente as preocupagdes dogmaticas, esté indeciso; oscila entre um ¢ outro; varia conforme a regitio, a ot iio, o nivel. Entretanto 0 que : porta perceber é que a carga semantica esses substantivos nao se altera, nem com as determinagées dogmticas, nem 66 - Normal Zaneto com as ¥: ig6es do uso. O género, para esse primeiro grupo de subs- tantivos — 0 mais numeroso ~ nfo tem ingeréncias de ordem seméntica. Num segundo grupo enquadram-se substantivos para os quais 0 gé- nero tem influéncia semantic, pois, trocando de género, muda o signi cado, mas ainda sem interferéncia sexual Exemplos (sem flexio, com 0 género indicado por determinante): ocabeca — acabega ocapital — a capital olotagdo — alotagao orddio —— arédio Com flexao: osapato - asapata oespinho — aespinha obareo — abarca Essas diferengas de significaco provindas da mudanga de género sto variadas e imprevisiveis. Vo além do alcance de um capitulo de ‘ordem mérfico-descritiva, Prestam-se ao aprofundamento em estudo de carter semantico. O que € inegavel € a troca de significado provocada pela alteragaio de género. Num iiltimo grupo, simplificando bastante esses enquadramentos, ficam os substantivos cujo género tem motivagiio semintico-sexual, subs- tantivos que representam seres do reino animal, Essa ligagiio entre género € sexo € inegavel para os substantivos femininos resultantes ou de flexéio que se oponha a masculinos (loba x Jobo) ou de outro processo que explicite 0 género-sexo: galo.x galinha (detivagio), homemx mulher (heteronimia) € outros que seriio tratados no tépico seguinte, sobre flexio, Me sexo dos is). Com el como fen ‘ulino os outros, mas todos referindo-se Estrutura Métfica da Lingus Portuguesa - 67 Digalizado.com CamScanner i substantivos de um género referin. ambos os sex0s: Mals Ne IST go genero(gramatical) masculi- do sexo opost0: . ream ose quant lar ete ner sien ea ese: 2 abst, 0 gre seta par todos os substanivos; par mules SIDS, Be fespe-se de qualquer valor semntieo,constituindo-se OF" & i scam pent de precet gramatcallassifieatris para. ov ive b género repereute na carga semantica dos mesmos, deforma variada ¢ Sroprevisiel:e, finalmente, muitos substantivos pertinentes 20s seres dos aresentam igagao entre a determinagio do genero gramatical ¢ a especificagao do sexo (animal, humano). Em sintese, $6 falamos dos substantives, porque os adjetivos e demais deter- ‘minantes flexionéveis simplesmente cumprem 0 ritual da concordancia, do havendo implicagées semanticas especiais, a nao ser aquelas que cles provocam nos substantivos. 2.5.2 A determinacao do género Como ja foi dito, todos os substantivos tem género. Nem todos, porém, apresentam flexao. Alguns so invaridveis, s6 masculinos (tema, caderno, pente); outros se apresentam sempre femininos (pedra, ponte, tribo); € outros ainda sio varidveis quanto a género, biformes (pato, pata ~ peru, perua~mestre, mestra), (Ogénero nao é determinado somente, nem basicamente, pela flexo. Nem € correto dizer que os substantivos terminados em -o siio masculi- os € os terminados em -a so femininos. Existem situagdes exatamente inversas, H& terminados emo, femnininos (tribo); outros terminados em a, masculinos (poeta). E existem os terminados por outras vogais Ou Por consoantes, por consoantes (telefone, picolé, tabu, cardten, cord- gem, dor) de classificagio aleatéria, 68 + Normatio enoto A determinagio do género é feita basicamente pelo artigo, ou por outro determinante, Secundariamente pode ocorrer flexo, ou outro proceso, is vezes redundante com o artigo. Todos os substantivos tm condigdes de se fazer acompanhar por artigo, ou por adjetivo, numeral, pronome adjetivo, que, como determinantes, concordam em género com © substantivo determinado, revelando-o conseqiientemente. Sabe-se que ourives, rapaz so masculinos porque, embora nao tenham marca de masculino, aceitam a determinacao do artigo masculino 0. Ha substanti- vos, como Porto Alegre, Caxias do Sul e muitos outros, que no aceitam artigo, mas aceitam outro modificador, em certos contextos ~ a falada Porto Alegre, a bela Caxias do Sul — quando até 0 artigo volta a ser possivel Além do artigo, podem ainda determinar 0 género: a flexdo, a deri- vagdo sufixal e a heteronimia. A heteronimia é um meio de indicar 0 género-sexo através do uso de vocabulos distintos. A intengo primeira é especificar 0 sexo, justifi- cando assim o fato de a heteronimia restringir-se a substantivos referen- tes a seres do reino animal. Juntamente com a especificagio do sexo, porém, ocorre a indicagao do género gramatical. E 0 caso de: pai mae homem = — — mulher geno. ~— nora cao - — cadela carneiro. ~~ ovelha boi — vaca Esses heterOnimos niio apresentam nenhuma ligagdo morfolégica necesita, isto €, ndo so cognatos nem derivados uns dos outros. Con- clui-se daf que no oferecem material A descrigdio mérfica, passando & esfera de estudos da Semantica ou de outras disciplinas. Jaa flexio e a de aagiio processam-se por meios morfolégicos Estrutura Morice da Lingua Portuguesa - 69 Digalizado.com Camcanner

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