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TULLIO ASCARELLI Catedritico uu Universidade de Bok ExProfowor contratade da ‘Paeuldade” do" Diseito de So" Paulo, PROBLEMAS DAS SOCIEDADES ANONIMAS E DIREITO COMPARADO Com preficio do PROF. DR, WALDEMAR FERREIRA 22 EDIGAO EDIGAO SARAIVA SAO PAULO 1969 0 CONCEITO UNITARIO DO CONTRATO DE SEGURO Suardnr0: 1°) O problema dum conceito unitério do contrato de seguro. Posigio da doutrina. 2%) A teoria da necessidade. 3.*) A teovia da em- présa. 4°) O seguro como contrato de indenizaciio também na hipétese do seguro de vida. 6.*) A inestimabilidade dos bens pessoais. Wxatidtio, mas insuficiéncia, desta observacio. 6.°) A doutrina geral do ressarci- mento do dano. 7.°) Dano emergente. Lucro cessante. Beneffcio eepe- i rado. 8) Oonseqiéncias na questio probatéria, Avalingio abstrata © conereta, 9%) Limites. 10°) Os varios ramos de seguro em relagho com © dano emergente: A) Seguro dos danos as coisas; B) Seguro nupcial; ‘| C) Seguro da responsabilidade civil, 11°) Hm relacho com o Iucro ces- \ sante ou beneficio esperado: A) Seguro de acidentes; B) Seguros para caso de morte; ©) O seguro a favor de wm terceiro beneficidrio; D) . © interésse nos seguros para caso de morte; 1) Seguros sociais; I) © seguro para caso de vida; G) Ainda os seguros para enso de vida; ; H) Seguro e jogo; I) Conclusiio. 12°) Ramos mistos, 13.7) Impor- tAncia dag conclustes obtidas: A) Seguro do acidentes; B) Os soguros socieis; €) Diferencas entre seguro para caso de morto o para caso do sobrevivéncia; 1D) Novos ramos de seguro; 1) Sub-rogagio; F) Pac- tos adjetos de indenizefio; G) Renda vitalicin; H) Seguro a titulo gratuito; I) Seguro e cireulagéo do risco. 14°) Avalingio abstrata ¢ avaliagiéo conereta do dano: A) Limites da indenizacio; B) Propor- cionatidade; C) Pluralidade de seguros; D) Sub-rogacio, 15.9) Clas- sifiengio dos ramos de seguro, O PROBLEMA DUM CONCEITO UNITARIO DO CONTRATO DE SEGURO, POSIGAO DA DOUTRINA 1") A questo preliminar da teoria do seguro fol sempre a da possibilidade de um coneelto unitirio désse contrato, a da unidade entre seguro sObre as coisas e seguro sdbre a vida, Unem-se éstes, na Jei e na pritica, como subespécies de um mesmo geénero — o seguro. Apesar disso, é diffell precisarlhes os caracteres distintivos, comuns a ambos, e tanto o 6, que ndo sao raros, hoje, aquéles que ji renunciaram, declaradamente, a ientativa de fixar um conceito Yinico de seguro, Com efeito, se 0 seguro sdbre as coisas surge como um contrato de indenizagéo, tendo substancialmente nesse cariter o principio diretivo da sua disciplina, j4 ao seguro sobre a vida parece que repugna éste 204 TULLIO ASCAREITE conceito. As paginas que Vrvawm dedicou a critica da aplicacio do conceito de contrato de indenizagio a0 seguro de vida, estio sempre vivas na meméria dos estudlosos do problema, Na doutrina do seguro, seja no recentissimo tratado francés de Prcarp @ Basson, no de Hasan ou no de Sumy, seja no também recente tratado alemfio de Buuex, no clissico de Eurenzexc ou no EnReNwara, como, ainda, nas coletineas econémicas de Cossr, é agora corrente e consiante a afirmacio da. impos- sibilidade de situar o seguro de vida entre os limites de um contrato de indentzaciot. © tratado de diveito civil de Cor ur Carrrawt, & pig. 789, vol. If, edigfio de 1935, contém a breve afirmagtio de que é “falso” reduzir todos os ramog de seguro ao conceito de indenizagio e adota, efetivamente, a definigio de Hmary fundada em conceito diverso. No verbéte Seguros em geral, do Nuovo Digesto Italiano, 0 Dr. Gaspreont faz a mesma assergho, que completa reconhecendo, franca- mente, ser impossivel formular um conceito unitario do seguro. Esta coincidéncia do que afirmam, os mestees franceses ¢ 0 jovem estudioso italiano, parece consagrar uma opinifio que jé se tornara cor- vente; na propria terminologia legal fala-se correntemente de seguros contra os danos, apenas com referéneia aos seguros sObre as coisas em contraposico 208 seguros as pessoas, a respeito dos quais niio se faz yeferéncia a0 dano®. A exist@ncia de tal opinifio é que explica porque as mais recentes leis sdbre seguro evitam dar a definigio désse contrato. Na doutrina mais recente, especialmente a italiana, alem& e fran- cesa, nega-se o cariter de indenizagio ou do contrato de seguro de vida on em geral dos contratos de seguro sObre as pessoas4, e, de conseguinte, pie-se em dtivida a unitariedade do contrato de seguro. A doutrina brasileira parece-me ter ficado estranha A discussiio4, mas uma precisa e nitida visio do problema encontra-se no comentirio de Cxovis Buviégua aos arts, 1.432, 1440, 1471 do Cédigo Civil bra- sileiro®, 1, Cf, além dos tratados recentes recordados no texto, o n° 1,862, vol. IV, 5 edigiio, do Pratiato de Vivawre. 2. Of. a lei suicn de 2 de abril de 1908; a Iei alema de 30 de maio de 1908; a Tei francesa de 18 de julho de 1930, 8, Esta tltima é a tese mais espalhada na doutrina francesa e alemi (ef. as leis citadas acima), ao passo que na doutrina italiana tende-se a eompreender também 0 seguro contra 03 acidentes ne concsito do seguro contra 0 dano, Por isso a doutrina italiana ficou fiel A dicotomia dos seguros danos e vida e n4o adoton, em geval, 2 contraposi¢io entre seguros danos (ou sObre as coisas) © pessoas, ao contrério espallnda na doutrina francesa e alemi. No Codigo brasileiro 0 seguro contra og acidentes, previsto’no art. 1440, & classifiendo junto com o soguro de vida; o De- exeto n° 21.828, de 14 de setembro de 1932, entretanto, distinguindo os seguros em dois grupos, classifica o seguro contra os acidentes junto com os sébre as coisas, enearando-o como seguro de danos © nfo como de vida, encarado como um seguro de somas. 4. Of, por ex., 0 comentério de Carvanno Sannos, art. 1472. 5. Por seu_turno, CaRvaLno DE Menpoxca (M. I.), (ontratos na Direita Owil Brasileiro, Rio, 1938, afirma no apenas serom todos os ramos de seguro subes- PRORLEMAS DAS SOGIBDADES ANONIMAS B DIREITO ComPARADO 205 A TEORIA DA NECESSIDADE 2°) Um conceito unitdrio do contrato de seguro decorreria do prin- ciplo da “necessidade”, segundo uma tendéncia internacionalmente conhe- elda. Hssa orientacio® se manifesta com a afirmacio de que, nas suas varias formas, 0 seguro visa reparar uma necessidade eventual do be- neficiirio, tendo nessa fungiio a sua rasio de ser. O seu mérito ine- gével consiste em haver aclarado a distingfio entre seguro e jigo e pre- cisado assim os caracteres do risco, desenvolvendo a correlativa nog&io le “interésse” segurivvel. pécies de um ‘nico contrato, mas visur, @sto, uma indenizagio (vol. UI, pag. 318, embora citando VivANrE que, a0 contrério, exclui o cariter indenitario do seguro da) ; frisando (vol. TI, pags. 819 © 382) sez, o cariter indenitario, constante em todas os ramos de seguro, embora tenha, no seguro-vida, um cariter relativo, nlo implicando @ seguro de vida a idéia de um dano (pig. 819); sendo, por isso, 0 seguro de vida “um contrato aleatério, pois-que @le nfio tem por fim reparar os efeitos do um sinistro e antes a coustituicto do um capital por moio de econo- mias” (pig. 320), embora ndo seja “completa” a exclusio da idéia do indenizagio (pig. 319) © nfo se possa yér néle “o intuito... de renlisar uma economia, de operar uma enpitelizagho” (pig. 382), © ilustre autor concebe, as véses, como antitétieas (pigs. 319 e 320), as idéias do contrat aleatério e do contrato de indenizacio, respeitando, a primeira, na sua opinife, ao seguro de vida e, a segunda, ao sdbre as coisas, Tal antiteso nio mo pareco existente, © contrato de seguro ¢ afinal, sempre, contrato aleatério, pois que depende da verifieneao do sinistro (ou, no para o caso de morte, do momento da verificacio do sinistro) se a yantagem de uma on outra das partes; tal neomtece quer no seguro sObre as coisas, quer no sdbro as pessoas. A aleatoriedade do contrato nao obsta a que nfo seja aleatéria a indéstrin do segurador, justamente 2 vista do fato que, embora sendo aleatéria a verifieachio de um determinado sinistro, nfo ¢ aleatéria « medida de sinistros eada ano: tal a natu- ral conseqiiéneia da possibilidade de aplicar o eflento de probabilidade © de respeitar, © seguro, a fendmenos de massa. (Cf. 0 proprio autor cit, pag. 81.) A aleatoriedade do contrato de seguro nfo obsta ao fato de ser, quanto a quem © estipula, o seguro um ato de prudéneia, justamente porque pagundo o prémio (e, portanto, correndo a ‘lca de pagi-lo initilmente caso o riseo nao se verifique), segura-se a indenizagio (0, portanto, o ressarcimento do dano decorrente do sinistro, caso @ste se verifique, dano que, diversamente do que acoutece no jogo, preexiste 0 contrato), A aleatoriedade do contrato de seguro nfo obsta, por isso, ao cariter indeni- térlo dle, nem ao principle de visar, Me, o ressarcimento do dano. Realmente, a ne gagto déste caracterfstico, quanto a6 seguro-vida, nfo assenta na aleatoriedade do contrato, mas na difieuldade de encarar a relagio entre o dano decorrente da morte do segurado © a indenizagio paga ao beneficiirio, 6. Sustentada com grande vigor por Goppt, foi esta teoria, na Italia, reto- mada, apés varios anos de abandono, por Viremn0. (Rivisia di Divitto Commerciale, 1932, I, 40.) Criticou éste, agudamente, a teoria vivanteana, dando A teoria da ne- ‘essidade. uma formulagio Juridica mais vigovosa do que a anteriormente dada ¢ pondo-a em conexiio com a teoria geral dos contratos alantérios, 206 ‘TOLTIO ASOARELLT De fato, os que seguem essa tendéncia, acertadamente notam™ que, nas hipdteses de jégo e de aposta, o risco nfo 6 senfio uma conseqiiéncia do fato de se haver jogado ou apostado — pols de outro modo o evento seria indiferente; na hipétese do seguro, ao contririo, 0 risco preexiste a0 contrato’, if esta a inegdvel diferenga entre contrato de seguro, de um Iado, € jOgo do outro; o seguro refere-se a um risco que j4 existe, objetivamente, quanto ao patriménio do beneficiirio, ao revés do que acontece no j6go. A celebragiio de um contrato de seguro constitui, portanto, ato de pre- vidéncia; quem segura, previne um dano possivel; quem Joga ou aposta, eria a possibilidade de um dano®. ‘Daf se condui, com téda a coeréncia, que nfo pode haver seguro, se niio houver um “interésse” segurdvel™; 6 preciso que o beneficlirio do seguro se encontre em situagiio tal que o sinistro se converta, para 6le, em um dano, e, por isso, tenha interésse na no ocorréncia do sinistro. ‘ste principio é fundamental na legistagio e na priitica; é como que © esteio da Instituigfio. Se fésse poss{vel segurar-se alguém, de um evento, a respeito de cnuja verificagio nfio ttyesse um interésse contrario, o seguro nio seria nem socialmente Util, e nem mesmo técnicamente pos- sivel, porque o beneficiirio tornar-se-ia um provocador do sinistro, para Incrar a indenizagio, 2 efetivamente o que sucede t0da vez que, por circunstfinelas anor- mais, 0 interésse do segurado em que nfo se verifique o sinistro exerce uma influéncia inferior & do seu desejo de lucrar a indenizagio e éste niio encontra um obsticulo suficiente nas normas, com freqiiéncia, por isso, reforcadas com o eardter penal, que visam a fraude nos seguros. Na praxe, aquéle principio costuma ser expresso na couhecida mixima de que o seguro nfio deve ser fonte de lucro para o segurado (benefi- eidrio) 4, 7. Cf Vinerno, ob acrescentando, que nos contratos aleatérios bem ome nO segaro, embora o “contrato” nao seja condicionado, 6, no contririo, “neces- siviamento condiclonnda” (a verifiene#o do risoo) a “prestiedlo de uma das’ partes”. te epee Hexmann, Leistung und Gegenleistung im Versicherungsvertrag, jerlim, 1088. 8. Cf. Vurerno, ob. loc, cit. 9. Podese notar poder, um determinado evento, conforme ai diversa vontade das partes, quer ser diretamente encarado qual o “risco” segurado (sendo, portanto, a indenizagio devide, em principio, qualquer que seja a causa da verificagiio déle), quet apenas como a conseqiincia de um evento diverso, constituindo éste o risco: segurado (sendo, portanto, a indenizagio devida apenas enquanto a conseqiiéncia se Verifique em virtude do evento segurado). Assim, a morte pode, quer constituir di- vetamente 0 riseo segurado (6 0 quo se ai a0 seguro para o caso de morte), quer a conseqii@uein de um rlsco divorso (6 0 que se da no seguro contra acidentes). 10. o aspecto mais investigado pela doutrina alemf, desde o classico tra- tado sbbre os ceguros de DanennkRa, Lipsia, 1893, até ao aaplo tratado de Krsort, que dedica ao interésse segurdvel tode o terceiro volume (Berlim, 1922). : Ne doutrina italiana, cf. FearaRiNt, nos Saggi in Scienze Assicurative, vol. I, publicados pela Universidade de Pisa, ‘ 11 CE Wrens, Du Principe que TAssuranoe des Ohoves st w r demnité, Paris, 1927. cine aw % Contras aan PROSLEMAS DAS SOCIEDADES ANONIMAS K DIREITO COMPARADO 207 % desnecessirio lembrar as numerosas conseqtiéncias déste principio, muito couhecidas por quem quer que tenha prética da matéria, assim como sfio conhecidas as numerosas cléusulas contratuais‘? que procuram reforgé-lo, Pode-se também salientar a relagio déste principio com um cariter que é bem préprio do contrato de seguro. Neste a lei considera o se- gurador e o segurado como aliados, ambos interessados em que nao se verifique 0 sinistro ou em limitar suas conseqiiéncias; tal cooperacio, AO menos no grau em que se Verifica no seguro, nao encontra simile nos outros contratos 1, ‘Mas se sfio grandes os méritos da teoria da necessidade, cumpre tam- bém reconhecer que ela nao conseguiu construir unitariamente 0 seguro e uulflcar o seguro de vida e o seguro de danos, couio espécies diversas, mas sempre de um tinico contrato™, No seguro sébre as coisas, com efeito, a necessidade 6 do beneficifirio e assim subsiste néo sdmente como necessidade prevista. no momento da conclusio do contrato, mas como dano atual do beneficiério no momento da yerlficacio do sinistro; 6 ao dano provocado pelo sinistro que a inde- uizacio diz respeito; 6 0 beneficiiria que deve demonstrar o seu inte- résse assegurivel sem o qual nio pode haver um seguro vilido. Se em geral se fala a éste propésito de “segurado”, isto se di apenas porque, no seguro das coisas, a pessoa do estipulante e a do beneficiario geralmente coincidem; quando essa coincidéneia. nfio ocorre (por exemplo, no seguro por conta de quem pertencer), 6 , entretanto, constante a dou- 12, Por exemplo, nfo segurando a coisa polo inteiro valor, mas deixando um “Aescoberto”, como so costuma dizer, em relagfio ao qual, como se diz, o segurado é sogurador do si mesmo. 18, Isso so revela na disciplina peculiar, em muitas legislagbos, A conclustio do contrato de seguro em relacio as retictncias e as falsas declaragdes do segarado, ainda que de bon-f, ¢ embora as circunstineias sileneiadas niio tenham influido quanto ao sinistro no caso concreto, (Cf. art. 81, da lei francesa; art. 47, da lei me- xicana: art. 429, Cédigo Comercial italiano do 1882, No direito brasileiro discute-se ‘a respeito do alcance dessa regra que se encontra no art, 1444, Céd. Civil; ef Oxavo pe Anprave, Seguros de Vide, pig. 72; ALfrlo Srivema, em Direito, vol XXV, pag, 95.) Hssa disciplina, ane 6 tradicional, ndo pode ser identificada com a. disciplina geral do érro (cf. a respeito 0 estudo de Vrrexe0, Foro Italiano, 1935, TV, 60); 6 a respoito dessa disciplina, que conserva significado particular a méxima tradicional, que de ontra forma seria hoje em geral propria a qualquer contrato, de que o contrato de seguro é um contrato de bou-fé, au, como preferem escrever os escritores anglo-saxnios, uberrimas fides. Dessa “cooperaciio” dovida pelo segu- rado so originam, nfo raro, as sangies do deeadéncia do dixvito A indenizactio que, nua disciplina do contrato de seguro, sko particularmente numerosns ¢ que convém manter cuidadosamonte distintas dos casos de nulidade do contrato; da mesma forma convém, pols, distinguir as “obrigagtes” do segurade (cuja imexeeugio da Jugar ao ressarcimento dos danos) e os seus “onera” (caja inobservancia dé Jugar & decadéncia do direito A indenizagio; ef. por ex, art. 1457, Céd. Civil brasileizo). OZ. art. 108, Deereto n,° 2.088, de 7 de marco de 1940. 14. Os que sustentam a teoria da necessidade, por ex., Goxsl, apressam-se, com efeito, em declarar que o seguro de vida nio constitui um contrat de indenisactio, A mesma afirmagio 2@-se em Vrrenno, ob. cit, pigs. 51 e 52, particularmente com referénein aos seguros de sobrevivéncia e aos sobre a vida propria. 208 TULLIO ASOAREILT trina e a jurisprudéncia ao exigir a subsisténcla do interésse assegurdivel no beneficifric e niio no estipulante+®, ste principio’, se sto exatas as nossas premissas, ¢ perfeitamente natural, porque é o beneficiério e niio o estipulante aquéle que, Jucrando a indenizagéio, deve ter interésse na nfo verificagdo do sinistro. ‘No seguro de vida também podemos encontrar, no momento da con- clusio do contrato, a previsio de uma futura necessidade do estipulante ; néio se exige, porém, a prova de um dano do benefictiirio no momento do sinistro e em seguida a éste. A possibilidade de ser beneficidrio da indenizac&o nfio é subordinada, 20 contrario do que acontece nos seguras de danos, & presenga de um interésse segurdvel. A indenizacio nfo encontra o seu limite na extensfio do dano do beneficidrio como, ao contrario, acontece nos seguros de danos, was coincide com a importincia livremente fixada @ priori, na conclusio do contrato. A profunda di- ferenga que parece assumir nesse campo a teoria do interésse, faz com que muitos — como, em seu recente tratado, Bruck — sustentem ser esta inaplicivel ao seguro de vida. As leis falam da necessidade de um interésse do estipulante’a res- peito da pessoa s6bre quem se contratou 9 seguro (assim 0 Cédigo ita- Mano, 0 argentino e o brasileiro) ou da necessidade de consentimento escrito dessa pessoa (como a lei francesa), mas com isso culdam do interésse do estipulante e néio daquele do heneficidrio e assim exprimem com a mesma palavra um coneeite que pode parecer bem diverso do de interésse no seguro sobre as colsas, No seguro sébre as coisas, 0 ressarcimento dos danos constitui, afinal, & causa do contrato; no de vida parece a muitos autores constituir apenas um motivo da conclusiio déle +7, A teoria da “necessidade" apresenta-se, por isso, nas formulagtes mals espalhadas, verdadeira e insuficiente a um tempo. Verdadleira no indicar a fungio econémica do seguro e estabelecer a disting&o jurfdica entre seguro e jégo; mas insuficiente quando nfo consegue, depois, mostrar a constante € rigorosa relevancia jurfdiea dessa fung&o econémica e até renuncia, explicitamente, a fazé-lo, reconhecendo que 0 seguro de vida nfio 6 contrato de indenizacio 2, 15. B esta a conelnsio no que respeita ao seguro por conta de quem pertencer, sdbre 0 qual ef. © vol. de A. DONATT, L'Acsiourazione per Conto di Chispetta, Roma, 1934, 1G. Beto prinefpio, afinal, limita a cirenlabilidade do direito A indenizacho, pois ste direito pode, em prinelpio, sor ndquirido apeuas em virtude de um interdsse seguvvivel; pode ser transmitido apenas a quem tem um interéese segurdvel; pode ser, de qualquer forma, invocade apenas por quem tem um intorésse seguvdvel. W%. Of Kiso, Handbuch des Privatversicherungsreolst, 1922, vol. TIT, pig. 180; Varent, Rivista di Diritto Commerciale, 1907, HI, 571 e 1930, E, 347. 48. B essa, em substiincia, a eritiea de Vivanrr, vol. TV, pig. 355, n° 1863, & teoria da necessidade, segundo a formulacko de Gora o & teoria, aniloga, do interésso legitimo de Hurenrens. A essa eniticn nfo escapa a mais recente formu- Jago da teoria da necessidade, de Vrrenso, ty PROBLEMAS DAS SOCIBDADES ANONIMAS K DIRETTO COMPARANO 208, Se, no entanto, considerarmos os seguros contra os acidentes (infor- tinlos ¢ doengas), ficaremos por certo embaracados no classificd-los, pois representam como que um mefo-térmo entre o seguro de danos As coisas e 0 seguro de vida — o que mais uma vez demonstra a existéncia de um conceito Unico de seguro, embora éste se divida em varios ramos, sujeltos a regras diferentes, % significativo que, no vol. II, do Tratado de Direito Civil de Coun xr Carrranr, seja, & pig, 735, peremptdriamente negado 0 canter de indenizagiio, ao seguro de vida, e logo apds, & pig. 757, veconhecido que éste e o seguro de acidentes entram na mesma categoria dos seguros de pessoas, e que o cardter de indenizactio, ausente no seguro de vida, sempre subsiste, embora em segundo plano, no seguro de acidentes 9, 1 alids sintomatico que a dovtrina mais recente, embora negando o carfiter de Indenizagio ao seguro de vida, refute as teorias que, no século passado, na Alemanha e na Franca, com 'THér e Huo, por exem- plo, tentaram explicar o seguro de vida de acrdo com uma ordem de idéias diversa da aceita para o seguro em geral, teorias exsas nem sequer lembradas na hodierna literatura sobre seguros. A TEORIA DA EMPRESA &*) Foi exatamente o intento de chegar a uma teoria unitéria do seguro que levou Vivanre — embora reconhecendo a distingfio acima lem- brada entre seguro, de um lado, e jégo, do outro — a formular a sua teoria da emprésa, cuja influéncia foi, nfo h4é divida, profunda na doutrina, decisive na legislacio mais recente, A unidade do seguro esté, segundo Vivanre, no elemento, que o préprio autor diz técnico, da emprésa; na circunstancia de que, em todos og seus ramos, 0 seguro é exercido pelo segurador, sistematicamente, com fundamento no cilculo de probabilidades, de modo a, considerndéa a massa dos contratos, desaparecer o caréter aleatério, préprio de cada contrato visto iscladamente, e surgir a poswibilidade de previstio da ocorréncia dos sinistros, previsio baseada naquele cAlculo, Hsta teoria contém um grande fundamento de verdade. Com relagio ao segurador, a existéncia de um sé contrato de seguro constituiria uma anormalidade, e, 0 que 6 mais, nesse caso, nfio poderia haver a benéfica funeao social que 6 prépria do seguro; sé mediante um grande ‘mimero de contratos 6 que o segurador elimina o cardter aleatério de cada qual, 49. Por sen turno, na doutrina de lingua alema, HaGEn, “Versicherangerecht” em Ehvenderg's Handbuch, vol. VIII, parte T, pig. 307, frisa a importineia de ramos intermédios entre o seguro contra os danos ¢ o de importincias determinadas @ priori e Exmenzweie pensa, por isso, 4 substituicio da dicotomin — Schaden © Summen versicherung — com uma tricotomia que leve em conta os casos intermédios. 20. A teoria yivanteana da emprésa nfio visa, parece-me (cf, por ex, n.° 1.809, vol. EV, pag. 351, 5." ed. do Tratado), distinguir o seguro do jégo, porque 6 evidente poder, também te, ser exercido sob a forma de emprésa e com a aplieaco do caleulo de probabilidades, até mais rigorosamente do que no seguro. 210 TULLIO ASOAREEET tomado tsoladamente, e pode, de modo efetivo, fazer frente ao risco; sdmente por ésse meio tal risco se torna suportdvel, pois, afinal, fica repartido por todos os segnrados, cada um dos quals substitui, pelo pa- gamento de um prémlo certo, cujo dnus pode suportar, a eventualidade de um dano que, ao invés, seria mutto grave 2, Compreensfvel 6, pois, a orientago das legislages recentes que, nos virios pases, subordinam o exercicio de alguns ou de todos os ramos do seguro & existéncla de mutuas ou de sociedndes mercantis, cujos ca- Ditais, pelo seu vulto, déem a seguranca de que tal exercicio possa ter jugar naquela escala que é necessiiria para que nfo se torne coutra- ~producente*, Apesar disso, a teoria vivanteana também niio satisfaz completamente, Embora prescindindo dos casos, eubora raros, de contratos de seguro conelufdos sébre riscos que tém um cariiter de unicidade e escapam A possibilidade de previsiio fundada no efilculo de probabilidades*, 6 evi- dente que essa teorla™ nfio assenta num cardter “juridico” do “contrato de seguro”, mas indica um pressuposto “téenico” da “Indiistria seguradora” @ da sua fungio econémica 25, Este pressuposio, por seu turno, nfo é bastante para distinguix o seguro do jOgo, néo sendo éle, ademais, e até prescindindo do j6go, ca- racteristico apenas do seguro e nem sequer acarretando, a falta déle, NO caso concreto, a transformacae do contrato de seguro em um contrato diverso, Quanto & primeira destas afirmagdes basta notar poder, também © jOgo, ser exercitado, habitual e profissionalmente, por emprésas orga- nizadas, assentes no célenlo de probabilidades e, até, de modo mais ri- goroso do que ndo aconteca quanto ao seguro, Tal acontece exatamente quanto ao bookmaker © ao concessionério do cassino, X, realmente, parece-me dbvio, nfo assentar a ilicitude do jdgo e da aposta no fato de serem éles conclufdos ocasionalmente, A. ilicitude 21, % justamente por isso que a doutrina francesa fala, como yerem . on, da tontualidade de qualquer seguro, e Rodco por sue vee, defi : ‘intermedifrio no risco. po “ ne 9 segurador como am 22, Em geral, é exigida a existéncia’ de uma sociedad anénima ou de oma mitua © eo determinados eapitais minimos diversos, conforme os rios exercides @ a extensfio do tervitério onde n indéstria opora. Gr Deereta n° LAS, de 3 de abril do 1939 ¢ Decreto n° 2,063, de 7 de marco de 1940, 23. Por exemplo, as expedigées cientifieas polares. Especialmente ma praxe anglo-saxnin, 0 seguro de um visco com carter ‘nico no 6 rarivsimo, Cf, Viskuso ob, loc, eit. . 24. Como as construcdes andlogus de Bruwerrr de Satan Be estados em Assicurazioni, 1937. . hte nos sous __ 25: CE. os i& citados ostados do Virerno e Dowart, que justamente evidenciaram 8 impossibilidade de encarar, ria existéncia de uma emprésa, um cavacteristico juri- digo do contrato. 26. C8, os citados estudos de Vrrrrno e Donati, ¢ jé Vatert, Rivisia di Commerciale, 1980, T, 347. mes 1 Bieste di Ditto FROMLEMAS DAS SOCISDADES ANONIMAS F DIREITO COMPARADO 21a do j6go assenta na falta de uma fungho social déle, em que possa assentar © seu reconhecimento legal como contrato produtivo de conseqiiéncias ju- ridicas*", Portanto, a distingio entre seguro e jogo nfo pode assentar na existéncia de uma emprésa seguradora, mas numa diferenga intrin- seca de caracteristieas que evidencie a fungio social do seguro em que assente a justificativa do reconhecimento juridico déle. Quanto & segunda das afirmagdes, acima postas, pode-se, com efelto, observar existir tal pressuposto também em uma outra espécie de ope- rac0es e de coniratos: os bancirios. 1% evidente que também a funcio ecoudmica do Banco pressupée uma pluralidade de “depésitos” 8; gracas & pluralidade dos depésitos, somente, 6 que o Banco, mantendo-se embora sempre em condig6es de fazer frente aos pedidos de reembélso, pode uti- lizar parte das somas depositadas, em aplicagdes varias, contando com a cireunstfincia de que, no fluxo dos depésitos ¢ das retiradas, um certo “fundo” permanece constante e, assim, disponivel para os negécios, Daf poder 0 Banco exercer sua fungio de intermediério de crédito, Enquanto 0 comércio bancério se reduz is operagdes de mrituo, de depésito e se- methantes, & inegiyel a importincia que assume, econdmica e juridi- camente, o exereicio sistematico e a conseqliente conexie entre operagées ativas e passivas, Justamente préprios dos Bancos, mas tal importincia no autorizaria a configuracio de contratos autdnomos, Quanto A tltima das afirmacées, acima postas, é evidente que um contrato de seguro concluido isoladamente, nfio desempenhada embora a funedo econémica do seguro, sempre permaneceria, porém, sob 0 aspecto juridico, um contrato de seguro, nfio se transformando em um contrato diverso. Tanto é Isso verdade que as leis, vedando, em linhas gerais, a conclus%io de contrates de seguro a emprésay que nfo tenham os requi- sitos estabelecidos (por exemplo, andnimas com capital determinado), pres- crevem a nulidade ou anulabilidade (a favor do segurado) ou a reso- lubilidade (com efeito ew nunc) de tais contratos, cominam sangdes, mas, por isso mesmo, reconhecem que, na essénela, aquéles contratos consti- tuem sempre e apenas contratos de seguro (embora nulos ou anuliyels ow resohiveis) ¢ nfio contratos de um outro tipo®. Isso porque o seu exercicio por uma emprésa constitui um pressuposto para que 0. seguro possa realizar a fungio que Ihe 6 prépria, mas nfio fax parte do que 2%. Cf. Vrrerpo, ob. cit., pig. 62. 28. Emprego o térmo em seu significado corrente, prescindindo da questio do saber se os depésitos bancdrios scjam sempre depOsitos, no rigoraso sentido ju- ridico, 29. Problema anélogo se propée quanto aos contratos de capitalizngio — sen- do, om geral, andloga, a respeito, a disciplina dos contratos de capitalizagio ¢ do seguro-vida — @ até quanto aos depésitos bancdrios, caso nfo possam éstes ser recothidos a nfo ser por bancos legalmente autorizados. Hm tédaa estas hipdteses visa, 1 norma, untes de mais nada, a tutela de quem contrata com a emprésa, sendo éste 0 elemento que deve ser levado em conta na interpretagiio. Cf. 0 men ensaio em Assicurazioni, 1984, I, 184. 212, TUULTO ASGANEILE se costuma chamar a causa do contrato*, o mesmo se dando, recordamo-lo, com as operagies bancirias. Nio me parece seja, afinal, diversa da de Vivanzs, a orientaciio da doutrina francesa mais difundida, Assim, Humann, em seu Traité (vol. I, pag, 73), define o seguro como o contrato em que ao prémio pago pelo segurado corresponde o seu direito de obter, para si ou para outrem, no caso de ocorréncia do sinistro, uma prestagio de “une autre partie, Yassureur, qui, prenani en charge un ensemble de risques, les compense conformément aux lois de la statistique”. Esta, alias, é a definie&o, em geral, mais acatada na doutrina fran- cesa*, Ela incorre®? na mesma critica feiia & teoria vivanteana ®, Por um lado, erige em essencial um elemento técnico que, como tal, se refere niio A caracterizacio do contrato entre os demais contratos, imag & validade ou regularidade do proprio contrato; de outro lado, ésse elemento técnico se encontra, mutatis mutandis, também em outras opera- Bes, e, assim, nfo pode ser considerado caracterfstico distintivo do con- trato de seguro. Resumindo, poder-se-ia dizer que a tese de Vivanrs, como a da dou- trina francesa, indica a base técnica da industria seguradora*, nfo, porém, a caracteristica Juridica do contrato*, Isso n&o significa que o elemento, pdsto em relévo pela teoria de ‘YVivanrs, careca de grande importincia juridica, A conclusio sistemAtiea de contratos de seguro d4 Iugar a uma série de efeitos juridicos, que seria errdneo esquecer. Realmente, 6 por efeito de ser, 0 segurador, uma emprésa, que a circulacio do risco realizado por meio do seguro pode, econdmicamente, aleancar wma efetiva segu- ranga social: a pluralidade dos riseos permite justamente prever a ve- rificagio déles conforme leis estatisticas e, portanto, substituir, a um visco incerto, a previsiio de uma determinada percentagem de sinistros cada ano, Aleanca-se assim uma seguranca social (e uma certeza quanto 4. possibilidade do beneficiirio de cobrar efetivamente a indenizagao de- vida) que nunca decorreria de um contrato “isolado", Natural, portanto, que, econdmica e juridicamente, represente o se- guro concluido com quem apenas segura ocasionalmente, uma anomalia; 30. Gf Donars, ob. loc. cit, 81. Onde, por isso, onsina-se que base constante do seguro 6 a mutualidade ¢, portanto, a concorréneia de mais segurados, a qual permite ao segurador, consti- tufdo em companhia ou como mitua, compensar os varios riscos. 82, No mesmo sentido da doutrina francesa, cf, na Argentina, 0 comentirio de Secovia, ao art. 549 do Cédigo Comercial argentino. 33. Poderia, com efeito, sta definicdo, ser apticada no bookmaker © a0 em- preondedor de uma casa de jégo. 34, Tustamente por isso tendem elas a ger traduzidns, legislativamente, nto na disciplina do contrato do seguro, mas na disciplina das empresas seguradoras. 35. Cf Vireo © Donazt, obs. cits, PROBLEMAS DAS SOCIEDADES ANONIMAS E DIREITO COMPARADO 218 natural que o direlto vise evitéla e vise garantir efetivamente subsista, quanto aos segurados, a garantia decorrente da pluralidade dos riscos. Vivant justamente indicou as varias conseqiiénclas decorrentes do prinelro prinefpio®®; as leis de’ fiscalizagio demonstram a importincia do segundo, especialmente sob 0 duplo aspecto: a) da irregularidade, que ji mencionamos, dos contratos de seguro concluidos por wn segu- rador nfo habilitade legalmente; b) da instituigio de uma garantia co- letiva, a favor dos segurados, quanto As chamadas reservas técnicas das emprésas 7, Portanto deve, parece-me, ser, sim, mantido o que cons- Utui o elemento vivo da teoria de Vivanze*’, mas nflo deve ser esque- cido que éste elemento niio 6 de per si suficiente para caracterizar o contrato de seguro ®®, O SEGURO COMO CONTRATO DE INDENIZAGAO TAMBEM NA HIPOTESE DO SEGURO DE VIDA 4.*) Para encontrar a unidade do contrato de seguro emi suas virias formas, 6 necessfirlo, embora mantendo os elementos de verdade préprios das teorlas mais modernas, voltar ao conceito tradicional do contrato de seguro como contrato de indenizagio*, que 6 hoje unfnimemente admi- tido quanto aos seguros sobre as coisas, mas negado, quanto ao seguro sébre as pessoas, até pelos que sustentam a teorla da “necessidade”. Desenvolvendo @ teoria da “necessidade” cumpre identificar o “dano” que o seguro visa reparar. Esclarecendo qual seja o “dano” que o seguro, ainda o de vida, visa veparar e assentando na prépria natureza déle a possibilidade de ser, a indenizagéio correspondente, estabelecida pelas partes em uma importéncia 36, CE no Tretteto do Vivanrs, 0 n* 1.850, vol. TV, 5. ed. Gf, também, 0 comentario de VivaNTE no titulo do seguros, no comentario do Cédigo do Coméreio editado pela U. T. B. 'T., G* ed, ondo se tem a mais recente exposicio do penaa- mento do Mestre sébre o assunto, 87, Cf Conan pr Carman, ob. cit, pig. 764, odio de 1935. 38. CE, com efeito, Vavante, Trattato, vol. TV, n° 1.859, pag. 341, da 0. ed., em nota, onde o proprio autor cita, resumindo a propria. teoria, as palavras do Souurrer qua notava visar, a teoria do Vivanzx, demonstra a “anormalidade” de um contrato de seguro na falta de uma emprésa seguradora. 89. Por isso, parece-me incompleta a afirmagio vivanteana que caracteriza © contrato de seguro pela prosenca de uma emprésa, de um risco e de um prémio. Parece-me, ao contriirio, 0 coneeito de indenizagio indispensivel para cavacterizar o soguro. Consinto com VrvaNns em achar deva o seguro, pava preencher a prépria tarefa, ser concluido com uma emprésa; dissinto déle, bem como om geral das teorias modernas, quendo exelui o fato do visar uma indenizagio, dos earacteristicos do seguro; dissinto déle quando pareco afirmar ser a presenga de uma emprésa o earne- teristico diferencial do “contrato” de seguro perante contratos similares e cons- tituir, a presenca da emprésa, o caractoristieo diferencial entre seguro e jogo. tradicional, cf. as citagées bibligraficas em VrTER- 80, ob, cit, pig. BL (que a critica). O14 ‘TUTETO ASOAREILT preventivamente determinada, sera poss{vel chegar a um conceito unitério do contrato, yoltando, assim, & teoria tradicional e & impressiio comum que encara todos os ramos de seguro como subespécies de um ‘nico con- trato, © proprio conceito do “rise”, objeto do contrato de seguro, em que assenta a distingie entre seguro e jdgo 4, relaciona-se Aquele de sinistro de dano. Caso o elemento Indenitario fosse ausente do seguro de vida ou da- quele de pessoas, nfio ressaltaria mais a distine#o entre éstes ramos e © jogo*, insuficiente sendo, entio, a éste respeito, quer a teoria da necessidade #8, quer a da emprésa. A INESTIMABILIDADE DOS BENS PESSOAIS. EXATIDAO, MAS INSUFICIGNCIA, DESTA OBSERVAGAO 5.) % corrente conceituar a vida humana como um bem inestimdyel; essa inestimabilidade, diz-se, justifica a norma que permite, no seguro de vida, dar qualquer valor & indenizagio, e vecebé-la mediante a s6 prova do sinistro. O seguro de vida, acrescenta-se, tem sempre por objeto © ressarcimento de um dano cuja avaliagio, porém, na imposstbilidade de ser feita objetivamente, por ser a vida humana inestimavel, 6 licito fazer, @ priori, em uma soma determinada, independentemente da de- monstragio concreta do prejuizo, ao contrério do que ocorre com o seguro nos demais ramos. Primeiramente 6 de salientar que a inestimabilidade da vida e da pessoa humana diz respeito ao seu valor extrapatrimonial, juridicamente confirmado no reconhecimento geral do direito & liberdade, Néo poderia ela, com efeito, ser invocada juridicamente em relag&o aos escravos “4. 41, Of Virmnpo, ob, Toe. cit 42. TH realmente VaLent, Rivisia di Diritto Commerciale, 1930, 1, 847, reco- nheee impossivel 2 distingto entre og caracterfsticos juridicos do contrato de seguro- -vida © do idgo; tal, parece-me, 6 também o sentido das paginas citadas de CaR- YAtHO DE Mennonca (M. 1), quando afirma o cariter aleatério do contrato do seguro do vida, negando-o quanto a0 seguro sébre as coisas, Examinaremos mais adianto a tentativa de Virmuso, ob. cit, pig. 63, para conciliar a negacio do cariter indenitario, com a justa afirmagio da teoria da ne- ceasidade © yeremos que, reslmento, admitidas as premissas da teorin da necessidade 6 possivel, juridicamente, identificar o dano. 43. KE com efeito 6 justamente esta insuficiéncia que conduz VIVANTe A for- mulagho de sun eélebre teoria criticada nas paginas anteriores. 36, no entanto, antes de mais nada no que dix respeito 4 distinggo do jogo que esta teoria, vimos, aparcu- tase inexata, 44, Justamente com essa altima observagio inicia o seu estude do seguro de vida (cap. XXV, Principios de Direito Mercantil, Lisboa, 1801, tomo I, 1" ed., 58, José pa Stuva Lasnoa, continuando, com o exame, notivelmente “moderno” por le dedieado a0 seguro, wna tradigfo doutrindria portugudsa que teve o seu inicio PHOBLIMAS DAS SOCMEDADES ANOWIAAS ¥ DIREYTO COMPARADO 215 No terreno patrimonial, a vida humana pode ser objeto de avaliacio, como demonstra a praxe dos seguros sociais e como de resto tem Ingar nas varias hipéteses em que o juiz deve fixar um ressarcimento por homicidio ou lesfio pessoal *, Entretanto, as normas do seguro de vida apresentam-se sempre idén- ticas, inclusive nas hipdteses em que a justificacio do seguro essenta exclusivamente em um interésse patrimonial, Assim no caso do credor que féz seguro sdbre a vida do devedor “4, Mesmo de um ponto de vista geral, parece mais conforme & reali- dade admitir que o seguro de vida tenha presente, antes de mais nada, © lado patrimonial do dano, do que admitir que vise, com a indenizagio, compensar apenas uma perda de eardter extrapatrimontial, Aliis, também nos seguros de acidentes é permitido, como nos de vida, prefixar o valor da indenizagio com qualquer cifra, e j4 aqui parece bem dificil justificar tal permissio apenas com a inestimabilidade dos bens pessoais, embora, 6 ébvio, néo deva esta inestimabilidade ser esquecida 4, Em segundo Inger, afirma-se decorrer 0 empecilho ao reconhecimento do cardter de indenizacio no seguro de vida, da circunstfncia de que, o dano ou a dor, quem os yente, sfo os que viviam As expensas do defunto, os parentes e amigos. S6 quanto a tais pessoas que, alids, se podem dividir por grupos bem distintos, haveria, pottanto, uma “indenizagdo”, emi virtude do seguro; n&o deveria, portanto, ser permitida a indicagio discriciondria, que, entretanto, tédas as legislagies permitem, de um terceiro beneficiario, inteiramente estranho Aqueles grupos. A observacio da inestimabilidade dos bens pessoais niio resolve esta dificuldade; a0 contrério, deixa inexplicada a possibilidade, normal, do seguro a favor do préprio estipulante-segurado. em Papo de Snntarém (enja obra se encontra, geralmente, editada junto com Somacca) enjo tratado foi basico em tdda a Maropa nos séeulos XVI e XVI. Of Brnsa, 11 Coniratto di Assicurasione, pag. 128; Prarrott, Rivista di Di- ritto Commerciale, 1986, T, 866, quanto as viriax vegras das primitivas formas de seguro do vida. Da primeira companhia brasileira de seguro sdbre a vida dos eseravas a4 noticia Didrio de Pernambuco de 11 de novembro de 1856, citado por CrzmERTo Fever, Vordeste, Rio, 1937, pag. 245. Os economistas examinarain demoradamente o problema do homem livre como instramento de producto © possibitidade, portanto, de incluir o “homem” naqueles bens quo constitmem riquezt. Of Fisoner, The Nature of Capital and Income, Nova Torque, 1906, cap. I, §§ 2° 0 5. 45, Preseindo’ de examluar aqui o problema, diverso, da ressarelbilidade do dano moral, © argumento da “inestimabilidade” da pessoa humana s6i, as vézes, ser invocado para uegar a ressarcibilidade do dano moral, 0 que nfo me parece, on- tretanto, procedente. Cf. Garvatso pp Menvon¢a (M, 1), Doutrina e€ Prética das Obrigagses, Curitiba, 1908, pig. 869, 46. Fssu ‘prética é hoje, bastante difundida, quer no seguro por parte dos empregadores sobre a vida de téenicos empregndos, dificilmente substitufveis, quer, combinada com os empréstimos hipotecdrios, no seguro do institute de erédito hi potecirio, financiador da construgio, sdbre a vida do adquirente da casa a prestacées, 47. ‘Quanto ao exame do problema de inestimabilidade dos bens pessonis em relago ao segura contra acidentes, cf. Varmar, Rivista di Diritto Commerciale, 1907, TI, 563. 216 TULTIO ASOARRIET Em terceiro lugar, pode-se observar que, dos seguros de vida, fazem parte quer os seguros para caso de morte, quer os seguros para caso de Vida, on seja, as varias formas de seguro de sobrevivéncia (por exemplo, seguro de casamento; seguro por uma soma ao atingir a maioridade; se- giro de velhice, etc,). Nestas hipéteses vigoram as regras do seguro de vida — a possibilidade, pois, de determinar a indenizagio com uma soma fixa, independentemente da demonstracio objetiva do dano; entretanto, tal possibilidade no pode encontrar a sua justificativa na inestimabi- Udade dos bens pessoais. A DOUTBINA GERAL DO RESSARCIMENTO DO DANO 6") Para a solueo do problema cumpre recorrer a doutrina do ressarcimento do dano. De um ponto de vista naturaltstico, as conseqiiéncias de um evento danoso sao mviltiplas ¢ isso sob dois aspectos: quanto as varias pessoas que podem ser prejudicadas por um s6 evento, quanto ds conseqtiéncins que um mesmo evento pode ter quanto a cada pessoa. 0 direito, ao disciplinar o ressarcimento dos danos, contratnais ou extracontratuais, restringe-se a stmente “algumds” das conseqtiéncias do evento danoso e isso sob qualquer dos dois aspectas hii pouco distiu- guidos. Com referéncia as pessoas prejudicadas, elas nifo silo, todas, admitidas a fazer valer um direito ao ressarcimento, Quals as que o sto, 6 ponto ainda nao seguramente esclarecido na doutrina, Existe a tendéncia muito generalizada de nfo lmitar o ressarcimento somente a quem teve o seu direito subjetivo viclado’® © admitir que até as violagies do direito objetivo dio Ingar ao ressarci- mento dos danos a favor do lesado nos seus interésses (embora ésies nfo constituam direitos subjetivos#®. Nilo est4, porém, provisto, de um modo geral™, quais sejam @sses interésses 54. 48. Quonto & diferenga entre “direito subjetive” © “intertsse protegido” no direito privado, of. ENNnorrvs Krer Wourr, Derecho Civil, trad. esp., Barcelona, 1934, vol. I, pig. 288. 49. Hi por isso que, em matéria do ressarcimento de danos por homieldio, opinam muitos que o direito ao ressarcimento nile cabe aos herdeiros, jure here- ditario, mas — jure proprio — aos que vivium ds expousas do assassinade. A mais profunda indagaclo sobre o problema se encontra em CARNELUDTI, Infortuni, Roma, 1908, Athenaenm, 50. A férmuln do art. 1882, franeés; art. 1.151, iteliano; como também, agora, os arts. 151 e 152 do anteprojeto brasileiro das obrigacdes, parecem con- cernir a todo ato calposo que tenha eausado dano, violando a lei ou os bons cos- tumes, mesmo sem violar um direito subjetivo alheio. No direito suico, no art. 41 do Cédigo das Obrigagses, considera-so, de wm lado, @ violagio da tei (ainda que nfo importe em violaco de direite aubjetivo), e, do outro lado, a dos bons costumes (que s6 importa em ressarelmento quando dolosa). Gf. Von Tune, Partie Générale du Code Fédérat des Obligations, Lausanne, 1988, 2" ed. pags. 324 ¢ segs. do vol. I, 51 Carnsturm, Danno © Reato, oping poder, o direito ao ressarcimento, caber sémouto aos interessados “dixeitos e imediatos”, utilizando, assim, quanto @ deli- | PROBEEMAS DAS SOCIRDADES ANONTMAS & DIRETTO COMPARADO Pag Com relagio As varias conseqiléncias do evento danoso quanto 2 uma mesma pessoa, & freqtiente, na tradico francesa, o prinefpio de serem ressarciyeis sdmente os danos diretos, imediatos e, quando culposos, pre- visiveis 5%, Para os fins que temos em vista, basta observar que tais limites se referem a0 dano ressarciyel segundo as disposigées legals, sem excluir possam as partes estabelecer de dever, o ressarcimento, ter Iugar dentro de limites mais amplos do que os previstos na lei, DANO EMERGENTE, LUCRO CESSANTE. BENEFICIO ESPERADO 72) % conhecida a distingiio tradicional entre dano emergente e Tuero cessante. . Menos freqtientemente salientada é a distingio entre lucro cessante © beneficio esperado, ou, se se preferir, a distingio, no Ambito do lucro cessante Tato sensu, entre o Incro cossante stricto sensu e o beneficio esperado. De um modo geral, inclui-se no ressarcimento tanto o dano emergente como 0 Incro cessante, Jato sensu: As vézes, no entanto, espe- cialmente quanto ao beneficio esperado, aparenta-se maior a dificuldade do credor de demonstrar que a auséncia désse beneficio constitui uma conseqiténcia imediata e direta do fato danoso. Mas, quando as partes diretamente pactuaram que.o ressarcimento deva compreender também um tanto para ressarcimento do beneficio esperado, niio estariio elas, entiio, no terreno do ressarcimento dos danos? A meu ver, também neste caso hi um ressarcimento de danos. Na reali- dade, @ diferenca entre lucro cessante siricto.sensu e beneficio esperado, é mais uma diferenga de grau que de natureza: Iucro cessante 6 9 ganho que se tinha o direito de auferir ¢ seria auferido, nfio fora a ocorréncia, de circunstancias excepcionals; beneficio esperado 6 0 que nfio se tinha ainda o dircito de auferir, mas teria provavelmente sido auferido *, mitagio dos sujeitos legitimados, 0 critério estabelecido nos cédigos para a delimitagio objetiva dos danos ressaretveis cm matéria de responsubilidade contratual o que a tradigo francesa e italiana oplien também & delimitaglo objetiva dos danos ressar- civeiy na rosponsabilidade civil. 52. Cédigo italiano, arts. 1.228 e 1.229; francés, arts. 1.150 e 1151. © limito da ressarcibilidade quanto aos danos diretos @ imediatos costama sor, por muitos, estendido também aos danos extracontratuais; nfo assim o da previsibilidade. No Cédigo brasileiro, a Tiquidagéo dos dunos oxtracontratuais 6 diseiplinada analiticn- mente, quanto as varias hipéteses, nos arts. 1.587 e segs,; a dos danos contratuais compreende © que o devedor efetivamente perden eo que razoivelmente nfo ganhon (art, 1.059), como consegiiéncia direta © imediatn (art. 1.080) de ato ilicito, © s6 dentro do limite dos lueros previsiveis quando a inexceugdo da obrigagio consiste na falta_de pagamento no momento e na forma devida (ort. 1.059, 1.°). 53, Hsta afirmaeio corresponde 4 doutrina de Etscumr (A Reparagdo dos Danos no Divito Civil, trad. port, So Paulo, 1938), aue, a respeito do lucro eessun- te, observa (pag. 58) niio ser @le limitado ao que o eredor jf tinha adquirido 0 direito de uuferir, o que permite justamente delinear, no Ambito do luero cessante, lato sensu, a distingto do texto,

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