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‘Ana Maria Pinto Pires de Oliveira ‘Aparecida Negri Isquerdo Organizadoras AS CIENCIAS DOLEXICO LEXICOLOGIA LEXICOGRAFIA TERMINOLOGIA OS DICIONARIOS NA CONTEMPORANEIDADE: arquitetura, métodos e técnicas ‘Maria Tereza Camargo Biderman Universidade Estadual Paulsa/Araraguare INTRODUCAO, 0, uma espécie de tentativa de descrigdo do léxico de uma Lingua Existem varios tipos de dcionsrios monolingues: os dicionsios de lingua, 0 diionérios analégicos (ou ideol6gicos), os dicionérios ‘emticos ou especalizados (de verbos cfou regéncia verbal, de sin6i ‘mos anténimos),0s dcionérios timolégicos, os diciondris histricos, 0s dicionérios teminol6gicos ds diferentes dreas do conhecimento:as- ‘ronomia,biologia, comunicagbes, dreto, eclogia, letrcidade, isi _eologiae geomorfologia,informética, medicina, metalurgia,psicologia, ‘guimica, ee, Vou considerar apenas os dicionérios de lingua, Dentre 0s dicionérios de lingua podem-se apontar como prin- cipsis modelos usuais nas sociedades contemporineas: o diionésio ps {do eo dicionério geral da lingua além de outros frodelosreduzidos- ‘0s min-diciondrios (como se chamam no Bras), 8 dcionériosescole- 12505 dicionéris infantis. Cada uma dessas modalidades de dicioné- ros tem como parametro o total de entradas, ou verbetes repertoriados. Assim: 1) 0 diciondrio-padrdo com uma nomenclatura (macro- cestratura) de $0,000 palavras-entrada aproximadamente, podendo es- tender-te até 70.000 verbetes; 2) 0 diciondrio escolar - nomenclatwra de 25.000 pelavras- cntrada aproximadameate; 3) diciondrio infantil - [faixa tira : 7 a 10 anos} nomenclatura: 10.000 palavras, {fina etiia: menos de 7 anos) ‘nomenclature: 5.000 palavras. Um diciondrio ¢ um produto cultural destinado ao consumo do, arande publico, Assim send é também um produto comercial, o que o faz diferente de outrs obras cultrais.f preciso considera igualmente {que 0 dicionsrio deve registrar a norma lingitia ¢ lexical vigete na sociedade para o qual 6 elaborado, documentando a prxis ling stica dessa sociedade, Por isso, a lexicagrfia contemporinea considera 0 dicionério sob uma étca distnta daguela que se tinha no passado, Um cexemploclssico do século XIX €odicionsriode Ltt da lingua france sa, que se pautouexclusivamente em modelos lterdrios, Também nosso primeiro dicionarista Antonio de Moras Silva parihavaesteconceito no século XVII, bem como seu predecessor, o Padre Raphael Bluteau no século XVI outeos famosos diciondrios de lingua latinas elabora- ‘dos por Academias de Letras - do francés, do italiano e do espanol Ademais, 0s icionérios recolhem o tesouro lexical da lingua ‘num dado momento da histria de um grupo social. Gostaria de lembrar ‘oque afirmet em outro trabalho: “0 léxio pode ser considerado como otesouro vocabular de ums ‘determinada lingua. Fl inclu a nomenclatra de todos os concei tos linglisticoseno-lingUsticos ede todos os referents do man- \ofiscoe do universo cultural eriado por todasas ultras huma- nas atuis edo passado, Por iso éxico 60 menos lngistioa de todos os dominios da tinguagem. Na verdade, é uma parte do idioma que se situa entre olingUistico eo extralingtistico.”* ‘Tendo em vista definico dada 20 diciondrio de ingua,consta- tarse que apenas 0 diciondrio geral da lingua pode aproximar-se do {deal de descrever e documento léxico de uma Kingua. Ainda assim, esse ideal € sempre intangivel,j& que o léxico etesee em progressio geométrica, hoje sobretudo, em virtude da grande aceleragdo das mu- sdangassocioculturais teenoldgics. A rigor, nenhum dcionéro por ms [Bierman ML. “A estas oie" in sor de Fone Ligaen. omesge saa Niclas Salm, Sto Plo, T. A Quads, 981,18 volumoso que seja, dard conta intgral do Iéxico de um lingua de civil zagHo. Assim, o ior dicionsio geral conhecido de uma Kngua contem- pordnea - 0 Webster, da lingua inglesa ~contem cerca de 500,000 ver betes, numeréro de sua dima edieao; desde a data de sua thtima edi ‘inglés jéteréincorporado mais alguns mithares de vocabuls, sem con- tar aqueles que jé nfo haviam sido registrados nessa ediglo por razses variadas. Outros dicioniros de renome que so tesouros: 0 Oxford Dictionary of English Language ( grande Oxford) com 400.000 ver- betes aproximadamente e © The Heritage Dictionary of the English Language (dicionirio americano) com um numerério semelhante. [No caso do portugués, nossos dicionérios geras sia bem mais modestose incompletos. 0 “tesouro" mais vasto 6a 10" edigso do Mo- nas, reditado por J. P. Machado para o Editorial Conflutncia em 12 volumes (1949-1959), que inclui uma nomenclatura de 306.949" pala- vras-entrada. Claro est, que essa ob, baseada num dicionério do sé- ‘culo XVII celaborado hi mais de quarenta anos, esté muito desatalizada ‘com relago 20 vocabulério do portugués contemporineo. O dicionério gral do portugues mais popular é, sem dvd, 0 NOVO DICIONARIO AURELIO DA LINGUA PORTUGUESA. A segunda edigo de 1986 contém 130,000 entradas, sendo,portanto, bern menor que aquilo que deve ser “tesouro” lexical do portuguésbrasile- 10 contemporineo. Esti no prelo uma terceira edi que deve incorpo- ‘ar mais alguns milhares de palavras segundo afirmar os editores. A espeito de ser bem menor que © Morais/Machado com respeito & no- ‘menclatra, contudo, é bem mais stualizado e ademas, em um s6 voli ‘me, © que © toma mais accessive! para os usuios [ARQUITETURA DOS DICIONARIOS. 1.1.0 primeiro problema que se pe na elaboragio de um dic- conirio & a extensio da sua nomenelatura clou maeroestrutura. O ‘amanho desse indice de palavas ¢fator de algunas coordenadas: em ‘rimeiro lugar, pblico aque se destna. Tal serio destinatiro dose do, tal oaumerisio. Como se refer acima, nas modernas iias, © modelo padrio de dicionéro pode abrigar de 50,000 a 70.000 palavras-entrada. Hé quase um século o Petit Larousse vem regis 2. Nerd, Leon de romanian Lingus, Banu V1, 2, 1994.6. trando $0,000 entradas, sendo que cada nova edigio, via de reg anual, descarta um certo nimero de vocdbulos eas em desuso eos substitu ‘por neologismos entrados em uso. © Petit Robert inclui 70.000 verbe- tes, A versio canadense desse diionéio,descrevendo 0 Iéxico do fran- .&s do Québec, Dictionnaire Québécois d’Aujourd’Hul (Le Robert, 1992) contém 40,000 palaveas-entrada(verbetes). Lembo que essa era «8 nomenclatura da segunda edigio do Moras (1813) ‘A primeira versio do Longman Dictionary of Contemporary English de 1978 coninha 50.000 paras hoje oi ampliado para 55,000, (utr dicionéro padro do inglés, elaborado tanto par os falantesnativos ‘como para os tenes do inglés como segunda lingua € 0 Collins Cobuild Dictionary of English Language (1987) Os autores dessedicionrio - John Sinclar e sua equipe( University of Birmingham) - bascaram-se em ‘resultados Iéxico-estatsticos para selecioar sua nomenclatura operando ‘com um corpus de referencia de 10 mihdes de ocortncias doings briti- contemporineo e um pequeno subcorpus do inglés americano. Com ‘uma nomenclatura de 55.000 verbetes, essa obra 6 o primeira diciontrio Inglés a basear-se num corpus informatizado da Ingo [Bank of Engi). (Outro dicionriodestnado ao grande pblio,langado recentemente pela (Cambridge University Press (1995) Cambridge International Dictionary of English rogistra 50.000 entradas De um modo geral, os lexicélogos ¢ lexicégrafos saber que uma macroestrtura de 50,000 verbetes ¢ mais do que suficinte para 0 ‘grande pabtico, jé que ela contém um nimero de palavras enormemente ‘superior 8s reas necessidades vocabulares do homem médio, mesmo o cult. Via de regr, um homem culto domina, no maximo, 25.000 pal. ‘ras no seu léxico tanto ativo como passive. Contudo, 08 Iéxicos das linguas moderas decivilizaco so espantosamente maiores, em vrta de dapletora de termos das técnicas e das citncas. Por conseguinte, um problema crucial a ser considerado é: como selecionat 50,000 palavras (ou mais) do gigantesco acervo lexical existente nas grandes cultures? Para uma selecio crteriosa ecientifica, a estratégia coreta © recurso a uma grande base textual, um enorme corpus de dados lingUtsticos, de discursos realmente realizados- lingua eri e oral - ara da extrara nomenclatura desejada com base em critéros lxico- ‘estatfticos. Esse corpus deve conter, no minim, 10 milhdes de ocor- ‘éncias de todas as modalidades de discurso e/ou texto para garantir a - representatividade do acervo lexical da lingua, bem como de seu uso Desse efetivo selecionar-se-& numa primeira etapa, as palavras que ‘correram pelo menos cinco vezes (para um total de 50.000 entradas). A seguir, deve-se examina, com ertério, as listas das palaveas de fe- qUncia ene 1 e 5 para eventualmente coletar ovtras unidades neste conjunto. Os hapax legomena (freqiéncia 1) sera0 rejeitados, pois registram idiossincrasias de autores, ou teenicismos tfpicos do discursa ciemtitio, Dado onsiero gigantesco de termos ténicos ecientificos, ser necessério seleconar apenas os termos vulgarizados na lingua comum, seralmente divulgados pelos meios de comunicago de masse. Caso con. ‘wario, haverd uma sobrecarga de vocsbulos de escassa cirulagio na lingua ger Outro problema de dificil solugio € o dos regionalismos. © conceit de regionalismo, especifcamente do regionalismo lexical, & muito ambiguo. Os dicionérios so lacbnicose até contraditérios no ta- ‘tamento dessa matéra eformulam um conceito incomplete e inadequa- {do de regionalism. Ora, oconceito de regionalism remete & questi da norma ingstica Alguns pontos devem ser considerades no enfrentamento desta questo 8) qual o ponto de referéncia para definirum termo como regi- ‘onal? se 0 vocdbulo regional elativamente a um daleto padsio, {gual esse dileto padrio, de qual regido ? (Odicionirio Aurélio,porexemplo, classifica como brasieiris. ‘mos um grande nimero de palavas; ora, esse perspectiva & evidente- ‘mente ada ex-metrpole - Portugal - tal crtério remete ao portugués ‘europe como norma padi, Por outro lado, quando termos regions designam fendmenos ‘0u referents da realidade regional, tl ato ocorre por causa da coisa nomeada eno por causa do signo. Assim, por exemplo, no portugues do [Brasl vocdbulosoriundos de diferentes rides do pas: AmazGnia: bot0, curimatd, gaiola, igarapé, poronga, pororoca, quatipuru, seringa, tuewnaré: ar ‘SuLdo Basil: arreplar eniconar,bagual, bombachas, bomber de chimarrio, chimarrdo, china, chripd, guaiaca, mate, poncho, ‘queréncia; Nonleste do Brasil aipim, caatinga, cajuetro, jangada, macaxeira, maruim, marnué, otizeiro, saveiro: Pantanal: anhuma, curicnca, seriema, twit, acuri, aguacu, ‘anyjiqueira, peiiva, ‘Com base em estudo de Boulanger (1985) erio que se pode efinr regionalismo: qualquer fatolingistco (palavra, expresso, x seu sentido) proprio de uma ou de outravariedade regional do portaguts do Brasil, com excegao da variedade usada no cio lingistco Rio/Sio Paulo, que se considera como 0 portugués brasileiro padréo, isto & a variedade de referencia, e com exclusio também das variedades usadas ‘emoutrosteritrios lséfones, Outta questio dlicada diz respeito aos areafsmas eou pals- ‘raslexpressGes cafdas em desuso ou que se tomaram obsolets. O de- suparecimento de um referent ou de uma realidade qualquer (costume, fendmeno cura, et.) na vida de uma comunidade pode leva a pala” ‘ra que os denomina ao envelhecimento e A morte, perdurando apenss em forma féssil nos documentos da lingua. Isso no impede que ela posse vira ser usads esporadicamente em dois tipos de situagdo pelo ‘menos: em textos histricos(cientificos ou de fice histriea) ou em criagdes literrias quando um artista a reutiliea com Finalidade esttica, ‘eja-se titulo de exemplo, arcafsmos que reise em roman- ‘ces e obras contemporineas:almotace (do sé. XIV, em Fiegéo e lde~ ‘logis, 1972), arras(dosée. XII em O anaistade Bagé, 1982), altaneria (Go séc. XVI em Crbnica da Casa Assassinada, 1959), alarves 4s, “XIV em Inrodugdo’a Antropologia Brasileira, 1951), alestado (do sé, XVem Chio de Fero, 1976), adeja (do sé. XVII em Ave, Palavea, 1970), contumélia (do sée. XVI em A ladeira da meméria, 1970), sdespautério (do sé. XVI em Travessins, 1980), malquerenca (do se. XY em Conto Brasileiro Contemporinco, 1977), arrepela,arresolven rrespeitar,registrando uma prétese arctica (todos trés em Sagarana, 1951), Ali, todas as obras de Guimaries Rosa testemunham 0 gosto 3 Comuniajao apresetada np XIX Contest de lola Lingittica Romie, Suatag de Compotel, 1989 ‘desse escritor pela palavra araica. No estudo Arcaismos de Gulma- riies Rosa e sua abonagio em textos medievais, Nilce S. Martins registrou e comentou um grande némero de palavras do portugués medi eval, usados pelo escritor minerotais como: aldemenos, alembra, ar ras, arruldo, asinha, aventesma, bofé, convinhdvel, fica, fremoso, ‘ua, imigo, malino, mend, mezinha, palafrém. percisto, perjulo, remembrar,semidero, sorveer, sugar, etc Por outro lado, muits vex 0 arcaismo se identifica com um re sionalismo brasileiro; de fato, no portugu8s do Brasil palavrasféseis do periodo medieval da lingua ndo 6 fenbmeno rao. So tipicos 0s casos com a prétese @ (< prep.) como os vocébulos acima citados respigados na obra roseana: alembrar, arresolver, arruido én sso, uw problema ¢ posto peas obras hstricas, quer se wae dz hstriografiaconiica quer sete de romances histicos [Ness contest evidentementeressurgem um grande nimero de pal- vras que denominam referents deseparecdos d sciedade contempo ‘nea Assim, o romance de A. Miranda, Boca do Lfero,biogafia romanceada do porta sciscenista Gregorio de Matos, con um eeva- do mimero dsse tipo de voedbulo, a saber: adaga,aleade,alfanje, areabucero, bacamarte, barresd, degredo, expada, espadachim, ‘gedanho, garrucha, litera, ee. Todas e3sas palavrastestemunham ‘ealiades do pasado, embora eventualmentealguoas dene elas pos- sam continuar a sor usadas hoje, porém, com valor semintico diferente {caso de degredo}. Cass similares so os das palavras euja primeira scepedo ou wo remcc am referent depassado muito distant e nem mesmo de nora cultura liso-brasieira, como por exemple: éxodo ( pono” < sau determinado numa eseala de valores > ponto'< cada pri de umn discuso, de ums lista de assuno, de um programa > potto’< cade esxtenso do fio de linha entre dois fos feitos por uma agua > Hoje ‘io se dscrimin os homnimos com base no mesmo stim, Sendo pos- sivel identifica semas comuns 0 pelos menos um msm sema ene a vériasacepges da palavra, core poisemia; por conseguite, 0 Alcionarisa deverdinclse esses valores seminticos como acepyGes da ‘mesma lexia, num nico verbee. ‘No podete trate de todas as mate complicadas quests posts pela aritetra de um dciondrodengua no espago de tempo de {uedisponho, Assim nfo sed aguidiscutdaa problematic da tpalogia dos verbetes nom da definigio lexicogréfica, temas qu jd abordei em outaspublcages, Tampouco ser tratada questo muito elevate qual ejaadotratamento dos affxos no diionéri de lingua bem como a

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