You are on page 1of 9
Cristiane de Freitas Cunha Grillo | Bianca Ferreira Rocha | Mateus Mourao Organizadores Dae UEC AN FLINCRICRNIC CSI UTE RICMP NCAR NTU E] ieat ( evitoraufmg ) Scanned with CamScanner O Janela da Escuta é um dispositivo com- plexo e multifacetado que permite fazer borda com os jovens, que vém para o centro de Belo Horizonte da periferia da cidade ou de outras cidades do estado, oferecendo a cada adolescente a possi- bilidade de alojar 0 mais intimo de cada um: sua palavra e suas invengées singu- lares a partir de recursos diversos, Uma janela aberta a suspensao das sig- nificagdes que a irrupcao da adolescén- cia impée, permitindo alojar essa outra janela que se abre ao real no intervalo entre dois significantes, produzindo fu- ros na resposta e no saber que o jovem poderia ter sobre si mesmo e sobre mundo. Com o despertar da primavera que brota junto a sexualidade, o jovem ser falante se vé compelido a produzir uma resposta propria, singular, a partir da qual novos sintomas podem se cons- truir nesse espaco inédito que se abre mais além das identificagdes que até en- tao estavam em curso. Metamorfose do corpo que se trata de habitar agora, cha- mando a um novo saber sobre si, sobre 05 outros e sobre 0 universo. Scanned with CamScanner © 2022, Os organizadores © 2022, Editora UFMG Este livro, ou parte dele, nao pode ser reproduzido por qualquer meio sem autorizagio escrta do Editor, a 133 Janela da escuta : o adolescenteespecialista de i ea tessitura de uma rede sob medida / Cristiane de Freitas Cunha Grillo, Bianca Ferreira Rocha, Mateus Mourdo organizadores. - Belo Horizonte : Editora UFMG, 2022. 717 p.+ il. (HEAT) ISBN: 978-65-5858-054-6 Inclui bibliografia. 41, Adolescéncia, 2. Psicandlise. 3. Saiide. 4. Sexo. 55. Educagio. Grillo, Cristiane de Freitas Cunha. Il Rocha, Bianca Ferreira, IIL, Mourdo, Mateus. IV. CDD: 155.5 CDU: 159,922.8 oe Ficha catalografica elaborada por Vilma Carvalho de Souza ~ Bibliotecéria - CRB- 6/1390 COORDENAGAO EDITORIAL Jerdnimo Coelho DIREITOS AUTORAIS Anne Caroline Silva ASSISTENCIA EDITORIAL Eliane Sousa REVISAO DE TEXTOS E NORMALIZAGAO Jodo Rocha e Izabela D’'Urgo PROJETO GRAFICO DE CAPA Paulo Schmid PROJETO GRAFICO Cassio Ribeiro, a partir de Gloria Campos — Manga IMAGEM DE CAPA Thereza Portes FORMATAGAO E MONTAGEM DE CAPA Alessandra Magalhies PRODUGAO GRAFICA Warren Marilac EDITORA UFMG. ‘Av. Ant6nio Carlos, 6.627 - CAD II/ Bloco III Campus Pampulha ~ 31270-901 ~ Belo Horizonte/ MG Tel: + 55 31 3409-4650 - www.editoraufmg.com.br ~ editora@ufmg.br Scanned with CamScanner RAFAELA COELHO DE AVILA PARA TODOS UM INDIZIVEL, PARA CADA UM SEUS CONTORNOS? Diante da proposta de comentar o tema Experiéncias Trans e Contornos do Indizivel, saltou imediatamente aos olhos a questa © que é, afinal de contas, a experiéncia trans? Senti-me impossibilitada a definir algo sobre a verdade disso. Toda ten- tativa parecia parcial, tendenciosa, cientifica demais, retérica demais, generalista demais ou indefinida demais. Muito se pode dizer sobre isso, mas algo queria justamente um dizer que nao 86 contornasse, mas que encostasse na coisa. No entanto, para poder encostar-se ao contorno da coisa, para tocar a palavra trans na experiéncia, s6 havia um caminho: vivé-la. E isso nao € para todos. Outra questo revelou-se logo em seguida: o que seriam os contornos do indizivel? O pensamento deu voltas e pareceu sensato dizer que so exatamente as voltas do pensamento, os percursos da experiéncia, os trajetos que um sujeito faz, com palavras, com a imagem do corpo, com 0 corpo — as amarra- Ges entre o Simbélico, o Imaginério e o Real, respectivamente. Demandas imagindrias que dao voltas, realizando um percurso que pode cingir 0 buraco simbélico do desejo, que, por sua vez, revela-se contornando o vazio do real. Enfim, nao é a intengao falar aqui dessas categorias teGricas da psicanilise, logo cabe pensar que entre a “experiéncia” e “os contornos do indizivel” interpés-se um significante: “trans”. O que fazer com isso? Scanned with CamScanner Sera mesmo que esta a questao? que esta em questao na experiéncig ncia trans diz mais respeito a um Ser trans. Eis a questa0- Serd que é isso, 0 ser trans, dS trans? Ou a questao da experié! > P tornos? i vel e os seus CON! ene indizi periéncia trans como a descoberta de ensassemos a €X] pene 0? Ou, talvez, como a descoberta de um outro um tanto quanto familiar, mas tam- Iteridade do mesmo. Aquilo que, no um outro sex' a Outro em nés? Uma intima, bém estranha e inquietante al é . £ mesmo € 01 mas, por acaso, contingencialmente, revela-se ao sujeito. E, ee to, é af que 0 sujeito precisa responder a isso; a isso que néo fala, mas que pulsa, seja no corpo, na alma, nos gestos. Esse in- dizivel que grita silenciosamente, que nao se diz, mas que se vive —éa ele que o sujeito precisara acertar as contas de seu ser. Como responder ao indizivel pulsante? Como responder a experiéncia viva de deslumbrar 0 outro sexo em nés? O que fazer com isso? E possivel que a primeira resposta de um sujei- to seja “nao sei o que fazer com isso”. Mas sera preciso fazer tro ao mesmo tempo. Um ponto mesmo sem saber. Pedir para um outro responder, copiar a resposta do outro, comparar diversas respostas de diferentes sujeitos e deduzir uma sintese, construir pacientemente ao longo do tempo uma resposta complexa, construir ardua e pacientemente ao longo do tempo uma resposta simples, inventar uma resposta inédita, silenciar-se, matar-se... tantas tentativas e erros, tantas voltas, tantos contor- nos possiveis em torno do impossivel; em torno daquilo com o qual no se negocia: eu ser — este que, por estar amarrado na pulsio “designa um nivel onde o sujeito parece estar sob uma de- manda, da qual nao pode se defender” (MILLER, 1997, p. 339)- = mete atravessar, ir através, transitar, transpassat, trans- : Pelo verso € avesso dessa estranha alteridade em nds, para realizar a experiéncia de escrever com a vida, com o corpo e com Palavras algum ponto do indizivel, Ser Pies i de seu proprio ser, preciso ser trans M4 Scanned with CamScanner Neste ponto, nao falamos mais de ser como de um movimento de sujeito samos de um ser trans para um s pelos contornos das respostas dad, que se chega aos nomes, e, trans, mas de ser. Bem ue opera com seu ser. Pas- er de sujeito, Contudo, sio ‘4S por cada sujeito a seu ser logo em seguida, nas nom se esta banhado institucional e instituida, lenclaturas; Por toda uma gramatica sedenta pelo individuo, mas nao por seu individual. E 0 grande perigo desse banho é que acaba-se por jogar o bebé fora com a 4gua, Junto 55 que dao lugar para o sujeito. e, quando se vé, ao final, palavras a Vai-se embora o sujeito. Isto é as respostas que O sujeito enuncia, para si e para o mundo, salvam- -no do vaio solitério do indizivel, mas podem condené-lo a pre- senga indiferente da multidao. E uma escolha forcada. A bolsa ou a vida, velha questo evocada por Lacan: o ladrao aponta uma arma e diz: “é a bolsa ow a vida”. Como responder a isso sem perder nada? Pois, a bolsa esta desde jd perdida por deixé- -la ir com 0 ladro ou por perder a vida e, consequentemente, a bolsa. Responder ao indizivel é negociar com o inegociavel. Jacques-Alain Miller (1997) elucida a relacao entre resposta ¢ responsabilidade: “O irresponsavel é aquele que nao pode dar conta de seus atos, que ndo pode responder. £, precisamente, a resposta que define a responsabilidade; responsabilidade é a possibilidade de responder” (p. 336). Logo, trata-se de, poder se posicionar como sujeito, responder, neste caso, é a responsa- bilidade de implicar-se com o que se perde. O nosso indizfvel, por nao podermos dizé-lo, contornamo-lo e,a0 contorné-lo, o perdemos. Nos contornos do indizivel pro- duzem-se as perdas. Neste nivel, toda operagao gera um resto € é preciso responsabilizarmo-nos também pelos restos. ‘A nomeagao trans vem como significante que permite con- densar ndo 0 que se sabe, mas, 0 que nao se sabe dessa experi- éncia. A cada vez que um sujeito com este significante “trans” € identificado ou se identifica, idéntico ele fica com um outro, € as- sim perde algo de si mesmo, um pedaco de seu ser, indizivel, Pois a designacao “trans” é um significante do Outro, seja este Outro 345 Scanned with CamScanner jancias socials, 4 psicologia etc. Na experiéncig ci eat de um sujeito que, por alguma 14240, alojou-se rv pjado neste significantes que, todavia, nada pode dizer ou foi aol rey do sujeito, Sendo sobre alguns tr. i dem e alienam sua singularidade ng imaginal na rate aota gd Ca Ac mal, vale eee uma boa separa¢ao do Outro afinal, como fazer .r se alienado nele? “O fen6émeno da transexn- “ta caso, a singularidade de um corpo as trans, trata-se teia ressaltar. Mas, sem antes nao te! i 6 al alidade expoe, em © voltas com a diferenga sexual, mas que paradoxalmente encon- tra no coletivo uma forma de ancoramento” (SANTOS, 2021), Clinicamente, é neste ponto que incide a pratica psicanalitica onvocar o sujeito em seu estatuto ético, ou seja, Como aque- ao ct “Que tens a dizer sobre o fato de se entender Je que responde: seen como trans?”; “O que isso tem que ver com o seu indizivel?”; “Tem se responsabilizado pelos contornos que faz?”. E enquan- to pratica de uma ética que @ psicanalise s6 pode interrogar neerca do lugar assumido pelo significante “trans” na experi- ancia. Nesse sentido, cabe falar do trans na experiéncia em de- trimento da experiéncia trans. Isto é 0 mesmo que dizer que a experiéncia trans, sob 0 ponto de vista psicanalitico, nao deve recair numa trans-generalizagao da experiéncia. Acima de tudo é abordada uma experiéncia singular de um sujeito. E por le- var isso a sério que a psicandlise se coloca em uma posigao contréria a da ciéncia. Por um lado, a medicina propée curas a partir da manipulagao dos corpos ( (protocolos endocrinolégicos e cirurgias), por outro, as ciéncias sociais, que nao propoem curas, até mesmo por defender que nao se trata de uma pa- tologia, propdem terapias ou adequacées discursivas, seja dos sujeitos com as instituigdes ou das instituigdes com o sujeito. Diferentemente disso, a proposta psicanalitica nao é negar nem eee ea ae niicleo mais real, incor ion Ea Bsa a me eee ee eae ieito, mas de fazé-lo existir em sua potenci® 346 Scanned with CamScanner ética para que ele possa responder por aquilo que no seio d a pars e10 de seu indizivel marca em sua pura diferenca, esta sim, incurdvel. Em seu tiltimo ensino, Lacan diz que “o s ; - er sexuiado se autoriza de si mesmo [... ede alguns outros” (Lacan, 1974-75, inédito). n, Fabian Fajnwaks mos- tra que isso “implica reconhecer que o ser sexuado ndo precie procurar no Outro sua nomeacio sexual, mas que ele pode arti- cular ele mesmo 0 modo de 8020 que vai defini-lo sexuado eT implica centrar a sua relacdo com o 8020 a partir do UM sée j4 ndo mais do Outro” (Fajnwaks, 2020, p. 38). Isto é, nao hé cura para 0 que é do regime do gozo, ha, todavia, os arranjos e sintomas que cada um encontra para lidar com 0 real furo da sexualidade. Sendo assim, a Propria sexualidade de um sujeito pode ser encarada como uma resposta sinthomatica, ou seja, que a partir de seu gozo um sujeito POssa sustentar um sintoma homem ou um sintoma mull her ou um sintoma queer etc., se autorizar disso e ent3o se nomear. Ao transitar pelos territérios da ciéncia, das teorias, das ins- tituicbes, classificagdes e nomeagées, a pratica psicanalitica nio pode se perder de sua propria via crucial, que é: a escuta ea escrita do ser de um sujeito. Se a principio partimos de um in- dizivel, visamos alcancar os vestigios de um dizer. Propondo ao sujeito um caminho possivel, construir e encontrar as palavras que indicam, que demonstram, que ressoam o né intimo de sua experiéncia. Forjar 0 contorno, o né desse dizer indizivel que no se encadeia na cadeia dos ditos, mas que localiza todos os ditos, Sobretudo, trata-se de se ater & ética da psicandlise. Talvez seja interessante entender que a necessidade de teorizagao sempre acaba por incorrer em generalizagdes que se comprometem em responder muito mais a uma demanda social do que a demanda clinica do ser do sujeito. Como proferiu Jacques-Alain Miller (1997): “Toda clinica verdadeiramente do sujeito, toda clinica psicanalitica auténtica, é uma clinica do ponto de vista ético, E, mais ainda, a ética é a dimensio constituinte da experiéncia analitica” (p. 333). Afinal, 347 Scanned with CamScanner como tal, se dirige 20 sujeito-.. Sempre 20 sucit, cravat todas as enfermidades mentais desde de direitos sujeito que Possa responder, Res. periéncia analitica: que © sujeito poss diz (MILLER, 1997, p. 337). [..Jo psicanalista, ético e de direito. Pod ito ético © digdo da ex: nue faz € 0 que que exista sujet ponder, eis a com responder sobre 0 4 £ sob essa perspectiva que podemos considerar, portanto, a a versao que corre mais embaixo, do tema propos- to neste trabalho. O atravessamento de “Experiéncias Trans e osama ini velp pars Og oA er tasehog veonos do Indizivel”. Afinal, para todos, um indizivel, para cada um, seus contornos e transigOes. subversao, NOTA 1 Texto apresentado no Niicleo de Psicanalise e Medicina do Instituto de Psicandlise «@ Satide Mental de Minas Gerais, no dia 2 de outubro de 2020. REFERENCIA FAJNWAKS, F. Despatologizar a transexualidade. In: CAPANEMA, C. ‘A; DURAES, F; MIRANDA JR, H. C.; MOTTA, J. M. (Org,) Psicandlise e psicopatologia lacanianas: impasses ¢ solucdes. Curitiba: CRV, 2020. LACAN, J. O Semindrio: RSI, livro 22. Inédito, 1974-75. MILLER, J-A. Patologia da ética. Im: MILLER, J-A. Lacan elucidado: palestras no Brasil. Rio de Janeiro: Jorge Zahat, 1997. SANTOS, N. O. Transfamiliar, XXIII Encontro Brasileiro do Campo Freu- diano. Plenaria IM, 2021. Scanned with CamScanner

You might also like