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La eo aa a a yt e a atualidade do marxismo Maria Orlanda Pinassi * Sérgio Lessa (orgs.) Carlos Nelson Coutinho * Guido Oldrini * Leandro Konder José Paulo Netto Nicolas Tertulian en SCR fens ae tome Pe ORO OST Oee e eRe RR eRe ra gémenos para uma ontologia do ser soc € ainda objeto de viva polémica. Trés Cee SER ON On ere oe en Cee Ut gen ye blicagaio do volume primeiro da Ontologia. POS RT Sete ea Cette Cuero Se OREN TOMOKO OSES por Lukacs, estado ainda longe de ter 0 seu significado plenamente explicitado. PSC MeU Ce meen eee CO em lingua portuguesa, que representam PO SMU HOM CLM ae eer Pree ect Un CO rm every eRe MTA Um MOOT A CO OR ere Coe MIeTeCaaea ee mee CADE Re mL COR See cR Sn TNC Ter a ontologia”. A tese de Oldrini é das mais TSC teres OTT re RUC en EER eee a palavra ontologia para caracterizar suas Pte ee ares Nicolas Tertulian, professor da EHESS UOC EEC ETT me Sore ace Sociales) da Sorbonne, contribui com dois MO See nee ety da estética lukacsiana de que temos noticia Cena ce See eta ee concepgaio estética de Lukiies centra-se no OUT Sete Ou CCN gundo texto, Nicolas discute razdes que teriam condenado a obra lukacsiana. em RS cn Run ee oe Mn acer CORON ERS ee ree Cen sse 60 mesmo objeto do texto de José LOT OO roca MO eet POUR Cones emer CODEC can Cee en it didade, os fundamentos historicos que tornaram 0 “esquecimento” da obra lukac- CURE LOM ILS Cg et Ton cn eee Taal Tn ameter Co enn tts Lukacs ea atualidade do marxismo Carlos Nelson Coutinho Guido Oldrini José Paulo Netto Leandro Konder Maria Orlanda Pin: Nicolas Tertulian Sérgio Lessa (org.) org.) EDITORIAL Copyright © dos autores, 2002 Copyright desta edigio © Boitempo Editorial, 2012 Editora Joana Jinkings Editora assistente Sandra Brazil Assisténcia editorial Pedro Carvalho Revisdo Marcia Noboa Leme Marcio Guimaraes Aratjo Mauricio Balthazar Leal Capa Antonio Kehl sobre foto de Edit Molnir Editoragao eletronica Renata Aleides Produgao grdfica Eliane Alves de Oliveira Livia Campos CIP-BRASH., CATALOGACAO-NA-PONT SINDICATO NACIONAL DOS EDITORES DE LIVROS, R1 1.98 Lukas ¢ a atualidade do marxismo / Carlos Nelson Coutinho, [et al} ; Maria Orlanda Pinassi (ong), Sérgio Lessa (org) [1 ed. rev]. - Sao Paulo : Boitempo, 2012 ISBN 978-85-85034.97-2 1, Lukes, Gyorgy, 1885-1971. 2. Ontologia. 3. Comun 1. Coutinho, Carlos Nelson, 1943-2012. TI. Pinassi, Maria Orlanda, 1955-. IIL Lessa, Sérgio, 1955 12-7286. cCbb: 111 CbU: 111 B vedada a reprodugao de qualquer parte deste livro sem a expressa autorizagio da editora, Este livro atende as normas do acordo ortografico em vigor desde janeiro de 2009. TP edigdo: maio de 2002 1° edigdo revista: outubro de 2012 BOITEMPO EDITORIAL Jinkings Editores Asociados Lida Rua Pereira Leite, 373 (5442-000 Sao Paulo - SP ‘Tel./fax: (11) 8875-7250 / 3872-6869 editor@boitempo.com www.boitempo.com SuMARIO LUKACS: DA ESTETICA AOS FUNDAMENTOS DA ONTOLOGIA MARXIST Maria Orlanda Pinassi Part A Estreisrica pt, LUKACS TRINTA ANOS DEPOIS.......000005 13 Nicolas Tertulian LukAcs HOE. 27 Nicolas Tertulian EM BUSCA DAS RAI Guido Oldrini A) DE LUKACS.. RG LUKACS: UM EXILIO NA POS-MODERNIDAD! -77 José Paulo Netto Lukacs: Direrro & poLiticy ea -103 Sérgio Lessa PARTE U1 A AUTOCRITICA DO MARXISMO .. Georg Lukacs Corresponnincia CoM GrorG Lu. Leandro Konder e Carlos Nelson Coutinho GA DE LuKACS NO BRASIL Entrevista com Leando Konder e Carlo Is Nelson Coutinho Gor Lu -185 191 UMA BREVE BIOGRAFIA SOBRE OS AUTORES. LUKACS: DA ESTETICA AOS FUNDAMENTOS DA ONTOLOGIA MARXISTA Maria Orlanda Pinassi “Questo lateral e a que nao posso responder é saber se a ponte que tentei langar entre © passado € 0 futuro, para e através do presente, sera realmente duradoura.. Se, nestes tempos desfavordveis, ndo consegui estender mais que uma fragil ponte; um dia irao substitui-la por outra, soljida, na medida em que este transito aleance a importancia que de fato tem para a vida espiritual. Eu, pessoalmente, me contentaria em conseguir facilitar aalguns homens, mesmo que a poucos, 0 caminho do passado ao futuro, neste confuso periodo de transigao.” Lukics, Goethe y su época A condigao prévia da obra lukacsiana, em seu conjunto ¢ em seus mo- mentos especificos, € sempre o desvendamento entre a existéncia real dos fatos e seu nticleo interior, entre as representagdes € os conceitos. Tanto quanto Marx, que considerou “supérfluo se a forma fenoménica e é isas coincidissem imediatamente”, Lukacs foi absolute mente rigoroso em relagdo a realidade que “nao é tao somente a superfi- cie imediata percebida do mundo exterior, ndo é a soma dos fendmenos eventuais, causais e momentaneos”. Nao é de admirar, portanto, que esse intelectual arguto e sofisticado, que aprofundou e atualizou a perspectiva revolucionaria de Marx, lem- brando-se, a todo momento, da necessdria desilusao sagrada e terrena, tenha erigido uma das obras mais dindmicas e polémicas do século xx. Nao é de admirar também que tenha sido um alvo dileto de acusagdes e que, particularmente hoje, sua obra esteja banida dos e pelos meios LUkACS EA ATUALIDADE DO MARXISMO académicos. A permanente criticidade que desferiu contra idedlogos da burguesia, socialistas vulgares e criticos de plantao, héspedes do “grande hotel abismo” - imanéncia de seu rigor metodoldgico —, valeu-lhe alguns dos ataques mais severos e desonestos do seu tempo. Hostilizado ora pelo “radicalismo”, ora pelo “espirito conciliador”, em sua longa e atri- bulada trajetoria, Lukacs, por meio de seus escritos estéticos e filos6- ficos, respondeu, sempre criticamente, a docilidade e ao pragmatismo das orientagdes partiddrias, ao voluntarismo inconsequente e descom- promissado de tendéncias académii Contrassenso ao fato de que, pelo conjunto de sua obra, foi e mantém-se um autor pouco lido e, consequen- temente, pouco compreendido. Desde dezembro de 1918 - data de seu ingresso no partido comunista hningaro — até 4 de junho de 1971 - data de sua morte em Budapeste -, Lukacs viveu tao intensamente as oscilag6es préprias da vida politica que sem elas fica impossivel perceber a progressao de suas inflexdes filos6ficas mais importantes. E os varios momentos de sua vida e de seu pensamento, de fato, comprovam uma trajet6ria intercalada de criticas e autocriticas, de “viradas”, de diferenciacdes e rupturas. Tal dindmica, porém, jamais foi fruto de volubilidade ou modismo, como, alias, aconteceu com significativa parcela de intelectuais que um dia abragaram e cairam das nuvens com stias crengas revoluciondrias. A dinamica lukacsiana tem sua explicagdo no movimento proprio do real do qual permanentemente extrai os elementos 5 literdrias, seus estudos estéticos e de m nunca abandonar, muito pelo contré- éria e a grandeza da modernidade. ntram argumentos que justifiquem Has critic ilosdfico, s para a construgao de todo o seu complexo rio, para reforgar 0 confronto com a mi Por isso mesmo € que nao se er a cansativa periodizagao! desses varios momentos de modo a dar-lhi autonomia e, mais grave, de subtrair-lhe a totalidade da obra. No fundo, o filésofo hingaro foi vitima da fragmentagdo contra a qual lutou obsti- nadamente e da qual se originam os admiradores ora do jovem, ora do Lukacs maduro. Fato é que aqueles que desprezam ou renegam a poste- ridade do seu pensamento perdem a oportunidade de conferir e apreen- der 0 desenvolvimento de um embate tedrico tio somente esbogado na sua maturidade, ao ignorar 0 processo de sua formagao e vacilagao, estao, na verdade, recusando-se a compreender © sentido essencial de algumas de suas ideias nas origens e progressio. Nao se trata aqui, porém, de tergiversar os equivocos que, porven- tura, possa ter cometido em sua permanente insergéo na praxis politica juventude. E os partidarios da Uma feliz, resposta a esse procedimento € dada por José Paulo Netto em “Lukdes: tempo ¢ modo”, apresentagao ao livro Lukdcs (Colegdo Grandes Cientistas, Atica, 1981), do qual foi o organizador. LUKACS: DA ESTETICA AOS FUNDAM TOS DA ONTOLOGIA MARX. cotidiana, afinal, parafraseando Lukacs ao referir-se a Marx, aderir as suas ideias “nao significa, pois, adesao acritica, (...) nem ‘fé’ [numa ou noutra de suas teses] ou exegese de um texto sagrado”, mas de reconhe- cer que sua obra, acima de tudo, nos da, desde A alma e as formas até a Ontologia do ser social, uma nogao verdadeira do que Guido Oldrini, no ensaio aqui publicado, chama de “unidade dialética de continuidade e descontinuidade” no desenvolvimento de suas ideias centrais. O reconhecimento desse aspecto intrinseco a obra lukacsiana e, mais, a urgéncia de trazer esse importante arsenal critico para o en- frentamento dos imensos e graves problemas contemporaneos foram as razGes que consideramos para publicar esta coletanea de ensaios sobre Lukacs. Nicolas Tertulian contribuiu com dois ensaios que dis- cutem a atualidade da Estética e 0 esquecimento pleno do significado historico (e consequéncias nado menos significativas) a que foi legado o filésofo hangaro. Guido Oldrini comparece com um texto que delineia a trajetoria de Lukacs em diregao a “ontologia”, termo que vem a em- pregar em acepcao positiva apenas no inicio dos anos 1960. José Paulo Netto analisa o florescimento de novas tendéncias irracionalistas pos- -modernas, diante das quais se compreende a solidaéo da perspectiva ontolégica de Lukacs. Sérgio Lessa problematiza o lugar da politica no interior da Ontologia. Entre o final dos anos 1950 € 0 inicio dos 1960, as ideias lukacsianas penetram mais intensamente no Brasil. A responsabilidade recai sobre uma jovem intelectualidade interessada, sobretudo, num arejamento politico-cultural do partido comunista. Esses jovens nao formavam um grupo coeso e, ao menos no inicio, ndo havia nem mesmo comunicagao entre eles. Eram cariocas, baianos, mineiros ¢ paulistas que somente anos mais tarde haveriam de se encontrar e, em alguns casos, estabele- cer amizades de toda uma vida. Os clos de ligagao inicial foram os agu- dos questionamentos a respeito da linhagem stalinista, via Althusser entre outros, que insistia em vigorar no partido a que todos se vincu- lavam. Novas perspectivas abriam-se no cenario intelectual socialista, entre as quais destaca-se 0 existencialismo de Sartre e Merleau-Ponty, mas seria Lukdcs quem haveria de Ihes oferecer as respostas mais con- sequentes para suas inquictagoes ¢ criticas. A segunda parte desta coletanea é particularmente interessante por- que traz um considerdvel volume de material, em parte inédito, que re- compoe episédios importantes sobre 0 periodo inicial da presenga de Lukécs no Brasil. Sao varios os pontos de partida e aqui reeditamos 0 impacto e a proficua produgao de livros, revistas, ensaios ¢ artigos que advém das relag6es — de afetividade ideolégica ¢ pessoal — entre Leandro Konder, Carlos Nelson Coutinho e Georg Lukacs. LUKACS BA ATUALIDADE DO MARXISMO. Para abrir essa parte, trazemos a entrevista que Lukacs deu a Konder nos idos de 1969, em Budapeste, surpreendentemente, foi publicada no Jornal do Brasil em agosto do mesmo ano, em plena vigéncia do A1-5, com 0 digestivo titulo de “A autocritica do marxismo”®. Na sequéncia publicamos a longa série de correspondéncias trocadas entre nossos trés protagonistas durante quase dez anos, interrompidas algumas vezes por razGes de censura e repressao politica, tanto cé como 1a. O interesse maior que recai sobre seu contetido esta no resgate de al- gumas das mais urgentes formulagGes tedricas dos jovens brasileiros — formulagoes as vezes ingénuas ou ingenuamente arrojadas — e das gentis, mas sintéticas respostas de Lukacs. Outro aspecto interessante dessas correspondéncias se encontra nas referéncias a intensa publicagaéo dos estudos lukacsianos no Brasil, cuja iniciativa e responsabilidade foi de Leandro e Carlos Nelson, com 0 acompanhamento cuidadoso de Luka Na intengao de trazer alguma luz a esses episédios marcantes da his- téria do marxismo no Brasil, realizamos uma entrevista com Leandro Konder e Carlos Nelson Coutinho, na qual eles pudessem contar sua propria historia no universo do velho mestre htingaro. Finalizando, gostaria de agradecer ao Leandro e ao Carlos Nelson pela tradugao e edigdo de suas correspondéncias trocadas com Lukacs € pela paciéncia e atengéo com que nos receberam para a entrevista. A Cristina Paniago pela ajuda inestimavel na preparagao, realiza edigdo da entrevista ¢ pelas sugestées em varias fases da elaboragéo desta coletanea. A Bia Lessa, que filmou e registrou aquele contro no Rio. Ao Adriano Nascimento e Zilas Queiroz pela transcrigao das fitas re- ferentes a entrevista. mpatico e prazeroso en- Maria Orlanda Pinas: Organizadora * Uma outra publicagao da entrevista pode ser encontrada na revista Temas de Ciéncias Humanas 1. 4, 1978, 10 PARTE I A ESTETICA DE LUKACS TRINTA ANOS DEPOIS* Nicolas Tertulian A Estética de Lukécs, trinta anos depois de sua publicagao de- finitiva — dois grossos volumes com o titulo original de Kigenart des Asthestischen -, por mais surpreendente que pareca, ainda nao recebeu o tratamento critico que merece. Seria falso dizer que nao existem co- mentarios (néds mesmos dedicamos estudos ao pensamento estético de Lukdcs!), mas ainda esperamos por uma anilise exaustiva de sua estru- tura, das suas principais teses e de seu rico desdobramento categorial Um certo fechamento do filésofo no universo de suas proprias ideias, forjadas desde a segunda década do século (as ideias desenvolvidas nas duas primeiras redagoes de sua Estética - a ITeidelberger Philosophie der Kunst e a Heidelberges Asthetik, escritas entre 1912 e 1918 - sencial conservadas na forma final), assim como sua relativa indiferenga as outras importantes aquisigoes do pensamento estético contempo- raneo justificam um pouco a marginalizagdo de sua Estética. i sinto- matico, por exemplo, que as referéncias as teorias estéticas de Croce, Ingarden ou Devery e observagoes sobre a arte de Heidegger ou Gadamer (é verdade que Lukacs estava acabando seu manuscrito quando surgiu Wahrheit und Methode) praticamente inexistam em seus escritos. A psi- canalise é apenas citada, e de maneira critica, é claro. A tinica filosofia da arte contempordnea que mereceu ¢ até despertou um pouco de sua atengao foi a de Nicolai Hartmann. sao no es- Tradugéo de Jeanine Pires, professora do Departamento de Ciéncias Sociais da Uni- versidade Federal de Alagoas. Revisao de Ivo Tonct, professor do Departam Filosofia da Universidade Federal de Alagoas. nto de ' Tertulian, N. Georges Lukdcs. Etapes de sa pensée esthétique. Paris 1980. Le Sycomore, 13 LuKacs: A ATUALIDADE DO MARXISMO Abordando um segundo aspecto do problema, poderiamos ressaltar que um sistema estético publicado na segunda metade do século xx nao pode dispensar uma confrontagao efetiva com a pratica dos gran- des artistas modernos, Proust ou Kafka, Faulkner ou Musil, Picasso ou Klee, Stravisnky ou Schénberg. Ora, uma das principais objecdes feitas 4 Estética de Lukdcs, desde o inicio, era justamente o fato de ela nao levar em conta, de forma concreta, algumas das experiéncias mais importantes da arte moderna (nos referimos aqui ao artigo, alias favora- vel, que George Steiner dedicou a ele na Times Literary Supplement, em junho de 1964). Ignorando as grandes manifestagdes da arte de nosso século, dizem a maioria das criticas, essa Estética corre 0 risco de se perder no tempo. Esses argumentos s dio fortes e é preciso analisé-los com atengao. De inicio, para responder & primeira série de objecdes, € necessério di- zer antes de mais nada que a [stética de Lukacs esta longe de se situar numa posigdo excéntrica em relagdo as outras importantes correntes da estética filos6fica contemporanea, is quais 0 texto ndo faz referéncia. [2 importante esquematizar, rapidamente, a geistesgeschichtleche Lage (colocagao hist6rico-espiritual) dessa Lstética, em comparagao a outros sistemas estéticos, mostrando as semelhangas e analogias profundas, além das diferencas radicais de principio. Tomando como pontos de referéncia de um lado a teoria de Croce so- bre a arte como “intuigdo lirica”, como expressao do lirismo fundamental da alma, teoria elaborada em polémica direta com a ideia da arte como mimese, e, de outro lado, no polo oposto, o pensamento de Heidegger so- bre arte como “revelagdo do Ser” (Offenbarung des Seins), pensamento que se define justamente em oposigao direta a ideia de que a arte seria a “expressao da alma” ou “do vivido” (Ausdruckserscheinung von Seele, Erlebnis), nés poderiamos considerar a concepgao estética de Lukacs um tipo de via media ou mesmo uma coincidentia oppositorum. Nossa tese se confirma no fato de que a arte, na Estética de Lukacs, aparece também como “consciéncia de si do género humano” (Selbstbet- wusstsein der Menschengattung), expressio de uma subjetividade puri- ficada, intensificada e enriquecida em relagao a subjetividade pratica ~ ideia que nao nos parece tao distante da intuigdo lirica de Croce -, e como mimese, sintese ¢ reflexo das determinagoes objetivas do mundo - num sentido proximo da reabilitagéo da mimese grega de Gadamer. Lembremos que a ideia principal da estética da juventude de Lukacs era a do “carater vivido” (Erlebnishaftigkeit) da experiéncia estética. Aarte era descrita como a expressao privilegiada da “subjetividade pura” ou do “puro vivido”, desprovidos de suas raizes priticas e de suas aderén- Ela se moveria, entao, no plano epistemolégico, no espago cias empirica 14 A Esrerica pe LUKAcs TRI A ANOS DEPOIS teérico do neokantismo. Sua definigéo de obra de arte como fensterlose Monade (ménada sem janelas), valorizando 0 carater autossuficiente do > mundo artistico, nao é a ideia de Croce de obra de arte como mondo a s Mas se para o Lukdcs da grande Estética 0 objetivo da criagdo artis- tica ainda é a intensificag 0 da subjetividade (a arte provoca uma “énfase da subjetividade”, diz ele), a conquista desse estagio passa agora por um contato miltiplo e profundo com as determinagdes do mundo objetivo: para descrever esse duplo movimento da subjetividade estética, a perda desi no mundo ¢ a volta a uma subjetividade mais rica e ampla, Lukacs utiliza a famosa descrigao feita por Hegel na Fenomenologia do Espirito do processo de Entdusserung und ihre Riicknahme (a alienagao de si € sua retratagdo). A originalidade de sua Estética, em relagdo a de Croce, € que para ele 0 carter lirico e o caréter mimético da arte (para usar a terminologia crociana), longe de estarem em lugares opostos, formam. uma unidade indissocidvel. O realismo é para Lukacs uma qualidade construtiva da grande arte, sempre e em todos os lugares. O aumento da necessidade de um contato mais intenso com as de- terminagdes do mundo objetivo no processo de criagaéo artistica talvez permitisse uma aproximagdo com a tendéncia simétrica da estética de Gadamer que, sob a influéncia evidente do pensamento de Heidegger, coloca de lado de forma contundente a tradicional Erlebnisdsthetik, po- lémica explicita com 0 subjetivismo da estética kantiana e sobretudo neokantiana e, submetendo a uma critica aguda a visdo reducionista do stetismo (Gadamer denuncia 0 empobrecimento da arte pela “disj cdo estetizante”, pela dstshetische Unterscheidung), tenta, gragas a rea- bilitagdo da mimese, reincorporar 4 arte a riqueza de sua substancia existencial. Mas aqui também sao necessdrias importantes distingées. 0 € necessdéria muita perspicdcia para notar que o Ser em Lukacs e 0 Ser em Heidegger sao realidades totalmente diferentes. A estrutura fi- losfica basica da estética lukacsiana do realismo encontra-se, em nos- sa opiniao, na critica desenvolvida pelo jovem Hegel contra 0 idealismo subjetivo (o que ele chamava de Reflexionsphilosophic) de Kant, Fichte ¢ Jacobi, como também a “intuigdo intelectual” de Schelling, ou ao sub- jetivismo de Schleiermacher, em nome dos direitos imprescritiveis da objetividade e da riqueza das determinagoes objetivas do mundo infi- nito. Heidegger, num retorno ao pensamento pré-socratico, que ainda nao conhecia e: dualidades do pensamento metafisico, situa o Ser fora desse dualismo sujeito-objeto, enquanto em Lukdes, que assimilou integralmente a critica hegeliana do idealismo subjetivo, interpretando-o a luz do pensamento de Marx, o Ser se identifica com 0 mundo histérico- social em sua concretude particular e com 0 mundo da natureza, com o qual o primeiro tem uma troca permanente. 15 LukACS 6 A ATUALIDADE DO MARXISMO. Mas a diferenga mais importante em relagéio ao pensamento de Heidegger e de Gadamer é que a estética de Lukacs fica de certa forma isolada no quadro da Erlebnisésthetik: mesmo sendo sua subjetividade estética muito diferente daquela de Kant e dos neokantianos, devido ao eu profundo enraizamento no mundo objetivo ¢ a sua valorizagao da riqueza das determinagées deste mundo. Talvez seja interessante lem- brar que Gadamer, partindo de suas premissas heideggerianas, tentou uma revalorizacao da alegoria, enquanto Lukacs permaneceu fiel & opo- sigdo goethiana entre simbolo e alegoria, ao defender com numerosos ar- gumentos, no primeiro capitulo de sua Estética, a arte simb6lica contra a arte alegdrica. A aversao de Lukacs ao conceitualismo (0 concetismo abstratto de Croce), contra as abstragées alegéricas ou contra as simpli- ficagdes reducionistas da realidade era tao radical quanto a dos partida- rios da arte como “expressao pura”. = aqui que se encontra uma das raizes das divergéncias estéticas en- tre Lukacs e Brecht. Polemizando com a tese brechtiana de uma “esté- tica das ciéncias exatas”, baseada no Kleines Organon fiir das Theater, Lukacs se aproveitou da ocasiao para reiterar sua ideia de que 0 aspecto propriamente estético das obras de arte (mesmo as que expressam um contetido espiritual mais abstrato) reside nas reverberagées afetivas do mundo evocado, na ativagéo dos horizontes mais profundos de nossa subjetividade, na presenga de certas tonalidades ¢ de uma certa atitude vivida, que impregna o tecido da obra como uma substancia homogé- nea. Brecht, desde os anos 1930, naéo poupava seus sarcasmos contra a idiossincrasia de Lukécs sobre a abstracdo na arte e contra o que nds po- deriamos chamar de seu incorrigivel concienzialismo estetico. “Luka que tem o habito de transferir para sua consciéncia tudo o que existe no mundo...”, dizia Brecht, defendendo a literatura fundamentada sobre as grandes abstragdes redutoras (a mina ou o dinheiro em Zola) ¢ ironizan- do 0 antropocentrismo estético de Lukacs, que dava preferéncia as for- mas narrativas classicas & literatura fundada sobre a descrigao pura ou sobre a montagem dos fatos “sem alma” (0 que levava Brecht a dizer que os “fatos sem alma” e a desumanizagao sao a expressao da sociedade que esta literatura reflete, e nao da atitude do escritor em relagao a ela). Brecht provavelmente atribuia a Lukdcs a volta da estética da Einfith- lung (a teoria da empatia), que ele detestava profundamente. Mas Lukacs teve a oportunidade de explicar, em diferentes momentos de seus escri- tos, quanto seu pensamento discordava, de forma direta, da teoria da empatia estética. Podemos mesmo afirmar que ele era um adversario, nao menos decidido do que Brecht, da Einfiihlung. Respondendo a Hans Mayer, que Ihe havia enviado seus apontamentos sobre Brecht, ele obser- vava que a “identificagao” empatica com as personagens é um apandgio 16 A Es ICA DE LUKACS TRI ‘A ANOS DEPOIS da literatura pequena, como a de Paul Bouget ou Jakob Wassermann, por exemplo; ou, em um nivel mais elevado, a de Gerhart Hauptmann; e que aarte verdadeira produz necessariamente um “efeito de distanciamento” em relagdo aos sentimentos evocados. Varias vezes em sua Estética, quando analisa 0 Paradoxo sobre 0 cé- mico, de Diderot, ou quando polemiza com Brecht sobre a verfremdungs- offekt, Lukacs procura precisar que a arte implica uma “objetivacdo” ou uma “evocagao” dos sentimentos, € ndo sua expressdo direta, 0 que su- poe um dominio, uma filtragem, um olhar critico. A “consciéncia de si” (a Selbstbewusstsein) de que ele fala é justamente a ativagdo dessa zona profunda do nosso eu, que domina os sentimentos imediatos. A divergén- cia com Brecht reside no fato de que, para Lukacs, esse “distanc é realizado exclusivamente pela configuragdo (a Ge taltung) das situa- g6es e dos estados de espirito, pelos efeitos tragicos, tragicomicos ou cémicos, por exemplo, em uma peca de Tchekhov, e nao por um “efeito de distanciamento” ostensivo, que quebraria a eminéncia da configuragado. ‘Tenho 0 habito de dizer — escrevia ele numa carta a Cesare Cases — que com uma grande intuigao poética Brecht nos mostra a filha da Mae Coragem como muda, para que na iiltima cena, magnificamente tragica, todo ‘efeito el de distanciamento’ se tornasse imposs 's entre a estéti A posicao intermediaria da estética de Luka da “in- tuigao pura” e da teoria da arte como “revelagéo do Ser” ou as teorias objetivistas da arte como “imitagao da natureza” se nos mostra mais cle ramente agora. E, ao mesmo tempo, parece-nos evidente que somente um grave mal-entendido permite que um pensador que investiu tanta energia para desenvolver em sua Estética madura a ideia de que a vocagao da arte € expressar 08 mais profundos, os mais secretos e 0s mais dificilmente acessiveis movimentos da subjetividade (as “sinteses” afetivas ¢ intelec- tuais feitas pela “consciéncia de si” transcendem uma experiéncia empiri- ca) Seja tratado como um adepto irrestrito de uma “ontologia moldada sob 0 terreno do ‘leninismo’ filos6fico”, “nao diferente do Diamat stalinista”, ou como um banal representante da nado menos banal “teoria do reflexo”. Para sustentar essa concepgdo somos obrigados a fazer, dessa vez, uma aproximagao com a teoria do mais conhecido e mais autorizado represen- tante da estética fenomenol6gica, Roman Ingarden. Sabemos que o filé- sofo polonés adotou no dominio da ontologia e da teoria do conhecimento uma posicdo muito mais realista que a do seu mestre Edmund Husserl. Ingarden dava a obra de arte uma qualidade de “objeto intencional” por 2 Ver, por exemplo, o prefiicio de Furio Cerruti a seu livro Totalitd. bisogni. organiz Firenze, La Nuova Italia, 1980, p. x1%. sazione, 7 LukACS EA ATUALIDADE DO MARXISMO, exceléncia, que tem como missao ativar os horizontes da subjetividade. O caminho de Lukécs nos parece bem proximo do de Ingarden. A aproxi- magao poderia ir bem mais longe. A tese de Lukacs sobre 0 “objeto inde- terminado” da obra de arte (Die unbestimmte) lembra de forma marcante a de Ingarden sobre a “indeterminagao” (die Unbestimmtheitsstellen), necessariamente presente na imanéncia do objeto estético, € que a cons- ciéncia do receptor deve “cobrir” com sua imaginagao. A ideia lukacsiana sobre a indeterminagao necessdria da obra de arte - em nome da qual ele rejeitava também a pintura ilustrativa e a musica programatica - mostra novamente, ao contrario do que pensaram muitos de seus adversdrios, que ele era antes de tudo sensivel ao movimento interior das obras, a sua “aura” ed sua ressondncia, & riqueza de sua poesia latente, que nao pode ser encontrada em determinag6es rigidas. O jogo das analogias poderia continuar, por exemplo, entre os apontamentos de Lukdcs sobre a subs- tancialidade da obra de arte e a tese de Ingarden sobre suas “qualidades metafisicas” (0 tragico, 0 sublime, 0 demoniaco, 0 sagrado, 0 grotesco etc.), correspondendo as zonas de “maior valéncia estética”. Enfim, Adorno mesmo, em sua Teoria estética (sobretudo na Introdu- ¢Go primeira, a Frithe Einleitung), tentando encontrar um termo médio entre o formalismo da estética de Kant (no qual 0 idealismo subjetivo de suas premissas teria esquecido “a profundidade e a plenitude” da obra de arte) e 0 “conteudismo” da estética de Hegel, que pensaria aquém da sua “especificidade estética” (observacgdo que nos parece totalmente injustificdvel), encontra, essencialmente, um caminho préximo da via media de Lukécs (mesmo que ele nao tenha feito nenhuma referéncia). Mas € sobretudo recuperando 0 conceito de Walter Benjamin, em Para- lipomena, de “aura” (¢ acusando novamente Hegel de ter desconhecido o carater auratico da obra de arte) que ele retoma quase que literalmente, na defesa de das Undingliche der Kunst (0 carater nao coisal da arte), a argumentagao de Lukacs sobre a indeterminacao necesséria da obje- tualidade estética (desenvolvida para apoiar sua tese principal sobre “a missao desfetichizante da arte”) que retomava sobre o terreno estético a antiga critica contra a reificagdo, que marcou profundamente o pensa- mento de Adorno. O pensamento estético de Lukacs encontrou, desde 0 comego, fortes resisténcias, que surgiram no momento das famosas polémicas dos anos 1930 sobre 0 expressionismo ¢ o realismo, mas que viveram reviravoltas ainda mais espetaculares durante as duas tiltimas décadas, mais preci- samente a partir da publicagéo do célebre artigo de Adorno “Espresste Verséhnumg” (“Uma reconciliagao extorquida”). Ainda durante a Primeira Guerra Mundial, lendo 0 manuscrito da ju- ventude da estética de Lukacs, Ernst Bloch mostrava ao amigo sua dis- 18 A Esrerica pe LUKACS TRINTA ANOS DEPOIS cordancia sobre os “pontos essenciais”. O pensamento de Bloch, rispido, tumultuado, impregnado de uma forte tendéncia escatolégica, nao combi- nava com o Cculto da forma, da plenitude e da totalidade harmoniosa que, a seu ver, dominava os escritos de Lukaécs. Em uma carta em novembro de 1916, ele admitia ter a impresséo de que 0 pensamento estético de seu amigo gravitava em torno de uma “metafisica da forma”, que a apro- ximava de maneira surpreendente do “realismo”, no sentido medieval do termo; como se os elementos ¢ as estruturas da obra de arte refletissem as esséncias atemporai € nao existe contradigao, que necessite de justificativa mais precisa fato de que aquele que é 6 nominalista mais puro no que consiste a forma do Estado seja 0 mesmo realista com relagao a forma artistica, parecido de alguma maneira com Petrus Ramus, que definia o ntimero de silabas e, € l6gico, 0 lugar da palavra na frase, como reflexo e mimero da logica real das no ituagdes? Acarta de Bloch contém, in nuce, a critica que ele vai desenvolver mais tarde sobre a posigao estética de Lukacs: a acusagéo de neoclassicismo que aparece como um refrao em sua teoria. Admirador do fragmento, da interrupgao, das mediagées bruscas (die jéhen Vermittlungen) na defini- cao de uma realidade caracterizada pela mudanga das antigas relagoes sociais € pelo surgimento de novas relagdes de produgao, Bloch defende o direito a existéncia de artistas “irregulares”, filhos legitimos das épo- s de crise. O gosto de Lukacs pela totalidade acabada e pelo equilibrio imposto pela forma lhe parecia uma contradigéo com as exigéncias de um tempo de mudancas e rupturas (Bloch nao hesitava em falar do “classi- cismo epigonal” de Lukacs). Mas Lukacs ficou inflexivel em sua con- vicgéo de que a vocagao da verdadeira obra de arte é criar um “mundo” em que a pluridimensionalidade deve refletir a riqueza e a complexidade das relagdes da consciéncia com o real. Quando Hans Mayer falou da “unilateralidade” de sua dialética (Lingleisigkeit), Lukacs lembrou, na carta ja mencionada, 0 essencial de suas divergéncias com Bloch e com os outros autores adversdrios quando do debate sobre 0 expressionismo: Foi justamente eu que exigi uma pluridimensionalidade, uma plurilineari- dade (cine Mehrgleisigkeit) da realidade figurada, enquanto Bloch e meus outros opositores trabalhavam com uma plurilinearidade somente na sub- jetividade. Caso a acusacao de neoclassicismo, formulada por Bloch, pudesse ter alguma justificativa em relagdo a algumas andlises do jovem Lukac (referimo-nos ao elogio que ele fazia as tragédias de Paul Ernest), sua tética da maturidade torna totalmente caduca essa acusagao: 0 conceito 19 LUKACS EA ATUALIDADE DO MARXISMO de “forma” construido na grande Estética se encontra do lado oposto de qualquer concepcao académica ou neoclassica da arte. A discussao tra- vada por Lukacs com a famosa tese de Schiller, formulada no rastro da estética kantiana — na grande arte “a matéria é destruida pela forma” (den Stoff durch die Form vertilgé) -, Ine permite expor seu préprio ponto de vista sobre 0 condicionamento miltiplo da forma pela matéria ¢ a pressao que esta tiltima exerce sobre a configuragao da obra de arte. A forma seria por sua vez “destruida pela matéria”’. Lukacs tinha, consequentemen- te, certa precaugdo com artistas como Hugo von Hofmannsthal ou Paul Valéry, nos quais existia uma superestimacdo dos efeitos imediatos da forma, colocando em primeiro lugar 0 peso decisivo da “substancialida- de” (da compreensao profunda do mundo) na personalidade do artista. O materialista dialético tinha evidentemente deixado para tras, também no terreno estético, o “realismo platénico” dos ensaios de juventude. Nao é demais lembrar que Robert Curtius, numa carta de 1912, acu- ava Lukacs de uma compreensao “plat6nica” do critico, exposto em seu livro Die Seele und die Formen, publicado um ano antes. Na época, adep- to da visdo de Rudolf Kassner sobre 0 critico como Platoniker (que alias ele assimilava de mancira bem pessoal), Lukacs era entao criticado pela tendéncia de transcender a pura imanéncia estética das obras em sua tese sobre 0 critico (0 ensaista) que, “aproveitando a oportunidade dada pelas” (bei Gelegenheit von...) obras de arte, fala dos problemas da existéncia. A critica, tal qual ela é formulada por Lukacs, dizia Curtius, cai necessaria- mente na metafisica. Ao critico platénico, 0 futuro autor de Balzac con- trapunha Sainte-Beuve e a critica francesa em geral. Esta, limitando-se a pura compreensao das obras, “ressonancia ¢ inteligéncia” (Resonanz und Begreifen), seria por definigdo totalmente antemetafisica, e nao platonica. Curtius teve também a correta intuigdo de que Lukacs tendia a se apoiar na sta critica em uma metafisica. EF isto é de fato evidente; Lukacs supera sempre a esfera da critica tradicional, levantando a propésito das obras literérias analisadas problemas morais e sociais; sua Estética é finalmente enraizada numa concepgao precisa da es que, as séncia do ser humano. Mas sera im agindo, ele se arriscaria necessariamente a sacrificar, como su- gere Curtius, a especificidade estética das obras ¢ abandonaria “o patos fe- cundo da experiéncia” em favor de construgées alienantes (suréogatoires)? O paradoxo reside no fato de que mais tarde, em suas polémicas com Brecht e seus seguidores, sua concepgao estética seria recusada de um ponto de vista totalmente oposto. Nao seria tanto pela grande atengao dada ao contetido sécio-hist6rico das obras literarias que ele seria cri- * Lukdes, Georg. Asthetik. Luchterhand, 1963. p. 798 ¢ ss. 20

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