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eeituo2 A revolucao e o socialismo em Cuba: ditadura revoluciondria e construgao do consenso Daniel Aarao Reis* "Professor titular de Histéria Contemporanea da Universidade Federal Fluminense (UFR), Pesquisador do Naicleo de Estudos Contemporaneos (NEC) e do CNPq, Autor de As revoli. Bes russas e 0 socialismo soviético. Séo Paulo: EdUnesp, 2003, e Uma revolucdo perdida, Sao Paulo: Fundagao Perseu Abramo, 2007. A CONSTRUGAO DO CONSENSO (1 959-1970) Jamais poderemos nos tornar ditadores... quanto a mim, sou um homem que sabe quando é preciso ir embora. Dentro da revolugao, tudo; contra a revolugdo, nada. FIDEL CASTRO Quando a revolugao cubana triunfou, nos primeiros dias de 1959, a eufo- ria, como nos dias das grandes vitérias que todos imaginam compartilhar, tomou conta da sociedade. Uma ampla e heterogénea frente constitufra-se contra a ditadura san- guindria e corrupta de Fulgéncio Batista.’ Dela participavam, sob a lideran- a do Movimento Revolucionério 26 de Julho (MR-26) e da pessoa de Fidel Castro, afirmadas sobretudo a partir de 1957, os estudantes da Universida- de de La Habana — agrupados majoritariamente em torno do Diretério Revolucionario dos Estudantes (DRE) e da Federag4o dos Estudantes Uni- versitarios (FEU), os liberais de Prio Socarrds,’ os remanescentes filiados ao Partido Ortodoxo,3 democratas de todos os bordos, os comunistas do Partido Socialista Popular/PSP e até mesmo quadros civis € oficiais das For- cas Armadas vinculados ao regime, mas insatisfeitos com os desmandos da ditadura No fim, desde 1958, até mesmo nos EUA, entre as correntes li- berais,’ se fortalecera um movimento de apoio a revolucao, 0 que, decerto, terd contribuido para a suspensdo da ajuda militar a Batista, decretada pelo governo dos EUA em meados daquele ano.® A unanimidade dos processos hist6ricos que eliminam inimigos podero- sos, comuns, parecendo diluir as diferengas sociais, politicas e culturais, ndo A CONSTRUGAO SOCIAL DOS REGIMES AUTORITARIOS — BRASIL E fora obra do acaso, mas tessitura dificil e habil, capaz de articular interesses disparatados em torno de determinados objetivos programéticos comuns? Quais eram eles? A reafirmagao da independéncia nacional, revogada na pratica pela opgées e praticas da ditadura de Batista, que havia escancarado as portas do pais aos interesses comerciais financeiros estadunidenses. E mais, 9 que ofendia os brios cubanos, transformado o pais num imenso puteiro, aberto a turistas estrangeiros e a todos os traficos de drogas que possam ser imaginados. Certo, e desde maio de 1934, havia sido revogada a infame Emenda Platt, incluida na Constituigao de 1902, garantindo o direito de intervencio estadunidense, sempre € quando os interesses € a vida de seus cidadaos fossem considerados — pelos governos dos EUA — ameagados, Entretanto, mesmo no quadro da politica de boa vizinhanga, de F. Roosevelt, e ainda depois, aprofundara-se a dependéncia econémica de Cuba, evi- denciada, entre outros fatores, pela venda, quase exclusiva, de seu grande produto de exportagao, 0 aciicar, a precos preferenciais, ao mercado esta- dunidense, e pela compra de terras e bens industriais ¢ imobilidrios pelos capitais da mesma origem. Daf por que se tornara notoria a importancia da figura do embaixador dos EUA em La Habana, chave crucial para toda sor- te de articulagdes e projetos politicos. Nio se tratava apenas de conseguir a emancipacao econémica, mas de recuperar a dignidade, a cubanidad, o orgulho de pertencer a uma socieda- de livre para escolher seus destinos. Nesse sentido, a gesta épica das lutas pela independéncia (1868-1878 € 1895-1898) e as figuras histéricas en- volvidas nelas, em particular a de José Marti, 0 Apéstolo da Independén- cia, eram acionadas com reveréncia ¢ ungao quase religiosas. Era necessario retomar a luta, frustrada pelas circunstancias histéricas, dos grandes ante- passados. A revolugao contra Batista o faria, Era seu compromisso essencial.® O outro aspecto basico era o restabelecimento da democracia. Desde a instauracao da ditadura, todos, Fidel Castro principalmente, brandiam a ne- cessidade de recolocar em vigor a Constituigéo de 1940, considerada uma referéncia-chave na retomada do caminho da democracia e do revigoramento de instituigées democraticas.’ Nao gratuitamente, assumiram postos de rele- vancia no primeiro governo revolucionario, constituido nos primeiros dias 366 A REVOLUGAO E 0 SOCIALISMo EM CUBA de janeit de 1959, as figuras de Jose Miro Cordona e de Manuel Urrutia,! jberais democratas, comprometidos com as liberdades democriticas, Reconquistar a independéncia € a democracia: a forca desses dois eixos conferia avitoria revolucionétia de 1959 um claro cardter nacional-demo- critic. O que nao quer dizer que fossem os tinicos. Também muito se fala- va, desde 0 famoso discurso de Fidel Castro quando de seu julgamento, em 1954, das reformas necessdrias ao combate as gritantes injusticas sociais existentes em Cuba.” Durante a luta guerrilheira, em 1957-1958, compro- missos nesse sentido seriam explicitamente assumidos pelo MR-26 e por Fidel Castro e tiveram até, em certas dreas, um inicio de aplicagao, como, por exemplo, medidas de reforma agréria, beneficiando camponeses que viviam nas sierras. Entretanto, tais referéncias e aspiragdes poderiam ser compreendidas no contexto da Constituigéo de 1940 e seria um evidente anacronismo sustentar que a revolugdo, sobretudo em seus inicios, confe- risse a0 programa de reformas sociais a mesma énfase que atribufa 4 ques- téo nacional e ao restabelecimento da democracia na Ilha. Assim, nos primeiros dias de 1959, em torno da reconquista da demo- cracia e da independéncia nacional, constitufra-se uma sdlida frente politi- ca, aglutinando uma ampla maioria, ou francamente favoravel, ou apenas simpdtica, ou ainda que passara a aceitar a situagao dominante como algo inevitavel, uma espécie de onda contra a qual no valia a pena resistir, por inexistirem os meios ou a vontade, ou ambos. No entanto, sob essa aparente unidade, estavam em curso movimentos e tendéncias que iriam cedo surpreender as gentes. Apontariam, como logo se tornou evidente, para uma afirmacao enfética da questo nacional, A custa, ou em detrimento, da organizagio de instituigdes democréticas. Um con- junto de circunstancias e opg6es contribuiria nesse sentido. Em primeiro lugar, a dindmica autoritéria, inerente aos movimentos nacionalistas. Pelo fato mesmo de apelar & constituiga0 de uma identidade suprema, por sobre especificidades de toda ordem — étnicas, sociais, cor- Porativas, de género, entre outras — a referéncia nacional tende a exigir a diluicéo dos particularismos, considerados egofsticos, em proveito do forta- lecimento do todo nacional, figurado como generoso € sublime. Questionar 4s propostas nacionais, quando elas se avantajam, pode, muito rapidamen- 367 ‘A CONSTRUGAO SOCIAL DOS REGIMES AUTORITARIOS — BRaSiL ¢ te, transformar-se numa questao de impatriotismo, desqualificada como ato de traigéo nacional. Deve-se ressaltar também o carter decisivo que assumiu a guerra de guerrilhas. Nao se trata de retomar a equivocada leitura da revolucio feita por R. Débray e avalizada, nos anos 1960, por Fidel Castro e Che Guevara.” Sem diivida, a revolugdo cubana tornou-se vitoriosa em virtude de um concurso complexo de movimentos e de formas de luta, mas seria descabido nao reconhecer o papel determinante que a a¢ao das colunas guerrilheiras, e de suas vit6rias militares, assumiu na desagregacdo final, politica e moral, das Forgas Armadas que defendiam a ditadura. Nao gra- tuitamente, quando se conseguiu a vit6ria, nos primeiros dias de 1959, a instituicdo revoluciondria, par excellence, era 0 Exército Rebelde, reco- nhecido como tal pela imensa maioria da populagao e dos lideres politi- cos, muitas vezes, malgré eux-mémes. Ora, por mais que as guerrilhas de cardter popular estimulem o exerci- cio de um certo participacionismo politico, sobretudo nas Areas libertadas, ou em certos momentos especificos, quando os guerrilheiros os simples soldados da revolucao s4o chamados a opinar, a discutir e, mesmo, a deci- dir a adocdo de certas medidas, ou & realizagéo de certas operagées, de modo geral, como tendéncia universal, a guerra € a instituigéo do Exército, mes- mo de exércitos rebeldes ou revolucionérios, costumam fortalecer estrutu- ras e procedimentos politicos centralistas, verticais, em suma, autoritarios. Nos momentos seguintes a vitéria revolucionaria, dissolvidas as insti- tuigdes da ditadura, inclusive as Forgas Armadas, surgiu, inconteste, a es- trutura do Exército Rebelde, comandada por Fidel Castro. Desde entao, 0 pais seria galvanizado por uma incontorndvel tendéncia militarista, muito presente no vocabulério politico. Foi sintomatico que a revolugao tenha assu- mido uma cor, e ela j4 nao era vermelha ou negra (as cores originais do MR-26), mas verde-oliva. E os lideres da revolugdo tornaram-se jefes, 0s dirigentes, comandantes. No topo, 0 comandante maximo, jefe supremo, Fidel Castro. Nas dobras desses simbolos e titulos, militares, militarizados, j4 se dese- nhava a face sombria da ditadura. 368 A REVOLUCAO E 9 SOCIALISM EM cy BA Um outro aspecto, ndo menos importante, Tefor, embora tendo sido empreendida por uma pluralid 7 aa de luta, no curso mesmo do Processo, net urbana, sabotagem, Movimento ficas. O assalto frustrado ag Palacio de Batista (mar. esmagada da base naval em Cienfuegos (Setembro deisg ve rota da greve geral contra Batist: ot 7); a drast ‘ 5 ica der- fa i ae vv atista (abril de 1958), todas essas experiénei, embora de grande importancia, foram, no entanto, literalmente 2 Debilitaram-se af as Organizacées, as [i esmagadas, mais envolvidos nesses €Pisddios. E, co, tadas e enfraquecidas Politicamente, ticas de primeirissima importancia, sombra, 0u rivalizar, com og jefes das 8revistas Personalidades pol. que, ¢ventualmente, Poderiam fazer guerrilhas: José Antonio Echeverria e figura chave do MR-26, em Santiago de Cuba, Faustino Perez, lider urbano do MR-26, afas desde 0 fracasso da greve geral de 1958, Depois, € j4 em 1959, 0 afastamento de comandantes do Proprio Exér- cito Rebelde descontentes com os rumos da revolucao, mas impotentes para reorienta-los (Huber Mattos, Manuel Ray, entre Outros), € o desapareci- mento trdgico de Camilo Cienfuegos, em outubro daquele ano, o mais popu- lar lider guerrilheiro do MR-26 depois de Fidel Castro," Entre as grandes liderangas, sobrou apenas Ernesto Che Guevara, que, na €poca, contudo, era um decidido defensor do socialismo soviético, da militarizacdo da revolugao e das tendéncias favoraveis & instauracdo de uma ditadura revoluciondria."4 também assassinado em 1957; tado de Posig6es importantes O processo que se seguiu, até 1970, s6 fez reforcar essas tendéncias, As tentativas contrarrevoluciondtias para desestabilizar 0 novo governo, da in- Vasio de 1961 na Bafa dos Porcos, passando pelas guerrilhas rurais (Escam- bray), as sabotagens urbanas e aos bombardeios, até 1965, € mais : oe de assassinato dos lideres, cometidas, em Particular, contra Fidel ans Ctise dos misseis, em outubro de 1962; as macigas migragoes out es, os chamados gusanos (vermes). Numa atmosfera dessas, cada 369 A CONSTRUGAO SOCIAL DOS REGIMES AUTORITARIOS — BRASIL E... se tornava dificil defender posigées intermediarias ou debater alternativas as polarizagdes extremas."* : No contexto do confronto aberto entre os EUA ea nacao tevolucionaria que se erguia, desencadeou-se uma dialética exasperante de Pressdes, avan- cos, bloqueios e retaliagdes empreendidas pelos governos de Eisenhower e Kennedy para destrogar 0 novo regime. Em contraposicio, a unidade dos cubanos, humilhados e ofendidos durante décadas, surgia como algo quase imposto pelas circunstancias. : : Surpreendendo o mundo, David enfrentava Golias e, revivendo 0 com: bate biblico, e apesar das perdas, ganhava, ou melhor, sobrevivia. As duas Declaragées de Havana," gritos de guerra contra o capitalismo internacio- nal e o imperialismo, e as ondas guerrilheiras nas Américas ao sul do Rio Grande, em determinado momento, pareceram ser capazes de quebrar 0 isolamento internacional da Cuba revolucionaria, um processo épico, de enfrentamento e de guerras, em que as propostas eram ofensivas, nao se temendo, se fosse 0 caso, a hipétese de eventuais catastrofes e apocalipses..” E assim, uma revolugao nacional-democratica, plural em suas origens e desdobramentos, tornou-se tinica, quase monolitica. A opcao pelo socialis- mo jogou af também um papel-chave, considerando-se a dinamica do mo- delo soviético, baseado na estatizagao da vida social e econémica, no plano centralizado e na ditadura politica.'* Também pesaram, evidentemente, as frageis tradigGes das instituigdes democraticas cubanas, marcadas por jogos oligatquicos, corrup¢ao galopante, eleigdes fraudadas e desmoralizagao dos politicos profissionais. Condicionada por essas circunstancias, emergiu a ditadura revoluciond- ria, baseada, politicamente, no partido tinico e na lideranga pessoal, incon- testavel, do comandante en jefe.’ Bafejado pelo seu imenso talento e também pelo apagamento de rivais potenciais, projetou-se a figura do ditador: Fidel Castro Ruz. Empalmado o poder, ele nao mais o deixaria. Mesmo porque, em torno dele, constituiu-se, sustentando-o, um sdlido consenso.” Aos primeiros anos verdadeiramente €picos, da vitéria revolucionéria 4 crise dos misseis, entre 1959-1962, seguiu-se, até 1970, um perfodo difi- cil: Cuba Tompera com a dependéncia histrica em relacéo aos EUA, mas deslizava, quase inexoravelmente, para uma outra dependéncia, da URSS. 370 ® REVOLUGAO E 0 SOCIALISMO EM CUBA Muit i iluss A i ‘© rapidamente, as ilusées romanticas, algo ingénuas, do internacio- nalismo proletdrio decantaram-se. Che Guevara, que embarcara de corpo € alma nessas ilusées, cedo compreendeu os limites e as servidées da alianga com a URS." Fidel e seu irmao Raul tiveram disso uma visdo mais realista, Pragmitica, € tenderam a considerar inevitavel um certo grau de depen- déncia. O importante seria preservar margens de autonomia, lutando sem- Pre para alargé-las, Uma grande chave nesse sentido residia num processo de ampliagéo da revolugao em escala mundial, particularmente na América Latina. Com esse propésito, ¢ af ainda havia acordo entre Che e Fidel, tratava- se de fazer 0 possivel para criar dois, trés e outros Vietnds, como gostava de dizer 0 Che. A fundagao da Organizagio de Solidariedade aos Povos da Asia, Africa e América Latina (Ospaaal), em Havana, em 1966, constitufa, na prdtica, um esbogo de uma verdadeira internacional revoluciondria dos Povos terceiro-mundistas. Em cada grande regido, seria necess4rio estruturar uma organizaco especifica, No ano seguinte, em 1967, também em Havana, fundou-se a Organizago Latino-Americana de Solidariedade (Olas), reu- nindo os movimentos revolucionérios alternativos da regido que jé tinham Jangado ou estavam se preparando para langar guerrilhas populares na 4rea de Nuestra América.” No entanto, por inadequagio das formas de luta, ou porque os governos da regio, apoiados agressivamente pelos EUA, j4 nao se deixavam sur- preender, ou por escassear dinamica social revolucionaria, ou pela conjuga- Gao de todas essas circunstancias, os projetos revoluciondrios nao vingaram, foram derrotados, alguns ainda em formas embrionfrias, abortados. A der- rota da tentativa do proprio Che na Bolivia, em 1967, seguida por seu as- sassinato, em 9 de outubro daquele ano, foi um dobrar de sinos. Cuba estava isolada. E permaneceria isolada. Mas a URSS estava consciente da especificidade cubana. E tinha grande interesse em manté-la no campo socialista, sem transformar a Ilha numa democracia popular nos padrées da Europa Central. Em toda uma primei- ra fase, ao longo dos anos 1960, até tendeu a suportar com estoicismo os discursos revoluciondrios e as criticas dos cubanos, porque, em certa medi- da, eram percebidos como um t6nico revitalizante para a acomodada socie- ant A CONSTRUCAO SOCIAL DOS REGIMES AUTORITARIOS — BRasit € dade soviética. Entretanto, as compras macigas de agticar cubano, o forne- cimento de petréleo e de todo tipo de insumos e mercadorias, e de armas e muni¢ao, a pregos baixos ou gratuitamente, haveria que ter contrapartidas, A formagao do Partido Comunista Cubano (PCC), em 1965, j4 fora um sinal, assim como a crescente importancia nos altos Postos do aparelho de Estado de ex-dirigentes do PSB, ou de partidarios de uma alianca sem reservas com a URSS.”* Mais tarde, 0 discurso de apoio a invasao da Tehecoslovaquia pela URSS e por seus aliados, em agosto de 1968, feito por Fidel Castro, assinalou para muitos a adesio definitiva a érbita soviética.25 Contudo, ainda haveria uma ultima tentativa no sentido de manter aber- tas as chances da autonomia: a Gran Zafra, em 1970, coma qual se compro- meteu o proprio Fidel Castro, quase de forma obsessiva, no seu voluntarismo habitual. Em sua visdo, a meta das 10 milhdes de toneladas, uma vez alcan- cada, permitiria ao pais ganhar divisas suficientes para, no minimo, estabe- lecer termos razodveis de incorporagao a alianga soviética. A aposta foi perdida novamente. Nada mais restava sendo a integracdo no campo socialista nos termos e segundo as condigées propostos pela URSS. A PROSPERIDADE SOB A SOMBRA SOVIETICA: A CONSOLIDAGAO DO CONSENSO (1970-1985) E mais importante acabar com a fome, a pobreza, as doencas e 0 desemprego do que realizar eleiges. De que adianta ter liberdade e direitos se ndo se pode usufruir dessa liberdade e desses direitos? FIDEL CasTRO Em 1972, Cuba ingressou oficialmente no Conselho de Assisténcia Eco- némica Mutua (Came), uma espécie de mercado comum socialista, dirigi- do e regido pela URSS, Doravante, na condigio de Pais participante, a Ilha se subordinaria & divisdo internacional do trabalho ditada pelos soviéticos. A dependéncia agora se consolidaria e se acentuaria. Mas os resultados, ao 372 A REVOLUCAO E 0 SOCIALISMO EM CUBA MENOS a Curto Prazo, nao seriam nem um pouco decepcionantes, pelo me- nos para a maioria do povo cubano. Com efeito, segundo dados da Cepal, entre 1950 € 1971 Cuba regis- trou um crescimento médio anual do produto bruto de 3,4%. Ora, entre 1972 e 1985, anos de ouro de prevaléncia do modelo de integragéo ao mun- do soviético, a taxa média anual de crescimento quase que duplicou, pas- sando para confortaveis 6% ao ano. Uma anilise dos dados do comércio exterior também é muito ilustrativa, registrando um crescimento sustentado das importagées e das exportagdes, sobretudo a partir dos Primeiros anos da década de 1970, sendo relevante sublinhar que os déficits sio Permanentes e, de modo geral, em ascenso. Na segunda metade dos anos 1970, ainda hé zigue-zagues, mas o déficit se amplia de modo alarmante desde entao, atingindo picos de mais de 2 bi- Ihdes de délares por ano, chegando a alcangar, em fins dos anos 1980, mais de 2,5 bilhes de délares. Nessa época, Cuba acumulava uma divida de 23,555 bilhes de délares.” Ou seja, o pats estava sendo financiado pela URSS e seus aliados. Milhares de técnicos soviéticos e de outras procedéncias, mas do campo socialista, civis e militares, aflufam Para assessorar e aconselhar. Na economia, em larga medida estatizada, ou sob controle do Estado, primava a Junta Central de Planificagao (Juceplan) e o Sistema de Direcdo e Planificagao da Economia (SDPE) — 0 triunfo do modelo soviético adap- tado as realidades dos trépicos, ou, segundo alguns criticos, adaptando os trépicos a légica do referido modelo. No plano politico, uma nova Constituigdo, aprovada em 1976, estabele- cia um sistema rigoroso, também de padro soviético, encabecado pelo Par- tido Comunista Cubano (PCC), tinico, articulando organizagées populares, as correias de transmisséo (Conselhos de Defesa da Revolugio — CDRs, sin- dicatos de trabalhadores, juventude, mulheres etc.) e o chamado Poder Popu- lar, assembleias eleitas, piramidais, dos distritos ao plano nacional, com amplos poderes formais mas, na prdtica, estritamente controladas pelo PCC. Assim, nas varias circunscrigdes, sempre podia haver diversos candidatos, e nao necessariamente vinculados ao PCC, mas passavam todos pela sua triagem, e sem sua aprovagao nao podiam se apresentar ao sufrégio popular. 373 A CONSTRUGAO SOCIAL DOS REGIMES AUTORITARIOS — BRASIL E... Nao se subestime, contudo, o nivel obtido de participagao popular. Na base da sociedade, e também nos niveis intermediarios, uma série de inicia- tivas era estimulada, garantindo um participacionismo expressivo para a discussdo e resolugdo de problemas locais e/ou setoriais, estimulado, mas controlado e enquadrado, pelas organizagdes de massa e pelos érgaos do poder popular. E evidente que nao se podia exercitar af, nem seria tolerado, 0 ques- tionamento das premissas da revolugdo, ou das orientag6es centrais do Estado ou do PCC, ou ainda, da lideranga politica de Fidel Castro. Se al- guém ousasse fazé-lo, mesmo que indiretamente, seria considerado fora da, ou contra a, revolugao. No entanto, se se partisse desses postulados, se fos- sem aceitos, um amplo leque de consideragdes criticas e propostas de mu- danga em padrées locais ou setoriais de organizagdo era perfeitamente admissfvel, e admitido, gerando-se até em torno delas, e nao raro, amplos e acalorados debates. Os altos indices de desenvolvimento econémico e as politicas radicais de redistribuicéo de renda permitiram consolidar um estado de bem-estar social que as profundas reformas empreendidas logo ap6s 0 triunfo da re- volugio, entre 1959 e 1962, haviam almejado construir. As leis de reforma agraria (1959 e 1960), a reforma urbana, a construgao de sistemas gratui- tos de educacdo e satide e a formacao acelerada de quadros em todos os niveis produziram resultados que suscitaram, e até hoje suscitam, respeito e admiragao. A taxa de analfabetismo das pessoas maiores de 10 anos, comparados os censos de 1953 e 1981, baixara de 24% para 4%.” O indice de desem- prego (sem contar o trabalho informal e subemprego) cafra de 20%, em 1958, para 8%, em 1989. A taxa de mortalidade infantil reduziu-se de mais de 60 a pouco mais de 11 por mil nascidos vivos, em cerca de 30 anos, entre 1958 e 1989. Na proporgao de médicos e enfermeiras por cem mil habitantes, Cuba aparecia em primeiro lugar no concerto latino-americano, longe na frente dos demais pajses.2” Na 4rea educacional, eram também muito elevadas as taxas brutas de matriculas em todos os niveis, com des- taque para os de ensinos fundamental e médio.*° Em fins do século XX, e apesar da terrivel crise dos anos 1990, a esperanga de vida ao nascer alcan- 374 A REVOLUGAO E 0 SOCIALISMO EM CUBA cava 76 anos, um honroso terceiro lugar na América Latina, inferior ape- nas as situagdes da Costa Rica e de Barbados.! A miséria entdo pratica- mente desaparecera nas cidades e mesmo nas zonas rurais.? E 0 quadro era confitmado pela boa posicao assumida por Cuba no {indice de Desenvolvi- mento Humano (IDH) e no {ndice da Pobreza Humana (IPH), reconheci- dos internacionalmente para aferir as condigées sociais das populagdes em todo o planeta.33 Ainda haveria de se referir uma outra dimensao em que 0 padrao sovié- tico também triunfara e que aparecia como expressao dos avangos do estado de bem-estar social e forte motivo de orgulho nacional: os esportes, massi- ficados, cujos espetaculos eram oferecidos gratuitamente, projetariam Cuba internacionalmente, em particular nas Américas, onde o pais, embora de pequena populacio, passara a ocupar sempre o segundo lugar, depois dos EUA, nos Jogos Pan-Americanos. Os anos soviéticos seriam assim, em Cuba, de apogeu das politicas pi- blicas sociais e de distribuigdo de renda, expandindo e consolidando 0 con- senso conquistado ainda na primeira década da revolugdo triunfante. Havia sombras, sem diivida. Nao hd jardins sem espinhos. Assim, e des- de o desaparecimento de Che Guevara, e mesmo antes, um conjunto de intelectuais, dentro e fora de Cuba, se afastava do regime, adotando atitu- des criticas. Carlos Franqui, 0 dinamico diretor da Radio Rebelde na Sierra Maestra e, depois, editor de Revolucién, um dos mais prestigiados jornais da revolugao, em sua fase épica, partiu para um exilio voluntario, desde meados dos anos 1960. Pela mesma época, 0 mesmo aconteceria com Guillermo Cabrera Infante, laureado escritor cubano. Entre os intelectuais alternativos, crescia 0 desencanto com aquela revolugdo que fora, e prome- tera ser, em certo momento, um outro caminho, diferente dos propostos pelos comunistas soviéticos € chineses. O fenédmeno se cristalizaria com 0 affaire em torno de Heberto Padilla, em comegos dos anos 1970. Poeta pre- miado, até em Cuba, conhecido internacionalmente, passou a ser perseguido, foi preso em margo de 1971 e condenado por escrever... versos contrar- revoluciondrios (sic). O pior viria mais tarde, quando o poeta trocou a re- conquista da liberdade por uma infame autocritica, fazendo lembrar, como observaram muitos intelectuais que denunciaram o proceso, os sinistros 375 A CONSTRUGAO SOCIAL DOS REGIMES AUTORITARIOS — BRASIL anos soviéticos sob Stalin. Eram os primeiros dissidentes, também um ter. mo cunhado na Unido Soviética e muito simbélico: numa sociedade onde ¢ impensavel a oposigéo, quem estd contra nao se opde, dissente. Com um caréter de massa, um outro movimento abalaria o prestigio do governo: a migracao macica, pelo porto de Mariel, entre abril e outubro de 1980, de cerca de 130 mil pessoas. Embora autorizada pelo governo, ex- primiu desconfortos e demandas nao atendidas. Nao adiantava insultar os que partiam como gusanos e esc6ria, eles eram um atestado vivo de que algo nao ia bem, pelo menos para todos os cubanos. Havia sombras, portanto, mas nao chegaram a abalar 0 consenso con- solidado. Esse seria ainda mais reforcado com as expedigée: canas. Em meados dos anos 1970, Cuba voltaria a se notabilizar internacio- nalmente pelo envio de tropas e assessores a um sem-nimero de paises africanos. Destacaram-se af 0 auxilio prestado ao MPLA em An do ainda em 1975, e que se estenderia por mais de uma década, a independéncia do pais, recém-conquistada, e infligindo der- litar desmoralizante a até entao considerada invenctvel Africa do Sul; e a ajuda a revolugao etiope, liderada por oficiais do Exército local, que, num assomo voluntarista, e herético, segundo todas as ortodoxias marxistas-leninistas, resolveram proclamar uma revolugao socialista (1977- 1978). Fidel Castro estava convencido de que a Africa era entio o elo mais fraco do imperialismo. De forma auténoma, no caso angolano, ou em alianca estreita com a URSS, no caso etfope, as interveng6es africanas aumenta- vam o prestigio de Cuba e de seu lider maximo — no gratuitamente, Fidel Castro foi eleito presidente do Movimento dos Nao Alinhados em 1979.° No contexto latino-americano, varios paises restabeleciam relagées diplo- maticas e comerciais com Cuba. Sucediam-se em Havana lideres politicos de todo o mundo. Nos préprios EUA, viveu-se um momento de distensao, sob a presidéncia de Jimmy Carter (1976-1980), abrindo-se os chamados escri- trios de seta verdadeiras embaixadas, de ambos os pafses nas respectivas Capitals. Até il i . . ae a cae a anes vaeee oa EUA e Cuba para propiciar os encontros de familias apay He a ai = apartadas ha décadas. s revolucionarias afri- gola, inicia- salvando literalmente rota politico-mil 376 ‘A REVOLUCAO E 0 SOCIALISMO EM CUBA Assim, e apesar das sombras, 0 consenso que a revolugao cubana conse- guira construir parecia ter alcangado seu apogeu. OS ANOS DE CRISE: O CONSENSO SUBMETIDO A PROVA (1986-...) Nos estamos com Fidel, o que ele disser, nés fazemos! Até a vit6- ria, sempre! ALMA GUILLERMOPRIETO Ha indicagGes de que, desde os comegos dos anos 1980, os cubanos ja haviam recebido adverténcias dos soviéticos no sentido de que a prosperi- dade subsidiada a fundo perdido nao poderia durar indefinidamente.** Na verdade, duraria ainda, e largamente, até o fim daquela década, mas a cons- ciéncia crescente a respeito dos descalabros e dos colossais desperdicios faria com que, j em abril de 1986, fosse tentada uma outra politica: a campanha de retificagdo, quando Fidel Castro se permitiu criticar de forma contunden- te, entre outros desvios, o burocratismo, os egoismos e a corrupcio.*” Alguns responsdveis, mais comprometidos com o modelo soviético, como Hum- berto Pérez, dirigente da Junta Central de Planejamento (Juceplan), desa- pareceram de cena, desempenhando o papel de bodes expiatérios. A progressao da Perestroika e as metamorfoses de M. Gorbatchev nada auguravam de bom. O livro do dirigente soviético, Perestroika, best-seller em todo o mundo, foi censurado em Cuba. Demarcando-se cada vez mais da URSS, Fidel Castro passou a advertir 0 povo cubano, as vezes por meio de comicios piiblicos, que, no caso de uma eventual desintegragao da URSS, Cuba se manteria firme na opcio socialista, Ninguém, no entanto, poderia prever que o fim da URSS estivesse tao préximo e a amplitude dos efeitos catastréficos que disso decorreriam para © pais. Foi uma débdcle. Segundo os especialistas, pior do que a crise de 1929 e mais profunda do que a crise provocada pelo rompimento com os EUA nos comegos dos anos 1960. 377 ‘A CONSTRUGAO SOCIAL pos REGIMES AUTORITARIOS — BRASIL E... que, em contraste com 0S resultados dos ang em 1989, decresceu 2,9%, em 1990. Foi ne. O produto interno bruto, (-9,5% € -9,9%), para chegar ao Piog 1980, crescera apenas 1,5%, gativo outras vezes em 1991 e 1992 ano, em 1993 (-13,6%). gO. aia yall lenta retomada, alcangando-se, nos anos 1990, bons resultados apenas em 1996 (+7,6%). A segunda metade dessa década, ape. sar de ligeira melhoria, ainda seria marcada por um grande marasmo, Interrompidas as relagdes com © mundo socialista, desfeito 0 Came, fo; baque. Na relagao dos pregos do no setor externo que se registrou 0 maior intercambio, a partir de uma base = 100, em 1989, houve uma queda para 69,9 em 1991 e para 51,5 em 1992. indice continuava em 66,8, Em 1998, of A evolugao das contas externas de Cuba, de 1950 a 1998, oferece um outro Angulo para a andlise da crise. O intercambio total com 0 exterior (exportacdes + importagées) que, em 1960, atingira 1,1 bilhdo de délares, com um saldo de 28,4 milhées de délares, ultrapassara, desde o inicio dos 6lares, com saldo negativo cres- anos 1980, 0 patamar dos 10 bilhdes de d como jé referido. Atestavam 0 vigor da economia socialista cente, é verdade, io. Em 1989, o patamar cubana... e 0 comeco do auge da festa do desperdici saltou para seu limite, 13,5 bilhdes de délares, com um saldo negativo de 2,7 bilhdes de délares. ‘A queda foi brusca. Em 1993, o total do intercam- bio baixara para 3,3 bilhdes de délares, mantendo-se um saldo negativo de 851,5 milhées de délares.” O grande cliente, aliado € scio quase desaparecera do mapa. Em 1990, Cuba exportara produtos para a entao URSS no valor de 3,2 bilhdes de pe- sos, mas em 1993 esse valor caira para apenas 400 milhées de pesos. Quan- to as importag6es, tinham despencado de um valor de cerca de 5 bilhdes de pesos, em 1990, para insignificantes 86 milhdes de pesos, em 1993." Enquanto, por toda a parte, sustentava-se que era iminente a desagre- gacao do regime e o fim do longo reinado de Fidel Castro, como fora 0 caso na Europa Central e na URSS, o governo definia politicas inovado- ras, a altura dos desafios da crise, o chamado “perfodo especial em tem pos de paz”: abertura controlada para os capitais externos, dolarizag40 parcial da economia, admissdo da iniciativa privada numa sétie de seto- 378 ‘A REVOLUGAO E 0 SOCIALISM EM CUBA res, liberdade para 0 trabalho auténomo, estimulos para as cooperativas e mercados privados agricolas, Qs governos dos EUA nao dariam descanso, apertando as cravelhas: as |eis Torricelli e Helms-Burton, de 1992 e 1996, previam uma série de res- triges suplementares ao comércio, aos investimentos, as remessas de déla- res e até as viagens de cidadaos estadunidenses a Cuba, ameagando até empresas de outros paises, no caso de tentarem estabelecer negécios com ex-empresas estadunidenses expropriadas pela revolucao nos anos 1960. Allha sofria uma situagao comparavel a uma guerra, ou a uma catdstro- fe natural de grandes proporgdes, Desemprego, escassez de todo tipo de bens, marginalizacao, fome, desespero, perspectivas de abandonar de qual- quet maneira 0 pafs, como foi o caso em 1994, quando se esbogaram mo- vimentos sociais de descontentamento, rapidamente controlados. Mas o improvavel aconteceu. Nem Fidel Castro morreu, nem foi derrubado. E 0 regime sobreviveu a tempestade. O consenso suportou a prova da crise,? Para isso foi peca-chave, sem diivida, 0 reacionamento das referéncias nacionalistas revoluciondrias. Nunca de todo abandonadas, mas colocadas num plano secundério durante os anos dourados soviéticos, voltariam ago- ra ao centro do palco, iluminadas com forca maxima, Para cumprir o papel de unir, coesionar e mobilizar a opiniao publica, mantendo o consenso. Em nao pequena medida, e mais uma vez, a intransigéncia dos sucessivos go- vernos estadunidenses e suas politicas restritivas e sectdrias contribuiriam para o restabelecimento da dialética da antiga luta de David e Golias, pro- porcionando ao governo cubano as melhores condigées para 0 desenca- deamento de campanhas nacionalistas. Por outro lado, soube 0 regime também manter, no essencial, os inves- timentos sociais, distribuindo equanimemente os sacrificios impostos pelas circunstancias. O exame dos indicadores sociais, mesmo nos dificeis anos 1990, evidencia a preocupacdo de evitar, a qualquer custo, a degradagéo dos servicos paiblicos essenciais.“ Pesquisas de opiniao piblica, empreendi- das nos anos 1990, revelaram, et pour cause, 0 alto grau de prestigio dos 379 AUTORITARIOS — BRASIL E., A CONSTRUGAO SOCIAL DOS REGIMES i m razdo ao regim vigos piiblicos sociais gratuitos, associados com raza Bime revoly, se ciondrio, entre 75% e 80% da oj Finalmente, 0 participacionismo Vv se a discusso e a aprovacao das nova anos 1990, em assembleias abertas, cont tantes comunistas. Os resultados foram posit da, contratada pelo governo em eleigdes realiza © considerdvel apoio politico mantido pelo governo, 5 apesar da erosdo de seu prestigio, em virtude dos sofrimentos pulagao. : oltaria a ser estimulado, incentivandy, .s medidas legais, implementadas Nos troladas e conduzidas pelos nil itivos. Em uma pesquisa priya, das em 1992, pode-se aferip em torno de 65% dos eleitores, causados pela crise.“ : i Em fins dos anos 1990, inicio do século XXI, o pais parecia engajado novamente numa rota ascendente, o que vem se confirmando em anos re. centes, com a recep¢ao de 2 milhées de turistas em 2005 (para uma popula- ¢4o total de cerca de 11 milhdes de habitantes) e um crescimento de 11,6% neste mesmo ano, o maior em toda a hist6ria do socialismo em Cuba, Na economia, a grande novidade é que a crise gerou, afinal, a diversifi- cagio da producio, que fora tio desejada por Che Guevara e pela maioria dos revoluciondrios nos anos 1960. Desde 1995, o turismo ultrapassou o agticar como gerador de divisas. Ao mesmo tempo, tem decrescido substan- cialmente a mao de obra ocupada com a cana-de-aguicar e sua colheita e transformagao. Mas consenso ndo é unanimidade. Em termos politicos, surgiram em Cuba, e também em Miami, novas ten- déncias dissidentes que tentaram criar uma terceira margem, entre a in- transigéncia dos governos estadunidenses e seus aliados raivosos, os chamados exilados anticastristas, e 0 nacionalismo ditatorial do regime, lutando para nao ser instrumentalizados por qualquer dos dois lados. O chamado Projeto Varela, langado em maio de 2002, sob lideranca de Oswaldo Paya Sardifias, é © mais articulado ¢ interessante nesse Ambito,‘” Propée a democratizacao do regime, mantidas as conquistas sociais e a independéncia nacional, Os dissidentes almejariam ser reconhecidos como Opositores. Mas 0 go- -os em moldes soviéticos, alter revistas, ambas marcadas pelo arbitrio i Puro e simples, que manda Prender e/ou soltar sem se deixar cons- 380 A REVOLUGAO E © SOCIALISMO EM CUBA tranger por impedimentos ou restrigGes de ordem legal.* Sequer reconhe- ceo carater politico da luta que travam, acusando-os de gusanos e agentes do imperialismo. Como seus congéneres que lutavam na ex-URSS, os dissi- dentes, embora contem com um apoio difuso na sociedade e no exterior, rém um deserto pela frente. $6 0 futuro dird se 0 conseguirdo atravessar, FIDEL CASTRO: CRIATURA OU CRIADOR DO CONSENSO A emogéo de estar na Plaza com 0 El Caballo em pessoa, todos jun- tos, prestando atencdo em seus pensamentos; (...) Todos a la Plaza com Fidel! Eu também, pensei, grata por haver aterrissado em tal histrico momento e lugar, Eu sou todo mundo agora, também, ALMA GUILLERMOPRIETO. O povo e eu somos ditadores FULGENCIO BATISTA Atravessando os anos 1990 e pontificando ainda nesta primeira década do século XXI, a figura incontornavel de Fidel Castro merece andlise espe- cifica: teria sido ele fator essencial para a construgao do consenso em tor- no do regime nas diferentes fases de sua evolugdo? Ou mera expressio de um processo social mais profundo? Sua longa carreira, sem divida, mais do que ao talento pessoal, inegdvel, deve-se as metamorfoses que soube incorporar, segundo as suas circuns- tancias e as da revolugao da qual se tornou o melhor intérprete. Nesse sen- tido, sempre procurou estar atento as demandas da sociedade, estabelecendo com a mesma uma sintonia fina, Comegou liderando uma revoluc4o nacionalista e democrdtica, conde- nando as ditaduras de todos os bordos, de direita e de esquerda, e foi capaz de articular ampla e heterogénea frente politica com propésitos vagos, sus- cetiveis de mobilizar unanimidades. O triunfo veio em 1959. O lider, acla- mado por todos, ou quase todos, surgia como a prépria encarnago da luta 381 os REGIMES AUTORITARIOS — BRASIL €. ‘A CONSTRUGAO Social O' le sua dignidade e pela afirmagao das tb en de um povo pela reconquista d dades democrdticas. Na sequéncia, comprometeu-se com um al, radical, alternativo, baseado em guerl processo revolucionério im rilhas populares. Nem his aventura do Che, que encarnou melhor do que - e ja Fidel encontrava-se amarran dos,” omplexa com 4 URSS. Transmudoy.. mo um marxista-leninista on COS, calando criticas e an nvasoes na Tchecos| vig nacion: ainda sido derrotada a propésitos, numa alianga © figurando-se agora CO! fiel aliado dos soviéti de aliado, como as i em 1979. Grande parte do povo 0 acompe Fidel é socialista, nos também 0 somos, dizia, 5 1960 um arguto analista do; » 49 Com sua oratoria poderosa, tediosa, para o, grandes maiorias, Fidel, sendo leyg, dade para rumos que nem todos guém esses novos amarrando Cuba, entao mais uma Ve2, e nessa posicao seria um vando os desmandos do gran em 1968, € no Afeganistao, nhou nesses zigue-zagues: se se nas ruas, conforme poder Ivente para as a socie flagrou nos ano “guerrilheiros no mais criticos, mas envo do, parecia também, as vezes, levar controlavam.” No periodo de maior dependéncia em relagao 4 URSS, manteve-se, ng entanto, alerta, pronto a desempenhar 0 papel de lider de propostas terce). répria nogao de Terceiro Mundy num momento em que a P As expedigdes revoluciondrias africanas, em Angola no contexto do Movimento dos Nig Alinhados, de que se tornou presidente, em 1979, ao centro de articula- Ges alternativas, embora de alternativo, formalmente, ele nada tivesse, dado: it i s seus vinculos, estreitos, com 0 Came ea URSS. Para as grandes maio- géncia do estado de bem-estar social. rias, essa foi a melhor fase, de plena vi ‘Além disso, a aventura africana fazia vibrar a corda épica daquele povo ousado, investindo-o de um orgulho nacional justificado: a pequena Tihase fazia grande no mundo. N ; ee a as 1990, diante da crise, Fidel soube novamente encontrar cattt ah a ci embora reivindicando a ortodoxia socialista. Readquitit eee ens jade 7 lider nacionalista e voltou a acionar a figura miti# , como o fizera antes de chi 1950, estimulando o participaci 7 ee we io i iali nismo localista e setorialista, cortand? ro-mundistas, estava se esmaecendo. ena Etidpia, 0 levariam novamente, 382 A REVOLUGAO E O SOCIALISMO EM CUBA cabecas indesejadas, demarcando-se dos fracassos como se fossem alheios 4 sua responsabilidade, Evoluiu com desenvoltura em Ambitos diversos, muitas vezes hostis, reaproximando-se de ex-inimigos e se afastando de ex-amigos, como fez, por exemplo, com os cristo, antes condenados, acolhidos desde os anos 4990, para 0s quais se abriram as portas do préprio Partido Comunista Cubano, agora partido /aico.‘! Na esteira dessa metamorfose, recebeu 0 papa conservador Joao Paulo II, com quem fez, para espanto mundial, um improbabilissimo dueto anticapitalista, ovacionados, os dois, por multidées entusiasmadas, Manteve-se no poder por meio de uma ditadura severa, nao hesitando em condenar 4 morte velhos camaradas, em obscuros Pprocessos, como Arnaldo Ochoa.** Ou a longas penas de cdrcere, as vezes sem processo algum, ou por meio de simulacros de processos, toda a sorte de oposicionistas, os chamados dissidentes, como atestam as repetidas, embora mal ouvidas, ou registradas, dentincias das organizagées internacionais que monitoram o res- peito pelos direitos humanos. Foi de muita valia af a escassa tradicio de- mocratica do pafs. As grandes maiorias provaram estar mais interessadas nas glérias nacionais e no bem-estar social do que na observagao escrupu- losa dos direitos de protesto das minorias, caracteristica essencial dos regi- mes democriticos. Herdeiro conspicuo da tradi¢do nacional-estatista em terras de Nuestra América, afastou-se da mesma, demarcando-se dela formalmente, mas construiu um Estado mais poderoso do que nenhum politico dessa tradi- ¢4o jamais imaginara. E se associou ao Estado de maneira tao intima que se tornou dele indissocidvel, uma ambigao que raros lideres nacionalistas lograram realizar. Conseguiu, apesar disso, e quase sempre, demonstrar uma notdvel ca- pacidade de seduzir as pessoas, especialmente intelectuais, que, magnetiza- dos, suspenderam nao raro sua capacidade de andlise, esquecendo-se das virtudes do pensamento critico e se prostraram diante do comandante en jefe como as ras da fabula diante do rei. Criatura ou criador? 383 CONSTRUGAO SOCIAL DOS REGIMES AUTORITARIOS — pags, : A ey Criatura e criador. O consenso © construiu como lider ine caballo, reinando como um gladiador na raga, as massas Parecendy fe domadas, déceis e submissas ao seu Verbo, que, no entanto, Do fazig - do que dizer o que elas queriam realmente a Nessa Simbiose, Povo Ifder perdiam o que ha de mais caro no exercicio das faculdades humanag a autonomia, transmitindo a aparéncia enganosa de que 0 consenso era tony exclusiva construgao de Fidel Castro. Seus inimigos, Paradoxalmente, actes, centar-lhe-iam essa fama, ao se referir a ele de forma obsessiva, Tessentj da, mergulhados, apesar de si mesmos, na problematica classica dog Tenegados.s De tanto se transformar, o homem virou um simbolo, quase desencar, nado, embora encarne do modo mais vivo a revolugao que Procurou sem. pre monopolizar e que ajudou a forjar como uma ditadura tevolucionétia, E se fez assim um ditador amado. Para gloria sua e miséria das Bentes, da revolugao e de si mesmo. ONteste 7 Notas 1. A figura de Fulgéncio Batista merece um registro especifico, Lideranca de ratzes Populares, sargento do Exército, mestigo, emergiu na revolucéo de 1933 que derrubou uma outra ditadura, de Gerardo Machado (1927-1933). Ascendeu de modo fulminante, politica e militarmente. Figura carismtica, dominaria a vida Politica cubana até 1959, ora como homem forte, “fazedor de presidentes” (1934- 1940), ora como presidente eleito democraticamente (1940-1944), quando fea @provar uma constituigao liberal que reconhecia os direitos sociais dos trabalha- dores, governando, em certo momento, com dois ministros comunistas; ora como eminéncia parda e principal chefe militar (1944-1952). Voltou ao poder pot meio de um golpe, uma quartelada, tipicamente latino-americana, em 1952. Suas Promessas de restauracao democratica (cleigdes de 1954 e 1958) nunca passaram de um simulacto repudiado por todas as forgas politicas, deslizando o govern assim, € progressivamente, para uma ditadura sem disfarces. Para a visio construida Pelos revolucionétios sobre a ditadura de Batista, antes da vit6ria, a melhor fon- te €FRANQUI, Carlos. Journal de la révolution cubaine, Paris: Seuil, 1976. Prio Socartés foi presidente eleito entre 1948-1952. Seu governo, imerso escandalos de corrupcéo, contribuiria fortemente para desmoralizar as referénoal democraticas, ensejando pretextos Para o golpe de Batista, em 1952. Const qu x 384 N ey A REVOLUGAO E O SOCIALISMO EM CUBA vyeio do esquema de Socarrds 0 financiamento Para a compra do pequeno iate Granma (diminutivo carinhoso de Grand Mother, Vov6), que levou os revolu- ciondrios, sob lideranga de Fidel Castro, ao desembarque de dezembro de 1956, quando teve infcio a saga das guerrilhas da Sierra Maestra, : , Formado a partir de uma dissidéncia do Partido Auténtico, o Partido Ortodoxo, liderado por Eduardo Chibés (que se suicidou em 1951), constituiu importante forca de oposigao a Batista, Das fileiras da Juventude dos ortodoxos emergitia a figura de Fidel Castro, que era candidato a deputado pela legenda as eleicdes de 1952, revogadas com 0 golpe de Batista, e muitos dos filiados a0 MR-26. ‘Umas das muitas expressdes do descontentamento com a ditadura, entre os ofi- ciais das Forcas Armadas cubanas, evidenciou-se na revolta da base naval de Cienfuegos, esmagada pela forca da ditadura, em 5 de setembro de 1957. . © termo liberal, no contexto politico estadunidense, refere-se as correntes de- mocriticas, nao necessariamente filiadas ao Partido Democrata, que hostilizam as ditaduras e simpatizam, até, eventualmente, com apoio financeiro, com os movimentos antiditatoriais, em particular na América ao sul do Rio Grande. . Reportagens simpaticas, de impacto, porque publicadas em jornais e revistas de grande circulacéo nos EUA, desempenhariam um papel importante na mobilizagao de uma opiniao pablica favoravel aos revolucionérios cubanos nos EUA. Cf. PALMA, Anthony de. O homem que inventou Fidel. Sao Paulo: Com- panhia das Letras, 2006. As articulagdes no sentido da constituigao de frentes politicas amplas podem ser registradas desde setembro de 1956, quando 0 MR-26 e o DRE firmaram um pacto de Unidade e Acao. Posteriormente, em novembro de 1957, houve o cha- mado Pacto de Miami, que seria repudiado pelo MR-26 por ter sido feito sem autorizag4o expressa da diregao da organizagao. Finalmente, em 20 de julho de 1958, houve o Pacto de Caracas, incluindo desde os liberais até os comunistas do PSP. Um novo pacto de unidade e ago seria firmado por Che Guevara com representantes do PSP e do DRE em dezembro de 1958. Cf. KAROL, K.S. Les guerilleros au pouvoir: Vitinéraire politique de la révolution cubaine. Paris: R. Laffont, 1970; FRANQUI, Carlos, op. cit. . BANDEIRA, L.A.M. De Marti a Fidel. A revolugdo cubana e a América Latina. Rio de Janeiro: Civilizagéo Brasileira, 1998, entre muitos outros, enfatizou bem © peso fundamental da questdo nacional no processo da revolugio cubana. Como veremos, a questo voltard a ser acionada com grande forca, ¢ eficacia, depois da desagregacéo da URSS. Cf. também BARAO, Carlos Alberto. O debate econ6mi- co dos anos 60 em Cuba. Tese de Doutorado, Universidade Federal Fluminense, Niteréi, 2005; HABEL, Janette. Ruptures d La Havane: le casirisme en crise. Paris: La Bréche, 1989. 385 ps REGIMES AUTORITARIOS — Rasy, IAL ™ sta ucho SO% aco “do 0 recurso juridico, interposto ee Fidel Caste, 9, Tornou-se cone? io de que 0 golpe de Batisea a Sonsiderads i ke” Suprema cub 7 Constituigéo de tg00 a — Masa! Iuz dos precet0s CO smpla repercussio € consolidou, entre os gy, vuma cause célebres O te seal respeito a legalidade Constitucional democ,., conrad 3 dade ao decir pela liberdade de Milita 10. Urrutia era is te, ie ua luta contra a ditadura era “legal”. Desde So ‘MR-26, consice! apés a vitoria, ele seria 0 presidente de um fy ue, 3 1958, oMR-26 anuncigs I Poo contratiado com aracaign Gao, even prin Renionen aoeeg. CL KAROL, KS» OP. cit, da revi Ct aii me abslverd Sao Paul: Expresso Popul 7 11. Ch Sate Régis, La critique des armes. Pais: Seuil, 1974; DEBRay. me oe ante “eu. ais Sei, 1974 DEBRAY, REtis. Revoluto nara , Séo Paulo: Centro Editorial Dappechnians at arian Emesto Che Obra revoliondia, México: Era, 1973. Nessa leitura, houve uma glo, desmedida das guerrilhas instaladas na pee Maestra, como Se delas tivesse de. pendido, quase que exclusivamente, a vit6ria da revolucao. A famosa Metéforg empregada por R. Debra, da mancha de dleo,espalhando-se pela tha a pa do foco gueriheto da Sierra Maestra, tornou-se emblemética e desempenhoy um papel importante na derrota catastréfica das tentativas guerrilheiras empreen. didas em Nuestra América nos anos 1960 ¢ 1970, Cf, ROLLEMBERG, Denise. apoio de Cuba a luta armada no Brasil, 0 treinamento guerrilheiro, Rio de Jane. ro: Mauad, 2001. 13. Cf, FRANQUI, Carlos. Cuba, la revolucién: mito o realidad? Memorias de um fantasma socialista. Barcelona: Peninsula, 2006, que insiste, quase obsessivamente, no desaparecimento das liderancas potencialmente rivais como circunstincia fe vordvel a ditadura pessoal de Fidel Castro. Mencione-se também a figura de Raul Castro. Entretanto, sublinhe-se que, en bora tenha havido, desde a guérrilha na Sierra, dele um grande jefe, de Fidel Castro, 15, Toda uma literat tetisticas central um grande investimento em fazet tornando-se mesmo, ja ha alguns anos, 0 sucessor designado Raul nunca passou do irmdo do seu irmao. 'ura de apoio e de defesa da revolugéo cubana, e de suas carat istas e ditatoriais, Consideradas inevitdveis, insistiré no arg ment i 6 : Wo de que 0 bloqueio e as agbes desferidas pelos sucessivos goreT#® éstadunidenses foram condigées a decisivas para que a revolugdo assumisse es apenas CE. BARAO, Carlos erika op. He cae Emir. A revolusd? ce ose ue 1922s SADER, Eder (org) Fidel Casto. So Edunesp, 2004, pee Luis Fernando, A revolugdo cubana. Sio Pa : , 2004. Debate interessante, e controvertido, a respeito dess28 4 386 1 20. 9. A REVOLUGAO E O SOCIALISMO EM CUBA __ a em CARVALHO, Carlos Eduardo (ed). Socalsmo em debate. 1917- bes ae Paulo: Instituto Cajamar, 1988. 1987, Si gio de Havana foi aprovada em 2 de setembro de 1960 ¢ condenava Declares romem pelo homem e a exploragio dos povos pelo capital a explores peclaragdo de Havana foi aprovada em 4 de fevereto de 1962 € nancciros so dever de todo revolucionério & fazer a revolugéo. Pela sua im- peste opntundéncia, foi por alguns chamada de © Manifesto Comunista do a CE LOWY, M. O marsismo na América Latina, 2° ed. revista e am- ae sao Paulo: Fundagéo Perseu Abramo, 2006, Pecano, 2 comentar a crise dos mises e crticaraatitade dos soviics de sae a presses linatum: do presidente Kennedy, admin que etava disposto a ir as diltimas consequéncias em 1962, mesmo que para isso Cuba pre- vase desparecer do mapa. Cl, RAMONET, Ignacio. Fidel Castro. Biografia a Sat oves, Si Paulo: Boitempo, 2006; PALMA, Anthony de, op. cit. A dentin vr oficial abalizada, de variadas e miltiplas ac6es contrarrevolucionstias eta em COMISION DE HISTORIA DE LOS ORGANOS DE LA SEGURIDAD DEL ESTADO. Las reglas del juego. 30 atios de Historia de la Seguridad Cubana. La Habana, Direccién Politica Central, Minint, 1989. ‘Ainfluéncia de Ernesto Guevara, secundado por Raul Castro, e pelos comunistas do PSP, muito ativos na formac4o do Partido Comunista Cubano, foi notavel nesse momento. Em processo lento, pelo alto, por etapas, fundiram-se as principais organizacSes revolucionétias nas Organizag6es Revoluciondrias Integradas (ORI), depois no Partido Unificado da Revolucéo Socialista Cubana (PURSC) e, finalmente, no Partido Comunista de Cuba (PCC), em 1965. © conceito de consenso, na acepgdo com que o emprego para compreender as relag6es complexas entre sociedades e regimes autoritérios ou ditatoriais, designa a formagio de um acordo de aceitagio do regime existente pela sociedade, explici- to ou implicito, compreendendo 0 apoio ativo, a simpatia acolhedora, a neutrali- dade benévola, a indiferenca ou, no limite, a sensagdo de absoluta impoténcia, S40 matizes bem diferenciados e, segundo as circunstancias, podem evoluir em dire- 6es distintas, mas concorrem todos, em dado momento, para a sustentacao de um regime politico, ou para o enfraquecimento de uma eventual luta contra esse regi- me. A repressio e a ago da policia politica em particular podem induzir ao, ou fortalecer 0, consenso, mas munca devem ser compreendidas como decisivas para a sua formacéo, Para o uso ea discussdo do conceito, com distintos angulos e acepgdes, cf, nesta obra coletiva, os textos de D. Musiedlak, “O fascismo italiano: entre Consentimento ¢ consenso”; M. Ferro, “Hé ‘democracia demais’ na URSS?”, e R Dogliani, “Consenso e organizago do consenso na Itélia fascista”, 387

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