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ALEXANDRIA: R. Educ. i. Tec. otan6polis v.13, 275, mai, 202 apd doo 10.587 1982-5153 2020013092 ALEXANDRIA Revista de Educagdo em ia e Tecnologia Estado do Conhecimento no Ensino de Fisica para Alunos Surdos e com Deficiéncia Auditiva: Incursio nas Teses e Dissertacées Brasileiras State of Knowledge in Physics Teaching for Deaf and Hearing- Impaired Students: Incursion into Brazilian Theses and Dissertations Marcela Ribeiro da Silva"; Eder Pires de Camargo” a Faculdade de Ciéncias, Universidade Estadu 'b Faculdade de Engenharia, Universidade Esta sulista, Bauru, Brasil ~ marcelarbeirodasilvafis@ gmail.com 1 Paulista, Hha Soleira, Brasil ~eder.camargo@unesp.br Palavras-chave: Resumo: O artigo analisa a produgio de teses e dissertagdes brasileiras sobre 0 Ensino de fisica, ensino de Fisica para alunos surdos e/ow com deficiéncia auditiva. Os dados EducaeZo inclusiva. consistem em resumos de documentos localizados no Catilogo de Teses & Edlucacio especial. Dissertagies da Capes. Os resultados indicam: produgo académica centralizada nas, Surde, Deficiéneia instituigdes piblicas e na regido Sudeste; prevaléncia de pesquisas que no se auditiva, vvinculam a grupos/linhas de pesquisa sobre a educacdo inclusivaleducagao especial © 0 ensino de Cigncias/Fisica; enfoque exclusive na Educagio Bésica; enfoques teméticos na elaboragiio/implementagdo/avaliagao de recursos didaticos acessiveis a surdos e/ou deficientes auditivos, nas condigdes de produco dos/sobre seus processos de ensino © aprendizagem, ¢ na claboragdo de sinais para termos, cientificos. Os resultados suscitam a preméncia de que a formagio inicial ¢ continuada de professores de Fisica para o trato com esses alunos, e a universidade, como espago com perspectivas inclusivas, protagonizem a agenda de pesquisa em censino de Fisica inclusivo. Keywords: Abstract: This article analyses the production of Brazilian theses and dissertations Physics teaching, about the Physics teaching for deaf and hearing-impaired students. The data consist Inclusive education, of abstracts of documents located in the Catalog of Theses and Dissertations of Special education, Capes. The results indicate: centralization of academic production in public Deafness. Hearing- institutions and in the Southeast region; prevalence of researches that are not linked impairment. fo groupsilines of research on inclusive education/special education and Physics/Science teaching; focus of research in Basic Education; thematic approaches in the claboration/implementation/evaluation of didactic resources accessible fo the deaf and/or hearing-impaired people, in the production conditions offon their teaching and learning processes, and in the elaboration of signs for scientific terms. The results indicate the urgency that the Physics teacher's education to deal with these students and the university as a space with inclusive perspectives are some of issues that may generate a plan for futures researches about inclusive Physics teaching, sta obra foi cenciada com uma LicengaCrsative Commons Atribuisi 4.0 Iniemesional SILVA, CAMARGO. Introdugio Este artigo aborda 0 ensino de Fisica para alunos surdos ¢ com deficiéncia auditiva (DA), e orienta-se pelos seguintes questionamentos: como tem se distribuido a producio académica sobre essa temética pelas regides geogrificas e instituigdes de Ensino Superior (IES) no Brasil? Sobre quais contetidos e problemdticas tém recaido a preocupagio e o interesse dos pesquisadores? Em outras palavras, como tem se caracterizado essa producao académica? As respostas a essas indagagdes vém se constituindo por meio dos resultados de pesquisas sobre o estado do conhecimento, que tiveram como corpus de dados os trabalhos publicados nas atas do Simpésio Nacional de Ensino de Fisica (SNEF) (SANTOS; PESSANHA, 2017), do Encontro Nacional de Pesquisa em Educagao em Ciéncias (ENPEC) e em periédicos nacionais da area de ensino de Ciéncias (SILVA et al., 2013). Barbosa ¢ Rosa (2017) analisaram artigos de periédicos nacionais com Qualis Al, A2 e B1 na rea de Ensino. Alves et al. (2017) consultaram periédicos com qualificacao Al na mesma Area e a Biblioteca Digital Brasileira de Teses e Dissertagdes (BDTD), que é um portal de busca que reine trabalhos de mestrado e doutorado defendidos no Brasil e por brasileiros no exterior (INSTITUTO BRASILEIRO DE CIENCIA E TECNOLOGIA, s. .). Os autores consideraram, para seu estudo, os trabalhos defendidos no perfodo de 2002 a 2017. Dentre os principais resultados dessas investigacOes estd a predominancia da produgdo de pesquisas na regio Sudeste do pafs (SILVA et al, 2013; ALVES et al., 2017) e na UNESP, instituigdo localizada no estado de Sao Paulo (ALVES et al., 2017). Elas concluiram, também, que essa produgio é recente, incipiente (SILVA et al., 2013; ALVES et al., 2017; BARBOSA; ROSA, 2017) ¢ se constitui em campo de pesquisa fértil no Brasil (ALVES et al., 2017). Os estudos citados no se encerram nas respostas as indagagées iniciais. Eles contribuem, complementarmente, para o pensar prospectivo da pesquisa sobre 0 ensino de Fisica para alunos com surdez e DA. Para contribuir com a caracterizagdio da produgdo académica brasileira sobre tal temitica, este artigo objetiva tragar um panorama das tendéncias e lacunas da produgéo de teses € dissertagdes (TDs) do Catilogo de Teses ¢ Dissertagées da Coordenagio de Aperfeigoamento de Pessoal de Nivel Superior (Capes). Optou-se pela andlise de TDs por elas se vincularem, [..J @ programas de pos-graduagao, principais lécus de formagiio de pesquisadores ingressantes nas dreas de Educagio e Educago em Cigncias e de atuagao de grupos de pesquisa engajados sistematicamente nas pesquisas [...] (TEIXEIRA; MEGID NETO, 2017, p. 522). SILVA, CAMARGO. Essa modalidade de trabalho representa parte majoritaria e precfpua das investigacdes realizadas nas IES e so documentos primérios contendo relatérios completos e aprofundados dessas investigagées (TEIXEIRA; MEGID NETO, 2017). © estudo descrito neste artigo tem um cardter de complementaridade aqueles realizados por Silva et al. (2013), Alves et al. (2017), Barbosa e Rosa (2017) e Santos ¢ Pessanha (2017). Essa complementaridade se expressa por meio de, pelo menos, dois aspectos. O primeiro diz respeito ao fato de que, nele, se faz uma anilise nio s6 das tendéncias da produgio de TDs no que se refere as regides geogriticas, instituigdes onde foram desenvolvidas e enfoques temiticos — tendéncias de pesquisa presentes em diversos estados do conhecimento da area —, mas também do nivel escolar privilegiado nas TDs e dos grupos de pesquisa (GP) e/ou linhas de pesquisa (LP) aos quais elas se vinculam, sendo que a andlise desse ultimo aspecto é relevante por poder indicar a (in)existéncia de espacos consolidados com vistas a0 debate e reflexdes sobre a educagio inclusiva do puiblico-alvo da Educacio Especial (PAEE) — alunos com defi ilidade(s). segundo aspecto é que, das investigagdes supracitadas, iéncia(s), transtomno global do desenvolvi vento e/ou alta(s) hal jpenas aquela realizada por Alves et al. (2017) se focou na producdo de TDs, mas se restringiu aos trabalhos disponiveis na BDTD. Nenhum dos estudos tomou como fonte de dados 0 Catélogo de Teses e Dissertacdes da Capes, que € 0 reposit6rio online oficial do governo brasileiro de depésito obrigat6rio, pelos programas de pés-graduactio (PPG) do pais, de informagdes e resumos de TDs defendidas (UNIVERSIDADE ESTADUAL PAULISTA, s. d.). A educagao das pessoas com surdez e deficiéncia auditiva: breves consideragoes Optou-se pelo uso das nomenclaturas “surdos” e “pessoas com DA” por se reconhecer “[...] que se referem a grupos de pessoas com caracteristicas proprias e com diferencas entre si” (PESSANHA et al., 2015, p. 437). As mensagens direcionadas a esses individuos podem ser compreendidas por eles por meio da percepcdo de gestos mimicos ou lingufsticos (lingua de sinais) e da leitura orofacial (PESSANHA et al., 2015). Os surdos so aqueles que se comunicam por meio da lingua de sinais (sua primeira lingua) e que tém uma cultura propria associada a ela (abordagem sociocultural). Hé a valorizagiio de sua cultura, sob a concepedo da diferenga e no da deficiéncia. As pessoas com DA desenvolvem um padrio de comunicagdo oral mais préximo daquele utilizado pela cultura ouvinte majoritaria meio do uso de aparelhos auditivos (GESSER, 2009). € seu déficit na audigo pode ser amenizado, por exemplo, por Até a Idade Média predominava 0 imaginério de que os surdos eram incapazes de aprender. No inicio do século XVI, posicionamentos contri YS d esse comecaram a se SILVA, CAMARGO. constituir, quando debates sobre a educagio dos surdos se filiaram a duas vertentes: 0 oralismo — que exigia que 0 surdo se reabilitasse, superasse a surdez ¢ falasse — ¢ 0 gestualismo — que entendia que os surdos eram capazes de desenvolver uma linguagem de sinais eficaz para comunicagao (LACERDA, 1998). Entre disputas acaloradas, o oralismo se instaura como pri ica pedagégica hegemonica junto aos surdos do mundo todo, tendo como marco hist6rico a realizagao do II Congresso Internacional sobre a Instrugdo de Surdos, em Milo, no ano de 1880, Nessa época, 0 uso da lingua de sinais foi proibido. Ap6s um século, com a realizagdo de estudos sobre a Iingua de sinais e as eriticas ao oralismo, ganha destaque a comunicagio total, que abrange 0 uso de sinais, da leitura orofacial, da amplificagao etc., com diferentes combinagdes conforme preferéncia do surdo, Embora as praticas pedagégicas inscritas na comunicagdo total possibilitassem aos surdos 0 contato com a lingua de sinais, eles ainda apresentavam sérias dificuldades em expressar ideias ¢ em relagao a escrita (LACERDA, 1998). Coetaneamente as propostas de comunicagao total, surgiram aquelas bilingues, que propdem o ensino da lingua de sinais como primeira lingua e da lingua dos ouvintes como segunda lingua dos surdos (LACERDA, 1998). A sua aplicagdo pritica, que possui variagdes metodolégicas, “[...] nao é simples ¢ exige cuidados especiais, formagao de profissionais habilitados, diferentes instituigdes envolvidas com tais questdes ete. [..]” (LACERDA, 1998, p. 8). Uma escola bilingue, no contexto brasileiro, € aquela em que a Lingua Brasileira de Sinai (Libras) e a modalidade escrita da Lingua Portuguesa so linguas de instrugio utilizadas no processo educativo dos surdos (BRASIL, 2005), No Brasil, como resultado dos debates ¢ rei icagGes das comunidades surdas académica, que vinham alertando para a i portincia da oferta de uma educacdo bilingue (LACERDA et al., 2013), ocorreu promulgagdo da Lei n.° 10.436, de 24 de abril de 2002 (BRASIL, 2002), que disp6e sobre a Libras e da outras providéncias. Essa lei reconhece a referida lingua como meio legal de comunicagZo e expresso, e é regulamentada pelo Decreto n.° 5.626, de 22 de dezembro de 2005 (BRASIL, 2005). Esse decreto trata, entre outros aspectos: da inclusio da Libras como disciplina curricular obrigatéria nos cursos de formacio de professores — licenciaturas, Pedagogia, Educagdo Especial, curso normal de nivel médio e curso normal superior — e de Fonoaudiolo; da formago do professor de Libras e do instrutor de Libras; da oferta, pelas instituigdes federais de ensino da Educacao Basica e Superior, dos servigos de tradutor e intérprete de Libras ~ Lingua Portuguesa (TILS) em sala de aula e em outros espacos educacionais, de equipamentos e tecnologias que viabilizem 0 acesso dos surdos a comunicagdo, a informagao e a educagao. SILVA, CAMARGO. Com o reconhecimento oficial da Libras, as pessoas com surdez/DA adquirem 0 direito de estudarem em escolas regulares com o auxilio do TILS e oferta do atendimento educacional especializado (AEE), que é um servico de apoio especializado que visa eliminar as barreiras que possam obstruir o processo de escolarizagio do PAE, ofertado no perfodo diverso daquele em que o aluno frequenta a sala comum e, no caso dos alunos surdos € com DA, complementar & sua formacdo (BRASIL, 2008). E no AEE que esses alunos deverdio aprender a Lingua Portuguesa na modalidade escrita como segunda lingua e, para aqueles que nao cresceram em familias de surdos, a Libras como primeira Iingua. Embora a oferta do AEE e do TILS representem um avango na educacZo inclusiva das pessoas com surdez/DA, ao frequentarem ambientes escolares com perspectivas inclusivas, elas ainda encontram, além das dificuldades comuns de um ensino de Fisica a alunos ouvintes — grande evasio escolar, resultados de aprendizagem insatisfatrios etc. —, dificuldades especificas de seus processos de ensino e aprendizagem, como: falta de estratégias pedagégicas dos professores da sala comum para trabalhar com esses alunos; atribuicio aos TILS da responsabilidade de ensinar os conceitos cientificos ¢ acompanhar © processo de aprendizagem; constante limitagdo da relago professor-aluno, provavelmente pela falta de comunicagao existente (MOLENA et al., 2017). A educagio inclusiva requer adequagdes de acessibilidade fisic ¢ atitudinais (ALVES; CAMARGO, 2013), ¢ 0 enten |. didatico-pedag6gica imento de que lade” (NOGUEIRA et al., 2018, p. 62). E necessirio compreender o proceso de ensino de Ciéncias/Fisica a alunos ] © ‘problema’ nao esti no surdo, e sim na nossa sociedade despreparada para a divei surdos e com DA, buscando alternativas para amenizar os problemas existentes e possibilitar- Ihes 0 acesso ao conhecimento € 0 aprendizado dos contetidos cientificos de maneira efetiva (MOLENA et al., 2017), E fundamental valorizar e reconhecer a percepcio de mundo do surdo, expressa em seu pensamento e sua linguagem, superando a ideia hegemOnica da cultura ouvinte que busca criar e Ihe impor significados. E necessério, numa proposta de educacio inclusiva, ampliar 0 conceito de conhecimento sistematizado, reconhecendo-o como um elemento multicultural, colocando, assim, 0 sujeito surdo no centro do protagonismo do proc 10 de construgio desse saber social Metodologia Este estudo & do tipo “estado do conhecimento”, pois se restringe a um setor da producao cientifica: as TDs brasileiras sobre o ensino de Fisica para alunos surdos e/ou com DA. Estudos desse tipo se diferenciam daqueles denominados “estado da arte”, porque estes iiltimos abrangem toda uma area do conhecimento € os distintos aspectos que geraram as SILVA, CAMARGO. producdes — resumos de dissertacdes e teses, publicagdes em congressos ¢ periédicos (ROMANOWSKI:; ENS, 2006). O corpus dos dados foi constituido pelos resumos de TDs coletados por meio de busca no Catélogo de Teses e Dissertagdes da Capes. Esse Catélogo — anteriormente denominado Banco de Teses ¢ DissertagGes — é um sistema de busca bibliogréfica que retine registros de TDs defendidas no Brasil desde 1987. As informagdes bibliogréficas dos. trabalhos disponibilizadas nesse Catilogo sto fornecidas 4 Capes anualmente pelos PPG de todo o pafs (COORDENAGAO DE APERFEICOAMENTO DE PESSOAL DE NIVEL SUPERIOR, s. dy. A escolha do Catélogo de Teses e Dissertagdes da Capes como fonte de busca dos resumos das TDs se deu porque ele possui grande abrangéncia de periodo de defesa dos trabalhos, geogréfica, com informagées de PPG de todo o territério nacional, e de reas do conhecimento, como a de Ensino e a de Educagio, as quais se vinculam majoritariamente os PPG em que so desenvolvidos trabalhos sobre ensino de Fisica. A busca dos resumos das TDs no Catélogo de Teses ¢ Dissertagdes da Capes foi realizada nos dias nove e dez de julho de 2018. Nessa busca, foram utilizados os termos “ensino de Fisica”, “ensino de Ciéncias” ¢ “Fisica” combinados, individualmente ¢ pelo uso do operador booleano “AND”, aos seguintes termos: “incluso”, “educagio inclusiva”, “edueagdo especial”, “atendimento educacional especializado”, “deficiéncia auditiva”, “surdez” e “surdos”. “Lingua Brasileira de Sinai Apés a leitura dos titulos e palavras-chave das TDs encontradas, foram selecionadas aquelas sobre o ensino de Fisica para alunos surdos e/ou com DA, sem restrigao do perfodo em que ocorreu a defesa. Para localizar os trabalhos cujos resumos no se encontravam disponiveis no Catélogo de Teses e Dissertagdes da Capes, foi realizada uma busca nas paginas dos PPG e nas bibliotecas virtuais das IES as quais tais TDs se vinculam. Foram selecionados 22 trabalhos, defendidos entre 2007 e 2017. Nao obstante o Catalogo de Teses e Dissertagdes da Capes disponibilize resumos de TDs defendidas desde 1987, nao foi encontrado nenhum trabalho sobre a temética em destaque defendido em periodo anterior a 2007. Isso pode ter decorrido do fato de que, embora 0 movimento pela educagao inclusiva tenha chegado ao Brasil em meados da década de 90 do século pasado, & 86 a partir da década seguinte que o debate sobre a educacio das pessoas surdas é incisivamente abordado em documentos legais, como a Lei n.° 10.436 (BRASIL, 2002) e 0 Decreto n.° 5.626 (BRASIL, 2005), 0 que evidencia novas demandas por ages que visem a inclusao desse puiblico no contexto escolar. Foi realizada a leitura dos resumos das TDs selecionadas. As informagées foram organizadas e analisadas considerando os seguintes descritores: a) ano de defesa; b) grau de

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