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POLICIA E SEGURANGA PUBLICA * ANTONIO LUIZ PAIXAO"* Professor Adjunto de Departamento de Soclologla e Antropologla de Universidade Federal de Minas Gerals, Nestre ‘om Soclologla, Resumo: Analisa o papel da Policia enquanto guardia da seguranga publica, bem como o divércio que se observa entre sociedade e polf- cia. Enfoca as deficiéncias do judiciario como responsdveis pelo ele- vado Indice de criminalidade. O crime violento cresce assustadoramente nas ruas das grandes cidades brasileiras, onde bandos organizados disputam & bala 0 con- trole de fatias do mercado de téxicos, comerciantes honestos contratam justiceiros para garantir suas propriedades, e gente simples e indignada lincha seus predadores. As criangas do Rio de Janeiro avaliam realisti- camente os perigos que enfrentam: 80% delas temem os assaltantes, bem mais ameagadores do que os fantasmas que assustam 8% dos en- trevistados. A ansiedade das populagdes urbanas aumenta quando se percebe que a resposta dos governos & onda criminosa 6, em grande parte, cerimonial e retérica — a impunidade é geral e encontra agora na comédia da pena de morte 0 jogo de cena que encobre o problema real — um sistema de justia criminal desaparelhado, despreparado @ cerente de recursos minimos para produzir o que se espera dele numa socieda- de civilizada - a protecdo dos direitos humanos das pessoas, ameagados pelos criminosos, e a expressdo do valor coletivo das vitimes do crime pela punigao de quem as agrediu. Uma forma muito comum de desconversar sobre o problema do crime no Brasil € consideré-lo mal inevitavel, mas passageiro. Inevita- vel, porque o desenvolvimento econémico concentra migrantes desqua- lificados e deseducados nas favelas e periferias que caem no crime co- mo estratégia de sobrevivéncia ou de enriquecimento rapido. Passagei- ro, dizem os conservadores, porque facilmente corrigido por politicas sociais que integrem a marginalidade social @ modernidade, ou, dizem os progressistas, porque denuncia a incapacidade do sistema de distri- QAlleres, Belo Horizonte, 3(80) 27-41 julsot 1994 a Polfcla @ Seguranga Pabiica buir © produto ¢ sinaliza o inconformismo dos exclufdos. Ainda que por razOes e crencas muito diferentes, uns e outros concordam que a causa do crime 6 a marginalidade social e que a redugao da ameaga criminosa depende de outras politicas. Uns e outros, igualmente, nado dizem quan- do isso ocorreré no longo prazo, porém, estaremos mortos (e Keynes encontraria nas taxes de homicfdio do Rio de Janeiro, quase trés vezes maiores do que as de Nova lorque e quase quatro vezes superioros as de Medellin, uma razdo a mais de seu aforismo). Por que teoria aparentemente tao sensata 6 desconversa? Por- que sua sensatez é pura aparéncia. Em primeiro lugar, a teoria esquece © peso do poder social nas definig6es legais do crime e nas atividades préticas da policia e do judicidrio. A correlagéo empiricamente observa- da entre marginalidade e criminalidade seria muito diferente se o Cédi- go Penal dedicasse maior atengéo aos chamados “‘crimes-de-colarinho- branco” e se o sistema de justica criminal agisse contra seus autores com os mesmos graus de liberdade empregados na repressdo a crimino- sos de classe baixa. A expans&o da cidadania aos pobres e exclufdos — como observamos recentemente nos Estados Unidos - contribuiu em muito para o virtual desaparecimento daquela associacao, que sera mais forte em nagées como o Brasil, onde as regras universais e impessoais da lei séo condicionadas ao particularismo do “vocé sabe com quem es- té falando?” na imposigao de ordem publica argutamente analisado por Roberto Da Matta, Em segundo lugar, a teoria néo encontra apoio empirico nos fa- tos descritos pela pesquisa social mais rigorosa: 1 — Por que a imensa maioria de crimes é cometida por rapazes jovens (entre 15 e 25 anos de idade)? Nos Estados Unidos e na Inglater- ra, S40 eles os autores de quase 80% dos crimes violentos solucionados pela policia; em todas as sociedades, homens representam mais de 90% da populacao prisional. A teoria ndo explica como mulheres e homens adultos sdo preservados dos efeitos criminégenos da marginalidade. 2- Analisando a populagao prisional do Estado de S40 Paulo, o socidlogo Vinicius Caldeira Brant encontrou proporgao insignificante (algo em torno de 1%) de presos que nunca trabalhou: mais da metade dos presos trabalhava (inclusive na industria de transformagao) na data de sua priséo; mais de 60% dos presos sao nascidos e criados em Sao Paulo; 70% deles s&o casados e 90% frequientaram da 4? a 8? séries do 1° grau (apresentando n{veis educacionais acima da média nacional). Os criminosos paulistas assemelham-se aos trabalhadores - ¢ nao & margi- nalidade social. 3 - Crises econémicas, dmpliando contingentes marginais nas sociedades, deveriam produzir taxas mais elevadas de criminalidade. Es- tas, entretanto, cresceram, nos Estados Unidos e na Europa Ocidental, OAlferes, Beto Horlzanta, 9(80) 27-41 Juvset 1991 28 AntOnlo Lulz PalxBo na década afluente e socialmente benigna de 1960 - 1970. Edmundo Campos Coelho descobriu decréscimo nas taxas de crimes contra a pro- priedade no Rio de Janeiro e em So Paulo no infcio dos anos 80, quando a recessao era mais intensa. Os custos humanos das crises re- cessivas sio bem maiores do que a suposta propensao do pobre ao rou- bo, quando adequadamente estimulado pelo desemprego ou pela desi- gualdade. A teoria, como os tecnocratas, reduz a mero detalhe o sofri- mento dos disturbios mentais, do alcoolismo, da agressividade gratuita e da desordem familiar experimentada pelas vitimas da recessao. 4 - Por que a imensa maioria dos marginais sociais apresenta — em todas as sociedades conhecidas - tanta disposigao para o trabalho pesado, perigoso, mal remunerado, desprezado socialmente, e para a participacao religiosa associativa? O problema da pobreza urbana reside nos niveis elevados e intoleraveis de desigualdade e exclusao (inclusive em relagdo a protegao policial de seus direitos mais elementares) por ela experimentados — os custos de probreza, como analisa Alba Maria Zaluar, so agravados pela preparacao criminosa em seus ambientes. Pesquisa recente do IBGE descobriu que mais de 60% das vitimas de agressdo fisica que nao recorreram a polfcia em 1988 tinham renda infe- rior a dois salérios minimos. A teoria do pobre criminoso nao resiste aos fatos e nao se sus- tenta como justificativa de polfticas sociais distributivas. Um dos fatos que ela desconhece, ao supor que a adesao a valores éticos varia con- forme o nivel de renda dos individuos, é 0 profundo senso de dignidade e repulsa 4 covardia, venha de onde vier, entre os pobres urbanos. A miséria, a exclusdo e o crime sdo fendmenos incompativeis com os prin- clpios de justica e liberdade que fundamentam as obrigagées politicas do estado democratico. Bem mais realista do que esperar os efeitos incertos de pollticas sociais sobre o crime é perder de vez as ilusées do ‘modelo da justiga distributiva’’ e encarar fatos mais sdlidos. Por exemplo, a op¢ao prefe- rencial pelo crime, de adolescentes e jovens: o sacidlogo James Wilson encontra, na transformagdo de criangas em adultos de sexo feminino, a solugio do problema estrutural do crime. Guerras e o infanticidio de meninas alteram intencionalmente a estrutura demogrdfica de socieda- des e sao, por isso mesmo, agdes moralmente condenaveis. Descobrir a raiz do problema pode ser mudanga - estas sao mais bem servidas quando 0 esforgo analitico volta-se para os mecanismos - manipulaveis pela agao humana que afetam escolhas individuais do crime como meio de vida. A atragéo da via criminosa ser& maior quanto maiores forem os ganhos (materiais, psfquicos, simbédlicos) do crime - comparados com os beneficios do trabalho. Ou melhor: o individuo quer saber se o crime O Alferes, Belo Horizonte, (30) 27-41 juuset 1991 29 Polfcla Seguranca Pablica compensa, quando seu beneficio na produgao de renda, prestfgio, poder ou emocaéo é superior aos custos representacos pela punic¢éo. O modelo da escolha racional ampliou o poder de fogo da teoria econémica e da andlise politica; intuitivamente, procuramos esfriar a cabega ou pensar duas vezes antes de tomar decisées importantes e evitamos agir intem- pestivamente e perder o julzo; por que, entdo, nado definir o comporta- mento criminoso como escolha racional? Foi o que fizeram, com enorme sucesso, os escritores de novelas policias: metas, ainda que irracionais e descabeladas, sao alcangadas através de meios eficientes (o roubo, o homicfdio) que maximizam os ganhos e minimizam os custos (a priséo) do crime para seus autores. Igualmente, um preso que entrevistei em minha pesquisa dizia que o mundo do crime € ingrato para quem nao nasceu para ele — os que cafram nas malhas da lei. O criminoso bem-su- cedido nao frequenta cadeia — se capaz de neutralizar eficientemente os riscos impostos a escolhas criminosas. Ver o crime como escolha racional nao significa negligenciar o elemento moral na motivacao da agao. A recusa ética da forca e da fraude como meios para alcangar objetivos torna irracional a opgao criminosa — tal- vez por ai se explique melhor a disposi¢ao para trabalhar dos pobres e para procurar emprego das vitimas da recess&o. A teoria do criminoso racional é substantivamente mais sdlida e tem conseqUéncias mais rele- vantes para a formulagao de politicas do que o “modelo da justiga dis- tributiva’’. Por uma.razio muito simples: 0 objetivo de uma politica de seguranga publica é fazer o crime nao compensar para aquelas individuos que es- colheram estrategicamente meios ilegais de agdo. Criminosos sao atrai- dos por alvos que produzam maiores beneficios e envolvam menores riscos (de prisdo, de linchamento); vitimas potenciais procuram diminuir esses beneficios (via cadeados, cachorros, justiceiros). Assim, a intera- ¢ao de criminosos e vitimas 6 andloga ao jogo de compradores e vende- dores no mercado econdémico. Mesmo os radicais do liberalismo advo- gam a moralidade e a utilidade da intervengdo estatal (através da poll- cia, do judiciario e da lei) na regulagao do “mercado do crime’; Cédigos Penais definem as agdes humanes que constituem crime e as penalida- des correspondentes a seu cometimento; penas entram como custos no c4lculo do criminoso se - e apenas se - 0 risco de sua captura pela poll- cia @ alto e é certa sua condenagao pela justia; criminosos escolhem al- vas e situagées onde os riscos de detencaéo sdo menores e graus eleva- dos de incerteza na punigdo estimulam a participagdo individual em ati- vidades ilegais. Vou comentar alguns equivocos da critica ao “modelo da justica retribu- tiva’. A esquerda, a énfase na repressao e na puni¢ao dos criminosos corresponderia a justificagdes ideoldgicas de praticas policiais OAlferes, Belo Horizonte, 9(90) 27-41 Julset 1991 30 Anidato Lulz Palzéo e judiciérias descoladas do respeito acs direitos humanos ce suspeitos, criminosos e testemunhas. Brutalidade e particularismo — a experiéncia brasileira nao nos deixa mentir — podem perfeitamente conviver com ta- xas elevadas de criminalidade. Por um lado, é melhor uma surra do que um inquérito; mesmo porque, se o juiz acredita que eu apanhei para confessar, saio limpo. Isso, se meu processo entrar na pauta do tribu- nal, porque, como mostrou Edmundo C. Coelho, 0 proverbio ‘‘a policia prende, a justiga solta’', menos do que critica interesseira ao judiciario, descreve realisticamente a produgdo do sistema de justiga criminal bra- sileiro. Por outro lado, como indica a expansdo dos direitos humanos nas democracias consolidadas, a policia e o judicidrio sao, a um sé tem- po, instrumentos de realizagao dos direitos humanos contra ameacas criminosas (no século passado, o grande tedrico da democracia, de Toc- queville, apontava a natureza paradoxal da ordem democratica que en- contra na punigao implacdvel dos criminosos um dos meios de garantia das liberdades civis e politicas) e objetos a serem contidos enquanto ameagas do Estado 4s mesmas liberdades individuais por ele protegi- das. A conformidade da polfcia norte-americana as decisdes da Suprema Corte que subordinaram o combate ao crime aos formalismos dos direi- tos nao afetou sua efetividade; a polfcia italiana alcancou sucessos no- taveis na repressdo do terrorismo politico e do crime organizado sem desrespeito aos direitos humanos. Para dizer claramente: direitos serao mais bem garantidos quando a policia e o judicidrio impdem custos efe- tivos aos criminosos; quando as instituigdes legais (como a Suprema Corte) controlam efetivamente a conformidade da policia e da justica as restrigoes ao do arbitrio no combate ao crime e quando a sociedade civil se organiza para reivindicar (e vigiar) o respeito de policiais e juizes aos direitos de cidadaos onde e quando foram violados. Volto a esse ponto no final do trabalho - pois ele me parece central para uma politica de- mocratica de seguranca publica. A direita, nao ha porque identificar 0 modelo retributivo com violéncia policial, arbitrio judiciario e escaladas punitivas. A dissuasdo depende mais da rapidez e da certeza da punicado do que da severidade das penas. As taxas criminais podem diminuir quando o Estado diminui 0 tamanho das penas e aumenta a certeza da punicao (como na Holanda ou nos pafses escandinavos). A discussao racional das propostas de pe- na de morte consiste, entdo, na avaliacao empirica de seus efeitos sobre © crime. Ela funciona ou nao funciona? Parece que nao. A pesquisa mais recente sobre 0 efeito de execugdes nos Estados Unidos entre 1976 e 1987 mostra que taxas de homicfdio sao estdveis e nao se alteram por variagoes na intensidade da divulgagdo, na mfdia, das execugdes em Es- tados com e sem pena de morte. Esta nao 6 punigdo rdpida - a gravide- de da sentencga requer processos demorados de recurso e revisdo —- nem OAlferes, Belo Horizonte, 9(30) 27-41 julset 1991 31 Polfela 0 Seguranga Pébiloa certeira — os juizes hesitam, diante da possibilidade do erro judicial i reparavel, em sua aplicagao. Erros judiciais, principalmente quando en- volvem individuos com nitidas identidades sociais — membros de grupos €tnicos minoritérios ou de classes sociais subordinadas -, podem afetar devastadoramente a legitimidade do sistema de justica criminal, perce- bido como instrumento de opressao e alienagao politicas de tais grupos; a certeza da morte nao se dissocia da ampliagao dos graus de violéncia de criminosos hediondos, eliminando testemunhas, disseminando o ter- ror entre suas vitimas e, o que certamente deve interessar ao policial que emprestou sua atongio a este artigo, nos Estados norte-americanos que aboliram a pena de morte houve sensivel diminuicgdo no numero de policiais mortos em ago. A campanha a favor da pena de morte no Bra- sil seria comica se nao representasse, intencionalmente a meu ver, 0 es- quecimento do fracasso institucional do sistema de justiga criminal no combate ao crime e a responsabilidade do Estedo nesse resultado. Recorro mais uma vez as andlises de Edmundo C. Coelho sobre 9 sistema de justiga criminal no Rio de Janeiro e Séo Paulo. Neste Esta- do, entre 1981 e€ 1984, a policia sequer investigou 89% das ocorréncias de roubo; 81% das ocorréncias de estupro e 29% dos casos de homicidio (em contraste com a média norte-americana em torno de 12%). Os tribu- nais liberaram, entre 1976 e 1984, 54% dos denunciados por homicidios, 74% dos denunciados por estupro e 47% dos denunciados por raubo. Dos condenados safdos da prisdo em 1982, apenas 12% haviam cumpri- do integralmente suas penas: 55% foram beneficiados pelo Sursis. Nesse mesmo perfodo, na Baixada Fluminense se acumularam 12.000 proces- sos de homicfdio que ocupariam promotores e julzes por 20 anos, caso as pessas colaborassem com eles, deixando de se matarem uma as outras em perfodo equivalente. Ou seja: 0 criminoso hediondo da Baixada sabe muito bem que sé acertaré suas contas com 0 carrasco (houvesse hoje a pena de morte) no préximo século, e a “polfcia mineira”’ vai continuar inspirando mais temor do que a lei. Mesmo porque os gastos pUblicos com o sistema de justiga di- minuiram, assim como as taxas de aprisionamento, entre 1981 e 1985, quando crescia a criminalidade no Rio de Janeiro e em Sao Paulo. A ce- rim6nia pirotécnica era mais importante do que medidas efetivas de combate ao crime e redugao do coeficiente de arbitrio da autoridade na produg&o de ordem. O governo federal convocava a nag3o para um “mutirao contra a violéncia” e- apesar de municiada de pesquisa empi- rica por ele mesmo encomendada ~ assistia passivamente a deterioracao Progressiva dos sistemas penitencidrios de Minas Gerais, do Rio de Ja- neiro e de Sao Paulo. As evidéncias quanto ao efeito de gastos ptiblicos com seguranga e da presenge da policia nas ruas sobre taxas de crimi- nalidade violenta apresentades por Edmundo Coelho sao descartadas, a © Alferes, Bolo Horlzonta, 9(30) 27-41 Juveat 1901 32 ‘Antonlo Lulz Palxto esquerda, porque nao questionariam praticas policiais, autoritaérias e, a direita, porque politicas incrementalistas de melhoria da seguranca nao competem em sex appeal com a pena de morte na sedugio do eleitor ansioso. Assim como a pena capital, 0 uso e trAfico de drogas constitui terreno minado de afetos contraditorios socialmente estruturados — nao 6 por acaso que se pede a inclusdo do traficante periculoso na lista de candidatos eo corredor da morte. O ‘‘modelo da justiga retributiva’’ nao se envolve na questéo da moralidade do téxico — a sociedade, alids, ja decidiu a controvérsia, apoiando sua criminalizagao. O uso e trafico de drogas 6 exemplo de ‘‘crime sem vitima” - grosseiramente, aqueles crimes que os envolvidos adoram cometer e que nunca serao, por eles, levados ao conhecimento da policia, mesmo frente a ‘banhos” dos traficantes ou a faléncia em roletas viciadas. Os cruzados morais discordam da definigao: drogas pesadas matam — por overdose ou privagdo temporéria dos sentidos — usuarios entusiasmados; deterioram suas redes de sociabilidade, incapacitando-os para a vida convencional e, assim, vitimizam a comunidade (inclusive quando se tornam meios motivacionais para o assalto, o estupro e o homicidio). Sera? A vitima do assaltante, ao contrario do usuario de téxico, nao pa- ga pera ser vitimizada e nao deriva prazer da relagao com o agressor, mas nao é esta a questao. As elites européias dos séculos XVI e XVII nao viam com bons olhos o consumo crescente do agicar, do alcool, do tabaco e do chocolate —- que pareciam a elas tao perigosos quanto a ma- conha, a cocaina e a heroina nos dias de hoje. A restricéo legal a escolhas morais funciona? Esta é a questao relevante, do ponto de vista da Idgica retributiva, e a andlise da ‘’Guer- ra a Maconha’, declarada pelo Presidente R. Reagan em 1982, permite, admiravelmente, responder aquela pergunta. O Partido Republicano capitalizou - através da adesao firme ao slogan '‘lei e ordem” — a ansiedade do eleitorado diante do evidente fra- casso das politicas sociais na reducado do crime nas ruas. Este vai ser enfrentado através de estratégias repressivas: mais recursos orgamenta- trios para a justiga criminal; mais severidade nas penas e menos toleraén- cia em relagao a comportamentos desviantes. O resultado de polfticas liberais irresponsdveis - ergumentavam os conservadores — foi a disse- minacg&o da droga pela sociedade: estimava-se que, em 1982, vinte mi- Ihées de americanos fumavam maconha e cinco milhGes se dedicavam a cocafna, pelo menos uma vez por més. O objetivo estratégico da ‘’Guerra 8 Maconha’ era a redugdo substancial desse mercado de consumo de massa do tdéxico como efeito da conjugagao de varias medidas: ampliagdo dos riscos a vendedores de droga (prisao, sentenciamento, apreensao de mercadorias, devassas fis- O Alferes, Bolo Horizonte, 2(30) 27-44 julisot 1891 33 Polfcla e Seguranga Pablica cais); estimulos a camponeses bolivianos, colombianos, turcos perua- nos e tailandeses no sentido de substituigdo de plantagdes; aumento crescente do prego ao consumidor das drogas, “‘elitizando’’ o mercado. Simplificando, a Guerra 8 Maconha” envolvia a manipulagao de riscos € pregos e, do ponto de vista da Idgica retributiva, seu diagnédstico es- tratégico era impecavel. Vamos ver como foi a implementagao da polftica. Em primeiro lugar, tratou-se de reprimir a importacdo de drogas, pelo fechamento da fronteira ao tréfico (eliminando, inclusive, a tolerancia informal aos pe- quenos traficantes). O FBI e o DEA (Departamento de Entorpecentes) e as organizagées policiais e judiciérias receberam, entre 1982 € 1986, cerca de um bilhao e duzentos milhGes de délares para realizar aquele objetivo (o que correspondia a um quarto do orgamento federal alocado ao setor justica). Nesse mesmo periodo, foram apreendidas por ano mais ou menos dois milhGes e quinhentos mil quilos de maconha (cor- respondentes a algo entre 10% e@ 30% da oferta total) e foram presos quatrocentos mil individuos por posse de maconha, incluindo af entre 60.000 € 70.000 traficantes. A magnitude desses nimeros torna-se evi- dente quando os comparamos com a populago prisional norte-america- na de 700,000 apenados: os traficantes detidos representavam cerca de 10% daquela populacao, e os usudrios, quase 60% dela. A puni¢do con- sequiente de uns e outros "estouraria’' o sistema penitenciério. Quais os resultados da Guerra & Maconha"? O objetivo de reo- rientar as politicas agricolas dos pafses produtores de téxicos nem de longe foi alcangado; a aco conjunta do DEA e do Departamento de Es- tado investiu, com poucos resultados praticos, quase 100 milhées de délares nésse esforco em 1985. O fracasso foi atribuido 4 escassez de recursos — mas, de qualquer forma, a “Guerra 4 Maconha’’ mobilizava instrumentos e recursos da politica externa norte-americana para resol- ver assunto interno, 0 que atingie direta ou indiretamente a soberania de estados-nagao como a Bolivia, a Colémbia ou o Panama. O fechamento da fronteira aparentemente foi bem-sucedido. Foi atingida a meta de confisco entre um terco e um quarto da oferta e en- t4o tratava-se de saber quanto da oferta retida afetava — no sentido de- sejado — 0 mercado distribuidor e consumidor (jA impactado pela am- pliagdo, através da repress4o legal, dos riscos correspondentes a0 uso ¢ tréfico). O que equivale a medir o efeito de riscos ampliados sobre o comportamento dos precos. Em 1980, a estrutura de pregos (por quilo) do mercado da maco- nha era, a grosso modo, a seguinte: nas fazendas colombianas, pagava- se algo entre 7 e 18 délares; o prego, para os exportadores, situava-se entre 90 e 180 dolares; para os importadores, oscilava entre 360 e 720 ddlares e, no varejo, entre 1.250 e 2.090 délares. O “fi mignon” do 3a Alleres, Belo Horlzonto, 9(80) 27-41 julset 1991 Antonio Lulz Palxao mercado situava-se no circuito da distribuigéo da droga no mercado in- terno - embora, 0 que ajude a explicar o fracasso das politicas de per- suaséo dos produtores no Terceiro Mundo, a maconha (ao contrario da cocaina e da heroina) paga bem aos exportadores e, de alguma forma, aos produtores: reportagem da Folha de Sao Paulo (10/06/91: 1-8) cita pesquisa do Capitao PM José Roberto Pereira de Carvalho que desco- briu que 1 hectare de maconha equivalia, em termos de renda bruta (a precos de julho/1990) a 64 hectares de banana; 146 de tomate; 171 de milho e 257 de feijio, se essas culturas fossem irrigadas, 0 que a maco- nha dispensa. O crescimento dos riscos provocou alta dos precos da maconha ao consumidor - algo em torno de 35% em 1984 - mas estabilizou-se por af. Embora elevados, os pregos da maconha nao sao muito diferentes dos pregos de bebidas alcodlicas e o mercado é, aparentemente, inelas- tico, dados os precos atuais. Surveys indicam sua estabilidade apesar das variag6es apontadas - @ a pequena diminuigao do numero de usud- trios registrada em pesquisas com estudantes se deve a mudangas ideo- I6gicas @ comportamentais (a “politica do corpo”) que estigmatizam o uso de drogas como pratica doentia e anti-estética. A intensificagao da repressdo ao trdfico (envolvendo amplo es- forgo interorganizacional de agéncias como CIA, FEI, DEA, Receita Fe- deral), e a elevagdo do prego expulsaram do mercado os pequenos & médios traficantes. O efeito mais importante da Guerra foi a oligopoli- zagéo dos mercados de importacio e distribuigéo da maconha. A enor- me quantidade de prisdes em nada afetou, em termos de custos econd- micos ou ilegais, a estrutura do crime organizado. Que nao foi afetada, tampouco, pelo fechamento da fronteira: era demasiado otimista a idéia de que a apreensao de 4.000 toneladas teria os efeitos desejados sobre um mercado dessa dimensdo. Mas a combinagao de pregos elevados e mercado estavel representou estimulo poderoso de substituigao de im- portagGes como estratégia empresarial de neutralizagaéo dos riscos: a engenharia genética possibilitou a produgdo interna de maconha (res- ponsdvel agora por mais de 11% do mercado) com teores mais elevados de THC (em relagéo ao produto natural). Um dos efeitos perversos da “Guerra” € 0 aumento em torno de 20% do THC consumido hoje pelos maconheiros norte-americanos. Qual o balango final da ‘Guerra 4 Maconha’'’? Ela combinou to- dos (ou quase todos) os elementos que a andlise de pollticas considera estratégicos para o sucesso de programes: apoio ptblico, vontade poll- tica, mobilizagao de denso network de burocracias em dominios conexos de polfcias, lugar privilegiado na agenda do Presidente, recursos abun- dantes e diagndéstico adequado, foram gastos um bilhdo e duzentos mi- Ihdées de délares. Para qué? Em nada se alterou o mercado consumi- 0 Alleres, Beto Horlzonto, 8(80) 27-41 julset 1991 36 Polfcia 0 Seguranca Pabiica dor de vinte milh6es de pessoas que gastam anualmente entre vinte e trinta e cinco bilhdes de délares com drogas. O fechamento da fronteira simplesmente ampliou - pelo aumento dos pregos internos — o lucro do crime organizado, estimado em torno de 14 bilhdes de dédlares. Em outras palavras, a ‘Guerra 4 Maconha’’ produziu efeito con- trério ao objetivo — tecnicamente correto — que perseguia: o fechamento da fronteira, ao contrério de impor riscos crescentes a agao dos trafi- cantes, significou mecenismo protecionista: 8 sombra do governo, em- presérios “‘nacionais’, estimulados por altos pregos e tecnologias pro- dutivas de ponta, concentraram o controle do mercado em poucas fir- mas, ampliaram fantasticamente seus lucros e os custos sociais da dro- ga. A Guerra 4 Maconha” foi gigantesca e perversa politica publica de reserva de mercado. O que fazer? A pesquisa de Peter Reuter e Mark Kleiman, que resumi nesta segao, aconselha estratégia bastante conhecida nesses tempos neoliberais: desregular o mercado dos téxicos, j4 que os meca- nismos convencionais de intervengao do Estado em mercados crimino- sos (ampliagéo pela repressao, dos custos e riscos envolvidos no enga- jamento individual no crime) ali funcionam perversamente. A descrimi- nalizagao do uso e trafico de téxicos “devolve” aos mecanismos priva- dos e ptiblicos de regulagio de mercados (fim do pretecionismo, livre concorréncia, taxagao, contratos de trabalho, direitos do consumidor) a resolugao “'‘é6tima’’ do problema das drogas. Da mesma forma que 0 au- to-interesse do leiteiro e do padeiro produz nosso café-da-manha, o vi- cio privado de usuarios e traficantes de téxicos pode produzir bens co- letivos ~ maior ateng’o da polfcia ¢ do judicidrio aos “crimes com viti- mas”, diminuigaéo de gastos publicos com politicas inuteis e financimen- to, através da tributagao pesada, de programas sociais. N&o se deve, como procurei argumentar através da andlise das polfticas de pena de morte e repressio as drogas, reduzir o “modelo da justiga retributiva” a festival punitivo de indignados e reaciondrios. O modelo, pragmaticamente, quer saber que mecanismos funcionam na reducéo de taxas criminais. Mais policia e tribunais dgeis afetam o “cri- me nas ruas"; mais severidade legal ajudaria, acredita-se, a colocar ris- cos na agao, tristemente desinibida entre nds, de corruptores, corrup- tos, traficantes de influéncia e outros usuarios de recursos publicos pa- ra fins privados. O cientista social brasileiro pode contribuir substanti- vamente para a clarificagao de politicas de seguranga através da andlise emptrica do efeito da policia e da justiga sobre a sociedade — € 0 traba- Iho rigoroso de P. Reuter e M. Kleiman indica tanto um exemplo quanto © pouco que sabemos sobre o crime e a repressao no Brasil. A eficiéncia do trabalho policial de combate ao crime depende, em grande parte, da confienga de vitimas e testemunhas na instituigao. 36 O Aileres, Beto Horizonte, (90) 27-41 julset 1991 AntOnto Lulz Palxto Muito pouco a polfcia pode fazer se nado chegam a ela queixas e regis- tros de ocorréncias criminais, e se vitimas e testemunhas nao se dis- péem 2 cooperar com a investigagao policial. Isto quer dizer que o efei- to da policia sobre a sociedade nao se separa das expectativas coletivas em relagao ao trabalho policial como referéncia para a avaliagao de seu desempenho. E bastante comum, nao apenas entre policiais, a constata- ¢80 de divércio entre o povo e a pollcia no Brasil, com efeitos desastro- sos sobre a eficiéncia do controle policial do crime. A pesquisa do IBGE sobre vitimizagao criminal permite clarificar essa dimens&o das relagdes entre sociedade e policia no Brasil. 1 - Mais de dois tergos das vitimas de roubo, furto e agressdes fisicas nao recorreram a pollcia; 2 - Néo se deve inferir desse volume elevado de recusa a acio- nar a policia desconfianga em relago ao trabalho policial — mais de 60% das vitimas daqueles crimes invocam raz6es ‘‘extra-policiais”’ para nao chamar a policia (dano insignificante, resolugdes privadas, falta de pro- vas, etc); 3 - A descrenga na policia motivou 28% das vitimas de furto e roubo que n&o acionaram a policia e 14% das vitimas de agressao. Es- tas, mais do que aquelas (20% e 9%, respectivamente), néo querem en- volver a policia em seus negécios privados. Em geral, pesquisas de vitimizagao em diferentes paises chegam a resultados semelhantes aos revelados pelo IBGE - e diferengas meto- dolégicas nao aconselham avangar na comparagado do caso brasileiro com outros casos. Antes de afirmarmos o divércio entre sociedade e policia e explicd-lo ora pela incompreenséo coletiva do papel ca polfcia, ora pela reagao as violagées policiais dos direitos humanos, 6 necessé- rio conhecer melhor as crengas e cognigdes do segmento que cesacredi- ta na policia. A sociedade elabora concepgées sobre o crime, 0 criminoso e te- rapias de controle social. Prdticas policiais condenadas pelos defenso- res dos direitos humanos podem corresponder a expectativas populares de combate adequado ao crime. Esta é a resposta “tipica” de policiais norte-americanos as acusag6es publicas de uso de brutalidade e arbitrio em seu trabalho. E evidente que a popularidade de uma pratica nao a torna moralmente justificavel - mas interpretagées ambienteis de obje- tivos e meios eficientes de pollticas de controle social afetam em alguma medida a realidede organizacional da polfcia. A produgdo de ordem através de meios extra-legais, nessa perspectiva, deixa de ser perversao individual ou organizacional e se configura como resultado do esforgo institucional de adaptacao — através da consisténcia cognitiva em rela- G40 ao ambiente social. Em estratégia inteligente de descricéo do mapa cognitivo da OAlieres, Bolo Horizonte, 9(90) 27-41 juvset 1991 a Polfcia © Seguranga Pabiica seguranga dos individuos 6 a andlise dos “chamados de 190’, desenvol- vida pelo Major Lucio Emflio do Espirito Santo em trabalho recente. Ha muito pouca referéncia, nesses chamados, a categories e regras legais. “Casos de policia” sdo os eventos que, do ponto de vista do individuo, escapam da normalidade rotineira da vida cotidiana: confusées, malfei- tos, barulho excessivo, bate-bocas, brigas, prejuizos. Nao se fala em crime, contravengao nem em direitos e obrigagées - conta-se uma histé- tia de vitimas e vilées e espera-se do poder da policia a reparagao do dano percebido. O “caso de policia’” & a ruptura real ou potencial da ordem moral pelas atividades de estranhos e outros agentes tipificados como carentes de controles “naturais’’. O combate ao crime (a ruptura da ordem legal) é parte de missio mais abrangente que o membro da sociedade atribuiu ao trabalho policial - e, em qualquer lugar do mun- do, a policia age em conformidade a esse domfnio ampliado, como “ser- vigo social secreto” ¢ garantia da ‘‘paz publica’. Mas o mapa cognitivo das pessoas é afetado por suas avaliages € cogni¢des do fato criminoso. E possivel argumentar que o problema publico do crime nao 6 tanto o comportamento das taxas criminais mas © medo do crime, que pode ser maior entre grupos e categorias sociais menos vitimizadas diretamente por ele. O medo do crime se associa a0 grau de saliéncia da inseguranga na ordenagao, pelos individuos, dos problemas que atormentam a comunidade e tende a se expressar em demandas de polfticas mais punitivas de seguranga publica. Os socidlo- gos Affonso Pereira e Luciano de Oliveira descobriram que os pobres de Recife apoiam batidas policiais nas favelas onde moram (75%); sdo favoraveis a eliminagao de bandidos pela policia (60%); a linchamentos (58%) e a tortura (54%). Esta pesquisa revela niveis elevados de apoio a meios extra-legais de combate ao crime em todos os grupos de renda — mas a preferéncia autoritaéria € mais acentuada nas classes populares. Os chamados de 190 e as atitudes dos pobres de Recife permi- tem avango analitico considerdvel na clarificagao do problema das poli- ticas de seguranga publica como recurso de institucionalizacdo dos di- reitos humanos no Brasil: 1 - estes séo ameacados por concepgées populares de ordem que identificam em estranhos, drogados, jovens e outros “tipos que nao sao gente como a gente”’ os objetos de controle policial: 0 absolutismo moral conspira contra os direitos humanos de membros individuais de grupos minoritarios de excéntricos, adolescentes, prostitutas, etc, etc. que devem ser, entretanto, protegidos da “tirania das maiorias’”’, inclu- sive, pela polfcia; 2 - a garantia institucional dos direitos humanos 6 precéria quando — ao contrario da sabedoria convencional que assume como fato a crenga de que a policia se situa ideologicamente a direita da sociedade 38 O Alteres, Belo Horizonte, 9(30) 27-41 Julsot 1931 Antonio Lulz Palxso esta apoia fortemente praticas policiais desviantes das regras de con- trole sociais-democraticos. A sociedade pode “‘deseducar” a polfcia através de pedagogias diversas — exigindo dos policiais a ‘’suspensao” dos direitos humanos na restauragao da ordem publica; privando a policia dos recursos ade- quados a desempenho eficiente na redugao das taxas criminais (incluin- do salérios simétricos as responsabilidades e riscos préprios do traba- Iho policial); condicionando esse trabalho aos interesses particularistas dos donos de poder social e politico. A garantia dos direitos humanos entre nés depende, também, de alteragGes nesses processos. Gostemos ou desgostemos delas, instituigdes — como a universi- dade e a policia - sao espelhos da sociedade. Os bobbies j4 foram co- nhecidos como “‘gafanhotos azuis’' quando a polfcia penetrou, pela pri- meire vez, na periferia social inglesa. A imigracéo de jamaicanos, ugan- denses, indianos e paquistaneses — assim como 0 protesto terrorista dos catélicos irlandeses e a violéncia sem causa de jovens radicais e margi- nalizados pela recessdo — rompeu 0 consenso cultural em torno do res- peito reverente a lei e ao governo como garantia dos direitos de “free- born englishman” que o bobby desarmado simbolizava. Hoje, 0 bobby de arma na mao deve se defender de acusagdes politicas de preconceito e violacdo dos direitos humanos de grupos minoritdrios. Instituigdes afetam a sociedade. O primeiro bobby, Sir Robert Peel, acreditava que o papel principal da policia era educar a sociedade. A missao da policia era levar as classes populares os valores civilizados da elite: nada de brigas, nada de violéncia, cobiga, vadiagem e bebedei- ra. A policia deveria complementar, no espaco piiblico da rua, 0 esforgo de escolas, igrejas e fabricas em ‘‘colocar a casa do pobre em ordem”’. O sucesso da polfcia na contencao da violéncia criminosa que devastava as comunidades operarias inglesas no inicio do século XIX venceu resis- téncias e facilitou a construgao de lacos sdlidos de confianga entre o ci. daddo e o bobby - que, mais do que a forga, faziam o crime nao compen- sar. O bobby desarmado ensinava aos mais recalcitrantes que a ordem social se apoiava na confianga reciproca entre Estado e cidadaos e nao no poder coercitivo das armas de fogo. A elite polftica inglesa demorou muito a criar a primeira polfcia moderna —- burocratica, impessoal, obediente a lei e nado aos danos de poder - porque temia o modelo francés (e portugués) da policia secreta vigiando a sociedade no sentido de reprimir ameacas subversivas ao poder politico. A conseqtiéncia mais evidente e duradoura da policia centralizada como instrumento do Estado contra a sociedade € a des- confianga reciproca entre policiais ¢ cidadéos — que observamos, ainda que em graus variaveis, na Franca, na Espanha, em Portugal e no Brasil. Por isso, uma das preocupagées importantes da transigao democratica OAlieres, Belo Horizonte, 9(30) 27-44 julsat 1991 39

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