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JUNTOS EM TERAPIA. TERAPIA DE FAMILIA COMO DIALOGO PETER ROBER bo titulo: ublicada sol dialogue mente PI ly therapy asa Obra original ther: famil In therapy (08 ishers Limited, 2017 palgrave/Macmillan Publi Reservados todos 0 direitos de publicagdo em lingua portuguesa & Editora Noos - Instituto de Pesquisas Sistémicas e Desenvolvimento de Redes Sociais 4 ser reproduzida ou transmitida ivro poder fotograficos, Nenhuma parte deste li sejam quais forem os meios: eletrénicos, mecdnicos, quaisquer outros. gravagao ou sami Saneshigue 40 do origi Helena Maffei Cruz cy traducio e preparag nal: Leonora Corsini Supervisio editorial: Revisio: Ligia Alves Composigio e arte: Yumi Saneshigue temacionais de Catalogagzo na PublicagSo ct") Dados Int Brasileira do Livro, sP, Brasil) (Cimara Rober, Peter uraoe em terapia : trap de familia como didogo 1 pete Rober traducio Leonora Corsini. ed. ~ So Paulo: Instituto Noos, 2022. together: family therapy asa Titulo original: In therap dialogue ISBN 978-65-991245-1-8 fa familiar 2. Terapia familiar 3. Terapia de 1, Psicoterapi lo, Indices para catdlogo sistem 1. Terapia familiar : Psicologi Aline Graziele Benitez — Bibliotecdria — crb-1/3129 peter Raber 20 Creare adgio em portal dela Therap) Tepe primer dif, sb cena da editors Bloomsbary Publishing Ine. Editora Nos Rua Fradique Coutinho, 1965, Vila Madalena, Sio Paulo, SP CEP 05416-012 2 O ENCONTRO £ muito comum que terapeutas de familia, quando escrevem a respeito da primeira sessao de terapia, enfatizem a importancia de motivar os membros da familia a aceitarem a terapia (cf., por exemplo, Sexton & Alexander, 2005), reunir informacao suficiente para entender o funcionamento da familia (Keitner, Heru & Glick, 2010), para poderem formular hipéteses (Nichols, 2011) ou construir uma alianga terapéutica (Nichols, 2011), Mesmo que esses sejam objetivos importantes numa primeira sessao de terapia familiar, neste capitulo eu descrevo a primeira sesso como um encontro com a familia. Aponto, além disso, alguns desafios que se colocam para os terapeutas quando encontram uma familia pela primeira vez. Irei descrever, na forma de um protocolo passo a passo, como eu geralmente lido com esses desafios quando me encontro com a familia para a primeira sessio. A espinha dorsal do capitulo serd o estudo detalhado da primeira sessio de terapia com a familia Cox, A primeira sessao de terapia familiar: um protocolo Ao longo dos anos desenvolvi um método de trabalho com familias no Ambito de uum servico clinico de terapia de familia e casal que faz parte de um grande hospital universitario. Nao tenho a pretensio de que esta abordagem seja aplicavel univer- salmente. E uma abordagem que tem se mostrado util para mim, para as familias comas quais trabalho e no contexto especifico no qual eu trabalho. Meu argumento aqui é que tal abordagem tem validade na medida em que contempla, de forma cuidadosa e sistemética, alguns dos desafios que terapeutas de familia costumam encontrar numa primeira sessio. Eu coordeno a equipe de atendimento em terapia de familia e casal na UPC KU Leuven: departamento de psiquiatria do hospital universitirio da Universidade de Leuven, Bélgica, Em varios aspectos, atuamos num servico “fim da linha’, ou seja, embora recebamos alguns referenciamentos locals, em geral familias de toda a Flandres so encaminhadas a0 o™~\ 2 yuNos A TERAPLA. TERAPIA DR FAMILIA COMO DIALOGO 2 Jul servico depois de terem passado por outros tipos i" aes OUITAS terapiag forma nio foram satisfatorias e entao ~ movidas mal t i * SPEFO do que py essas pessoas chegam até nbs. Resurnidamente, s far ey ave fecebemos Costu com problemas familiares crdnicos (tais como doencas cronicas, esquizofrenia, Atsmg, ldap multas vezes agravados por eventos da vida como perdas, trauma etc, cy Essas falas s50 encaminhadas parands para serem atendidas em terapig familia, io fazerns teapia individual. Da mesma forma, nbs no fazemos avalacbes oy diag, ree Apenasfazemos etapa familar, nada além csso. Quando uma fara chega com amr Pas de diagnéstico de um filho, por exemplo, possivelmente Com autismo, nés *Ploramos preocupacdes que eles possam estar tendo para depois encaminhar para uma eQUipe as Calzada emtranstomosdo desenvohimento Se um clentetelefonae pede terapia ing encarinharnos para um colega de out departamentoespeciaizado em terapi ing Fazer apenas terapla familiar e nada mais nos coloca em uma posi¢So conforng al ® algu or otacsr® a fortvel a, cexemplo, fazer dlagndsticos nao € nossa responsabilidade, e, quando uma fami tendo um diagndstico para uma crianca,tratamos 0 diagnéstico como um dos ele historia da familia. '2 jd chegy Mentos dy Minha abordagem para a primeira sessio de terapia de familia geralmente segue seis passos: |. Recebo informalmente a familia Me apresento Convido cada membro da familia a se apresentar Discutimos as diividas e hesitagdes sobre comegar a terapia Discutimos as preocupagdes ¢ as razdes para acreditar que a terapia pode ser Util para a familia 6. Encerramos a sessio PReEpe Vou agora apresentar 0 protocolo em mais detalhe, tendo como pano de fundo ahistéria da primeira sesséo com a familia Cox.! Relato de caso: a familia Cox 1 A familia Cox havia sido indicada por um policial envolvido com o pro- grama “Familias Enlutadas pelo Suicidio” da policia local. O pai havia ste relato de caso, assim como todos 05 que serdo apresentados no livo, estd baseado em fatos ve fealmente aconteceram, Porém, multos detalhes foram alterados para gatantir 0 anonimato dos cietes © 2 confidenciaidade das nformagées. Os casos sBo apresentados apenas com 0 propdsto de eslece! € llustrar alguma ideia ou aspecto do proceso. E, como acontece quando contamos hist6vias,escolnas 'enportantes foram lites, de forma que algumas cosas foram contadas e outta foram omits. OENCONTRO 23 cometido suicidio um ano antes. A mae e suas duas criangas (Mick, de 9 anos ¢ Amelie, de 12) acompanharam o programa oferecido pelo servi¢o. Naquele momento, apés um ano do episédio da morte do pai, a familia foi encaminhada para terapia familiar. Quando fui recebé-los na sala de espera encontrei-os sentados em siléncio. A mde parecia perdida em seus pensamentos. Amelie folheava distrafda uma revista. E Mick brincava quieto com dois dinossauros de borracha que ele havia trazido. Cumprimentei a mae com um aperto de mao e me apresentei. Em seguida, cumprimentei Amelie, mas, quando fui cumprimentar Mick, ele ndo me estendeu a mao. Ao invés disso, segurou os dois dinossauros e os manteve olhando para mim frontalmente, de forma ameacadora. “Grrr’, ele disse. “Uau, eles parecem perigosos”, eu respondi. “E melhor eu tomar cuidado com eles, nao?” “Grrr” Desta vez soou mais forte, mais ameagador. Ele parecia ter ganho confianga. “Que bom que voce trouxe seus dois amigos. Eles podem proteger vocés para que nada de ruim acontega”, eu disse. “Grrr” “Seja educado e aperte as mos do terapeuta Mick”, disse a mae. Mick segurou os dois dinossauros na mao esquerda e estendeu sua mao direita para mim. “Old Mick”, eu disse, sacudindo sua mao. Em seguida, entramos no consultério. O primeiro encontro com a familia Quando o terapeuta recebe a familia na sala de espera (o primeiro passo do pro- tocolo), ele/ela costuma ja ter algum tipo de sensagao antecipatéria do que ira encontrar. E bem provavel que a familia que o/a terapeuta vai encontrar nio esteja se sentindo relaxada e confortavel. Muito pelo contrdrio, essas pessoas devem estar dealguma maneira nervosas e alertas e muito provavelmente, enquanto esperam, cada membro da familia tenta encontrar o seu proprio jeito de se distrair e relaxar. Quando encontro na sala de espera as pessoas que me aguardam, sigo as regras sociais bésicas: me apresento com um sorriso e aperto as mios de cada membro da familia presente. Ao fazer isto, geralmente ja me deparo com algo que é tinico ou singular na familia, Frequentemente algo jé se torna vistvel, algo surpreendente ou que s6 acontece naquele momento ¢ pode nao se repetir da mesma forma depois. No caso do encontro com a familia Cox, por exemplo, a maneira como Mick se apresentou foi especial: inicialmente ele se recusou a estender a mao para me cumprimentar e preferiu me mostrar pes oc dina sauros ameagadores. Na hora percebi que aquele momento havia sido especial: _ o menino se apresentou a mim do seu préprio jeito e ey fui convi, algo que nao havia sido planejado antes, algo que escapava aos Protocge® af, conhecidos. Senti aquele momento como um convite para NOS apy, 08 50, : de uma maneira espontinea e lidica. Como terapeuta, Poderia ter: mae ficar mais distanciado ¢ apenas registrar mentalmente 0 que havia, Sscolhigs observar porque isso poderia ser util para desenvolver hipéteses Postent#do ia Talvez fosse uma atitude que pareceria mais profissional ou segura Namen aproveiteia oportunidade para conhecer o menino no seu mundo, da for, ant, ele o apresentou a mim. ™ come Quando Mick estendeu seus bracos com os dinossauros de brinqueg, dos para mim, sem pensar muito, aceitei o convite para mergulhar a co Ponta, Naquele momento os dinossauros deixaram de ser meros bringuedg, dente, para se transformar em terriveis e ameacadores monstros: “Uau, eles Dare last rigosos’.“E melhor eu tomar cuidado com eles, ndo?”. Nao tive tem wed antes de dizer esas palavas, las salam espontaneamente da rng oi Pei me dei conta do que havia dito no momento em que escutei as minh e235 palavras, No entanto, aquelas palavras no foram totalmente aleatriag inte tamente, hé um conhecimento que precede a minha agio (Schdn, 1983), ei uma espécie de razio intuitiva por tds daquelas palaveas que, olhandy Pectivamente,posso desvendareexplicar. Aquelaspalaras foram uma lédica de ser responsivo & maneira como Mick se apresentou a mim. As invésde recusar o seu convitepara conhect-o em seu mundo de az decontadedinn ros ameacadores, preferi aceitar 0 convite e correr o risco de me aventurarem um territ6rio ainda desconhecido. Nao apenas aceitei sua proposta de considerar 05 brinquedos monstros perigosos, mas imediatamente tespondi dando a entender que levava a sério aqueles terriveis animais e encontrei um significado relacional para eles ali naquele momento: sugeria Mick que os dinossauros estavam ali para Proteger a ele ea sua familia; e que eu, enquanto terapeuta, deveria procurar ter cuidado, senao eles iriam me pegar. Minha resposta foi consistente com a ideia de que, ao iniciar um processo terapéutico, a familia se sente ansiosa e insegura, Por nao saber o que vai acontecer nesse primeiro encontro. Poderia dizer que na minha resposta, ao considerar os dinossauros dé Mick, eu também incluf uma espécie de avaliacéo minha: a de que Mick sentia-se ansioso e buscava protecao Nos dinossauros. De fato, essa era uma avaliacdo implicita, mas preferi nio aex Plicitar, pois isso poderia me colocar numa posigao de distancia profissional. Ao invés disso, no momento em que encontrei Mick, preferi me aproximar dele, ficar tao proximo quanto pudesse ser confortavel para ele. Sem muito pensar, pude = conectar com Mick e deixei para mais tarde qualquer tipo de reflexao ou hipéte sobre a dinamica de funcionamento do menino e sua familia. eee Até aqui descrevi meu encontro com Mick da forma como se deu Se ia €u, mas, como terapeuta, podia sentir também todos os outros olhares aaa Para mim. Entendi que foi uma oportunidade de me apresentar alee ‘nao apenas para Mick, mas para as outras pessoas presentes, sua mae es 24. JUNTOS BM TERAPIA. THRAPIA DE FAMILIA COMO DIALOGO ci entar, oe ee OENCONTRO 25 Percebi que a forma como me conectei com o menino valia também para Mae € para Amelie em seu primeiro encontro comigo. Pude notar que, enquanto con- versévamos sobre os dinossauros, Amelie e sua mae nos observavam atentamente; foi como um teste para aquele terapeuta desconhecido: como serd que ele vai lidar com isto? Quando eu respondi “Uau, eles parecem perigosos”. “E melhor eu tomar cuidado com eles’, pretendi que minhas palavras pudessem ser tao reconfortantes para elas quanto foram para Mick. Relato de caso: a familia Cox 2 Ao entrar no consultério, Mick escolheu imediatamente uma cadeira préxima aos brinquedos. No infcio Amelie ficou parada esperando para ver onde a mde iria sentar, daf escolheu uma cadeira ao lado da dela. Finalmente, a mde se sentou no meio, tendo Mick @ sua direita e Amelie 4 esquerda. Eu escolhi uma poltrona em frente a mae, de forma a estar & mesma distancia de todos os membros da familia. Dei as boas vindas e me apresentei: “Eu sou Peter, sou um terapeuta de familia”. Ao dizer essas palavras, olhava para cada um deles. Entao olhei para Mick e disse: “Algumas criancas jd me disseram que as palavras te- rapeuta de familia sao um pouco dificeis de entender. Entao, deixem-me explicar o que um terapeuta de familia faz. Terapeuta de familia é alguém que conversa com as familias quando alguém na familia esta preocupado com alguma coisa.” Fiz uma pequena pausa, e continuei: “Entdo, se vocés vieram até aqui hoje, eu posso pensar que pelo menos algum de vocés estdé preocupado ou preocupada com algo que se passa na familia.” Neste momento, as duas criangas olharam para a mde. Isto confirmou as minhas expectativas. Geralmente os pais sao as pessoas mais preocupadas e que tomam a iniciativa de procurar a terapia. Econtinuei: “Hoje, com certeza vamos conversar sobre essas preocupagoes, mas antes gostaria de conhecer vocés um pouco melhor.” Apresentando-me a familia Apresentar-se como terapeuta a familia (passo 2 do protocolo) nao ¢ algo autoevi- dente e suscita uma série de questdes. Como se apresentar a uma familia? O que dizer? Como explicar o que um/a terapeuta de familia faz? Uma explicacao que seja, 40 mesmo tempo, concisa e compreensivel por todas as pessoas da familia presentes. Eu particularmente procuro uma forma de me apresentar que as criangas pequenas possam compreender. A forma como me apresentei a familia Cox & forma como preferencialmente fago isso, Este protocolo de apresenta¢ao tem alguns aspectos especificos: os 26 © JUNTOS BM TERAPIA. TERAPIA DE FAMILIA COMO DIALOGO + Primeiro eu me apresento, para depois pedir as pessoas da familia WUe se apresentem; | ; « Gosto de usar meu primeiro nome em vez do sobrenome ou do tit minha intencdo é me apresentar como uma Pessoa; ' «+ Dou uma pequena explicacao sobre o que é “terapia de familia”, Ao dar essa explicagéo, escolho cuidadosamente as Palavras, Nao incluo, Por exemplo, termos como “diagnéstico’ 2, Sintomas’, “tratamento”. Nag digg que “tem algo dando errado” ou que “alguma coisa precisa mudar”. Evit deliberadamente dizer coisas assim. Prefiro dizer que “tem alguém a se preocupa” € deixo em aberto a questio se existe realmente algo com que se preocupar. E faco assim porque aprendi com a experiéncia que, em geral, nao ha unanimidade entre os membros de uma familia sobre o que estd acontecendo. £ comum ter uma pessoa da familia (as vezes duas oy trés) que se preocupa e outras que parecem estar mais tranquilas. Se ey comegasse uma sessdo supondo que existe algum problema na familia, estaria, mesmo que nao intencionalmente, me conectando Primeiro com a pessoa mais preocupada com o que esté se passando na familia, e quere evitar isso. Ao contrario, procuro ir fazendo conexdes com todos os mem- bros da familia, nao apenas com um ou dois; + Existe uma outra razdo para eu evitar as palavras “problema” e “diagnéstico”, especialmente no infcio de uma terapia de familia. Ao se apresentar come alguém que trabalha com pessoas que tém um “problema”, vocé pode criar expectativas de que poderd solucionar aquele problema, ou mesmo sugerir quea terapia serve para solucionar problemas. Esta é uma expectativa e tan- to, e fico desconfortavel quando uma familia comeg¢a com expectativas tio grandes. As familias que nos procuram geralmente estdo vivenciando dor ¢ sofrimento, e provavelmente muitas diferentes solugées jé foram experi- mentadas e nao funcionaram. Quem sou eu para prometer uma solugao para essas familias quando outros terapeutas antes de mim nao conseguiram? Claro que, como terapeuta, espero que a familia encontre uma solugdo para os seus problemas e espero genuinamente que eu possa ser util no processo de encontrar tal solugao, Mas sinto-me mais confortavel quando nao sugiro ou reforgo expectativas com relagdo ao meu papel como terapeuta e nem de que a terapia va resolver os problemas. Ao me apresentar como alguém que “conversa com as familias em que alguém est preocupado com alguma coisa”, nao estabeleco uma meta inatingivel: comprometo-me a conversar sobre 0 que esta preocupando, e esta é uma Promessa que eu posso manter © cumprir, nao decepcionando ou frustrando expectativas. £ comum que a Proposta de iniciar com esse tipo de conversa traga alivio para as full © que poderd ser de grande ajuda ao lidar com suas preocupacées. Mas im & al80 que os membros da familia fazem juntos, mais ou menos como um subproduto do trabalho terapéutico; nao 6 algo que eu prometo que vai 2 tecer ou que sugiro que se pode conseguir através da terapia. lo, Porque a ouncontro 27 Na minha vis30, 05 motivos que levam as familias a procurarem a terapla esto mals bem con- templados nas palavras ‘preocupacdes" e “apreensdes” do que em termos como “problema” ou “transtomo". Explicarel este ponto mais detalhadamente no capitulo 4 deste livro. Na verdade, a0 escolher as palavras ‘preocupacées’, ‘apreensées’, torno expliclto que este livio foi escrito estritamente a partir da perspectiva de um terapeuta de familia,e nao do ponto de vista de um psiqulatra, um assistente soclal, um pediatra, um médico etc. Oterapeuta ocupa ums posico muito especial no cendrio do culdado em satide mental. Ele/ela vai procurar focar ao maximo as preocupacdes dos clientes, tentando com Isso ser Util na sua busca de alivio para as suas dores, Falando de modo bem preciso, oterapeuta.evita um lugar de controle social, e seu compromisso maior é com seus clientes, ndo com a sociedade como um todo, com planos de satide, e assim por diante. Essa posi¢o particular permite que o terapeuta no tenha o diagndstico como foco do seu trabalho, mas, em vez disso, possa se concentrar no pedido de ajuda e nas preocupagdes dos membros da familia. Quero deixar claro que no pretendo dizer com isso que os diagnésticos nao sejam importantes; em algumas situagdes e contextos eles s20 indispenséveis. Estou falando muito especificamente a partir da posicdo de terapeuta de famtia que adota uma perspectiva de que & melhor que 0s diagnésticos psiquidtricos ndo sejam 0 ponto de partida do processo terapéu- tico com uma familia, a ndo ser que esses diagnésticos facam parte da hist6ria dos clientes. Convidando os membros da familia a se apresentarem Depois de me apresentar, convido os membros da familia a se apresentarem também (passo 3 do protocolo). Mas eu s6 faco isso apés ter assegurado a eles que escutarei \s suas preocupacdes em outro momento da sesso, apés eles terem se apresentado: ‘Hoje ainda vamos conversar sobre as preocupagoes de vocés, mas antes eu gostaria de conhecer um pouco mais de cada um, aquilo que nao tem a ver com as preocupagées. Contem para mim, quem sao vocés?” Este convite € para que os membros da fam{- lia possam contar histérias sobre si mesmo: ualquer hist6ria, sé que tento adiar dessa forma 0 que Michael White denominou “histdrias saturadas pelo problema” (White & Epston, 1990). Relato de caso: a familia Cox 3 “Hoje certamente vamos conversar sobre algumas dessas preocupasdes, mas antes gostaria de conhecer um pouco mais de cada um. Quem quer comegar?” Eles se entreolham sorrindo hesitantes e sinalizando para que os outros sejam os primeiros a falar. Finalmente Amelie toma a iniciativa: “Eu me chamo Amelie, tenho 12 anos UNTOS BM TERAPIA. TERAPIA DB FAMILIA COMO DIALOGO 2 OK efarei 13 daqui a quatro meses. aa latim no Segundy mm ensino médio e...o que mais poderia dizer? Ela olha para a mae ao fazer essa pergunta, mas enten, estava provavelmente dirigida a ea rae ; “Voce pode dizer o que quiser’, eu falei. “Qualquer coisa ue ai tante que eu saiba antes de comegarmos a Salar Sobre sei... Pode falar sobre seus hobbies, seus amigos.., qualquer coisa que seja importante para voce. “Bom, eu fago um curso de artes e gosto muito de de: Na acho que é a coisa mais importante que eu Sago, além de ir Para ae claro. Quando estou em casa, estou sempre rabiscando.” Amelie olhanoya’ mente para a mde como que buscando algum tipo de con; irmaca, va. “Sim’, diz a mae, “desenhar é muito importante Para ela. Ela é realme, muito boa nisso,” Ao ouvir a mde, Amelie sorri, nite “Bla faz desenhos engracados”, diz Mick. “Ah, sim, ds vezes desenho caricaturas dos colegas e dos Professores Ody 40 quea ere une fa iy _Preocupacses. Por. animais de €stimgca® 0, senhar, isto ndo é tao importante. A maioria dos meus desenhos ésérig” Mas “Desenhos sérios?”, eu pergunto. Estava bem satisfeito com a forma como a conversa ia evoluindo até entao, Cada um tinka dito alguma coisa e parecia que jé havi . nervosismo inicial. iam superado Teve um momento de siléncio e como entender aquele siléncio, Entiio eu disse: “Quem sabe voi Proxima vez, Amelie? Eu gosta “OK”, ela disse. “OK, obrigado Amelie.” Neste momento, olhei ara Mick e depois para a mde ¢ perguntei: “Quem quer seguir agora?” “Eu, eu..." respondeu Mick, animado. Ele tinha o brago levantado com o indicador apontando para o ar. Nesse Mee 2s dinossauros estavam sobre a mesa sua frente. “Mick, OK, entao me conte...” Ele hesitou por um instante, olhou Para sua mae e disse: “Eu sou Mick, tenho 9anos. Hum... estou na quarta série, E meu hobby é futebol.” “Legal’, eu disse. “Me conta sobre 0 futebol. Onde voce joga? Em qual po- sigao?” “Eu jogo no [time local] e sou artilheiro.” “Ih eiro?” “Artilheiro? Entao seu trabalho 6 marcar gols? E vocé é um bom artilheiro? Joi um tanto desconfortavel. Eu nao sabia mas deixei rolar por um instante, cé pode trazer alguns dos seus desenhos da ria de ver o que vocé faz.” gt Ne onncontro 29 “Sim, eu sow, ndo é mae? Eu faco um monte de gols..” A mae confirma: “Sim, voce faz muitos gols ¢ o treinador estd bem satisfeito com voce,” Mais uma vez seguiu-se um siléncio incémodo, Nao muito longo, mas 0 suficiente para eu notar. Fiquei me perguntando se teria alguma coisa a ver com o pai. Pude me lembrar naquele momento do quanto eu me envolvia com 0 futebol do meu filho quando tinha a mesma idade de Mick. Sempre o levava nos treinos, ficava na torcida durante as partidas, ajudava a cal- ar as chuteiras... Coisas assim. Fiquei pensando, serd que o pai de Mick também chegou a fazer essas coisas? Mas ainda estava cedo para perguntar sobre isso. Estévamos nos conhecendo, e eu tinha sugerido adiar um pouco a conversa sobre as preocupagées, nao parecia ser 0 melhor momento para puxar o assunto da auséncia do pai, “Fazer muitos gols é fantastico”, eu disse, procurando me reconectar com Mick. “Sim, é muito divertido”, completou Mick. “Otimo, obrigado Mick. Quem segue?” “A mamade!”, disse Mick. “A mamée’, repeti. A mde sorriu para Mick e disse: “Bom, meu nome é Daisy. Sou a mae de Amelie e Mick. Sou professora em tempo integral na escola secundaria. Eu dou aula de histéria. Quanto a hobbies, ndo tem me sobrado muito tempo. Tenho bons amigos e ds vezes saio com eles, De vez em quando vou correr, mas nao tao frequentemente quanto antes.” Mais uma pausa, e desta vez dava para sentir 0 peso que ameacava irromper na sessao. Certamente a auséncia do pai é um peso sobre a familia, pensei comigo mesmo. No entanto, decidi manter o plano inicial. Irfamos conver- sar sobre o pai, mas nao ainda. Entao eu disse: “OK, entao voce é a mde desses dois jovens e € professora no ensino médio. Posso imaginar que ndo fique muito tempo para...” “Sim, estou sempre na correria.” “E sobra pouco tempo para vocé.” “Com certeza!” Mais um momento de siléncio. Enquanto isso, na minha conversa interna, refleti: todo mundo ja se apresentou. Pude escutar a voz e me conectar um pouco com cada um. Talvez este seja 0 momento de comegar a escutar as Preocupacoes, O ponto-chave desta parte da primeira sesso ¢ que, como terapeuta, eu convido os. membros da familia a adiar um pouco a conversa sobre preocupacées. Prefiro ir me conectando com eles por meio de aspectos de suas personalidades que nao sejam marcados por vergonha, culpa, dor; espero, neste momento, poder escutar histérias sobre alegria, orgulho, satisfacao, crescimento, pequenas vitérias. Geralmente sio ——————————— pn pamtta COMO DIALOGO 1A nari yuneros ma Fanart: THEA ‘ocesso: histé ergem neste ponto do pr i - ee eis de estimacao, hobbies etc. 3, animais 30 ; 7 essas as histérias 4 . Ssportes brinquedo} Relato de caso: a familia Cox 4 ntaram, poderfamos comecar q conversa sp re 4 4s jd se apresentaran "Agora que re ee Como eu disse quando comegamos, afar ee fo alguém estd preocupado/a com alguma sien ‘isn és tem alguém preocupadg 0 m procuram quand imagino que tar coisa. seaaase minutos de siléncio. Le Ascriangas olharam novamente para a ; ie i Neste momento, fir a pergunta para a qua'y® tale imaginads Uma respos. ta: “Quem é a pessoa mais, preocupada nesta familia? bém na familia de voc *Sou eu’, disse a mie “OK, entdo oi sua a iniciativa de buscar a terapia de familia?” “Sim, eu liguei hd algumas semanas para agendar a sessdo, A Policia me deu o seu ntimero.” “Entdo vocé tomou a iniciativa de procurar a terapia de familia, Fico sando, serd que... teve alguma dificuldade em convencer as criancas de, oni a terapia poderia ser ttil de alguma forma para a familia?” ie A mde aparentemente nao esperava uma pergunta como essa, Ela hesit eolhou para Amelie e depois para Mick. te ‘A primeira reagto de Amelie foi bastante positiva. Ela entende neta podemos continuar assim. Acho que Mick entende um pouco mr na diz que nao tem nada para se ‘Preocupar. Eu... acho também que ele ae com um pouco de medo de vir até aqui.” coe Me lembrei imediat is di 4 araaeae is famente dos dois dinossauros que eu tinha encontrado Curic ve aes eed nee momento vi Mick se levantar Para pegar os i 4 G¢ centro e voltar para a sua cadeira, Mick pareci, ia fechado em sj mesmo, e afui ; com forca seus dinossauros, afundado na sua cadeira agarrava pete 4 conversa tei que Amelie e a ma 1€€ a mae també; . i tantes em continuay iets 'm olharam para Mick e Pareceram hesi- onNcontRo 31 Eu ndo disse nada e deixei um tempo para que eles pudessem pensar um pouco sobre 0 que iriam contar em seguida. Amelie quebrou o siléncio ¢ disse: “O papai morreu num hospital e desde entdo Mick nao confia em médicos.” A palavra tinha entao aparecido: “papai Ao falar do pai, Amelie abriu um leque de possibilidades que eu pode- ria explorar. Poderia comegar a fazer diferentes perguntas sobre o pai das criangas, e certamente eu tinha um monte de ‘perguntas a fazer. Eu ainda ndo sabia muita coisa sobre esse pai além do fato de que ele havia se ma- tado; nao sabia o porqué ¢ nem como. Fiquei pensando de que maneira o suicidio do pai podia estar conectado com a desconfianca de Mick com relagao aos médicos. Talvez o pai tivesse tentado cometer o suicidio e nao tivesse morrido imediatamente e foi levado ao hospital, onde entao acabou falecendo. Ou entio ele estava, por alguma razdo, internado no hospital e decidiu cometer suictdio durante a internagdo. Eram muitas as ‘Perguntas que surgiam, mas decidi nao perguntar ainda. Queria primeiro continuar focando os motivos da hesitagao de Mick em vir para a terapia. “Jd que ele nao confia em médicos, questionou se eu sou um médico? perguntei, Amelie respondeu: “Sim, e a mamée explicou que vocé era um terapeuta familiar e néo um médico. Ele perguntou também o que um terapeuta de ‘familia é¢ a mamée disse que sao terapeutas que ajudam as familias e que por isso vinhamos conversar com vocé. Ai ele perguntou onde vocé traba- Ihava, e quando a mame disse que era num hospital ele comecou a fazer beicinho e disse que nao queria “Acho que ele associa hospitais com morte” disse a mae, “porque seu pai morreu em um hospital. Isso faz com que ele tenha medo de vir aqui.” “Sim”, eu disse, “posso imaginar que alguém ndo goste de ir ao hospital se seu pai morreu ali. Se eu estivesse no lugar de Mick talvez ficasse com medo também.” Euestava respondendo a mae, mas minhas palavras eram dirigidas a Mick. Neste momento, Mick falou: “Nao, eu ndo estou com medo. Este é um tipo diferente de hospital. Nao tem camas ¢ o cheiro é diferente.” Todos demos risada. O comentario de Mick foi um altvio, 0 que me fez me dar conta de que os tiltimos minutos da sessdo haviam sido bastante tensos, Hesitacdes e seus bons motivos Aideia de iniciar uma terapia geralmente vem acompanhada de sentimentos ambi- valentes, Na primeira sesso é comum haver vozes na familia que dizem sim para a terapia e, ao mesmo tempo, vozes que dizem nao. As vozes que dizem ndo expres- sams hesitacdes de ir para.a terapia. Essas hesitacdes costumam estar associadas a COMO DIALOGO MAPA, TRRAPIA DR PAMILIA COM yrs BM TI , 32 UN iéncias dolorosas com terapias ng Senn; decepgées anteriores Comer anteriores com assistenteg os csttg num sentido mais amp desal side que tentaram ajudar (Rober, 20024), ou megs ou outros profissions i slmente€ expresso pela pessoa que tomay liana primeira a Essa pessoa (em geral, mas nao Necessariam, iciatiy, procurar ajuda na vn Sea coisa que se passa na familia @ eg era es mi est preorpae con e joc volar a equilbrio, Onto OU ahesitar td? a ten) an ee eae wanisindopordma or wal criangas, S#0em ee mais facil, na primeira sessio, comecar falando Sobre 9 S familia, ou seja, sobre as razdes para terem ae ae ‘apia. Na famtigim & exemplo, poderia ter comecado perguntan °: aa Iga, O que a est dei Por preocupada?”. Ela provavelmente po sy re Pe a essa Pergunta s “dy hesitagio eeu poderia ter continuado explorando suas SPreensbes, decde quant’ vinha se sentindo preocupada, quais as Possiveis causas Paraas suas recypa e assim por diante, Optei, no entanto, Por nao comecar assim Porque querigS ‘xar espaco para as vozes nio tio ébvias de escutar, as vozes da hesitagig. 4 tee mais uma vez.a “hist6ria” das preocupagées foi adiada Para dar espaco pa conversas sobre as hesitagdes (passo 4 do Protocolo). Naminha proposta para a primeira sessdo de terapi foco néo & a pessoa que tomou a iniciativa de buscar a estd hesitante, converso sobre temores e relutancias peutico. Na primeira sesso procuro me sim, Ta mais ia de familia, em eral ‘erapias comeco con, a €M iniciar 9 Processy em bros da fami ‘ 1a Nos primeiros minutos ido tran Wuilizadora para Mi estava com medo, al f rota Poa cheito do hospital tao logo sentimentos dean- 'parecam, outras hesitagées ‘ina primeira sessio da familia Cox. Propria terapia desa © que acontece OENCONTRO 33 Relato de caso: a familia Cox 5 Agora que. tensao havia diminuido um pouco e que todos pareciam mais relaxados, podia ser uma boa hora ‘Para comegar a conversa sobre as preo- cupagoes. Mas eu ainda queria explorar mais as hesitasées da familia em vir para a terapia, “Hoje, quando vocés acordaram de manhd, devem ter pensado: oba! Que dia legal! Que bom que temos terapia”! Todo mundo riu. “Na verdade, nao”, disse a mae, “As ‘Pessoas ndo vao para a terapia porque elas gostam.” “E por que serd que as pessoas nao gostam de terapia?”, perguntei e sorri. Eles sorriram de volta, e se entreolharam. A mde entdo disse: “Bom, na te- rapia supostamente vamos conversar sobre coisas dificeis, e isto me assusta. Sobretudo porque as criangas estao presentes. Como mée, eu nao gostaria de sobrecarregd-las com essas coisas que sao tao dolorosas. Surge uma nova hesitagdo, pensei comigo mesmo. “Voce teme que as criancas entrem em contato com coisas dolorosas nas conversas nas sessdes? E como mie vai tentar fazer com que elas nao tenham que se expor a isso desnecessariamente?” “Sim, isso mesmo,” A mie tinha os olhos cheios de lagrimas. Amelie percebeu e arrastou sua cadeira para ficar mais perto dela; ‘Ps sua mao no braco da maee me olhou. Seria um olhar de reprovagdo?, eu me perguntei, Naquele momento entrava em cena uma outra hesitacao: vamos entrar em contato com coisas dolorosas quando comecarmos a terapia. Talvez todos na familia estivessem sen- tindo isso, mas quem expressou a hesitaco foi a mie, Esse tipo de hesitacao pode ter duplo sentido. A mie hesitava porque ela mesma estava com medo de ter que encarar situag6es dolorosas, mas ela, ao mesmo tempo, se conectava coma sua responsabilidade enguanto mae de proteger os filhos de uma desnecessdria exposicio & dor. Dessa forma, ela se apresentava como uma mie muito cuidadosa e Protetora dos filhos. No entanto, as criangas também estavam preocupadas com ela, Quando Amelie percebeu as ligri- mas nos olhos da mae, chegou sua cadeira mais perto e colocou a mao no seu braco. Ela me olhou em seguida, Estaria com seu olhar me responsabilizando por ter feito a mae chorar? Possivelmente ela me culpava por ter feito perguntas que fizeram a mie ficar triste, Isto poderia estar indicando que um novo tema surgia na conversa: confrontar-se com coisas dolorosas e tristes. Este foi o meu entendimento quando me dirigia Amelie, Relato de caso: a familia Cox 6 Amelie estava sentada ao lado da mae. A mae pegou um lengo para enxugar as ldgrimas. 34 pia pe FAMILIA COMO PLALOGO ranarta, TARA juntos Fa Perguntei a Amelie: “Estou vendo que vocé estd muito Preocupa, ay elie Enquanto faldvamos sobre o quanto as conversas Su, mae An Tristese dotorosas VOCE percebeu que sua mde estaya trisy "rapig bo. dem ser ido da minha mde, nao quero que ela fique triste» °° "ojo, ih percebe muito rapidamente anil GANG MAC etd triste» “Ela percebe oqueeu sinto antes mesmo de eu sentir”, disse q mae, a de brincadeira.” ‘om Ela havia enxugado as lagrimas e sorria novamente, “Nao é verdade, mae’, protestou Amelie, dando um toque brincatha . es percebe logo e sabe o que fazer para conforté-la? ” Pergunte; “sim, é normal. Ninguém gosta de ver sua mie triste, ; i, “Sim, isso é normal, mas é também muito bacana”, eu disse, Amelie nao protestou mais € deixou as minhas palavras no ar, Entdo continuei: “Para mim é importante ver o quanto Vocés se se protegem e estao ligados uns nos outros. Porque vocés tém raz, dida que as nossas conversas forem avangando vamos tocar em quest dolorosas, e isso pode trazer sentimentos tristes e lagrimas. Algumas vee $ vocés vio discutir e discordar, podendo até ficar bravos uns com os outnye Isso costuma acontecer nas terapias de familia. Mas esté OK na medida ea que vocés cuidem bem uns dos outros. As familias podem sustentar esses sentimentos dificeis se existir bastante amor unindo as pessoas. E, quando vejo a familia de vocés, vejo que existe amor em abundancia,” Nesse momento, ndo apenas a mde tinha os olhos marejados, mas também, Amelie, Mick olhava para sua irmd e sua mde e, quando viu que elas tinham lagrimas nos olhos, saiu da cadeira, colocou os dinossauros sobre a mesa efoi em diregao a mde. Diante dela, colocoua cabega no seu ombro ea abracou, Eu ndo disse mais nada, deixei as coisas acontecerem. m Cuidam 20; d me. Jétinham se passado 30 minutos da primeira sesso. Pensei entio que era hora de falar sobre as preocupagées da familia (passo 5 do protocolo). Eu jé tinha podido me conectar com cada um através dos breves relatos de coisas positivas (passo 3). Alm disso, tinha tido a chance de perguntar sobre o que os fazia hesitarem em comerat a terapia (passo 4), o que resultou no inicio de uma relagao de confianga entre a familia e eu, e me deu oportunidade de comentar sobre o forte vinculo que os unia. Havia chegado a hora de falar sobre o que os havia trazido a terapia. Relato de caso: a familia Cox 7 “Mae, vocé tomou a iniciativa de ‘Procurar a terapia, Vocé poderia me dizer com 0 que estava preocupada?” “Eu me preocupo com Mick. Ele estd muito ansioso fica excessivamente grudado em nds. Em mim e também na irma. Por exemplo, nao querir ts OENCONTRO 35, festas de aniversdrio dos coleguinhas da escola, ¢ as excursdes ¢ acampa- mentos de férias sto uma tortura para ele. Ele fica muito aflito, comega a chorar e se recusa a ir.” Houve todo um relato sobre os medos de Mick ea 1 forma como ele fica gruda- do na mae nesses momentos. Ouvir o relato da mae sobre os medos de Mick me surpreendeu um pouco, Eu jé havia percebido neste primeiro encontro algum medo em Mick, mas nao tinha visto ele ficar ‘grudado na mde. Sim, de fato ele tinha chegado mais Perto dela quando percebeu que ela estava triste e eu tinha visto como ele usava os dinossauros ‘para se proteger, mas nada parecido com “grudar” na mde. “Vocé estd contando sobre os medos dele e como ele gruda em vocé, mas aqui, hoje, na sessao, eu nao notei ele fazendo isto,” “Nao”, disse a mae. “E devo dizer que fiquei surpresa também. Agora que vocé falou, nas iiltimas semanas tenho observado algumas mudangas na forma como ele vem lidando com sua ansiedade. Eu agendei esta consulta hd uns dois meses, e desde entao reconhego que Mick melhorou bastante. Ele estd mais independente e tem mantido um bom relacionamento com Ben, set professor. Dois meses atrds, quando telefonei para marcar com voce e soube que teria espera, entrei em contato com a escola, Tive uma conversa com 0 professor de Mick e 0 diretor da escola. Ficou combinado que Ben, 0 profes- Sor, conversaria com Mick, e, desde entao, ele estd sempre pergunta a Mick como estdo as coisas. De vez em quando ele convida Mick para uma conversa particular. Talvez nao seja nada extraordindrio, mas parece que Mick gosta desses encontros com Ben, que se tornou uma pessoa importante para ele.” Entendi que essa talvez fosse uma oportunidade para voltar a enfatizar as poténcias da familia e incluir a importancia do contexto (nesse caso, a escola e o professor). “Entao, parece que, com a ajuda de Ben e da escola, vocés conseguiram avangar bastante, nao?” E, dirigindo-me a Mick: “Eu jé tinha percebido que vocé recebe um apoio extra dos seus dois dinossauros, e agora estou sabendo que também o seu professor é um grande apoiador.” “Foi Ben que me deu os dinossauros de presente”, diz Mick. “Como?” (eu nao tinha entendido o que ele havia dito). “Os dinossauros foram presente de Ben’, ele repetiu. Isso foi muito interessante. Através dos dinossauros, Ben também se fazia Presente na sessdo, Seu apoio estava sendo importante para Mick, que talvez estivesse conseguindo ndo grudar tanto na mae ao estabelecero vinculo com 0 professor e seus representantes, os dois dinossauros. Em vez de focar apenas os medos de Mick, mantive os olhos abertos para possiveis evolugdes em seu comportamento. Foi bom ter notado que Mick nao estava grudado na mae durante a sessdo. Ao fazer essa observacao em voz alta, abriu-se espaco para 36 UNTOS HAL THRADIA. THRAPIA pn rama COMO DIALOGO conversarmos sobre a resiliéncia da familia eas contribuigées POsitivas q, lo Ben ¢ da escola. "Ml, Relato de caso: a familia Cox 8 “Bom, parece que mesiio sem a ajuda da terapia a familia Acabou o trando formas de lidar com os medos de Mick que se mostrara "con, eficazes. O que mais a terapia de familia poderia acrescentar?” to Ao dizer isso, selecionei com cuidado as palavras e escolhi deliberad, a palavra “acrescen tar”, Minha intengdo era validar 0 que eles mente haviam conseguido e, ao mesmo tempo, explorar as expectativas deles ‘mos relagao a terapia de familia. com Naquele momento. fea-se siléncio. As criangas olhavam curiosas para a mg “Bem, meu marido, pai das criangas, cometeu suicidio um ano atras - desconfio que os medos de Mick estejam relacionados a isto. De 4ualque maneira, seus medos aumentaram muito nos meses seguintes d morte Ei pai’, disse a mde pausadamente, enquanto as criangas ouviam caladas Esse era, provavelmente, um assunto bem dificil para eles. A mde, Prossepuiy cuidando bastante das palavras: “Estou muito contente de ver que Mick esté bem melhor. Ele nao fica mais tao apegado a mim como antes, tem dormido melhor, Mas ele ainda nao quer falar sobre este assunto.” “Vocé quer dizer, sobreo tema da morte do seu marido, 0 pai deles?”, eu perguntei, “sim, desde o funeral nds ndo dissemos uma palavra sobre o que aconteceu, Deve estar sendo bem dificil para Mick porque o paio levava ao futebol, era um incentivador importante, sempre ao seu lado, vibrando a cada gol que ele marcava... Mas nao é apenas Mick, Eu também passei por momentos muito duros, e tenho certeza que Amelie também... E sei que eles devem ter muitas perguntas e talvez pudéssemos encontrar uma. forma de conversar juntos sobre este assunto.” Siléncio. Eu nao quis quebrar o siléncio porque queria ver qual seria a reagao das criangas ds palavras da mde. Por um instante eles se mantiveram com o olhar fixo, sem esbogar qualquer emogao; pareciam estar perdidos em seus pensamentos. Até que Amelie disse: “Nao sei se deveriamos falar sobre isto. Papai decidiu por fim a sua vida. Isto é muito triste porque eu amava muito o meu pai, ‘mas conversar sobre isso ndo vai trazer ele de volta.” “Nao vai trazer ele de volta’, repetiu Mick, que em seguida comegou a cho- rar. A mae chamou-o para perto para confortd-lo. ia corel" Naquele momento nos aproximamos da dinamica ambivalente da familii zap sobre 0 pa» 40a terapia. Quando a mie indicou que talvez fizesse sentido conversar ela deu voz ao lado que diz sim 4 conversa sobre a sua morte na terapia. O ENCONTRO desse sim, tinha também um ndo, que jé estava de alguma maneira implicito na fala da mie, quando ela disse “talvez” uma clara expressiio de hesitacao implicita. Porém, foi Amelie quem deu voz a0 nao da familia Aquela conversa: “Nao sei se deverfamos falar sobre isso... conversar nao vai trazer ele de volta. que Amelie escolheu nao conversar sobre a morte do pai. Esta seria minha proxima tarefa, tentar entender os motivos da relutancia de Amelie em falar sobre o pai. Relato de caso: a familia Cox 9 Entdo me virei para Amelie e perguntei: “Amelie, vocé pode me ajudar a entender por que vocé prefere ndo falar sobre o seu pai?” Depois de suspirar, Amelie disse: “Bom, falar sobre ele ndo é tao fécil. Traz de volta tantas lembrancas, e af eu fico com saudade. E mais facil nao pensar nele. Assim eu fico com menos saudade.” Momento de siléncio. “Amelie, se eu entendi corretamente, vocé estd me dizendo que é melhor ficar calada sobre o pai porque sendo vocé vai sentir muita saudade dele? E isso que voce quer dizer?” “Sim, €isso mesmo. Bacho que nao é s6 comigo. Acho que vale também para mamde e para Mick. E melhor nao falar sobre ele, para n6s trés.” Amelie verbalizava claramente a voz do nao: melhor nao falarmos sobre o pai porque isso vai ser muito doloroso. Em resposta, a mae trouxe a voz do sim novamente: “Mas, Amelie, se pu- dermos falar sobre ele provavelmente nos sentiremos melhor.” “Talvez, talvez...”, disse Amelie, hesitante, A voz do sim ea voz do nao estavam de novo presentes na sessao. Pensando que talvez fosse 0 momento de explicitar essas duas vozes, eu disse: “OK, vamos fazer uma pausa um instante. Aqui neste quadro tem uma grande folha de papel onde podemos fazer duas colunas. A coluna da esquerda € a coluna do “sim’; nela vocés podem escrever todas as razoes para falarem sobre o pai. A coluna da direita é a coluna do “nao”, e nela voces vao colocar todos os motivos para ndo falarem sobre o pai. Enquanto dizia isso, ia tragando com a caneta piloto as duas colunas, es- crevendo ao topo de cada uma “sim” e “nao”. E perguntei: “Quem gostaria de comear a colocar palavras em alguma dessas colunas?”. Bu segurava a caneta na direcao deles, convidando-os a escrever no quadro. Amelie se voluntariou e escreveu “sinto saudades do papai” na coluna da direita, do “nao”. Depois de colocar a caneta sobre a mesa, ela voltou para a sua cadeira, A mée em seguida pegou a caneta e escreveu do “nao”. Amelie se levantou novamente e acrescentou “dor” na coluna da direita, risteza” na mesma coluna, Ainda nao estava claro por- sy ran (iA GOMO PIALOGO 38 soos er rumarin Tmnansa! ava vazia. rda continu is de forma ele escreveu “FUTEBQ)» IL’ Ne er Acoluna da csqu Mick pogo! 4 ‘cancta. £m letra ; sie ©. juna do “nao ; ; “Oo que voce quer dizer Mick?” pergunier ee “Se nds decidirmos conversar aqui na eae , rae 1a quarter, tarde eeu vou fer que faltar no met treino de futebol; € eu gosto fem , jogar, -futebol do que deconversar” ; i Todo mundo riui a ensdo havia se dissolvido mais uma vez, At amie se Tevantou € escreveu Na coluna do “sim”: “menos ale le; sobre 0 papai, ficaremos com m, enos menos dor”. E explicou: “Quando pudermos, falar jremos menos dor. DF eu na coluna do “sim”, mais uma vez em Ai Mick pegou 4 caneta e escrev letras de forma “POR Que?” Ble foi até sua mie, parou diante dela com a caneta na mao e pergunto ‘mais uma vez: “Por que ele fez aquilo mamée? Por qué?” Mu Entendi que Mick estava se referindo ao suictdio do pai. Os olhos da mae se encheram de lagrimas novamente. Entao ela disse: “E, ndo sei exatamente, filho. Vamos tentar conversar sobre isto juntos, a na terapia.” Depois de uma pausa, conversar sobre isto. i” ‘Amelie disse: “Sim, talvez seja uma boa podermos “nao”, Amelie, Mick ea mae chegaram a um acordo oderem conversar sobre 0 suicidio do pai seus motivos. Isso nao era autoevidente; no inicio da sesso, quando perguntei a mie uais eram as suas preocupacées, ela falou sobre a ansiedade de Mick e sua De qualquer forma, no final da sessao ficou dificuldade em se desapegar dela. claro que os trés gostariam de poder conversar sobre 0 pai, mas que, ao mesmo tempo, conversar sobre pai nao seria tao facil porque evocaria sentimentos de dor e tristeza. Por meio do jogo do “sim” e de que seria bom para eles p Encerrando a sessdo Quase uma i P (pass0 6 do hora avid se passado e chegavamios 20 momento de encerrar a sessi0 3s protocolo). Para mim, encerrar a sesséo significa: sofrimentos € ansiedades 6 tema da terapias 0 e feedback. 1 Fi 7 i Ree oque aprendi sobre a familia: suas poténcias, ; Cae espécie de contrato, no qual seja explicitado s possibilidades de termos momentos de avalia¢ No caso da familia Cox o encerramento da sessio foi ass' onNnconrno 39 Relato de caso: a familia Cox 10 “Estamos chegando na hora de encerrar a sesso”, eu disse. “Foi muito bom conhecer vocés. Como eu disse antes, fica claro que existe bastante amor nessa familia. B evidente que vocés cuidam muito bem uns dos outros, ¢ isto é especialmente importante tendo em vistao que vocés vem enfrentando como familia: perder um marido ¢ um pai é sempre muito doloroso e deixa um vazio que nunca vai ser ‘preenchido. O fato de ele ter cometido suictdio é bastante assustador ¢, além disso, traz um monte de perguntas. Felizmente vocés tam dois valentes dinossauros para ajudar @ atravessar as partes mais assustadoras deste Proceso,’ Todos sorriram, e eu continuei: “Mas agora estamos no final da sessao e me parece que todos concor- daram que vao voltar na préxima semana para falar sobre 0 suicidio do pai, certo? Sabemos que nao vai ser facil e que pode trazer muitos sentimentos dolorosos, mas ainda assim voces querem falar sobre isso porque é importante para todos entender melhor por que ele fez isso. Eu Proponho que nos encontremos mais trés vezes, dai avaliamos 0 processo € vemnos aonde vocés chegaram. Nesses momentos de avaliagao eu gosto muito de saber se as conversas que estamos tendo nas sessées tém sido titeis ou nao, e como. Ai podemos decidir ‘juntos se fazemos mudangas na ferapia, ou entao se vocés preferem parar. Vamos ver isso juntos, ental Esté OK para vocés assim?” Enquanto eu falava, a mae ia assentindo com a cabeca. Quando pergun- tei se estava OK, todos os trés balancaram a cabega concordando, Mick me mostrou seus dinossauros. Eles também concordaram com a cabega. | Todos riram, Protocolo para a primeira sessao de terapia de familia familia, Procurei destacar, além da minha visao para esta primeira sesso, 0 modo como eu lido com os desafios que muitos terapeutas encontram num Primeiro encontro com a familia. Nao estou com isso sugerindo que esta seja a melhor e tinica maneira de comesar uma terapia de familia. & apenas uma | abordagem que parece funcionar comigo, com meus clientes, no meu contexto Profissional. Talvez para outros terapeutas, outros clientes, em outros contex- tos, esta abordagem nao seja tao util. Pode inclusive ser uma boa ideia modifi- i car alguns pontos da abordagem que proponho, ou entao pode ser necessério considerar outras abordagens; tudo vai depender do terapeuta, dos clientes e do contexto profissional. | | Proponho neste capitulo um protocolo para a primeira sessio de terapia de | ieee eee eee eee eee eee eee eee eee Het a asso, pode ser di Ggeforra rig P2880 2 P : na ae © alguma fo, J gserever MPIC coastomem muito 20 pé da letra 0 protocolg g Descrevt que aigumas Pe sme terapeutico. Na minha opinigo, no Arey: : asi mn si mi équeo terapeuta Possa Se Conectar com Ba | ri 1g atendendo, mas também possa se Conectay Mo | « | 8 py | | aco mals importante lia que @s a familia 4 jembrar-se de QUe ele/ela também estg Presen "eCisg | \ 55085, © | potenclas dessas Pe: so deve set mals do que um quadro geral. terapey A pessoa do terapeuta itulo, especialmente através do relato de caso, eu destaqueia Neste a ais medida que ia descrevendo as oscilages entre, por uml Pes arn nic da familia e ser ativamente responsivo ao que os meni ania traziam para a conversa (como acontece¥, Por exemplo, quan pondi aos ameacadores dinossauros de Mick no inicio da primeira SeSS%0); ¢, Po. outro, tentar identificar as poténcias e oferecer signi ficados construtivos Para tude ‘o que acontecia na sessao (por exemplo, observar que Mick nao estava 8tudadong mie), Além disso, também descrevi alguns pensamentos e consideracées que m aeorreram durante a sesso. Isto é algo nao muito comum na literatura da fits sea: em geral as publicagdes poem o foco nos objetivos, técnicas, modelos e pr. gramas, enquanto a pessoa do terapeuta permanece invisivel. “O estudo da Psico- terapia foi bastante favorecido pelo estudo do/da terapeuta”, escreveram Orlinsk & Ronnestad (2005). A negacao da pessoa do terapeuta pode estar relacionadai suposicao implicita em muitas publicaces da drea de que a terapia consiste basi- camente em um conjunto de métodos, técnicas e procedimentos que supostamente funcionam na cura de transtornos mentais, “Esta viséo tem suporte numa cultura cnn a maderldade que preza e enfatiza a racionalidade e a objetivided, pal mop mica (... e que enxerga o elemento pessoal (..) nas Scgaeeree es manas, como fonte de erro na pesquisa cientifica, erro inimizado ou controlado’ (Orlinsky & Ronnestad, 2005, p. 5). Essa suposicao implicita é ate pod implica €a base para muita pesqusas empties no cao , embora ela mesma car i : ‘Vez que as pesquisas de cany ‘ega de fundamentacao empirica, um? Ee 0 parecem, i bo, é uma relacio PO Pi apontar que a terapia, ao fim e ao cabo, e terapetta é peea ti fissional na qual a qualidade bt conexao entre cliente cedimentos adotados (e. ont Sterencas na eficdcia dos métodos, técnicas € Pf 2009; Lambert 2019, C7SKY & Ronnestad, 2005; Sprenkle, Davis & 2b" Presenca dg OMNCONTRO 4) Escutando as vozes de todos os membros da familia A minha proposta para a Primeira sessa fi essai 5 espago as vores de todos o: : ‘0 € simplesmente uma tentativa de dar Ss : 6s primeiros minutos de o membros da familia presentes no momento. Se, apés F Onversa, todas as pessoas puderem dizer alguma coisa, fica mais facil que, mais tarde, os tépicos mais sensiveis sejam conversados pelos membros da familia ue se sentiram menos confortaveis com tais conversas Na minha experiencia na clinica aprendi que, se eu nio conseguir ouvir cada pessoa da familia nos primeiros minutos da Sessdo, 0 resultado é a primeira ses- elas vozes dos membros da familia que esto mais Daerie eee OM 0 que nio esta indo bem. 02% q esta mais preocupado na primeira sesso é facil. Quando um terapeuta inicia perguntando: “o que traz vocés aqui hoje?”, um adulto responde (na nossa cultura geralmente é a mie), € este adulto vai comecar a falar sobre os seus motivos de preocupa¢ao com os filhos. Tem grande chance de a histéria ser bastante tocante € atravessada por emogées; em geral, medo, frustracio, tristeza ou raiva. Os pais devem estar preocupados por bastante tempo e, apesar de seus esforgos, nao encontraram ainda uma resposta satisfatoria as suas apreensoes. Assim, ir Para a terapia é algo frequentemente experimentado como confirmagao de suas préprias Conclusées e teorias (“nés falhamos em ajudar nossa crianga”). Costuma haver também vergonha e culpa. Dessa maneira, a hist6ria contada por um pai ou uma mie preocupada é carregada de ambivaléncia (“eu preciso de ajuda, mas precisar de ajuda é sinal do meu fracasso”) e de emocées, Esse é um contexto complexo para a crianca poder falar; depois de ouvir o relato do pai ou mie preo- cupada, a crianca pode preferir ficar calada. Como apontam algumas pesquisas, é muito comum que as criangas sintam nao terem espaco para contarem as suas hist6rias. Em geral, elas ficam restritas a concordar com a visao dos pais, ou resistir a ela (Moore & Bruna Seu, 2011); finalmente, a histéria da crianga se torna parte do relato dos pais. Se um terapeuta deseja escutar a histéria da propria crianga, ele/ela precisard ajudé-la. O terapeuta precisaré explicitamente abrir espaco para que a crianca possa falar, algo que vai contra a pressao que vem de pais ansiosos, que, em geral, desejam ser ouvidos primeiro. A forma como eu geralmente faco é pedir aos pais, preocupados que adiem um pouco os relatos atravessados por problemas convi- dando a todos os membros da familia presentes na sessao a falarem algo sobre si mesmos que nao esteja relacionado com as preocupagées (passo 3 do protocolo). Hesitacdes lidar com uma crianga que se mostra relutante em falar il que os terapeutas se lembrem de que o silencio de expressar sua hesitago em se engajar no Para terapeutas de familia, faz parte do contexto. £ bastante tit de uma crianga pode ser uma forma weros am THRAPIA. FRRAPIA DE PAMILIA COMO DIKLOGO 42 UI - m process terapéutico junto com a familia totes ate Acrianca pode iden otenciais perigos e expressa isso relutan¢ lo em fi a ou responder agg conv terapeuta, Eu aprendi bastante com Maurizio An lolfi quando ele Propunha esis d acrianca como coterapeuta na sessa0 (Andolfi, 1995; Andolfi, Angelo & De Nicht 1989), e considero que a crianga é, tal como um candrio na mina de carvio, o ilo, de sentir o perigo antes de qualquer outra pessoa notar. Eu levo a sérig og 5 ” “pay 98 sinaj. : F A : hesitagao da crianga porque eles me ajudam a pausar e refletir, dando eg falar com a familia sob: re as vulnerabilidades e experiéncias dolorosas dg Para que esto desesperadamente tentando evitar no presente, Passady Embora sempre convide os membros da familia a falar, eu nunca Pressio ninguéma falar. Como se trata de uma ago de equilibrio, NUNCA USO, Por exen i técnicas de motivagao, ou tento seduzir ou persuadir a falar sobre algo que édifi % ser falado. Na sessao com a familia Cox que acabamos de ver, nao tentej aaron cé-los da importancia de conversarem juntos para poderem processar melhor morte do pai. Considero que é minha fungdo como terapeuta convidar os membros da familia a falar, enquanto, por outro lado, procuro estar sensivel as hesitaces¢ relutancias a falar. Ao estar sensivel & relutancia, também procuro compreender quais so os motivos para a hesitagao em falar, porque geralmente isso tem a ver com vulnerabilidades da familia ou com valores importantes que estao em jogo, Ao apresentar a familia esses dois aspectos do seu dilema ~ por um lado, desejo de falar e, por outro, receio de falar -, eu crio um espago onde eles podem escolhere decidir 0 que querem e o que nao querem compartilhar. Adialética do sim e ndo Importante lembrar que nem sempre eu trabalho exatamente da forma que descrevi neste capitulo. Isto porque desejo ser flexivel e tento também fazer uma aliancacom a familia 4 minha frente na sessao. O que me parece essencial, no entanto, é ter sempre em mente que os clientes vém para terapia com no minimo sentimentos ambivalentes: claro que eles dese- jam fazer terapia (se nao, por que estariam aqui?), mas uma parte deles hesita e tem motivos para ficar reticente em entrar no processo. Enquanto na terapia individual geralmente a ambivaléncia aparece como um conflito interno do cliente, na terapia de familia a ambivaléncia costuma ser externalizada por algum ou mais de um membro da familia na sessdo. As interades que acontecem na primeira sessao cos- tumam vir especialmente coloridas por esse tipo de ambivaléncia. Encontrar uma forma construtiva de lidar com essa dialética entre “bons motivos para a terapia” (que eu costumo chamar de sim) e “bons motivos para nao fazer terapia” (0 nao) é crucial para poder criar conexao com todos os membros da familia. A palavra “dialética” é usada aqui no sentido em que Leslie Baxter a define (Baxter & Montgomery, 1996; Baxter, 2011). Refere-se a ideia de que existe uma tensdo continua e nao finalizavel entre dois polos opostos (sim e nao) durante todo OENCONTRO 43 e inci : eee ‘mbora na primeira Sessdo esta tensio dialética geralmente quanto na i bard Primeira sessio a dialética fica centrada na iden- tificagdo e na descricao do assim chamado “problema” e nas metas da terapia, no transcurso do processo Pe © mesmo tipo de tensio ay joa“, get enper : parece com relagio a “falar ou ficar em silencio” ou “compartithar ou guardar com vock* f Terapia de familia como didlogo Meu foco nesta dialética do sime nao esté relacionado com aconceituacdo da terapia como didlogo entre os membros de uma familia, no qual o terapeuta procura ser util no papel de facilitador. O didlogo nunca é uma coisa tranquila. Ao contrario, é um processo infindavel, que leva tempo e que esta sempre atravessado pela tensdo entre o que é dito eo que nao é dito. E através dessa tensio que o terapeuta precisa aprender a navegar ea ser itil para a familia, desde a primeira sesso, Nesta conceituago dialdgica da terapia familiar, a tarefa do terapeuta é nao apenas escutar, mas também trabalhar na dialética do sim e néo com o intuito de abrir espaco na conversa para assuntos que nao foram ainda conversados. Com efeito, poderiamos dizer que o terapeuta deve contribuir para expandir 0 espago dialdgico da familia. Isto pode ser feito, desde a primeira sessio, por meio da cons- trugao de um espaco dialégico intersubjetivo e tinico que conecte as preocupacdes ehesitacdes com o que o terapeuta, enquanto facilitador do didlogo, tema oferecer. No Sétao, no Escuro 1 Por que a casa 86 faz barulho quando escurece? Enuncaa luz do dia, De noite me deito na minha cama bem debaixo das cobertas. Fico escutando os barulhos da casa mas tenho muito medo de olhar. Talvez esses rangidos Sejam porque a casa é muito velha. Aqui era a casa dos pais da minha mie. Agora nds estamos morando nela desde que o vové faleceu, Ougo novamente um estalo Por que isso nunca acontece a luz do dia? Por que és6 no escuro?

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