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A Dança Do Sol - Frithjof Schuon
A Dança Do Sol - Frithjof Schuon
Frithjof Schuon
Tradução: San
Revisão: San
Diagramação: San
1
O elemento central do ritual é a árvore, representando o eixo
cósmico que conecta a Terra ao Céu; a árvore é a presença — obrigato-
riamente vertical — da Altura Celestial sobre o plano terrestre; é o que
possibilita o contato, tanto sacrificial quanto contemplativo, com o Po-
der Solar. Era a essa árvore, escolhida, derrubada e erigida ritualmente, 1
que os dançarinos costumavam ser amarrados por tiras conectadas aos
seus peitos; nos dias de hoje, o único elemento do sacrifício que persis-
te é o jejum, mantido de forma ininterrupta durante a duração — cerca
de três ou quatro dias — da Dança, o que simbólica e qualitativamente
é suficiente, considerando que os dançarinos devem se abster de beber
sob um calor abrasador, enquanto executam os movimentos prescritos
por horas a fio.2
Este movimento é uma ida e volta entre a árvore central, despoja-
da e sem galhos, e o abrigo circular, coberto de galhos; a dança pode ser
comparada às fases da respiração ou aos batimentos cardíacos; a cabana
sagrada inteira, com a árvore no centro, assemelha-se a um grande cora-
ção, cujas fases vitais são representadas pelo fluxo e refluxo da dança. Es-
se simbolismo é intensificado pelo batimento do tambor e pelo canto,
que recorda, por suas alternâncias monótonas, as ondas do oceano. É no
centro que os dançarinos extraem sua força: sua retirada corresponde à
fase expansiva — à assimilação ou à radiação — da influência espiritual
presente na árvore.
Pode-se questionar como esse desejo de realização espiritual se
alinha com um estilo de vida aventureiro e guerreiro, e com a rusticidade
das maneiras que dele resultam. É preciso compreender que, para o indí-
gena, a vida “é o que é”, o que significa que é uma trama de coisas e even-
tos, de formas e destinos, na qual o homem exterior participa, execu-
1 Ver The Sacred Pipe, registrado e editado por Joseph Epes Brown (University of Oklahoma
Press, 1953), no capítulo dedicado à The Sun Dance. Compare também The Arapaho Sun
Dance (Chicago, 1903) e The Ponca Sun Dance (Chicago, 1905) de George A. Dorsey. Esses es-
tudos oferecem, ao menos, uma compreensão das complexas possibilidades da dança, destacan-
do as variações de mitologia e ritual de acordo com a tradição de cada tribo.
2 Ainda acontece, no entanto, que os indígenas praticam secretamente o rito de maneira antiga.
Inversamente, algumas celebrações dele carecem de seriedade e são combinadas com feiras tri-
bais; no entanto, mesmo aqui, alguns ainda praticam secretamente o autêntico rito.
2
tando-os e experimentando-os de acordo com as Leis da Natureza. Con-
tudo, o homem interior é independente dessa trama, transcendendo-a e
dominando-a de certa maneira. Essa é uma combinação frutífera da ve-
neração pela Natureza impessoal e da afirmação da personalidade sacer-
dotal e heroica, sendo esta a base do estoicismo indígena, que representa
a expressão moral dessa aparente antinomia.3
Ao se aproximar e se afastar por pequenos passos da árvore cen-
tral sem nunca virar as costas para ela, o dançarino sagrado agita uma pe-
na de águia em cada mão enquanto sopra, no mesmo ritmo, um apito
feito de osso de águia segurado na boca; o som ligeiramente estridente e
plangente assim produzido equivale a uma prece ou invocação; lembra o
grito da águia que plana na imensa solidão do espaço em direção ao sol.
Toda a dança é acompanhada pelo canto de um grupo de homens senta-
dos ao redor de um enorme tambor, que eles batem com veemência em
um ritmo acelerado, enfatizando assim o caráter viril do motivo princi-
pal de seu canto — uma canção de vitória e, ao mesmo tempo, nostalgia;
vitória sobre a terra e nostalgia pelo Céu. Ao nascer do sol, um ritual es-
pecífico ocorre: os dançarinos olham e saúdam o sol nascente, cantando
com os braços estendidos em direção a ele para se impregnarem com o
“Poder Solar”.
Ao longo da Dança, a árvore central se impregna de bênçãos; os
indígenas a tocam, esfregam seus rostos, corpos e membros, ou rezam ao
Grande Espírito enquanto interagem com a árvore. Por vezes, ocorrem
curas, as preces são atendidas e proteções são concedidas. Fenômenos ex-
traordinários de diversas naturezas têm sido testemunhados, incluindo
visões e, sobretudo, uma sensação de frescor na proximidade da árvore
central, indicando a presença de poderes benéficos.
A concepção de “poder” é fundamental para os indígenas: o
Universo é uma trama de poderes todos emanando de uma única e mes-
ma Força, que é subjacente e onipresente, simultaneamente impessoal e
pessoal. Para os indígenas, o homem espiritual está entrelaçado ao Uni-