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Junguians eth pH OS SENTIDOS COMO FUNGOES ESTRUTURANTES DA CONSCIENCIA Uma contribuicao da Psicologia Simbélica Carlos Amadeu Botelho Byington* Introdugio Os conceitas de simbo- lo, de fungdo e de sistema estrururante séo os funda- mentos da Psicologia Sim- bélica. Englobam o subje- | tivo e 0 objetivo de todas | as coisas e vivéncias huma- 1as.A partir do processo de claboraco simbdlica, coor- denada por arquétipos, ‘estruturam a consciéncia individual e coletiva, ¢ sua disfungao forma a sombra. © ego co nio-ego, aqui denominado 0 outro, so conceitualmente insepariveis na consciéncia, que € formada e transformada pelo significados ou metéforas oriundos dos simbolos durante 0 processo de elaboracicssimbélica. Nessa con- ceituagio, tudo na vida ésimbolo ¢ fungdo estru- turante (BYINGTON, 1996). A ‘Medico, Piqiatrs « anlies, Membro fendador de SBPA Educsdor ¢ hstorador.cbyington@ushcombe Pelo fato de os érgios dos sentidos se expressa- rem de uma forma muito instintiva € primi, sua sombra tende a ser com- pposta de um apego sensual profundo, de dificil aces- 0 € elaboragao pela cons- ciencia. Nesses casos, 0 arquétipo matriarcal, que labora os simbolos den- tro da sensualidade, & fe- Fido pelo exagero fomen- ado € manipulado pela falta de limite na claboragao, 0 que gera o terri- vel, e hoje to freqiente, quadro das adigies, Este panorama psicopatolégico € muito diferente da finamica da histeria, pois ela expressa qua- dios dissociativos oriundos de fixagées de domi- rnancia macriarcal geralmente acompanhadas de uma intensa psicodinémica pattiarcal repressiva. As adigGes, ao contritio, multiplicam-se de for- ima crescente na modernidade, devido 3 psico- patologia da sociedade de consumo, que se carac- 7 Palavras-chave: 6rgdos dos sentidos, simbolo fungies estruturantes fa visio, a audigéo, do olfato e do palader, hardware- software, teoria arquetipice da historia. Jnnguians teriza por um dinamismo patriarcal defensive psicopético, dvido de expansio e de lucros e que prostieu e estimula a voracidade matiarcal atra- vés da magia da propaganda, em grande parte iluséria ¢ manipuladora. A histeria vieja na ce pressio ¢ as adig6es na psicopatia cultural, dal a importincia de conhecermos o simbolismo dos egos dos sentidos no Self individual e cultural Os érgios dos sentidos como fangées estruturantes Cada 6rgio dos sentidos opera de inimeras ‘manciras como simbolo e unio estruturante. ‘Uma imensa enciclopédia, por maior que fosse, jamais poderia incluir todas essas variedades, poissfo praticamenteinfnias. As fungées fisiol6- {gieas sio relativamente compariveis ao hardware do computador. Quando agregamos a elas seus ‘componentes subjetivos ¢ as percebemos como fungoes estruturantes, podemos concebé-as tam- bém como sofiwares, produzides pela cultura milenar da humanidade, a qual chamamos cis lizagao. E evidente que 0 eérebro é muito mais complexo que um computador, mas essa analo- gia relativa é importante para percebermos 0 extraordindrio significado da cultura em relagio a0 genoma, fato despercebido pela psiquiatria moderna, devido ao seu compreensivel, mas las- timavel, deslumbramento diante das descober- tas da neuropsicofarmacologia, Os computadores imitam 0 cérebro, mas ainda esto muito aquém dele. A comparacso entre 0 computador o cérebro exemplifica cria- tivamente as caracteristicas de um e de, outro. Dentro dessa metéfora relativa, 0 hardware éa parte estrutural geneticamente herdada € software, & parte funcional, nao herdada, que € repassada pelo aprendizado de geragio em ge- ragio. O hardware & a nossa capacidade de falar herdada geneticamente, mas, quando falamos _portugués, inglés ou alemio, empregamos ioft- mnados pelo aprendizado. Se ima- _ginarmos que o conjunto de mutagdes que for- maram a nossa espécie e 0 nosso eérebro tem aproximadamente cem mil anos, que durante wares condi 8 noventa mil anos morrlamos de fome porque ‘io sabfamos nem pastorear, nem plantar, €que hoje, com os mesmos neurotransmissores ¢ arquétipos, voamos no espago sideral, conclui- ‘emos, sem sombra de divida, que os softwares que repassam as geragies fururas 0 que foi criado pela civilizaggo tém o poder de atualizaro imenso potencial da estrurura genética dos hardivares que herdamos ao nascer. Descreverei, sumarissimamente, os Srgios dos sentidos como fungées estruturantes ¢a cada tum associarei um exemplo de manifestagio sociocultural. Juntamente com a visio mencio- narei a pintura; com a audigéo, a miisica; com 0 paladar, os temperos ¢ 0 vinho; com 0 olfaro, 0 perfume: e com o tat0, 2 cosmetologia. Dessa forma, 0 leitor poder perceber, pela sua imagi- nagio, a imensa capacidade cultural que as fun- 6605 dos drgios dos sentidos tém para formar a consciéncia ea sombra, quando percebidas sim- bolicamente como fungées escrururantes. Aviso AA visio tridimensional (estercoseépica) ¢ em cores €uma conquistaevolutiva dos primatas junto ‘com a bipedestagdo. Essa visio requer queo cam- po visual dos dois olhos se sobreponha pelo me- ‘Ros em parte, o que se toma factivel quanto mais 0s olhes se situarem na parte anterior do crinio, A evolugéo da visio foi acompanhada pela aquisi- so do movimento de oponéncia do polegar na ‘mio dos primatas, 0 que sofisticou extraordina- lamente 0 manejo das coisas ¢ ensejou.o au: ‘mento progressivo do brincar com os objetos para conhecé-los ¢ manuseé-las com destreza. Foi essa conjungio fantéstica entre 0 eérebto, a visio e as ‘ios dotadas da oponéncia do polegar que nos permitiu chegar as maravilhas da tecnologia moderna. A aplicagio dessa tecnologia & pré- pia visio ampliou extraordinariamente o aleance da.dimensio microse6pica ¢ macroscépica. A pincura é exemplo da conjungio criativa entre 0 cérebto, a visio e as mios na dimensio cstética A visio como fungio estruturante é tio impor- ‘ante que “luz” é freqiientemente usada como Junguiana sindnimo de criagao da consciéncia ¢ “ver”, como sinénimo de conhecer. Nao & por acaso que uma mensa gama de simbolos ps{quicos se apresenta pela imagem. Esse fato impressionou tanto Jung que, em muitas partes de sua obra, ele referiu-se aos simbolos expressos pelos arquétipos como sinnimos de imagens arquetipica. A visio ea pintura A visio estereoscbpica e em cores altamente sofisticada, articulada com a oponéncia do po- legar ea mobilidade manual, tornou a pintura uma fungio estrururante de grande importincia na hist6ria da civilizagao. A diferenciagao em cores do mundo nossa volta, das roupas, da ‘moradia ¢ do corpo, com 0 tempo se consttuiu ‘num software significative para a organizacio € © funcionamento da conscigncia individual coletiva. O advento das escolas de pintura e 0 desenvolvimento das técnicas atisticas correlatas ppermitiram cada ver mais e melhor 2 reprodu- Glo e modificagio da natureza e do ser humano pela imaginacio. Aaudigao “Trata-se de uma fungio estruturante que cons- tr6i a consciéncia conhecendo ¢ catalogando as coisas através do som. Se a bipedestagao se uniu a visio & oponéncia do polegar, aumentando nossa capacidade global, com a audigio ¢ 0 olfato nio foi assim, Ao contrério, nossa faculdade auditiva eolfativa diminuiu muito com a evolu- cio ea bipedestagio. A bipedestasio aliada a vi- sfo inseriu os primatas nas polaridades “acima abaixo” e-“céu-terra”, 0 que, na nossa espécie, reve grande repercussio cultural nas polaridades “chio-drvore’, “espirtual-material” ¢ *reino do céu-reino da terra”. Para os quadnipedes, a olfacio ea audigio sio fungoes estrucurantes mais importantes para conhecer, catalogar ¢ lidar com as coisas pelo fato de eles andarem voltados para © chio ¢, por isso, muito mais desenvolvidas neles do que em nés. Espécies aladas também nos ultrapassam na audiglo, como, por exemplo, cos morcegos, que voam por radar. ‘A diminuiggo da importincia da audigio € da dimensio sonora, em relagio & visio, na evolugio fisioldgica do sistema nervoso foi, no entanto, altamente compensada ¢ até mesmo invertida na culeura com o desenvolvimento da yguagem. O aparelho auditivo ¢ o receptador sonoro ¢, pot iso, é inseparivel da fala, nosso cemissor sonoro através da fungdo estruturante da respiragio. © software da linguagem & dos mais complexos e poderosos da nossa espécie, faco que transformoua audigéo em uma das fun- ofes estruturantes mais significativas da civi lizagio. E bem verdade que a descoberta da \guagem escrita reverteu relativamente essa vantagem 20 promover a visio em detrimento we da audigio. Entretanto, nos casos de cegu: © tato que a substitui (alfabero Braille). Aaudigéo ea misica Um dos sistemas estruturantes mais impor- tantes derivados da fungéo estrururante da audi- gio é a miisica. Apesar de a teoria musical ter softido também o impacto histérico da lingua- gem escrita, sua esséncia permaneceu auditiva. ‘Ao passar da dimensio sonora para a escrta, a linguagem teve uma nova fase histérica muito importante no que se refere 3 difusio da culrura pela visio. Alavancada pela descoberta da im- prensa — Gutenberg, 1444 a linguagem escrita propiciou o desenvolvimento da literatura, que nna dimensio cotidiana originou o jornal. Parale- lamente, porém, as descobertas do telefone e do ridio deram novo impeto & linguagem falada Num terceiro momento, o cinema ¢ a televisio acabaram por reunir, na modernidade, a audi- cio € a visio nos drgios de comunicagio € na produgio criativa da cultura, Infelizmente acons- ciéncia planeriria ainda nao se deu conta de todo 6 potencial estruturante pedaggico dessa unizo (Buetow, 1996, cap. XID. uso defensivo da telecomunicagio, prosti- ‘ulda e manipulada pela propaganda a servigo da ‘ganincia na sociedade de consumo, fabricou 'pro- gramas de diversio” em escala planetiria, cuja criatividade altamente sofisticada € faustamente ‘Ao passar da dimenso sonora para aescrita, a linguagemteve uma fase muito importante. Oalfato tornou-se Junguions premiada consiste em apresentar 0 dbvio de for- liversificada, Um pequeno exemplo sio as “pegadinhas” nas quais se desenvolvem mil for- mas de humilhar pessoas desavisadas colhidas aleatoriamente na populagio. Outro exemplo sio 0s reality shows, exibigio da intimidade secreta, antificialmente fabricada ¢ exposta, de pessoas recrutadas ¢ agrupadas durante algumas semanas para ese fim, A partir data perversio voyeurita- cxibicionista é critivamente desenvolvida em for- mas cada ver mais sofisticadas de prostituisio Esa stratégia de marketing fabrica um nimero crescente de ‘vidiotas’, adictos a0 voyeurismo ¢ que, quanto mais “se divertem” com 0 exibi cionismo, tanto mais mediocres se tornam. Oolfato ‘Mesmo intensamente diminuido em impor- ‘ncia no genoma humano quando comparado aos quadripedes, o olfato se tornou uma fun- ‘40 estruturante civlizatsria significative. No centanto, junto com 0 tato, 0 olfato foi intensa- ‘mente cerceado ¢ deslocado devido & sua capa- cidade de percepcdo das zonas erdgenas. Repu- diando os odores naturais do corpo, a maioria das culturas busca disfargé-los com rituais de limpeza, dentre os quais se destacam varias for- mas de banho ¢ de odores artficais. Influen- iada pelo puritanismo, a fangio olfativa cres- eu na cultura em direcao contriria 20 odor de nossas secregdes, 0 olfato-e o perfume A extraordindria variedade de perfumes ¢ 0 requinte de sua criagfo pelas mais diversas com- binagdes quimicas transformaram 2 funsio estruturante do olfato numa das mais sofistica- das fungbes da cvilizagio, por ur lado altamente ctiativa, mas, por outro, muito defensiva, pois esconde a pujanga dsnossas glindulas cutaness ‘Ao deliciarmo-nos ecea os perfumes, eransforma- ‘mos o olfato em arte que nos encanta ¢, zp mesmo tempo, oculta a verdade olfativa do nosto corpo. O disfarce dos odores corporais & fator causal da abertura do mercado & indistria da 10 perfumaria. Quanto maior a repulsa a0s cheiros naturais do ser humano, tanto mais rica toma-se essa indiistria jé hoje bilionétia O paladar O condicionamento alimentaré parte impor- tante do Self culeural e matizaa identidade cole- tiva com qualidades caracteristicas. O software do paladar que mais influenciou a civilizagio foi, sem diivida alguma, a introdugio da carne no cardépio da nossa espécie. Os costumes huma- nos diferenciaram as culturas através dos tem- pos, modificando 2 alimentasio em funcio do paladar edo olfato ese tornando marcos na iden- tidade ¢ na histéria das nagées, Basta pensar ‘mos nas culturas do café, do agticar e do gado na histéria do Brasil para ter uma pequena idéia dessa importincia. Apesar de os temperos fazerem a gléria da caulindria, eles também tém um aspecto defensivo que aliena a fungio estruturante do paladar ¢ os transforma em ditadores unificadores do gosto dos alimentos. Desde a infincia somos condicio- nnados aos temperos tipicos da nossa cultura, 0 que freqiientemente nos torna intolerantes preconceituosos para poder apreciar 05 tempe- 0s de outras etnias. Além disso, os temperos freqtientemente podem fazer mal, como, por exemplo, o sil, 0 acticar e os adosantes e a gor- dura, Hi tempos comecci a tomar café sem agii- care sem adogante e “descobri” uma bebida de paladar extraordinério que hoje degusto como ‘um veidadciro licor, Ultimamente experimentei comer sem sal, azeite, agticar ou adocante ou qualquer condimento e me dei conta de que cada alimento tem um gosto muito particular que os temperos, por sua eapacidade de uniformizacao, hhaviam escondido de mim até hoje. A diferencia- 40 €0 enriquecimento da minha fungio gusta- tiva tém sido muito gratificantes. $6 mesmo degustando para saber ‘Como para 0s remédios, podemos também afirmar sobre os temperos que a diferenga entre © envenenamento € a nuttigio é a dose. Anali- sando o flagelo social da diabere, da obesidade ¢ Junguiens das doengas cardiovasculares, cujo tinico grande competidor ¢ 0 cincer, podemos dizer que a dependéncia alimentar do agiicar, do sal ¢ da gordura os tomou temperos malditos na cultura ‘ocidental, ¢ somente a normopatia, a adigio, a ignorincia e a insensatez justificam continuar- mos condicionando nossos fills a eles. A capa- cidade de gerar doencas desses temperos, que cocupam lugar de destaque em qualquer lancho- nete, ultrapassa em muito o poder destrutivo das adigoes a0 tabaco, a0 alcool e is drogas eda dependéncia crescente aos psicotrépicos, se computarmos 0 ntimero de pessoas atingidas. O paladar, 0 olfato eo vinho ‘As bebidas, dentre elas o vino, tiveram um papel civilizatério importante na formacio da tradigao ¢ do orgulho dos povos, pelo fato de a ‘sensagio gustativa ¢ olfativaaliar-se is alteragées quimicas da consciéncia, freqiientemente com fungio euforizante. Nio foi por acaso que Dionisos, deus do éxtase e do entusiasmo e dor do vinho ¢ da tragédia, € consagrado em rituais iniciatérios de grande espiritualidade (Fuexz, 1988). Orato ‘Trata-se de um sentido cuja sensibilidade no ser humano foi muito limitada pelo desenvolvi mento cultural. Nés 0 encobrimos progressiva- ‘mente com o vestuério em fungio do clima, da moral ¢ da vaidade. O tato e a cosmetologia ‘A fungio estruturante do tato teve um papel ‘muito importante na diferenciagao da identidade sexual através da cosmetologia, cultivada pela mulher e vetada para o homem na cultura ociden- tal. A modernidade e a diferenciagio progressiva dos direitos civis tm diminufdo esse desnivel por ‘meio da moda e dos costumes unissex. O tato e a intimidade A fungfo estruturante do tato, que expressa a intimidade social como nenhuma outra foi culturalmente reduzida as formas estereotipadas de cumprimento, a alguns esportes, & danga, 3s -massagens e& sexualidade. Esse redutivismo étanto ‘mais presente nas culturas quanto maior ¢ 0 cer- ‘ceamento do arquétipo matriarcal pela dominancia cdo arquétipo patriarcal nelas existente. Esse cer- ceamento cultural do tato tem sido talver um grande responsivel pela pouca intimidade que nossa espécie usuftui, apesar de ser gregira O quatémnio arquetipico regente ahistéria da pintura ocidental © quatémio arquetipico regente é formado pelos quatro principais arquétipos que regem o processo de elaboragio simbélica: arquétipo matriarcal, caracterizado pela sensualidade; patriarcal, pela organizacio; arquétipo da alteri- dade, pela interagio dialética das polaridades; cearquétipo da totalidade, caracterizado pela con- templasio do Todo. A elaboragio de cada sim- bolo passa sucessivamente pela dominancia de cada arquétipo regente, Isso se aplica & elabora- 40 de um simbolo no momento individual, nas fases da vida ¢ nas épocas da histéria. Assim, descrevi uma teoria arquetipica da histéria (uinctos, 1983) que apliquei a histéria da humanidade ¢ que empregarei agora, sucinta- mente, para a histéria da pintura ocidental. No mesmo século XIII em que Dante dei- xou 0 latim para escrever a Divina comédia em italiano, a singeleza da pintura de Giotto (126- 1336) ede Cimabue (12402-1302?) rompeu com a tradigio bizantina’ inaugurou a arte ocidental moderna. A dominancia arquetipica dessa fase pode ser associada & sensualidade da expres- jade matriarcal, pois expressa a pintura essencialmente motivada para buscar tecnica~ mente a espon-ancidade afetiva e o prazer devocional religioso, pictérico-narrativo, sem nenksima imposigio ou compromisso primério com tiormas e tradigées. E uma época de gran- de esforgo de reconquigta ¢ aperfeigoamento da capacidade mimética, desenvolvimento de teu- ques ilusionisticos na tentativa de reproduzir 0 aspecto visivel do mundo por meio das artes ¢ i Aclaboragdo de cada simbolo passa sucessivamente pela dominan: do arqu regente. Jungui da descricio psicolégica dos individuos na nar- tagdo das histérias sacras. © mimetismo ¢ 0 ilusionismo das imagens ~ aspecto caracterfstico da Antiguidade greco-romana— tinham progres- sivamente perdido o inceresse nos dltimos anos do Império Romano por diversos fitores, entre cles a difis4o do cristianismo e sua comun fo simbélica estereotipada com grande capaci dade de abstragao, como, por exemplo, o peixe, a pomba ea uva como simbolos da divindade. Esse caminho continuou pela progressiva macs- tia técnica dos artistas do final dos séculos XV eXVieau ret6rica e persuasiva das imagens como instru- ‘mento para a doutrina no final do século XVI © durante 0 século XVI, que atinge o seu auge na igo sempre maior da capacidade teatratidade da arte batroca, Através do gético, do maneitismo e do bar- toco, durante cinco séculos vernos 0 aperfeigoa- ‘mento crescente da técnica, inclusive quimica, com a inovagio da pintura 2 leo, atribuida a Jan Van Eyck, com um conhecimento cada vez maior da petspectiva e da habilidade de cepte- sentar objetivamente a realidade nos seus meno- res detalhes € movimentos. Por certo, além dos aspectos objetivos, cresce também a capacidade de pintar nuangas subjetivas de emogies e senti- mentos de forma cada vez mais pungente, proporcio- [—— nalmente & genialidade dos grandes mestrs, tio bem expressa na tcoria | dos “afetos” de Leonardo | Da Vinci, que pesquisava | a gestualidade € expres- s6es do rosto como espe- Iho dos sentimentos ¢ da personalidade. Essa super- exiggncia perfeccionista da exatidio técnica origi- nou 0 fascinio pela pers- pectiva. Inventada noi cio do século XV em Flo- renga, a perspectiva visava organizar a cepcesentagio 12 a da realidade dentro do quadro ¢ aumentar sua capacidade ilusionista,inicialmente com o ponto de vista central que dé a ilusio de controle da realidade. O artificio da perspectiva juntamente com a busca de representar a exatido das for- mas, do movimento ¢ da organizagao espacial € a devogio religiosa em funcio da representa- tividade do real subjacente a esse periodo carac- terizam a dominancia organizadora do arquétipo pattiarcl. Aadmiraso perfeecionisca pela grandio- sidade clissica ¢ a voracidade pela riqueza do seu imagindrio levou a ressuscitagio da micologia {gfeco-romana que inundou 0 Renascimento. As generalizagbes costumam atropelar as indi- viddualidades e, por isso, despertam 0 desprezo dos ‘specialists, apesar de serem muito tteis quando evar a0 conhecimento. De forma alguma quero dar a impressio ao letor de que, por meio de um psicologismo simplério ¢ redutivista a0 extremo, estou empacotando a genialidade de Da Vinci, Michelangelo, Rafael, Boticeli,Tintoreto, Tiziano « tantos outros dentro do rétulo do arquétipo Patriacal. Quero que o leitor possa percebes, com ‘ssa abrangéncia, por que, no século XIX, os sales oficinis de Paris rejeitaram como ndo-arte 0 movimento impressionist e eudo.o queseguiu para caracterizar a arte moderna no séeulo XX. Ativado intensamente pelo padrio dialético da compainao expresso pelo mito cristio, © arquétipo da alteridade continuou sua implantagdo socio- cultural no Ocidente de for- sma cada vez mais intensa, | Ascién Ses politicas © as artes as transforma- ‘quebraram as amarras da dominancia patriarcal e aprofundaram a + dade. No século XIN¢com ‘© impressionismo, movi- mento que surge concomi tancemente as pesquisas de ética, em fungio da Junguiana expressividade da imaginagio, teve infcio a rup- tura com a exatidéo representativa da forma. Junto com o socialismo emergence, a pintura impressionist saiu das igrejas, das cortes ¢ do atelié para o meio da burguesia e das variagées, da luz do dia, Apesar do reacionarismo patriar- cal eltista dos saldes, a alteridade em marcha ultrapassou progressivamente a representativi- dade classica da forma. Seguiu-se 0 expressio- riismo, no qual os artistas registravam a visio subjetiva das pessoas e das coisas por meio de formas ¢ cores, libertando a arte da submissio incondicional ao naturalismo. Trarava-se de um movimento de manifestagio do imaginario subj tivo, sobrepujando as regeas da visio objetiva. ‘A geomettizagao da forma no cubismo foi um acinte para as curvas do real objetivo © contri- bbuiu para o real fantistico do surrealismo, que coroou o inconsciente ¢ 0 sonho como deposité- rios da verdade. Rompeu-se com a tradigio da subordinagio da pintura até mesmo ao pincel tinta e surgiu a colagem com os materais mais diversas, chegando-se ao extremo do uso da sucata de ferro. A alteridade na arte requereu liberdade ec expresividade absoluras, e essa conquista final vei de forma simbélica escandalosa quando Duchamps suspendeu um mictério no are, com a sua assinatura, proclamou-o um objeto de arte. Foi como se 0 arquetipo da alteridade exigisse que ‘0 verso abandonasse a métrica € a rima, que 2 iisica no se restringisse& scala diaténica © que a pintura se livrasse da imitagao das aparéncias. caminho para a arte moderna atingiu seu apogeu na segunda metade do século XX com 2 liberacao total das formas e dos materiis junto com todas as ares. A alteridade da criatividade, que tudo pode empregar e por tudo é reconhe- cida, ampliou ¢ transformou de tal maneira 0 processo ctiativo que este se abriu para o Todo planecdrio e passou a reconhecer € respeitar 0 valor e a pertinéncia da arte de todas as culturas de todos os tempos. A fungio estrururance da visio ¢ sua manifestagio na pincura e na escul- ‘ura modernas revelam hoje a dominancia da sua elaboragio pelo arquétipo da toralidade, com suas caracteristcas de abrangéncia h processo de globalizacio em curso. Concluséo ‘Quando percebemose estudamos os éxgios dos sentidos como fungées estruturantes da conscién- «ae da sombra, vemos com clareza como sua fu 0 fisioldgica ulcrapassada pelos significados sim- bios que expressam para desempenhar um pa- pel extraordinério no proceso cvilizatério ena concepgio de uma Medicina Simbslica, Registro com muita satisfucao a contribuigdo de minha filha Elisa nesta e em algunas ourras passagens do artigo, referent: i bstévia da arte, aca de recebimento: 8062002 13 Innguiana AESTRUTURA E DINAMICA DO SELF Processo de elaboragao simbélica Vivéncias — Ss Vivenelas Supraconsciéncia ey Conseléncla Eixo simbélico Sombra Persona critva _dominantemente dominantemente Persona defensiva + consciente inconsciente + Ego-Outro Ego-Outro tt tt Introjegdo ~ Projecto Fungéo transcendente Introjegéo ~ Projegao at Fungao sacriticial +t Fungio avaliadore t Fungdes estruturantes Fungio ética FungSes estruturantes dos sentidos Fungdo estética os sentidos Sinko cts fois ass Posigdes arquetipicas Ego-Outro Fungdes estruturantes dos sentidos Dimensbes simbélicas Inditerenciada Corpo-Natureza-Sociedade Insular ‘deia-Imagem-Emagdo-Palavra-Numero Polarizada Dialetica Fungbes da consciéncia Contemplatva Pansamento-Sentimento Quatémio arquetipico regente Intuigao-Sensagao ‘Arquétipo da alteridade Aiitudes Ego-Outro Ce “So Atitudes Arquétipo central Edroverséio-Introversio Fase Aietiee Arquétipo da vida e da morte Arquétipo ia matraree Arquétipos do coniunctio e do herd patriarcal ‘Arquétipo da totatidade emais arquétinos demais arquétipos 14 Junguions AIO a © autor estuda os érgios dos sentidos como fFangaes estruturantes da consciéncia individual e coletiva e da sombra individual e coletiva. Consi- dera que as fung6es fisiolégicas percebidas com seus significados simbélicos, formando Fungoes estruturantes da consciéncia, sio umm marco im- portante para ultrapassar a dissociagio mente- corpo € conceber a Medicina Simbélica. Com: parando 0 cérebro a um computador, argumenta ‘que as Fungies Fsioldgicas sio equivalentes aos ardwareseas fungBes estrucurantes, aos sfioares Pretende com isso chamar a atenclo para o ex- traordindtio crescimento da consciéncia ¢ a for- ‘macio da sombra pela civilizacio, fato que tem sido pouco considerado pela psiquiattia moderna, devido a0 seu justificvel, mas lamentével, fasct- no pela neuropsicofarmacologia. ‘A seguir, tece consideragées resumidas sobre cada érgio dos sentidos pereebidos como fungbes estruturantes ¢ comenta a expressvidade da visio pela pintura, do olfato pelos perfumes, do paladar pelo vinho, da audigao pela miisica e do taro pela cosmetologia. Considera que, enquanto a cultura aumentou o poder da visio eda audigio, o mesmo no ocorreu com o olfato, 0 paladar e o tato. Finalmente, & guisa de lustrar o papel da cul- tura na evolugio dos drgios dos sentidos como fungdes estrururantes da consciéncia individual ¢ coletiva, 0 autor aplica sua teoria arquetipica da histéria ao desenvolvimento da arte moderna, cy a ‘The author studies the sense organs as structuring functions of individual and collective consciousness and shadow. Comparing the brain co a computer, he argues that physiological functions are equivalent to hardware and struc- turing functions to software, With this compa- rison, the author intends to call attention to the extraordinary transformation of consciousness brought aboutby civilization, 2 fact which modern psychiatry fails to consider due to its compre- hensible but unfortunate fascination for neuro- psycho-pharmacology. ‘Next, the author briefly considers each sense ‘organ when seen as a structuring function and considers the expression of sight through painting, hearing through music, smell chrough perfumes, taste through wine, and touch through skin creams. He remarks that while the power of vision and hearing were enhanced by culture, thesame did not happen to smel,tasteand touch. Finally, the author applies his archetypal theory of history to the history of modern art ro illustrate the cultural development of the senses seen as structuring functions of individual and collective consciousness and shadow. Parner Breton, C. A. B, (1983). Uma teoria arque- tipica da histéria. O mito cristio como prin- cipal simbolo estruturante da implantagio de padrao de alteridade na cultura ocidental. Junguiana,n. 1, p. 120-170. BuncTon, C. A.B. (1996). Pedagngia simbdlica Rio de Janeiro: Rosa dos ‘-mpos/Record. Fierz-Davp, Linda (1988). Women’ Diongsian Initiation ~The Villa of Mysteries in Pompeii. * ‘Texas: Spring Publications. 15

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