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Processo Penal Canônico (Artigo Padre Amenta)
Processo Penal Canônico (Artigo Padre Amenta)
Encontro Anual
Natal, julho de 20171
Foi-me pedido para ilustrar o processo penal canônico em suas várias fases.
Consequentemente, devendo ocupar-me com o processo penal, darei por conhecidas as
normas do direito substantivo penal contidas no Livro VI, concentrando-me somente no
Livro VII do Código, salvo as recordações estritamente necessárias. Pelas indicações
recebidas, eu me ocuparei da parte, digamos assim, teórica deixando então para o
Ilustríssimo e Reverendíssimo Colega Mons. Jaeger mostrar os exemplos práticos tirados
de causas concretas que foram tratadas no Tribunal Apostólico da Rota Romana. Depois
de ter preparado essas conferências, dei-me conta que o tempo não será suficiente para
dizer tudo aquilo que escrevi. Portanto, limitar-me-ei a ilustrar alguns pontos que
considero ser de maior importância, deixando todo o resto ao escrito que, com certeza,
será certamente mais orgânico e menos fragmentário da comunicação oral.
1. Introdução
Permito-me somente recordar, nessa sede, que são aplicáveis à sociedade eclesial alguns
dos postulados que fundam o direito penal nas sociedades democráticas. Mesmo não
sendo a Igreja uma sociedade democrática no sentido estrito do termo, todavia,
compartilha com elas alguns princípios fundamentais, primeiro entre todos é a
centralidade do conceito de pessoa, que constitui também o ponto de partida de uma
concessão democrática do direito penal.2 Nessa visão, que podemos também chamar
personalista, a pessoa humana goza de uma esfera de autonomia própria sua que não
pode ser debilitada ou agredida sem comprometer as bases próprias da convivência. Mas
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na Igreja o indivíduo, além da dignidade que caracteriza cada pessoa humana, é também
um christifidelis, se é batizado e, portanto, sujeito de direitos e deveres peculiares que se
acrescentam àqueles sancionados pelos códigos civis (cân. 96). A pessoa é, daí então,
portadora de interesses que estão estritamente ligados à autonomia da pessoa e, no caso
dos batizados, interesses peculiares de qualquer modo invioláveis que estão em estreita
correlação com os status de pessoa batizada e de membro da Igreja. Tanto uns com
outros interesses são invioláveis. O crime outra coisa não é que a violação de tais
interesses que se referem à esfera do sujeito e que se relacionam com o seu estado de
christifidelis e, isto é, de membro da Igreja. Por isto, além dos crimes sancionados
civilmente, existem crimes próprios da esfera eclesial: aqueles violam os direitos civis da
pessoa humana e do cidadão, esses violam os direitos da pessoa enquanto membro da
sociedade eclesial. O crime, portanto, se define a partir do bem jurídico que agride ou
lesa. Está aqui a objetividade do crime: a lesão de um bem jurídico individual inviolável.
Permiti-me chamar a atenção para esse dado fundamental, porque ocorre sempre
distinguir bem como, com qual meio sancionar um comportamento ilegítimo. Como é
conhecido, o Código canônico não entendeu tipificar com lei penal todo possível
comportamento ilegítimo, mas é inegável que existam comportamentos ilegítimos os
quais, mesmo não sendo postos em violação de uma lei penal, ponham-se todavia como
violação de um comportamento adequado de responsabilidade: coloquemos, por
exemplo, os ilícitos em matéria econômica. Tais comportamentos ilícitos, mesmo não
sendo um delito veri nominis, porque não são postos em violação de uma determinada
lei penal, porém são sancionáveis pela legítima autoridade. Por isto, são previstos meios
penais: remédios penais, preceitos penais, penitências, privações e outros remédios,
previstos pelo Código ou deixados à discrição da autoridade eclesiástica e que podem ser
aplicados não necessariamente resultante do processo penal descrito no Livro VII. É o
caso, por exemplo, da demissão do estado clerical, que pode certamente ser culminada
pelo juiz consequente do processo penal, mas também irrogada pela autoridade
executiva, nesse caso pela Congregação Romana competente. Também o caso da
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remoção forçada de um pároco goza de um procedimento especial (cân. 1732-1752) e,
portanto, não entram a princípio na tratativa de um processo penal. Existem pois as
ações rescisórias que se referem aos contratos ilícitos, nos quais é reconhecível uma
responsabilidade direta do administrador dos bens eclesiásticos. Ou mesmo outros
comportamentos ilícitos, coloquemos um ato de administração extraordinária feito sem
o consentimento do conselho econômico. Trata-se de atos inválidos, a norma do cân.
1281, que além de uma ação rescisória podem comportar o ônus da restituição no caso
de dano pela pessoa jurídica. A falta de tribunais administrativos na Igreja tem como
consequência que tais comportamentos ilícitos, se não deferidos ao tribunal civil, são
resolvidos ex bono et aequo pelos Ordinários, depois de oportunas verificações.
Enfim, existem comportamentos que podem apresentar perfis de iliceidade, como por
exemplo a demissão forçada de religiosos pelo próprio Instituto, que nunca são objeto de
um processo penal e são resolvidos a norma das Constituições e confirmadas pela
competente Congregação Romana. Mesmo querendo chamar a juízo o Superior religioso
geral junto ao Tribunal Apostólico da Rota Romana, obsta o prescrito pelo cân. 1400, §
2 que recita: “… controversiae ortae ex actu potestatis administrativae deferri possunt
solummodo ad Superiorem vel ad tribunal administrativum”. Só o ato administrativo
da demissão não pode, portanto, ser objeto de exame do tribunal, mesmo que tenha sido
ilícito na substância, ainda que correto no procedimento. O único caso em que tais
controvérsias podem ser objeto do processo penal é o caso em que o ato da potestade
administrativa tenha lesado um direito subjetivo ou um interesse legítimo do sujeito
passivo, coloquemos uma forma difamatória (o religioso demitido porque foi acusado de
apropriação indébita, de furto, ou outro delito infamante). Trata-se de questões muito
difíceis, porém, sobre as quais não nos deteremos que talvez – ao menos por modesto
parecer do conferencista – requereria um revisão legislativa, ou seja, a oportunidade que
também os atos da potestade administrativa que podem causar prejuízo à pessoa possam
e devam ser submetidos ao controle jurisdicional.
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No que concerne a estrutura do processo penal, o capítulo primeiro (cân. 1717-1719)
contém as normas referentes à investigatio praevia; no capítulo segundo (cân. 1720-
1728) estão contidas as normas que se referem à evolução do processo. Há, pois, um
terceiro e breve capítulo, que contém as normas que presidem a ação de reparação do
dano (cân. 1729-1731). Essas normas pressupõem as normas substantivas do Livro VI, os
cân. 1341-1353, sobre a aplicação das penas, como também os cân. 1321-1330, que
regulam a imputabilidade penal. Portanto, o segredo para desenvolver bem um processo
penal é assegurar sempre a ligação entre direito penal substantivo e direito processual
na forma do contencioso ordinário, harmonizado sabiamente com as normas especiais
do processo contidas na parte IV do Livro VII.
Tendo presente esse princípio, deve-se dizer que é tarefa de cada Ordinário local de
perseguir à punição dos delitos. Fechar os olhos diante de uma conduta delituosa, é sinal
de fraqueza, de irresponsabilidade, mesmo quando estas sejam disfarçadas de
magnanimidade ou de tolerância. O Ordinário em razão do seu ofício tem a obrigação de
vigiar sobre a observância da disciplina eclesiástica (cân. 392). A obrigação de perseguir
os delitos com os instrumentos próprios do ordenamento eclesial faz parte desse dever
mais amplo.
O processo penal difere dos outros processos contenciosos antes de tudo porque prevê
uma inquisitio praevia. Ela é necessária para poder verificar o fundamento da acusação.
A esse propósito, ocorre precisar que não são admitidas as denúncias anônimas. Não
pode ser crível uma denúncia feita por quem não assume a responsabilidade plena da
acusação. Ainda mais, para alguns delitos, como por exemplo a difamação, pode-se
proceder somente em seguida à uma querela de parte.
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dá nenhum ressarcimento do dano onde o acusado não seja reconhecido responsável do
delito e dele seja reconhecido imputável.
Uma última anotação é feita sobre um argumento bastante desconhecido mesmo para
espertos juristas: a sentença ou o decreto de condenação pode ter lugar somente quando
– além da certeza do delito e da sua imputabilidade referente ao acusado – não interveio
a prescrição.
O que foi dito acima pode parecer um fato meramente técnico, mas infelizmente foram
verificados casos, e não raros, de pessoas acusadas de graves delitos – por exemplo a
pedofilia – que foram julgadas e punidas quando estavam prescritas seja a ação criminal
que a ação penal. A mesma Doutrina da Fé, como é conhecido, para prevenir esses casos,
teve, no Motu Proprio Sacramentorum sanctitatis tutela (art. 7) elevar para 20 anos a
prescrição da ação criminal e fazer decorrer a prescrição da ação penal no delito de abuso
sexual de menores não mais a partir do dia do cometimento do delito, mas a partir do
dia em que o menor tenha completado 18 anos de idade. Portanto, a Congregação para a
Doutrina da Fé poderia também instituir um processo e punir um réu de abuso sexual de
menores mesmo depois dos 30 ou mais anos. Tal medida legislativa tem um indubitável
valor político (demonstrar que a Igreja não trata com leveza esses casos), mas um escasso
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e talvez um danoso valor processual, pela dificuldade de encontrar provas depois de
muitos anos. Dizia a esse respeito o grande processualista M. Lega: “…tractu temporis
evanescit seu cessat illa ordinis socialis perturbatio crimine inlata; unde fluit
principium poenam eo esse efficaciorem quo citius sequitur delictum … Imo tempus est
praescriptionis fundamentum et ratio, quippe expedit reipublicae ut crimen quod est
iam a memoria hominum et est veluti in re publica abolitum et sopitum cuius perniciosi
effectus non amplius persentiuntur expedit, idem in memoriam non revocare et in
iudicialem contentionem ne scandalum et animorum perturbatio renovetur”.6
A investigação prévia advém de uma notícia de delito. Ela pode chegar ao Ordinário por
diversos meios. Além da denúncia, também a querela, o conhecimento direto no
decorrer, por exemplo, de uma visita canônica, mas também as vozes e a fama pública,
segundo afirmava o cân. 1939, § 1 do CIC17. Ainda, as informações recebidas por
colaboradores, denúncias formais feitas por meio da impressa, notificações recebidas da
autoridade competente do país. Não são admitidas as denúncias anônimas, como já
disse, nem aquelas manifestamente feitas por vingança por parte de inimigos do acusado.
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indícios: “…notitiam saltem verisimilem…” (cân. 1717). A notícia deve referir-se à um
delito já praticado, público (se oculto, não dá lugar ao processo porque o recolhimento
das provas causaria o efeito de divulgá-lo).
Recebida a notitia criminis, o Ordinário decide se inicia a investigação prévia, a qual será
absolutamente supérflua no caso de flagrante delito na presença do próprio Ordinário ou
se o próprio delinquente se acusa do delito e a acusação não pareça simulação. O
Ordinário procede dessa forma antes de tudo para verificar a própria competência, para
considerar o fundamento do delito para poder decidir se dá início à investigação prévia.
Competência:
Repito: a finalidade da investigação prévia não é aquela de infligir uma sanção. Trata-se
de um procedimento de averiguação do fundamento da acusação e da imputabilidade do
delito cometido pelo acusado. Ela abre a estrada aos diversos meios de correção, que
dispõe a Igreja: a imputação da pena, seguido de um processo penal, é prevista pelo
direito canônico como ultima ratio. Assim expressa o cân. 1341: “Ordinarius
proceduram iudicialem vel administrativam ad poenas irrogandas vel declarandas
tunc tantum promovendam curet, cum perspexerit neque fraterna correctione neque
correptione neque aliis pastoralis sollicitudinis viis satis posse scandalum reparari,
iustitiam restitui, reum emendari”. Consequentemente, não é lícito impor uma pena
depois da investigatio praevia e nem depois de um verdadeiro e próprio procedimento
penal que vem somente após a investigatio praevia, se o Ordinário esteja convencido
que possam ser atingidas as finalidades de reparação do escândalo, restauração da justiça
e correção do réu (o acusado reconhecido de verdade culpado) com outros meios, ao
invés, da pena.
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A teor do cân. 1717 são três os elementos que formam o objeto da inquisitio:
Uma vez verificada a violação externa, se presume a imputabilidade do delito (cân. 1321)
a menos que apareça diversamente. Atenção, porque na normativa canônica a punição
do delito é prevista somente se há dolo (cân. 1321, § 1), enquanto no caso do delito
culposo (qui egit ex omissione debitae diligentiae, cân. 1321, § 2) não é prevista a
punição. É, portanto, necessário que a investigação prévia averigue a natureza dolosa da
ação (qui legem vel praeceptum deliberate violavit), isto é, a plena consciência por parte
do autor de realizar uma conduta considerada pelo ordenamento jurídico como
delituosa8.
No que se refere a condução da investigação prévia, o Código prevê que o Ordinário possa
também agir pessoalmente. Todavia, é aconselhável que confie a coisa à um investigador,
termo que aparece no cân. 1718. O cân. 1717 fala de “pessoa idônea”. Com essa expressão
se quer indicar uma pessoa, clérigo ou leigo (também leiga) que tenha os requisitos para
assumir um ofício eclesiástico (cân. 149, § 1) e que apresente uma adequada competência
na matéria. O Ordinário não é obrigado a recorrer aos juízes ou outros operadores do
direito do próprio tribunal.
7 A. D’Auria, L’imputabilità penale, in AAVV., Le sanzioni nella Chiesa, a cura del GIDDC, 58.
8 S. D’Auria, op. cit., 66.
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do sucessivo processo penal. Portanto, os indícios recolhidos podem emergir ao patamar
de provas verdadeiras e próprias somente se recolhidas no sucessivo processo e
submetidas ao regular contraditório. Todos os indícios recolhidos devem ser reportados
por escrito e assinados pelo notário de forma ordenada. A normativa vigente não
prescreve que o investigador recolha em um próprio voto os resultados da investigação,
como era previsto no Código precedente (cân. 1946, § 1 CIC17), mas certamente não
exclui que possa ser feito.
9 V. De Paolis, Il processo penale nel nuovo Codice, in AAVV., Dilexit iustitiam . Studia in honorem
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um tempo de reflexão ou de oração, suspensão de um determinado ofício, revoga
de algumas faculdades, recorrer à procedimentos de caráter disciplinar... Concluo
com a afirmação eficaz de um canonista italiano, o qual escreveu que não é a
menor ou a maior gravidade do delito a excluir a via penitencial, mas sim o
negação dela por parte do pecador10. Em outros palavras, mesmo excluindo o
recurso ao processo penal se podem atingir às três finalidades referidas no cân.
1341 de correção do réu, reparação da justiça e do escândalo. Somente quando
elas são palidamente inúteis, em caso de obstinada negação do réu, de recusa em
obedecer etc., então será aconselhável o recurso à ação penal, judiciária ou
administrativa.
No que tange a primeira questão, já falamos bastante. Devemos aqui, ao invés, tratar a
questão da escolha da via judiciária e via administrativa. Ligada à essa questão há uma
outra, isto é, o sujeito a quem será confiado a celebração do processo. A escolha é
unicamente do Ordinário, a partir do momento que foi rejeitada, em sede de codificação,
a hipótese de que fosse o próprio acusado ou indiciado a escolher 11.
Antes de tudo o Ordinário é obrigado a celebrar o processo judiciário todas as vezes que
a lei proíbe expressamente o processo administrativo (cân. 1718, § 1, sub 3°: nisi lex vetet)
e deve certamente ater-se às indicações do cân. 1342, §§ 1 e 2 onde se diz que: “Per
decretum irrogari vel declarari non possunt penae perpetuae, neque poenae quas lex
vel praeceptum eas constituens vetet per decretum applicare”.
Isto posto, em todos os outros casos em que não haja uma expressa proibição de lei, o
Ordinário permanece livre para escolhe uma ou outra via. Concretamente quais os
critérios para tal escolha?
10 G. Mazzoni, Comunione ecclesiale e sanzione, in AAVV., Le sanzioni nella Chiesa, cit., 16.
11 Cf. Communicationes 12, 1980, 191. Os consultores rejeitaram a proposta, mas sem realmente
dar uma razão precisa.
12 M. Mosconi, L’indagine previa e l’applicazione della pena in via amministrativa, in I giudizi
nella Chiesa. Processi e procedure speciali, a cura del GIDDC, Milano 1999, 191ss; 209-210.
10
a) Existem causas justas;
b) Não se trata de infligir ou declarar penas perpétuas;
c) A lei ou o preceito que constituem a pena não o proíbem expressamente.
O cân. 1720 precisa que, se o Ordinário decidiu proceder por decreto extra iudicium,
deve proceder de tal modo:
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c) Avaliar as provas e as refutações do imputado com o auxílio de dois assessores;
d) Emitir um decreto ao menos brevemente motivado.
Concernente aos assessores, se deve dizer que o Código o prevê como figuras
absolutamente necessárias e que não devem ser confundidas com os sujeitos previstos
pelo cân. 1718, § 3: esses últimos são facultativos (si [Ordinarius] prudenter censeat),
enquanto os assessores do cân. 1720 são obrigatórios. Eles podem ser clérigos ou leigos,
também mulheres, estão obrigados a guardar segredo e, além dos requisitos gerais de
honestidade e de boa prática cristã, devem apresentar requisitos de profissionalismo no
âmbito do delito em exame. Trata-se geralmente de juristas e juízes, mas não se excluem
psicólogos, criminalistas, psiquiatras, médicos legais, professores universitários.
Não obstante a obrigatoriedade da sua constituição, o juízo final sobre os atos recolhidos
na instrutória não é um juízo colegial: eles não assinam o decreto, que recai sob a
exclusiva responsabilidade do Ordinário. A participação deles, todavia, assegura um
mínimo de discussão, de avaliação crítica, a partir do momento em que nesse
procedimento administrativo falta completamente a fase do debate. O que devem
verificar os assessores junto com o Ordinário (ou seu delegado)? O cân, 1720, sub 3°
13O Código das Igrejas orientais, diferentemente do Código latino, o prevê expressamente no cân.
1486.
12
precisa que deve antes de tudo verificar-se a presença certa de um delito, depois também
que a ação criminal não seja extinta. Si certo constet: se trata da certeza moral do cân.
1608: uma via de meio entre a simples probabilidade e a certeza absoluta. A certeza moral
não exclui a possibilidade do contrário, mas dos elementos objetivos surge não provável,
mesmo se não impossível do todo. Tal certeza concerne, obviamente, não somente a
existência do delito, mas também da imputabilidade dele pelo seu autor. Fundamenta-
se sobre o exame dos atos, ex actis et probatis, e não é admitido que o Ordinário possa
condenar o imputado por elementos conhecidos dele fora do processo, se no processo
faltassem suficientes provas da culpa14. Ao contrário, ao invés, se o juiz conhece
pessoalmente a inocência do acusado, mesmo se essa não seja suficientemente atestada
dos atos instrutórios, ele deve absolver o imputado, para que seja feita a justiça e seja
tutelada a consciência do próprio juiz.
Referente à pessoa do acusado, ele é citado com certeza a comparecer em juízo com um
decreto (cân. 1720 paralelo com cân. 1507-1512), dando-lhe a faculdade de prover a
própria defesa. Ao mesmo tempo devem ser destacadas três informações importantes:
O Código não indica exatamente como e com quais meios o imputado deve atuar na
própria defesa. Certamente é estabelecido ao imputado um adequado tempo para
organizar a própria defesa, com uma segunda convocação depois da defesa para
esclarecer pontos eventualmente discordantes. Em analogia com o cân. 1725, se deveria
dar ao imputado sempre a última palavra no processo. A prescindir da forma (escrita ou
oral) da própria defesa, poderia se perguntar se faz parte do direito de defesa do
imputado a faculdade de se cercar do auxílio de um advogado. É opinião da doutrina que
não seja prevista uma defesa técnica no processo administrativo, todavia, a não
obrigatoriedade não exclui que o imputado possa se cercar do parecer de um esperto em
matéria penal. É, contudo, importante, como sugere a normativa oriental, que parece
mais precisa daquela latina sobre a matéria16, que o Ordinário ou o seu delegado não
desconsiderem uma forma de contraditório, que é a alma de todo processo.
Permanece firme o princípio que o acusado não é obrigado a confessar (cân. 1728, § 2),
portanto, não tem lugar o pedido de juramente que poderia dar lugar a um perjúrio.
14 P. Erdö, La certezza morale nella pronuncia del giudice, in Periodica 87, 1988, 96.
15 Cân. 1362: geralmente três anos, para alguns delitos particulares aqui indicados, pelos quais a
prescrição é quinquenal (atentado matrimônio do clérigo, secular ou religioso; concubinato
notório; abuso de menor por parte de um clérigo; homicídio; rapto; mutilação; aborto).
16 G. Di Mattia, La normativa di diritto penale nel Codex Iuris Canonici e nel Codex canonum
13
No que se refere a avaliação das provas por parte do Ordinário, junto com os dois
assessores, se deve dizer que o objeto dela é “probationes et argumenta omnia” (cân.
1720), isto é, tanto a consistência das provas recolhidas quanto a contraprova do
imputado. Permanece, no entanto, claro que se da defesa do imputado ou das provas
recolhidas devem surgir complicações ou as provas recolhidas não sejam suficientemente
claras, ou ainda que não sejam claras a imputabilidade do acusado, a análise poderia
também conduzir a aconselhar e suspender o procedimento administrativo e passar para
a fase judicial.
O juízo do Ordinário permanece um juízo pessoal: a presença dos assessores não o torna
um juízo colegial. Os assessores confortam o Ordinário com o próprio parecer
consistente, mas não assinam o decreto com ele; portanto, o juízo do Ordinário recai sob
a sua exclusiva responsabilidade, pelo que se requer, como para todo juízo, a certeza
moral sobre três elementos que já tratamos: a existência do delito como configurado pelo
direito, e a plena ou semiplena responsabilidade (imputabilidade) do acusado. No caso
em que a ação resulte prescrita o Ordinário emana um decreto de extinção da ação
criminal e ainda pronuncia uma decisão de absolvição, se emerge a evidência que o delito
não foi cometido pelo imputado. Mas não é obrigado a fazê-lo, como ao invés o juiz no
processo judiciário (cân. 1726). Se a pena decidida é uma censura, se deve antes dar a
admoestação de acordo com o cân. 1347, § 1 (se já não foi dada precedentemente).
Para a escolha da pena, ocorrer ter presente os três fins requeridos pelo cân. 1341
(reparação do escândalo, restabelecimento da justiça, correção do réu). O Código atual
não traz um princípio sacrossanto, que todavia era presente no Código de 1917 e que deve
permanecer firme em todo processo penal, como expressão de justiça não vindicativa: a
équa proporção entre pena e delito cometido. Parece, de fato, totalmente contrário à
justiça natural que alguém seja punido gravemente por um delito leve e repugnante no
sentido de justiça inato a todo indivíduo que o sujeito gravemente imputável de um delito
objetivamente grave seja punido levemente. De fato, o Superior nesse caso é equiparado
ao juiz (cân. 1342, § 3) e é obrigado a respeitar os requisitos previstos pelos cân. 1343-
1350. Para a própria validade do decreto, ele deve ser devidamente notificado. Com esse
último ato cessa a ação criminal e inicia a ação penal, a aplicação da pena, que recai sob
a responsabilidade do Ordinário.
14
O motivo do recurso pode ser qualquer motivo justo17. São admitidos, portanto, tanto
motivos de legitimidade, por uma decisão tomada em violação da norma jurídica ou do
procedimento, ou por motivos de oportunidade, contra a idoneidade do próprio ato.
Entre os motivos de legitimidade: a falta da exposição das razões, a incompetência do
Ordinário, falta de delegação, ato injusto sob ameaça.
O recurso tem imediato efeito suspensivo de todos os efeitos da pena culminada (cân.
1353 e 1736, § 1). O Superior hierárquico é obrigado a observar o cân. 1739, isto é:
Ao processo penal canônico o Código dedica a parte IV do livro VII, que compreende os
cân. 1717-1731. Como já havíamos visto, o processo penal apresenta uma única
introdução, constituída pela investigatio praevia, que depois dela o processo pode se
desenvolver de dois modos distintos: o procedimento por decreto extrajudicial ou aquele
judiciário.
Se o Ordinário decide, segundo os critérios já ilustrados, que se deve proceder pela via
judiciária, o cânon fundamental a se ter presente é o cân. 1721: “Si Ordinarius decreverit
poenali applicandi sunt , nisi rei natura obstet, canones de iudiciis in genere et de iudicio
contentioso ordinario, servatis specialibus normis de causis quae ad bonudireitom publicum
spectant”.
15
processum poenalem iudicialem esse ineundum, acta investigationis promotori
iustitiae tradat, qui accusationis libellum iudici ad normam … exhibeat”.
A norma é clara: o titular da ação penal judiciária é o promotor de justiça, o qual recebe
os atos com decreto em que o Ordinário estabelece o início da fase judiciária do processo
penal, para que das investigações preliminares feitas ele possa redigir o libelo e
apresentá-lo ao juiz. Portanto, antes de tudo ocorre ilustrar o ofício do promoter de
justiça.
16
sempre e somente sob mandato do Ordinário (cân. 1724, § 1): isso pode acontecer quando
ele toma consciência que as provas recolhidas não são suficientes para provar a
imputabilidade do acusado, ou porque talvez o fato não subsiste e a denúncia se revela
falsa, ou porque interveio um fato ou elemento que exclui o prosseguimento do processo
(morte do réu).
Recordo que quando aqui se fala do juiz, se deve necessariamente sempre entender o juiz
instrutor ou o presidente do tribunal, a partir do momento em que sabemos que o Código
proíbe que um processo penal seja conduzido por um juiz monocrático (cân. 1425):
portanto, o juiz nas causas penais é sempre um colégio de ao menos três componentes,
21A doutrina considerou muito tênue a expressão “appellare potest” do cân. 1727, § 2, a partir do
momento em que, em analogia com os lugares paralelos do Código que atesta o mesmo dever ao
defensor do vínculo nas causas matrimoniais (cân. 1628) – e por último do mesmo cân. 1680 do
Motu Proprio Mitis Iudex, se observa um verdadeiro e próprio dever moral, não somente uma
faculdade, de interpor apelo se o escândalo permanece e a justiça não é suficientemente reparada
(cf. T. Vanzetto, L’appello da parte del promotore di giustizia nelle cause penali, in QDE 30, 2017,
72, che cita il contributo di V. De Paolis, Il processo penale, in Dilexit iustitiam …, cit., p. 493).
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em que um faz o papel de presidente. Competente para admitir o libelo apresentado pelo
promotor de justiça é o presidente do colégio, que deve emitir um decreto de admissão
ou de rejeição do libelo (cân. 1505, § 1). O parágrafo 2 do mesmo cân. 1505 elenca as
causas que provocam a rejeição do libelo, mas o libelo pode ser rejeitado também se não
apresenta nenhum dos elementos elencados no cân. 1504: nesse caso, ele o rejeita mas
com pedido de emenda. No caso de rejeição sem emenda (absoluta), o promotor de
justiça pode interpor recurso ao colégio judicante contra o decreto do presidente ou ao
tribunal de apelo contra a rejeição decretada pelo colégio de primeiro grau (§ 4 do cân.
1504). Se considera também a admissão ipso iure do libelo, conforme o cân. 1506. Entre
os controles que o presidente do colégio deve fazer antes de admitir o libelo há a
verificação de que a ação criminal não tenha sido extinta por prescrição: a ação se
prescreve por alguns delitos em um triênio, por outros delitos mais graves em um
quinquênio (cân. 1394; 1395; 1397; 1398), a menos que não se trata de delitos reservados
à Congregação para a Doutrina da Fé, naquele caso se aplicam as normas previstas pelo
Motu Proprio Sacramentorum sanctitatis tutela, de 2010.
18
se darão os mesmos efeitos da perempção da instância; o juiz declarará com seu decreto
a perempção da instância, extinta pela renúncia do promotor de justiça aceita pelo
imputado.
Uma vez fixada a dúvida da causa, as partes devem ser notificadas. Não se podem mudar
os termos da controvérsia se não com um novo decreto e somente por grave motivo, por
instância do promotor de justiça e não sem antes ter ouvido a outra parte, isto é, o
imputado.
Uma vez adquirida todas as provas, tanto documentais quanto testemunhais, se passar à
fase de debate, que inicia com o decreto com que o juiz publica os atos, permitindo à
parte imputada, ou às partes imputadas, e aos seus advogados, de tomar nota junto à
Chancelaria do tribunal e poder assim preparar a própria defesa. A discussão da causa
acontece ordinariamente por escrito, mesmo se o cân. 1725 prevê que possa acontecer
também oralmente.
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Toca ao Ordinário cuidar que a pena estabelecida pelo juiz seja aplicada. De fato, com a
emanação da sentença, cessa a função do poder judiciário e inicia a obra dos sujeitos
titulares do poder executivo.
Depois da emanação de uma sentença de condenação (cân. 1727), o acusado tem o direito
de propor apelo contra a sentença, mesmo se ele foi declarado culpado, mas não
efetivamente punido porque a pena era facultativa e o juiz decidiu não aplicá-la ou no
caso em que o juiz fez uso da faculdade concedida a ele cân. 1344 e 1345. Trata-se de
casos em que ao juiz é dada a faculdade de diferir a pena para um tempo mais oportuno,
de abster-se da imputação da pena ou impor uma penitência no lugar da pena ou, enfim,
escolher suspender a imputação da pena. Essas últimas provisões, isto é, de abstenção
da pena ou de suspensão, se adotam, como prescrevem os cânones citados, nos casos de
um acusado censurado, que tenha conduzido uma vida louvável e sem mancha até o
processo, ou se trata de pessoa que tenha perpetrado o delito sob o efeito de metus,
necessitas, passionis aestu, ebrietas ou outras perturbações da mente. Se, portanto, o
imputado tenha agido sob o efeito de álcool, medicinas, ou foi impelido ao delito por um
estado de termo ou de necessidade (o roubo por fome, por exemplo) ou por uma forte
paixão (os assim chamados delitos passionais), o juiz pode avaliar de abster-se a impor
a pena ou suspende-la.
Bem, mesmo nesses casos o ordenamento da Igreja prevê o direito ao apelo. O prazo para
propor apelo é de 15 dias da notificação da sentença, e é proposto pelo juiz a quo, aquele
que emitiu a sentença (cân. 1630, § 1). Recorda-se que o cân. 1353 estabelece que o apelo
nas causas penais tem efeito suspensivo sobre pena.
Obviamente, o mesmo promotor de justiça tem o direito a formular um apelo toda vez
que julgue que a sentença não tenha providenciado suficientemente a reparação do
escândalo ou a reintegração da justiça (cân. 1727, § 2).
A normativa atual prevê que os delitos considerados mais graves na Igreja, sejam de
competência do juízo da Congregação para a Doutrina da Fé.
Renuncio aqui discutir como pode à uma Congregação Romana – cuja finalidade é
promover e tutelar a pureza da fé católica – seja, portanto, reconhecida também uma
competência “judiciária” ou jurisdicional própria dos tribunais. Todos sabemos de como
em certo ponto da história a Congregação do Santo Ofício herdou as competências
judiciárias que na história eram confiadas aos tribunais da Santa Inquisição. Parto do
pressuposto que tal Organismo da Santa Sé não tem somente uma competência
administrativa, como todas as outras Congregações e Pontifícios Conselhos e
Organismos da Santa Sé, mas a essa se anexe também uma competência mais
especificamente judiciária, constituindo de fato um unicum no panorama dos
Organismos pertencentes à Cúria Romana.
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A normativa vigente portanto lhe reconhece uma competência exclusiva, reconhecida
explicitamente pelo Código, no cân. 1362, e no art. 52 da Constituição Apostólica Pastor
Bonus, de 1988. Tal competência em seguida fundamentou a competência da
Congregação de se dotar de uma lei peculiar, mencionada no cân. 360, o Motu Proprio
Sacramentorum sanctitatis tutela, de 30 de abril de 2001, fez uma emenda em 2010.
Quais são esses delicta graviora pode ser lido agilmente no próprio Motu Proprio e não
tem necessidade que eu me debruce aqui sobre o direito substantivo, porque entendo
somente dizer alguma coisa sobre o procedimento observado no tribunal constituído
junto àquela Congregação.
Dixi.
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