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SOCIEDADE BRASILEIRA DE CANONISTAS

Encontro Anual
Natal, julho de 20171

Foi-me pedido para ilustrar o processo penal canônico em suas várias fases.
Consequentemente, devendo ocupar-me com o processo penal, darei por conhecidas as
normas do direito substantivo penal contidas no Livro VI, concentrando-me somente no
Livro VII do Código, salvo as recordações estritamente necessárias. Pelas indicações
recebidas, eu me ocuparei da parte, digamos assim, teórica deixando então para o
Ilustríssimo e Reverendíssimo Colega Mons. Jaeger mostrar os exemplos práticos tirados
de causas concretas que foram tratadas no Tribunal Apostólico da Rota Romana. Depois
de ter preparado essas conferências, dei-me conta que o tempo não será suficiente para
dizer tudo aquilo que escrevi. Portanto, limitar-me-ei a ilustrar alguns pontos que
considero ser de maior importância, deixando todo o resto ao escrito que, com certeza,
será certamente mais orgânico e menos fragmentário da comunicação oral.

1. Introdução

Não entendo começar a minha conferência partindo da exposição dos fundamentos


filosóficos e teológicos do direito penal canônico. Não estamos na Universidade e vocês
não precisam escutar novamente o quanto já escutaram durante os estudos jurídicos,
sem contar que muitos de vocês provavelmente ensinam a matéria nas universidades e
nos seminários espalhados por todo o país. Dou por sabido que cada um conheça as
motivações filosóficas e teológicas de fundo que impulsionaram a Igreja a dotar-se de um
direito penal e a recusar as hipóteses extremas em matéria que foram registradas
sobretudo contemporaneamente e súbito depois do Concílio Vaticano II. Recordo, por
exemplo, que no Sínodo dos Bispos de outubro de 1967 não foram poucos os Bispos que
pediram a abolição das penae vindicativae e das penae latae sententiae. A nível
doutrinal, naquela época, manifestaram-se também posições extremíssimas.

Permito-me somente recordar, nessa sede, que são aplicáveis à sociedade eclesial alguns
dos postulados que fundam o direito penal nas sociedades democráticas. Mesmo não
sendo a Igreja uma sociedade democrática no sentido estrito do termo, todavia,
compartilha com elas alguns princípios fundamentais, primeiro entre todos é a
centralidade do conceito de pessoa, que constitui também o ponto de partida de uma
concessão democrática do direito penal.2 Nessa visão, que podemos também chamar
personalista, a pessoa humana goza de uma esfera de autonomia própria sua que não
pode ser debilitada ou agredida sem comprometer as bases próprias da convivência. Mas

1 Texto publicado na coleção da Sociedade: AMENTA Piero. O processo penal canônico, in


SOCIEDADE BRASILEIRA DE CANONISTAS. Vol. II, a. MMXVIII, pp. 9-47.
2 G. e R. Bettiol, Istituzioni di diritto e procedura penale, Padova 20007, 47.

1
na Igreja o indivíduo, além da dignidade que caracteriza cada pessoa humana, é também
um christifidelis, se é batizado e, portanto, sujeito de direitos e deveres peculiares que se
acrescentam àqueles sancionados pelos códigos civis (cân. 96). A pessoa é, daí então,
portadora de interesses que estão estritamente ligados à autonomia da pessoa e, no caso
dos batizados, interesses peculiares de qualquer modo invioláveis que estão em estreita
correlação com os status de pessoa batizada e de membro da Igreja. Tanto uns com
outros interesses são invioláveis. O crime outra coisa não é que a violação de tais
interesses que se referem à esfera do sujeito e que se relacionam com o seu estado de
christifidelis e, isto é, de membro da Igreja. Por isto, além dos crimes sancionados
civilmente, existem crimes próprios da esfera eclesial: aqueles violam os direitos civis da
pessoa humana e do cidadão, esses violam os direitos da pessoa enquanto membro da
sociedade eclesial. O crime, portanto, se define a partir do bem jurídico que agride ou
lesa. Está aqui a objetividade do crime: a lesão de um bem jurídico individual inviolável.

Entre os postulados ou princípios fundamentais comuns à sociedade democráticas e à


Igreja, há certamente o princípio de legalidade: nullum crimen sine lege; ao qual faz
pêndulo o outro princípio correlativo: nulla poena sine lege poenali. Ou seja, não se há
crime/delito que não esteja como tal estabelecido por uma lei; o sujeito delinquente,
além disso, não pode ser punido se não por norma de lei. Este princípio garante ainda
mais a esfera da autonomia da pessoa e a coloca ao abrigo de eventuais abusos e
exercícios arbitrários da potestas coactiva, tanto no Estado como na Igreja. Portanto, a
lesão do bem jurídico que pode ser chamado de crime é somente a lesão típica, no sentido
de que nem toda ação lesiva de um interesse de outro é crime, mas somente aquela que
como tal é estabelecida por um alei penal. Na Igreja se costuma distinguir entre pecado
e delito. Todo delito é pecado, mas nem todo pecado é delito: o é somente aquele
tipificado no interno de uma lei penal canônica. Trata-se de um princípio que, como é
por todos conhecido, foi introduzido pelo liberalismo do século XVIII e que o indicou
como essencial a um estado de direito que merece esse nome. 3 A Igreja o fez
evidentemente próprios considerando-o compatível com as características fundamentais
da sociedade eclesial.4

Permiti-me chamar a atenção para esse dado fundamental, porque ocorre sempre
distinguir bem como, com qual meio sancionar um comportamento ilegítimo. Como é
conhecido, o Código canônico não entendeu tipificar com lei penal todo possível
comportamento ilegítimo, mas é inegável que existam comportamentos ilegítimos os
quais, mesmo não sendo postos em violação de uma lei penal, ponham-se todavia como
violação de um comportamento adequado de responsabilidade: coloquemos, por
exemplo, os ilícitos em matéria econômica. Tais comportamentos ilícitos, mesmo não
sendo um delito veri nominis, porque não são postos em violação de uma determinada
lei penal, porém são sancionáveis pela legítima autoridade. Por isto, são previstos meios
penais: remédios penais, preceitos penais, penitências, privações e outros remédios,
previstos pelo Código ou deixados à discrição da autoridade eclesiástica e que podem ser
aplicados não necessariamente resultante do processo penal descrito no Livro VII. É o
caso, por exemplo, da demissão do estado clerical, que pode certamente ser culminada
pelo juiz consequente do processo penal, mas também irrogada pela autoridade
executiva, nesse caso pela Congregação Romana competente. Também o caso da

3G. e R. Bettiol, Op. cit., 48.


4V. De Paolis, “Coordinatio inter forum internum et externum in novo iure poenali canonico”,
Periodica 72, 1983, 403-433.

2
remoção forçada de um pároco goza de um procedimento especial (cân. 1732-1752) e,
portanto, não entram a princípio na tratativa de um processo penal. Existem pois as
ações rescisórias que se referem aos contratos ilícitos, nos quais é reconhecível uma
responsabilidade direta do administrador dos bens eclesiásticos. Ou mesmo outros
comportamentos ilícitos, coloquemos um ato de administração extraordinária feito sem
o consentimento do conselho econômico. Trata-se de atos inválidos, a norma do cân.
1281, que além de uma ação rescisória podem comportar o ônus da restituição no caso
de dano pela pessoa jurídica. A falta de tribunais administrativos na Igreja tem como
consequência que tais comportamentos ilícitos, se não deferidos ao tribunal civil, são
resolvidos ex bono et aequo pelos Ordinários, depois de oportunas verificações.

Enfim, existem comportamentos que podem apresentar perfis de iliceidade, como por
exemplo a demissão forçada de religiosos pelo próprio Instituto, que nunca são objeto de
um processo penal e são resolvidos a norma das Constituições e confirmadas pela
competente Congregação Romana. Mesmo querendo chamar a juízo o Superior religioso
geral junto ao Tribunal Apostólico da Rota Romana, obsta o prescrito pelo cân. 1400, §
2 que recita: “… controversiae ortae ex actu potestatis administrativae deferri possunt
solummodo ad Superiorem vel ad tribunal administrativum”. Só o ato administrativo
da demissão não pode, portanto, ser objeto de exame do tribunal, mesmo que tenha sido
ilícito na substância, ainda que correto no procedimento. O único caso em que tais
controvérsias podem ser objeto do processo penal é o caso em que o ato da potestade
administrativa tenha lesado um direito subjetivo ou um interesse legítimo do sujeito
passivo, coloquemos uma forma difamatória (o religioso demitido porque foi acusado de
apropriação indébita, de furto, ou outro delito infamante). Trata-se de questões muito
difíceis, porém, sobre as quais não nos deteremos que talvez – ao menos por modesto
parecer do conferencista – requereria um revisão legislativa, ou seja, a oportunidade que
também os atos da potestade administrativa que podem causar prejuízo à pessoa possam
e devam ser submetidos ao controle jurisdicional.

2. Características gerais do processo penal canônico

O ordenamento da Igreja não tem um processo penal autônomo, distinto do processo


contencioso, que constitui, no Código, o tipo fundamental de processo. Como
consequência, todos os processos contidos no Código invocam as normas do processo
contencioso ordinário, que se aplica a todas as matérias, salvaguardadas as
características fundamentais de cada processo. Isso requer no operador do direito uma
atenção particular e um estudo dos conteúdos e dos referências que o Código faz ao
processo ordinário contencioso. Ao final do processo penal, de fato, há uma norma geral,
aquela do cân. 1728, que remete expressamente: “Salvis praescriptis canonum huius
tituli, in iudicio poenali applicandi sunt, nisi rei natura obstet, canones de iudiciis in
genere et de iudicio contentioso ordinario…”. Portanto, para se ter bem presente o
inteiro processo penal, ocorre conhecer bem também as normas do processo ordinário,
que devem necessariamente integrar-se com as normas especiais contidas nos capítulos
primeiro e segundo da quarta parte do Livro VII, que se referem de fato à especificidade
do processo penal a respeito do processo contencioso ordinário.

3
No que concerne a estrutura do processo penal, o capítulo primeiro (cân. 1717-1719)
contém as normas referentes à investigatio praevia; no capítulo segundo (cân. 1720-
1728) estão contidas as normas que se referem à evolução do processo. Há, pois, um
terceiro e breve capítulo, que contém as normas que presidem a ação de reparação do
dano (cân. 1729-1731). Essas normas pressupõem as normas substantivas do Livro VI, os
cân. 1341-1353, sobre a aplicação das penas, como também os cân. 1321-1330, que
regulam a imputabilidade penal. Portanto, o segredo para desenvolver bem um processo
penal é assegurar sempre a ligação entre direito penal substantivo e direito processual
na forma do contencioso ordinário, harmonizado sabiamente com as normas especiais
do processo contidas na parte IV do Livro VII.

Objeto do processo penal é a imputação da pena ferendae sententiae ou a declaração de


uma pena latae sententiae, diante de um fato delituoso, que lesa e dificulta a missão da
Igreja. Pode-se tratar, segundo o cân. 1400, n. 2, de uma violação de uma lei eclesiástica
ou de qualquer outro comportamento externo in quo inest ratio peccati. O processo é,
portanto, o instrumento de averiguação da culpa objetiva do delinquente e a consequente
aplicação da pena prevista. Trata-se de um instrumento de proteção da comunidade
diante de atitudes que colocam em perigo a integridade da fé, dos costumes, ou lesam
direitos subjetivos ou coletivos juridicamente sancionados. Contudo, não é estranho à
finalidade do processo também o bem do delinquente, que através da pena não somente
espia a culpa ligada ao delito, mas é por meio dela convidado ao arrependimento. Todos
sabem que algumas das penas canônicas, aquelas contidas nos cân. 1331-1333, são
chamadas por esse motivo “medicinais”: o seu fim é a cura interior do delinquente e o
restabelecimento de uma conduta eclesial digna de um batizado.

Tendo presente esse princípio, deve-se dizer que é tarefa de cada Ordinário local de
perseguir à punição dos delitos. Fechar os olhos diante de uma conduta delituosa, é sinal
de fraqueza, de irresponsabilidade, mesmo quando estas sejam disfarçadas de
magnanimidade ou de tolerância. O Ordinário em razão do seu ofício tem a obrigação de
vigiar sobre a observância da disciplina eclesiástica (cân. 392). A obrigação de perseguir
os delitos com os instrumentos próprios do ordenamento eclesial faz parte desse dever
mais amplo.

O processo penal difere dos outros processos contenciosos antes de tudo porque prevê
uma inquisitio praevia. Ela é necessária para poder verificar o fundamento da acusação.
A esse propósito, ocorre precisar que não são admitidas as denúncias anônimas. Não
pode ser crível uma denúncia feita por quem não assume a responsabilidade plena da
acusação. Ainda mais, para alguns delitos, como por exemplo a difamação, pode-se
proceder somente em seguida à uma querela de parte.

A investigatio praevia, não absolutamente necessária,5 mas certamente tanto quanto


oportuna, coloca o Ordinário diante de um cruzamento: se os elementos emergidos são
consistentes, o Ordinário deve decidir se promove um processo penal judicial ou
simplesmente culmina a pena com decreto extrajudicial (procedimento comumente, mas
impropriamente chamado “administrativo”). Além da aplicação da pena, o Ordinário
pode decidir também por eventual ressarcimento do dano. De fato, o cân. 1729 estabelece
que a parte lesada pode no mesmo juízo penal de averiguação da responsabilidade do
delinquente exercitar uma ação contenciosa por reparação do dano. Note-se que não se

5 Cân. 1717, § 1: “…nisi haec inquisitio omnino superflua videatur“.

4
dá nenhum ressarcimento do dano onde o acusado não seja reconhecido responsável do
delito e dele seja reconhecido imputável.

Se o Ordinário decide pela celebração do processo judicial, aplicam-se os cânones de 1721


e seguintes. Nesse caso a ação passa para as mãos do promotor de justiça, que representa
os interesses públicos, e que é o verdadeiro titular da ação criminal: ele é ator na causa,
enquanto o acusado sustenta a parte demandada. O promotor redige o libelo acusatório
e o apresenta ao tribunal o qual deve agir atendo-se escrupulosamente às normas que
regulam o direito de defesa do acusado. O processo penal pode concluir-se de dois
modos: com a renúncia da instância feita pela parte de acusação pública (promotor de
justiça) e aceita pelo acusado; com o pronunciamento da sentença de absolvição, que
pode acontecer em qualquer estágio do juízo, caso devesse resultar a inocência do
acusado; com o pronunciamento da sentença de condenação, somente em seguida da
celebração integral do processo em todas as suas fases. É faculdade do acusado, mas
também do promotor de justiça propor apelo: a faculdade de apelar é, todavia, mais
ampla para o acusado, enquanto o cân. 1727, § 2 prescreve as limitações para o promotor
de justiça: “…quoties censet scandali reparationi vel iustitiae restitutioni satis provisum
non esse” pelo juiz que emitiu a sentença.

Uma última anotação é feita sobre um argumento bastante desconhecido mesmo para
espertos juristas: a sentença ou o decreto de condenação pode ter lugar somente quando
– além da certeza do delito e da sua imputabilidade referente ao acusado – não interveio
a prescrição.

A prescrição no direito processual penal, é um modo de extinção ou da ação criminal (ius


instituendi iudicium) ou da ação penal (ius poenam infligendi). A ação criminal se
extingue com a morte do acusado ou quando tenha transcorrido o tempo útil para propor
a ação (cf. cân. 1027 CIC17). Ora, a partir do momento que a prescrição corre do ato do
cometimento do delito (cân. 1362, § 2), o tempo útil para propor a ação é de um triênio
ou de um quinquênio, segundo os delitos cometidos. Transcorrido esse tempo, a ação
criminal não é mais passível de proposição e decai o direito do Ordinário de promover
um processo e do promotor de justiça de apresentar um libelo acusatório. No entanto,
pode-se prescrever também a ação penal, isto é, não o direito de instituir o processo, mas
sim o direito de infligir uma pena, de executar a pena estabelecida para o delito em
particular. Os mesmos prazos do cân. 1362 são estabelecidos para a extinção da execução
da pena, a norma do cân. 1363 e valem seja para a pena acessória à sentença que para a
pena acessória ao decreto extra iudicium. Os prazos decorrem a partir do dia da emissão
da sentença ou do decreto.

O que foi dito acima pode parecer um fato meramente técnico, mas infelizmente foram
verificados casos, e não raros, de pessoas acusadas de graves delitos – por exemplo a
pedofilia – que foram julgadas e punidas quando estavam prescritas seja a ação criminal
que a ação penal. A mesma Doutrina da Fé, como é conhecido, para prevenir esses casos,
teve, no Motu Proprio Sacramentorum sanctitatis tutela (art. 7) elevar para 20 anos a
prescrição da ação criminal e fazer decorrer a prescrição da ação penal no delito de abuso
sexual de menores não mais a partir do dia do cometimento do delito, mas a partir do
dia em que o menor tenha completado 18 anos de idade. Portanto, a Congregação para a
Doutrina da Fé poderia também instituir um processo e punir um réu de abuso sexual de
menores mesmo depois dos 30 ou mais anos. Tal medida legislativa tem um indubitável
valor político (demonstrar que a Igreja não trata com leveza esses casos), mas um escasso

5
e talvez um danoso valor processual, pela dificuldade de encontrar provas depois de
muitos anos. Dizia a esse respeito o grande processualista M. Lega: “…tractu temporis
evanescit seu cessat illa ordinis socialis perturbatio crimine inlata; unde fluit
principium poenam eo esse efficaciorem quo citius sequitur delictum … Imo tempus est
praescriptionis fundamentum et ratio, quippe expedit reipublicae ut crimen quod est
iam a memoria hominum et est veluti in re publica abolitum et sopitum cuius perniciosi
effectus non amplius persentiuntur expedit, idem in memoriam non revocare et in
iudicialem contentionem ne scandalum et animorum perturbatio renovetur”.6

3. A investigatio praevia e o ofício do investigador

A investigatio praevia é um instituto jurídico autônomo, no sentido de que não pertence


nem ao processo penal judiciário nem ao processo penal que siga a via administrativa de
irrogação da pena por decretum. Trata-se de um procedimento de natureza
administrativa que não deve ser confundido com a instrutória do processo judicial: ele é
de qualquer modo a antecâmara do processo penal, seja pelo seu desenvolvimento pela
via judiciária, seja pela escolha da via de aplicação extrajudicial da pena. A finalidade da
investigatio praevia é aquela de averiguar a semelhança da denúncia ou da notícia de
delito e da imputabilidade do acusado (cân. 1717).

Essa inicia quando o Ordinário adquire a notícia do cometimento de um delito. Nessa


fase o Ordinário é o titular da ação penal. Por Ordinário se entendem todos os sujeitos
definidos no cân. 134, § 1: o Papa, o Bispo diocesano e todos aqueles que a norma do cân.
368 são equiparados a ele (Prelado e Abade territorial, Vigário e Prefeito Apostólico,
Administrador Apostólico de Administração stabiliter erecta, Vigário geral, vigários
episcopais, Superiores maiores de Institutos clericais de direito pontifício ou Sociedades
de vida apostólica de direito pontifício, Ordinário militar, Ordinário das Prelazias
Pessoais (cân. 295, § 1).

A investigação prévia advém de uma notícia de delito. Ela pode chegar ao Ordinário por
diversos meios. Além da denúncia, também a querela, o conhecimento direto no
decorrer, por exemplo, de uma visita canônica, mas também as vozes e a fama pública,
segundo afirmava o cân. 1939, § 1 do CIC17. Ainda, as informações recebidas por
colaboradores, denúncias formais feitas por meio da impressa, notificações recebidas da
autoridade competente do país. Não são admitidas as denúncias anônimas, como já
disse, nem aquelas manifestamente feitas por vingança por parte de inimigos do acusado.

Particular importância se revestem a denúncia e a querela: a segundo se distingue da


primeira porque o fato é denunciado pela pessoa atingida pela ação delituosa, enquanto
a denúncia simples pode ser exposta também por terceiros que tenham adquirido um
conhecimento direto do delito e foram expectadores sem todavia receber algum dano
pessoal (além do escândalo). A apresentação da denúncia pode ser oral ou escrita. A
denúncia oral, contudo, deve ser transcrita por quem recebe e entregue ao Ordinário,
caso não seja ele mesmo que a receba. Ela deve conter os indícios que sustentem a
acusação, não a demonstração da culpa que, ao invés, é a finalidade do processo. Bastam

6 M. Lega, Commentarius in iudicia ecclesiastica, I, Romae 1938, 500, n. 5 et 498, n. 3.


Em matéria
de prescrição, veja também F. X. Wernz – P. Vidal, Ius Canonicum, VII, Roma 1949, 329.

6
indícios: “…notitiam saltem verisimilem…” (cân. 1717). A notícia deve referir-se à um
delito já praticado, público (se oculto, não dá lugar ao processo porque o recolhimento
das provas causaria o efeito de divulgá-lo).

Recebida a notitia criminis, o Ordinário decide se inicia a investigação prévia, a qual será
absolutamente supérflua no caso de flagrante delito na presença do próprio Ordinário ou
se o próprio delinquente se acusa do delito e a acusação não pareça simulação. O
Ordinário procede dessa forma antes de tudo para verificar a própria competência, para
considerar o fundamento do delito para poder decidir se dá início à investigação prévia.

Competência:

a) O Ordinário é competente se o acusado seja um fiel batizado na Igreja Católica


ou nela foi acolhido, maior de sete anos e que goza de suficiente uso da razão
(cân. 11);
b) Que o delito tenha sido praticado no território ou na repartição de
competência (por exemplo, no interior de uma caserna pelo Ordinário
militar);
c) Que o acusado tenha no território da diocese ou da circunscrição eclesiástica
o seu domicílio ou quase-domicílio.

Não é competente o Ordinário em relação à um acusado que goza do privilégio do foro


(cân. 1405) e, portanto, o Ordinário tem somente o poder de transmitir a notícia do delito
à Santa Sé. Não é competente o Ordinário se o delito toca uma matéria reservada (por
exemplo, os delitos mais graves reservados à Doutrina da Fé: profanação da eucarística,
absolvição do cúmplice em pecado vil, sollicitatio ad turpia in confessione ou occasione
confessionis, violação direta e indireta do sigilo sacramental).

Somente quando o Ordinário tenha verificado positivamente a própria competência e


avaliada a verdade da notícia de delito, as duas condições previstas pelo cân. 1717, pode
decidir de iniciar a investigatio praevia, com o decreto previsto pelo cân. 1719. Ela
constitui uma obrigação pelo Ordinário, que tem a função de tutelar a santidade da Igreja
e do corpo dos fiéis e a função de impelir o acusado para emendar a própria conduta. A
investigação prévia é iniciada quando o Ordinário considere que não conseguirá de outra
forma atingir o mesmo efeito.

Repito: a finalidade da investigação prévia não é aquela de infligir uma sanção. Trata-se
de um procedimento de averiguação do fundamento da acusação e da imputabilidade do
delito cometido pelo acusado. Ela abre a estrada aos diversos meios de correção, que
dispõe a Igreja: a imputação da pena, seguido de um processo penal, é prevista pelo
direito canônico como ultima ratio. Assim expressa o cân. 1341: “Ordinarius
proceduram iudicialem vel administrativam ad poenas irrogandas vel declarandas
tunc tantum promovendam curet, cum perspexerit neque fraterna correctione neque
correptione neque aliis pastoralis sollicitudinis viis satis posse scandalum reparari,
iustitiam restitui, reum emendari”. Consequentemente, não é lícito impor uma pena
depois da investigatio praevia e nem depois de um verdadeiro e próprio procedimento
penal que vem somente após a investigatio praevia, se o Ordinário esteja convencido
que possam ser atingidas as finalidades de reparação do escândalo, restauração da justiça
e correção do réu (o acusado reconhecido de verdade culpado) com outros meios, ao
invés, da pena.

7
A teor do cân. 1717 são três os elementos que formam o objeto da inquisitio:

1) facta: se a notícia do delito seja efetivamente fundada.


2) circumstantiae: em que circunstâncias o delito provável tenha acontecido.
3) imputabilitas: se haja a plena responsabilidade do seu autor.

Ocorre, portanto, previamente averiguar que a violação da lei tenha efetivamente


acontecida, qual foi o autor do ato delituoso, ou seja, o nexo de causa entre evento danoso
e comportamento delituoso, e o nexo de causa entre agente e ato 7.

Importante é a atenção às circunstâncias: elas valem para definir o grau de


imputabilidade a marcar o presumido autor do delito. Podem existir, de fato,
circunstâncias eximentes (cân. 1323), atenuantes (cân. 1324) ou agravantes (cân. 1326).

Uma vez verificada a violação externa, se presume a imputabilidade do delito (cân. 1321)
a menos que apareça diversamente. Atenção, porque na normativa canônica a punição
do delito é prevista somente se há dolo (cân. 1321, § 1), enquanto no caso do delito
culposo (qui egit ex omissione debitae diligentiae, cân. 1321, § 2) não é prevista a
punição. É, portanto, necessário que a investigação prévia averigue a natureza dolosa da
ação (qui legem vel praeceptum deliberate violavit), isto é, a plena consciência por parte
do autor de realizar uma conduta considerada pelo ordenamento jurídico como
delituosa8.

Um último elemento que me parece digno de atenção é a necessária reserva da


investigação: “…caute inquirat…” diz o cânon. Ou seja, ocorre evitar que por ela possam
decorrer danos seja à pessoa do indiciado em termos de boa fama (cân. 220), mas
também a possibilidade que por ela possam surgir escândalos ou dissídios ou desordens.
Debatida é a questão se o indiciado deva ser informado do procedimento. O Código prevê
também a possibilidade que ele não seja ainda informado nessa fase, a menos que não
seja necessária sua colaboração.

No que se refere a condução da investigação prévia, o Código prevê que o Ordinário possa
também agir pessoalmente. Todavia, é aconselhável que confie a coisa à um investigador,
termo que aparece no cân. 1718. O cân. 1717 fala de “pessoa idônea”. Com essa expressão
se quer indicar uma pessoa, clérigo ou leigo (também leiga) que tenha os requisitos para
assumir um ofício eclesiástico (cân. 149, § 1) e que apresente uma adequada competência
na matéria. O Ordinário não é obrigado a recorrer aos juízes ou outros operadores do
direito do próprio tribunal.

As obrigações e os poderes do investigador são definidos pelo cân. 1717 § 3: são os


mesmos de cuja prerrogativa goza o auditor no processo e que por isto não pode fazer
parte do colégio judicante, se o Ordinário decide passar da inquisitio praevia ao
verdadeiro e próprio processo penal. Sua função é aquela de recolher as provas que
havíamos descritas acima e entregá-las ao Ordinário, na maneira que considera mais
idônea, a menos que não tenha recebido instruções precisas pelo próprio Ordinário. As
provas podem e até mesmo devem ser recolhidas tendo presente os cân. 1526-1583 do
processo contencioso ordinário. Não é prevista nessa fase um contraditório, que faz parte

7 A. D’Auria, L’imputabilità penale, in AAVV., Le sanzioni nella Chiesa, a cura del GIDDC, 58.
8 S. D’Auria, op. cit., 66.

8
do sucessivo processo penal. Portanto, os indícios recolhidos podem emergir ao patamar
de provas verdadeiras e próprias somente se recolhidas no sucessivo processo e
submetidas ao regular contraditório. Todos os indícios recolhidos devem ser reportados
por escrito e assinados pelo notário de forma ordenada. A normativa vigente não
prescreve que o investigador recolha em um próprio voto os resultados da investigação,
como era previsto no Código precedente (cân. 1946, § 1 CIC17), mas certamente não
exclui que possa ser feito.

A conclusão da investigação prévia acontece quando – a juízo do Ordinário – os


elementos recolhidos parecem suficientes (Cum satis collecta videantur elementa, cân.
1718, § 1). A fase de investigação prévia se encerra com um decreto do Ordinário (cân.
1719): nele o Ordinário decide em mérito aos requisitos do cân. 1718:

a) Se ocorre passar ao processo penal;


b) Se é oportuno ou existem outros meios para resolver a situação;
c) Se se deve fazer um processo judicial ou deve proceder por decreto extrajudicial.

Se ele decide realizar um processo penal, os atos serão transmitidos ao promotor de


justiça, para que sobre a base dele formule o libelo ou serão transmitidos àquele o
Ordinário eventualmente escolher para conduzir o procedimento administrativo em
vista da inflição da pena fora do processo penal judicial. Para tomar essa decisão, o
Ordinário – si prudenter censeat (§ 3 do cân. 1718) – pode escutar o parecer de dois
juízes (eclesiásticos) ou de dois peritos em matéria jurídica (não somente canônica, mas
também civil). O § 4 do cân. 1718 fala da possibilidade do ressarcimento do dano. Não se
trata da ação penal enquanto tal, mas pertence ao bem público e não é objeto de
transação (cân. 1715, § 1). O pedido de ressarcimento, se é acolhido pelo Ordinário, pode
ser realizada pelo investigador ex bono et aequo, isto é, em via equitativa, ou mesmo
propondo um compromisso arbitral.

Pode-se passar ao processo penal:

a) Se os elementos recolhidos sustentam a existência de um delito e a possibilidade


da prova dele em foro externo, isto é, se se dispõe de elementos ao menos
prováveis e suficientes para instituir a causa. Se o delito existe e é suficientemente
fundada a sua atribuição ao indiciado, então se pode proceder. Não é ainda
requerido, nessa fase, a certeza moral, que ao invés é exigida para emanar uma
sentença de condenação ao final do processo. É suficiente a sustenção da
acusação.
b) Se os outros meios dos quais a Igreja e o Ordinário dispõem não pareçam eficazes.
Os outros meios são, a norma do cân. 1341, a correctio fraterna, a repreensão
(correptio), aplicável com decreto (cân. 1342), sem recorrer ao processo penal.
Não se trata de uma pena, porque não é infligida ao final de um processo penal,
mesmo se há um caráter penal9, isto é, dirigida à correção do delinquente. Trata-
se de um disposição moderadamente aflitiva, um verdadeiro remédio penal
substitutivo da pena. O cân. 1341 fala de “…aliis pastoralis sollicitudinis viis…”:
é deixada uma ampla discricionariedade ao Ordinário para pensar ou “inventar”
outros meios de correção: imposição de algumas obrigações específicas, oferecer

9 V. De Paolis, Il processo penale nel nuovo Codice, in AAVV., Dilexit iustitiam . Studia in honorem

Aurelii card. Sabattani, Città del Vaticano 1984, 485.

9
um tempo de reflexão ou de oração, suspensão de um determinado ofício, revoga
de algumas faculdades, recorrer à procedimentos de caráter disciplinar... Concluo
com a afirmação eficaz de um canonista italiano, o qual escreveu que não é a
menor ou a maior gravidade do delito a excluir a via penitencial, mas sim o
negação dela por parte do pecador10. Em outros palavras, mesmo excluindo o
recurso ao processo penal se podem atingir às três finalidades referidas no cân.
1341 de correção do réu, reparação da justiça e do escândalo. Somente quando
elas são palidamente inúteis, em caso de obstinada negação do réu, de recusa em
obedecer etc., então será aconselhável o recurso à ação penal, judiciária ou
administrativa.

4. O processo penal: via judiciária ou via administrativa?

Já sublinhamos suficientemente que o Ordinário – uma vez instaurada a investigatio


previa – se encontra diante de uma encruzilhada. O primeiro se refere à decisão de
iniciar o processo ou obter as mesmas finalidades com outros meios de correção, desde
que sejam respeitadas as finalidades do cân. 1341. Se decide, depois de considerado tudo,
que se deva celebrar o processo, o Ordinário se encontrará diante de uma outra
encruzilhada: proceder com o processo judiciário ou com decreto extrajudicial, na
prática com aquela que costumeiramente, mas inapropriadamente, chamamos
procedimento administrativo? É o ditame do cân. 1718.

No que tange a primeira questão, já falamos bastante. Devemos aqui, ao invés, tratar a
questão da escolha da via judiciária e via administrativa. Ligada à essa questão há uma
outra, isto é, o sujeito a quem será confiado a celebração do processo. A escolha é
unicamente do Ordinário, a partir do momento que foi rejeitada, em sede de codificação,
a hipótese de que fosse o próprio acusado ou indiciado a escolher 11.

Antes de tudo o Ordinário é obrigado a celebrar o processo judiciário todas as vezes que
a lei proíbe expressamente o processo administrativo (cân. 1718, § 1, sub 3°: nisi lex vetet)
e deve certamente ater-se às indicações do cân. 1342, §§ 1 e 2 onde se diz que: “Per
decretum irrogari vel declarari non possunt penae perpetuae, neque poenae quas lex
vel praeceptum eas constituens vetet per decretum applicare”.

Isto posto, em todos os outros casos em que não haja uma expressa proibição de lei, o
Ordinário permanece livre para escolhe uma ou outra via. Concretamente quais os
critérios para tal escolha?

Os autores que escreveram sobre a matéria pontuaram que, se o Código ab-rogado


mostrava uma preferência pela via judiciária, não é assim o novo Código, ao menos
aquele latino, que parece assinalar ao invés uma preferência pelo procedimento
administrativo12. O cân. 1342 substancialmente põe as seguintes condições para poder
proceder com o decreto extrajudicial:

10 G. Mazzoni, Comunione ecclesiale e sanzione, in AAVV., Le sanzioni nella Chiesa, cit., 16.
11 Cf. Communicationes 12, 1980, 191. Os consultores rejeitaram a proposta, mas sem realmente
dar uma razão precisa.
12 M. Mosconi, L’indagine previa e l’applicazione della pena in via amministrativa, in I giudizi

nella Chiesa. Processi e procedure speciali, a cura del GIDDC, Milano 1999, 191ss; 209-210.

10
a) Existem causas justas;
b) Não se trata de infligir ou declarar penas perpétuas;
c) A lei ou o preceito que constituem a pena não o proíbem expressamente.

Vejamos particularmente as três condições:

a) As justas causas não são a conveniência ou as vantagens oferecidas pelo


procedimento administrativo, mais enxuta e menos onerosa daquela judiciária.
As justas causas devem ser compreendidas como causas impeditivas a que se
celebre um processo judiciário. Em alguns casos, de fato, o processo judiciário
pode ser impossível ou extremamente difícil. Trata-se substancialmente de pesar,
no caso particular, os elementos a favor ou contra uma ou outra escolha. A partir
desse ponto de vista, fica claro que enquanto o procedimento judiciário oferece
maior garantia ao imputado e oferece uma análise mais rigorosa dos atos
instrutórios, o procedimento administrativo aparece mais ágil, rápido e oferece
garantias de maior reserva. Parece-me que – com um outro olhar para a
normativa canônica ab-rogada (cân. 1933 CIC17) – se possa dizer que se deve
preferir pela escolha do procedimento extrajudicial quando as provas são
suficientemente claras, há admissão de culpa da parte do indiciado e existem
particulares exigências de reserva e celeridade processual. A meu modesto
parecer, deveria entrar na avaliação das justas causas também a falta de uma
possibilidade concreta de celebrar um processo penal por carência de pessoal
adequado, mesmo se – como veremos – há sempre a possibilidade para o
Ordinário de confiar a celebração de um processo penal à um órgão judicante que
ofereça maior garantia de profissionalismo e rigor jurídico do próprio tribunal
diocesano (tribunal interdiocesano, tribunal do metropolita, etc.).
b) A segundo condição me parece clara e não creio que tenha necessidade de
particular comentário. A demissão do estado clerical e a inabilidade perpétua
para cobrir um determinado ofício eclesiástico são perpétuas que não podem ser
infligidas com decreto extrajudicial enquanto é o processo judicial a oferecer
maior garantia de análise mais atenta e rigorosa da causa, dada a gravidade da
pena a ser infligida.
c) Concernente à terceira condição, se deve observar que o Código faz referência não
somente à uma lei comum, mas também à uma lei particular, as quais, pela
natureza e gravidade da pena a ser imposta, exigem sempre o recurso à via
judiciária. Certamente, se se trata de declarar uma excomunhão, por exemplo, se
impõe o recurso ao procedimento judiciário (cân. 1425, § 1, sub 2°). Não é
estranho a esta condição também um outro elemento para se levar em
consideração: o processo judiciário prevê sempre um colégio judicante de ao
menos três juízes, às vezes também de cinco, o qual deveria assegurar, a diferença
do juiz único, um maior rigor na discussão e definição da causa.

5. O procedimento penal administrativo e os sujeitos dele

O cân. 1720 precisa que, se o Ordinário decidiu proceder por decreto extra iudicium,
deve proceder de tal modo:

a) Revelar ao indiciado a acusação e as provas recolhidas na investigação prévia;


b) Dar-lhe a possibilidade de se defender, se aceita comparecer;

11
c) Avaliar as provas e as refutações do imputado com o auxílio de dois assessores;
d) Emitir um decreto ao menos brevemente motivado.

Como se pode observar, do teor do cânone, aparece que no caso da escolha do


procedimento administrativo, seja o próprio Ordinário a conduzir o processo em
primeira pessoa. Contudo, não se exclui que ele possa nomear um delegado seu 13. A
delegação não confere ao delegado uma potestade judiciária: Ordinário e seu eventual
delegado se movem no âmbito da potestade administrativa. De fato, o ato conclusivo de
tal procedimento não é uma sentença, mas sim um decreto que procede de uma
autoridade administrativa e, portanto, deve sucumbir às regras gerais dos atos
administrativos singulares. Consequentemente, o procedimento mais que sumário e
pouco acurado descrito pelo cân. 1720 se completaria com as normas que presidem a
emanação dos decretos e preceitos singulares (tít. IV, capítulos I e II do primeiro livro do
Código). Em ausência de uma norma precisa, se deveria concluir, em analogia com o cân.
1717, § 3, que não é oportuno que assumo a função de delegado aquele que realizou a
investigação prévia.

Portanto, os sujeitos do processo penal administrativo são:

a) Ordinário ou seu delegado;


b) Dois assessores;
c) Imputado.

Do Ordinário e do seu delegado já tratamos. Gostaria de precisar somente que segundo


o meu parecer a preferência deve ser assinalado ao delegado: não é oportuno que o
Ordinário, sobretudo se se trata de Bispo, seja envolvido em primeiro pessoa. O seu juízo,
que se exprime por meio do decreto de inflição da pena, terá maior autoridade pela
garantia de independência que oferece a avaliação sobre as provas recolhidas por um
outro sujeito. Obtenho isto do teor geral da normativa canônica que, mesmo precisando
que o Bispo é o juiz de primeira instância para todos os fiéis que habitam no âmbito da
Igreja particular a ele confiada, prevê também que normalmente ele aja por meio de um
seu alter ego, que é o Vigário judicial (cân. 1420, § 2).

Concernente aos assessores, se deve dizer que o Código o prevê como figuras
absolutamente necessárias e que não devem ser confundidas com os sujeitos previstos
pelo cân. 1718, § 3: esses últimos são facultativos (si [Ordinarius] prudenter censeat),
enquanto os assessores do cân. 1720 são obrigatórios. Eles podem ser clérigos ou leigos,
também mulheres, estão obrigados a guardar segredo e, além dos requisitos gerais de
honestidade e de boa prática cristã, devem apresentar requisitos de profissionalismo no
âmbito do delito em exame. Trata-se geralmente de juristas e juízes, mas não se excluem
psicólogos, criminalistas, psiquiatras, médicos legais, professores universitários.

Não obstante a obrigatoriedade da sua constituição, o juízo final sobre os atos recolhidos
na instrutória não é um juízo colegial: eles não assinam o decreto, que recai sob a
exclusiva responsabilidade do Ordinário. A participação deles, todavia, assegura um
mínimo de discussão, de avaliação crítica, a partir do momento em que nesse
procedimento administrativo falta completamente a fase do debate. O que devem
verificar os assessores junto com o Ordinário (ou seu delegado)? O cân, 1720, sub 3°

13O Código das Igrejas orientais, diferentemente do Código latino, o prevê expressamente no cân.
1486.

12
precisa que deve antes de tudo verificar-se a presença certa de um delito, depois também
que a ação criminal não seja extinta. Si certo constet: se trata da certeza moral do cân.
1608: uma via de meio entre a simples probabilidade e a certeza absoluta. A certeza moral
não exclui a possibilidade do contrário, mas dos elementos objetivos surge não provável,
mesmo se não impossível do todo. Tal certeza concerne, obviamente, não somente a
existência do delito, mas também da imputabilidade dele pelo seu autor. Fundamenta-
se sobre o exame dos atos, ex actis et probatis, e não é admitido que o Ordinário possa
condenar o imputado por elementos conhecidos dele fora do processo, se no processo
faltassem suficientes provas da culpa14. Ao contrário, ao invés, se o juiz conhece
pessoalmente a inocência do acusado, mesmo se essa não seja suficientemente atestada
dos atos instrutórios, ele deve absolver o imputado, para que seja feita a justiça e seja
tutelada a consciência do próprio juiz.

Se a ação penal prescreveu15, o Ordinário emana um decreto de declaração de extinção


da ação criminal. Se entende impor uma censura, deve antes dar a admoestação, a norma
do cân. 1347, § 1 (se não já o tenha feito precedentemente) e deferir a inflição da pena em
um segundo momento; se o imputado retrocede da contumácia, não se tem lugar a
imposição da pena (cân. 1347, § 2).

Referente à pessoa do acusado, ele é citado com certeza a comparecer em juízo com um
decreto (cân. 1720 paralelo com cân. 1507-1512), dando-lhe a faculdade de prover a
própria defesa. Ao mesmo tempo devem ser destacadas três informações importantes:

a) O fato que se tenha escolhido o procedimento administrativo;


b) O delito a ele imputado;
c) O conjunto das provas recolhidas.

O Código não indica exatamente como e com quais meios o imputado deve atuar na
própria defesa. Certamente é estabelecido ao imputado um adequado tempo para
organizar a própria defesa, com uma segunda convocação depois da defesa para
esclarecer pontos eventualmente discordantes. Em analogia com o cân. 1725, se deveria
dar ao imputado sempre a última palavra no processo. A prescindir da forma (escrita ou
oral) da própria defesa, poderia se perguntar se faz parte do direito de defesa do
imputado a faculdade de se cercar do auxílio de um advogado. É opinião da doutrina que
não seja prevista uma defesa técnica no processo administrativo, todavia, a não
obrigatoriedade não exclui que o imputado possa se cercar do parecer de um esperto em
matéria penal. É, contudo, importante, como sugere a normativa oriental, que parece
mais precisa daquela latina sobre a matéria16, que o Ordinário ou o seu delegado não
desconsiderem uma forma de contraditório, que é a alma de todo processo.

Permanece firme o princípio que o acusado não é obrigado a confessar (cân. 1728, § 2),
portanto, não tem lugar o pedido de juramente que poderia dar lugar a um perjúrio.

14 P. Erdö, La certezza morale nella pronuncia del giudice, in Periodica 87, 1988, 96.
15 Cân. 1362: geralmente três anos, para alguns delitos particulares aqui indicados, pelos quais a
prescrição é quinquenal (atentado matrimônio do clérigo, secular ou religioso; concubinato
notório; abuso de menor por parte de um clérigo; homicídio; rapto; mutilação; aborto).
16 G. Di Mattia, La normativa di diritto penale nel Codex Iuris Canonici e nel Codex canonum

Ecclesiarum Orientalium, in Apoll. 65, 1992, 171.

13
No que se refere a avaliação das provas por parte do Ordinário, junto com os dois
assessores, se deve dizer que o objeto dela é “probationes et argumenta omnia” (cân.
1720), isto é, tanto a consistência das provas recolhidas quanto a contraprova do
imputado. Permanece, no entanto, claro que se da defesa do imputado ou das provas
recolhidas devem surgir complicações ou as provas recolhidas não sejam suficientemente
claras, ou ainda que não sejam claras a imputabilidade do acusado, a análise poderia
também conduzir a aconselhar e suspender o procedimento administrativo e passar para
a fase judicial.

O juízo do Ordinário permanece um juízo pessoal: a presença dos assessores não o torna
um juízo colegial. Os assessores confortam o Ordinário com o próprio parecer
consistente, mas não assinam o decreto com ele; portanto, o juízo do Ordinário recai sob
a sua exclusiva responsabilidade, pelo que se requer, como para todo juízo, a certeza
moral sobre três elementos que já tratamos: a existência do delito como configurado pelo
direito, e a plena ou semiplena responsabilidade (imputabilidade) do acusado. No caso
em que a ação resulte prescrita o Ordinário emana um decreto de extinção da ação
criminal e ainda pronuncia uma decisão de absolvição, se emerge a evidência que o delito
não foi cometido pelo imputado. Mas não é obrigado a fazê-lo, como ao invés o juiz no
processo judiciário (cân. 1726). Se a pena decidida é uma censura, se deve antes dar a
admoestação de acordo com o cân. 1347, § 1 (se já não foi dada precedentemente).

O processo, portando, se conclui com um decreto administrativo que deve apresentar


todos as características de todo decreto administrativo: forma escrita, a autoridade que
o emana e a sua competência, o dispositivo e a subscrição, com lugar e data. O cân. 51
prevê que tais decretos exprimam saltem summarie as razões em direito e em fato que
sustentem a decisão. O mesmo faz o cân. 1720, § 3.

Para a escolha da pena, ocorrer ter presente os três fins requeridos pelo cân. 1341
(reparação do escândalo, restabelecimento da justiça, correção do réu). O Código atual
não traz um princípio sacrossanto, que todavia era presente no Código de 1917 e que deve
permanecer firme em todo processo penal, como expressão de justiça não vindicativa: a
équa proporção entre pena e delito cometido. Parece, de fato, totalmente contrário à
justiça natural que alguém seja punido gravemente por um delito leve e repugnante no
sentido de justiça inato a todo indivíduo que o sujeito gravemente imputável de um delito
objetivamente grave seja punido levemente. De fato, o Superior nesse caso é equiparado
ao juiz (cân. 1342, § 3) e é obrigado a respeitar os requisitos previstos pelos cân. 1343-
1350. Para a própria validade do decreto, ele deve ser devidamente notificado. Com esse
último ato cessa a ação criminal e inicia a ação penal, a aplicação da pena, que recai sob
a responsabilidade do Ordinário.

6. O recurso penal administrativo

É equivalente ao apelo no processo judiciário: é faculdade do imputado recorrer contra


o decreto, a norma dos cânones relativos aos atos administrativos. Tal recurso deve ser
apresentado em forma de rimostratio ou supplicatio ao próprio autor do decreto (cân.
1734) e depois à autoridade hierárquica superior, diretamente ou por meio do mesmo
autor do decreto. No caso do Bispo, se recorre ao competente dicastério da Santa Sé.

14
O motivo do recurso pode ser qualquer motivo justo17. São admitidos, portanto, tanto
motivos de legitimidade, por uma decisão tomada em violação da norma jurídica ou do
procedimento, ou por motivos de oportunidade, contra a idoneidade do próprio ato.
Entre os motivos de legitimidade: a falta da exposição das razões, a incompetência do
Ordinário, falta de delegação, ato injusto sob ameaça.

O recurso tem imediato efeito suspensivo de todos os efeitos da pena culminada (cân.
1353 e 1736, § 1). O Superior hierárquico é obrigado a observar o cân. 1739, isto é:

a) Confirma a decisão assumida pela autoridade inferior;


b) Emite uma declaração de nulidade;
c) Declara a rescisão do ato: a presença de defeitos jurídicos não torna nulo o ato,
mas o torna anulável (rescindível);
d) Revoga da sanção penal por motivos de oportunidade;
e) Corrige o ato: modificação parcial;
f) Ab-roga o ato, com um ato contrário ao precedente.

Contra a decisão da Santa Sé é admitido um ulterior recurso ao Supremo Tribunal da


Assinatura Apostólica, por violação da norma jurídica in procedendo e in decernendo18,
ou seja, por ilegitimidade na decisão ou no procedimento para a emanação do ato.

7. O processo penal judiciário

Parece-me importante reafirmar aqui o conceito que na Igreja, diferentemente do que


acontece nos Estados, o processo penal é sempre uma extrema ratio à qual se recorre
somente quando forem exauridas todas as outras vias para obter as finalidade contidas
no cân. 1341 ou se os outros remédios forem considerados insuficientes. Isso é devido
naturalmente à natureza e às finalidades da Igreja, que são similares, mas diferentes
daquelas das sociedades democráticas. Isso é também o motivo pelo qual a Igreja não há
um processo penal autônomo relativo àquele contencioso ordinário, mas somente
normas específicas para o processo penal que integram as normas do contencioso, o qual
permanece de qualquer forma permanece o analogatum princeps de todo processo
judiciário19.

Ao processo penal canônico o Código dedica a parte IV do livro VII, que compreende os
cân. 1717-1731. Como já havíamos visto, o processo penal apresenta uma única
introdução, constituída pela investigatio praevia, que depois dela o processo pode se
desenvolver de dois modos distintos: o procedimento por decreto extrajudicial ou aquele
judiciário.

Se o Ordinário decide, segundo os critérios já ilustrados, que se deve proceder pela via
judiciária, o cânon fundamental a se ter presente é o cân. 1721: “Si Ordinarius decreverit

17 Cân. 1737 § 1: “…propter quodlibet iustum motivum…”.


18 Pastor Bonus, art. 123, § 1.
19 Recordo o disposto no cân. 1728, § 1: “Salvis praescriptis canonum huius tituli, in iudicio

poenali applicandi sunt , nisi rei natura obstet, canones de iudiciis in genere et de iudicio
contentioso ordinario, servatis specialibus normis de causis quae ad bonudireitom publicum
spectant”.

15
processum poenalem iudicialem esse ineundum, acta investigationis promotori
iustitiae tradat, qui accusationis libellum iudici ad normam … exhibeat”.

A norma é clara: o titular da ação penal judiciária é o promotor de justiça, o qual recebe
os atos com decreto em que o Ordinário estabelece o início da fase judiciária do processo
penal, para que das investigações preliminares feitas ele possa redigir o libelo e
apresentá-lo ao juiz. Portanto, antes de tudo ocorre ilustrar o ofício do promoter de
justiça.

8. O ofício e o papel do promotor de justiça

A intervenção do promotor de justiça no processo penal judiciário é necessário, não


facultativo, nem o Ordinário pode sustentar pessoalmente a acusação pública (e nem
seria oportuno). O promotor de justiça, no processo penal, representa os interesses da
comunidade cristã, cujas leis e interesses foram lesados por uma conduta delituosa.
Portanto, ele é parte atriz no processo e conserva todas as faculdades de impulso que têm
as partes atrizes em relação ao juiz para o desenvolvimento do processo.

A primeira função do promotor é aquela de redigir o libelo e – elemento particular


importantes – formalizar a cabeça ou as cabeças de imputação. É um ato de importância
particular, em base ao princípio de legalidade onde não há delito se não for previsto por
uma lei positiva. Ele deve verificar se se trata de um delito público (objeto próprio da
ação criminal), isto é, delito cuja notícia foi divulgada e conhecida pela comunidade, e
que como tal esteja contido no Código de direito canônico. Não faltam, a esse propósito,
ações penais concluídas com a punição de um delito não conhecido pelo Código de direito
canônico (condenação por grooming junto à Congregação para a Doutrina da Fé), mas é
evidente que se trata de um ilícito penal, que não deve encontrar imitação (ne transeat
in exemplum).

Da apresentação do libelo adiante, as normas especiais se calam sobre a evolução do


processo, que evidentemente se desenvolve segundo as normas do processo contencioso
ordinário (com a exclusão do processo contencioso oral)20. Portanto, haverá uma sessão
para a fixação dos cabeças de imputação, propostos pelo promotor, que apresenta o libelo
de acusação, a norma dos cân. 1502 e 1504. O libelo deve conter a acusação precisa do
delito, o tipo de delito e os cânones do Código que foram violados, a indicação das provas,
dos fatos e dos argumentos contra o imputado, as eventuais testemunhas para depor, a
pena que deve ser infligida ou declarada a norma de lei e o requerimento do ministério
do juiz. Deve, portanto, a norma do cân. 1504, o libelo introdutório do juiz indicar o órgão
diante do qual se desenvolverá o juízo, segundo os títulos de competência, que são forum
delicti (cân. 1412), isto é, o tribunal do lugar onde o delito foi cometido, ou o tribunal do
domicílio ou quase-domicílio do acusado (cân. 1408 e 1409). Junto com o libelo, o
promotor de justiça transmite também ao tribunal os atos da investigação prévia e os
capitula interrogationis para o acusado e as testemunhas. No curso do juízo, o promotor
deve ter acesso a todos os atos publicados para poder apresentar eventuais instâncias
instrutórias. Uma vez decretada a conclusão da causa, tem o direito/dever de expor em
um restrictus os argumentos que racionalmente sustentam a culpa do réu. Se, no curso
do processo, considerasse inútil proceder ulteriormente, pode renunciar à instância,

20 A. Stankiewicz, Il processo contenzioso orale, in Apoll. 65, 1992, 578.

16
sempre e somente sob mandato do Ordinário (cân. 1724, § 1): isso pode acontecer quando
ele toma consciência que as provas recolhidas não são suficientes para provar a
imputabilidade do acusado, ou porque talvez o fato não subsiste e a denúncia se revela
falsa, ou porque interveio um fato ou elemento que exclui o prosseguimento do processo
(morte do réu).

Se o processo se conclui com a emissão da sentença, é faculdade21 do promotor de justiça


apelar sempre que julgar que não tenha sido suficientemente providenciado a reparação
do escândalo ou a reintegração da justiça (cân. 1727, § 2). Isto acontece naturalmente se
a sentença seja absolutória ou os juízes não tenham avaliado acuradamente as
circunstâncias agravantes ou atenuantes.

9. O ofício do juiz e a necessidade de um reto contraditório

O contraditório é a alma de todo processo, principalmente do processo judicial. É função


precípua do juiz assegurar que o processo seja animado por um contraditório
formalmente e substancialmente correto. E o contraditório é correto se para cada uma
das partes em juízo é assegurado o direito de agir e resistir, a norma de lei, sem que uma
parte prevarique sobre a outra. O juiz deve se assegurar a equidistância das partes em
juízo e moderar com inteligência e equilibro as inciativas da acusação e da defesa do
imputado. Antes de tudo, deve ser claro que, embora o promotor de justiça seja o titular
da ação penal, os seus direitos de impulso encontram o correlativo dever do patrono de
agir e resistir em juízo aos impulsos da acusação e as faculdades concedidas à uma parte
devem sempre ser acordadas pela outra parte, sem que uma parte seja posta em situação
de inferioridade em relação à outra. Recordo, por exemplo, que em um processo penal
ao qual participei, se assistiu à um tipo de aliança oculta entre o promotor de justiça e o
juiz instrutor; aliança que se tornou evidente a partir do momento em que o tribunal,
reunido em sessão plenária, examinou a possiblidade do patrono do acusado ter violado
o segredo instrutório. Naquela sessão, pareceu ao promotor de justiça, quase assumido
no colégio judicante, presente na sessão com direito da palavra e de acusação, exercitasse
um tipo de ação intimidação em relação ao advogado da parte, acusado de ter excedido
em seu dever de diminuir a eficácia da ação de acusação por parte do titular da ação
penal. Ficou evidente que aquele processo procedia de maneira desequilibrada em favor
da acusação por incapacidade do juiz em assumir uma posição equidistante da acusação
e da defesa.

Recordo que quando aqui se fala do juiz, se deve necessariamente sempre entender o juiz
instrutor ou o presidente do tribunal, a partir do momento em que sabemos que o Código
proíbe que um processo penal seja conduzido por um juiz monocrático (cân. 1425):
portanto, o juiz nas causas penais é sempre um colégio de ao menos três componentes,

21A doutrina considerou muito tênue a expressão “appellare potest” do cân. 1727, § 2, a partir do
momento em que, em analogia com os lugares paralelos do Código que atesta o mesmo dever ao
defensor do vínculo nas causas matrimoniais (cân. 1628) – e por último do mesmo cân. 1680 do
Motu Proprio Mitis Iudex, se observa um verdadeiro e próprio dever moral, não somente uma
faculdade, de interpor apelo se o escândalo permanece e a justiça não é suficientemente reparada
(cf. T. Vanzetto, L’appello da parte del promotore di giustizia nelle cause penali, in QDE 30, 2017,
72, che cita il contributo di V. De Paolis, Il processo penale, in Dilexit iustitiam …, cit., p. 493).

17
em que um faz o papel de presidente. Competente para admitir o libelo apresentado pelo
promotor de justiça é o presidente do colégio, que deve emitir um decreto de admissão
ou de rejeição do libelo (cân. 1505, § 1). O parágrafo 2 do mesmo cân. 1505 elenca as
causas que provocam a rejeição do libelo, mas o libelo pode ser rejeitado também se não
apresenta nenhum dos elementos elencados no cân. 1504: nesse caso, ele o rejeita mas
com pedido de emenda. No caso de rejeição sem emenda (absoluta), o promotor de
justiça pode interpor recurso ao colégio judicante contra o decreto do presidente ou ao
tribunal de apelo contra a rejeição decretada pelo colégio de primeiro grau (§ 4 do cân.
1504). Se considera também a admissão ipso iure do libelo, conforme o cân. 1506. Entre
os controles que o presidente do colégio deve fazer antes de admitir o libelo há a
verificação de que a ação criminal não tenha sido extinta por prescrição: a ação se
prescreve por alguns delitos em um triênio, por outros delitos mais graves em um
quinquênio (cân. 1394; 1395; 1397; 1398), a menos que não se trata de delitos reservados
à Congregação para a Doutrina da Fé, naquele caso se aplicam as normas previstas pelo
Motu Proprio Sacramentorum sanctitatis tutela, de 2010.

Recordo também que em qualquer estágio do processo, o Ordinário pode emanar


provisões cautelares de caráter disciplinar, como por exemplo remover o imputado de
um ofício eclesiástico ou do sagrado ministério, impor ou proibir a habitação em um
lugar particular ou participar publicamente da Eucaristia. Trata-se de provisões em todo
caso temporárias, que cessam com a conclusão ou a cessação do próprio processo penal
(cân. 1722).

Em seguida à admissão do libelo vem a citação do acusado e da acusação pública


(promotor de justiça) para a contestação da lide, prescrevendo se devem estar
pessoalmente presentes ou responder por escrito. Na citação, o juiz convidará o
imputado a constituir-se em juízo com um advogado próprio de confiança dentro do
prazo estabelecido. Se ele deixar de fazer isso, é o próprio juiz a fixar um advogado de
ofício, que agirá efetivamente somente até quando o acusado não terá nomeado seu
próprio advogado de confiança (cân. 1723). A norma do cân. 1481, § 2, não é possível que
no processo penal o acusado possa negar um patrono e escolher para agir e responder
pessoalmente. O acusado deve sempre ter um patrono, de confiança ou de ofício. Isto
posto, haverá a sessão de concordância da dúvida da causa (cân. 1507). Nela são
determinados com precisão os cabeças da acusação: o juiz lê para o imputado ou resume
o libelo acusatório. É um ato essencial, porque somente conhecendo as acusações
movidas contra ele o acusado terá condições de articular a própria defesa. O juiz, depois,
registra a reação do imputado, tendo presente que “Accusatus ad confitendum delictum
non tenetur, nec ipsi iusiurandum deferri potest”. Consequentemente, o acusado
poderia negar as próprias responsabilidades ou fazer uma admissão parcial. Em todo
caso, mesmo se espontaneamente se declarasse culpado dos crimes a ele adscritos, nem
por isto o processo termina. Nem mesmo é previsto que o imputado possa renunciar ao
processo. Somente o promotor pode renunciar à ação em qualquer estágio do juízo, mas
somente com o consentimento do Ordinário e pactuado que o imputado aceite (cân. 1724,
§ 2). Ele, de fato, poderia ter interesse a que o processo chegue ao seu fim natural para
demonstrar a sua plena estranheza aos fatos assinalados a ele, a partir do momento em
que a renúncia do promotor poderia deixar subsistir a suspeita da culpa do imputado. O
imputado, não aceitando a renúncia, exercita o direito de proteger a sua própria fama.
Nesse caso, o juiz disporá o prosseguimento do processo até a sua conclusão natural. Se
a renúncia é aceita pelo imputado (ou pelo seu patrono munido de mandado especial),

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se darão os mesmos efeitos da perempção da instância; o juiz declarará com seu decreto
a perempção da instância, extinta pela renúncia do promotor de justiça aceita pelo
imputado.

Uma vez fixada a dúvida da causa, as partes devem ser notificadas. Não se podem mudar
os termos da controvérsia se não com um novo decreto e somente por grave motivo, por
instância do promotor de justiça e não sem antes ter ouvido a outra parte, isto é, o
imputado.

10. A fase instrutória e a fase de discussão ou debate

O processo penal se centra substancialmente na aquisição das provas de culpa fornecidas


pelo promotor de justiça e o seu exame em contraditório com a outra parte. De capital
importância é, portanto, o interrogatório do imputado, através do qual o juiz averigua e
esclarece todas as dúvidas que poderiam estar sob a responsabilidade do imputado e
sobre a qualidade das ações delituosas a ele imputadas. Somente o juiz interroga o
imputado, nem o patrono ou o promotor de justiça os quais, se desejam intervir, devem
sempre dirigir ao juiz a pergunta, que poderia admiti-la ou rejeitá-la.

Do mesmo modo se observe para o exame das eventuais testemunhas.

Uma vez adquirida todas as provas, tanto documentais quanto testemunhais, se passar à
fase de debate, que inicia com o decreto com que o juiz publica os atos, permitindo à
parte imputada, ou às partes imputadas, e aos seus advogados, de tomar nota junto à
Chancelaria do tribunal e poder assim preparar a própria defesa. A discussão da causa
acontece ordinariamente por escrito, mesmo se o cân. 1725 prevê que possa acontecer
também oralmente.

O Código assinala que no processo penal, diferentemente do processo contencioso


ordinário, o imputado tem sempre o direito de falar ou escrever por último, por si ou por
meio do seu patrono. Esse direito é correlativo ao outro direito, não expressamente
declarado pelo Código, mas que faz parte dos direitos fundamentais da pessoa humana
em todo ordenamento e incluído até mesmo na Declaração Universal dos direitos
humanos de 1948: o acusado se presume inocente, até quando não é demonstrado o
contrário. Consequentemente, não é o imputado que deve demonstrar a própria
inocência, mas o promotor de justiça que deve demonstrar a sua culpa. Em caso de
provas insuficientes, portanto, o juiz não pode que decretar a absolvição do imputado
por insuficiência das provas produzidas em juízo. De fato, para condenar uma pessoa, se
requer a certeza moral do juiz acerca da imputabilidade do acusado. Mais ainda, se
durante o interrogatório das partes ou das testemunhas se evidenciasse claramente a
inocência do acusado ou o não fundamento da acusação, o juiz é obrigado a não
prosseguir com o processo e declarar imediatamente com sentença a absolvição do
imputado, mesmo se consta a existência do delito, mas consta que ele não foi cometido
pelo imputado. Caso contrário, se consta a existência do delito e de haver sido cometido
pelo imputado, a sentença será de condenação: com ela, o juiz deve irrogar ou declarar a
pena, se se trata de pena latae sententiae.

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Toca ao Ordinário cuidar que a pena estabelecida pelo juiz seja aplicada. De fato, com a
emanação da sentença, cessa a função do poder judiciário e inicia a obra dos sujeitos
titulares do poder executivo.

11. O direito ao apelo

Depois da emanação de uma sentença de condenação (cân. 1727), o acusado tem o direito
de propor apelo contra a sentença, mesmo se ele foi declarado culpado, mas não
efetivamente punido porque a pena era facultativa e o juiz decidiu não aplicá-la ou no
caso em que o juiz fez uso da faculdade concedida a ele cân. 1344 e 1345. Trata-se de
casos em que ao juiz é dada a faculdade de diferir a pena para um tempo mais oportuno,
de abster-se da imputação da pena ou impor uma penitência no lugar da pena ou, enfim,
escolher suspender a imputação da pena. Essas últimas provisões, isto é, de abstenção
da pena ou de suspensão, se adotam, como prescrevem os cânones citados, nos casos de
um acusado censurado, que tenha conduzido uma vida louvável e sem mancha até o
processo, ou se trata de pessoa que tenha perpetrado o delito sob o efeito de metus,
necessitas, passionis aestu, ebrietas ou outras perturbações da mente. Se, portanto, o
imputado tenha agido sob o efeito de álcool, medicinas, ou foi impelido ao delito por um
estado de termo ou de necessidade (o roubo por fome, por exemplo) ou por uma forte
paixão (os assim chamados delitos passionais), o juiz pode avaliar de abster-se a impor
a pena ou suspende-la.

Bem, mesmo nesses casos o ordenamento da Igreja prevê o direito ao apelo. O prazo para
propor apelo é de 15 dias da notificação da sentença, e é proposto pelo juiz a quo, aquele
que emitiu a sentença (cân. 1630, § 1). Recorda-se que o cân. 1353 estabelece que o apelo
nas causas penais tem efeito suspensivo sobre pena.

Obviamente, o mesmo promotor de justiça tem o direito a formular um apelo toda vez
que julgue que a sentença não tenha providenciado suficientemente a reparação do
escândalo ou a reintegração da justiça (cân. 1727, § 2).

12. O modus procedendi nas causas reservadas à Congregação


para a Doutrina da Fé

A normativa atual prevê que os delitos considerados mais graves na Igreja, sejam de
competência do juízo da Congregação para a Doutrina da Fé.

Renuncio aqui discutir como pode à uma Congregação Romana – cuja finalidade é
promover e tutelar a pureza da fé católica – seja, portanto, reconhecida também uma
competência “judiciária” ou jurisdicional própria dos tribunais. Todos sabemos de como
em certo ponto da história a Congregação do Santo Ofício herdou as competências
judiciárias que na história eram confiadas aos tribunais da Santa Inquisição. Parto do
pressuposto que tal Organismo da Santa Sé não tem somente uma competência
administrativa, como todas as outras Congregações e Pontifícios Conselhos e
Organismos da Santa Sé, mas a essa se anexe também uma competência mais
especificamente judiciária, constituindo de fato um unicum no panorama dos
Organismos pertencentes à Cúria Romana.

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A normativa vigente portanto lhe reconhece uma competência exclusiva, reconhecida
explicitamente pelo Código, no cân. 1362, e no art. 52 da Constituição Apostólica Pastor
Bonus, de 1988. Tal competência em seguida fundamentou a competência da
Congregação de se dotar de uma lei peculiar, mencionada no cân. 360, o Motu Proprio
Sacramentorum sanctitatis tutela, de 30 de abril de 2001, fez uma emenda em 2010.

Quais são esses delicta graviora pode ser lido agilmente no próprio Motu Proprio e não
tem necessidade que eu me debruce aqui sobre o direito substantivo, porque entendo
somente dizer alguma coisa sobre o procedimento observado no tribunal constituído
junto àquela Congregação.

A) O procedimento inicia antes de tudo com uma notícia criminis fornecida à


Congregação por parte dos Ordinários, a norma do art. 13 do Motu Proprio, que
fala de “notitia saltem verisimilem…de delicto reservato”. O Ordinário executa
uma primeira fase, a norma do cân. 1717, isto é, faz uma investigação prévia,
investigando tanta a confiabilidade da denúncia que sua a veridicidade do objeto
da mesma. Em caso de resultado positivo, ele tem a obrigação de referir o caso à
Congregação para a Doutrina da Fé, abstendo-se da aplicação do cân. 1718.
B) A Congregação, diante dos atos da investigação prévia transmitidas pelo
Ordinário, e feita ressalva de uma solicitação para eventuais informações
ulteriores, tem três opções:
1. Decide considerar suficiente e, portanto, confirma a procedimento
administrativo do Ordinário imposto ao acusado em seguida ou no
curso da investigação prévia;
2. Decide apresentar o caso ao Papa para a demissão ex officio do estado
clerical, se o denunciado é um clérigo e se o próprio clérigo negue
solicitar voluntariamente o abandono do estado clerical e a dispensa
dos relativos ônus;
3. Decide autorizar um procedimento penal extrajudicial (cân. 1720 CIC
e 1486 CCEO) ou autorizar a celebração de um processo penal
judiciário in loco (diocese ou Instituto clerical de direito pontifício),
com reserva por parte da Congregação para a Doutrina da Fé em tratar
um eventual apelo contra a sentença de primeiro grau.

O procedimento que se refere aos clérigos religiosos é substancialmente o mesmo, com


alguma pequena variação. Recorde-se, enfim, que os eventuais recursos contra os
decretos administrativos do Ordinário ou da própria Congregação é excluído o recurso à
Assinatura Apostólica, mas é competente a recebê-los e resolvê-los a Congregação
Ordinária da Congregação para a Doutrina da Fé, comumente chamada Feria quarta.
Sabemos também que ultimamente, por causa do grande número de recursos, o Papa
Francisco instituiu uma Comissão ad hoc junto à Congregação para a Doutrina da Fé,
presidida por Charles Scicluna, Arcebispo de La Valletta (Malta). Todos os recursos têm
de qualquer modo efeito suspensivo.

Dixi.

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