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FUNDAÇÃO GETULIO VARGAS

Escola de Direito FGV DIREITO RIO


PÓS GRADUAÇÃO EM DIREITO TRIBUTÁRIO

CÉLIA VALQUÍRIA NASCIMENTO DE OLIVEIRA

PLANEJAMENTO TRIBUTÁRIO

Trabalho de Conclusão de Curso


apresentado ao curso de Pós-graduação lato
sensu, nível especialização, em DIREITO
TRIBUTÁRIO da FGV DIREITO RIO.

Turma in company Receita Federal, da cidade do Rio de Janeiro.

No. Matrícula: 54952/2014

Data: Fevereiro/2016

Original
FUNDAÇÃO GETULIO VARGAS
Escola de Direito FGV DIREITO RIO
PÓS GRADUAÇÃO EM DIREITO TRIBUTÁRIO

O Trabalho de Conclusão de Curso

PLANEJAMENTO TRIBUTÁRIO

Elaborado por Célia Valquíria Nascimento de Oliveira

Data: 29/02/2016

Coordenador da Pós-graduação Lato Sensu do FGV Law Program – Rafael Alves de


Almeida

Original
Escola de Direito FGV DIREITO RIO
PÓS GRADUAÇÃO EM DIREITO TRIBUTÁRIO

Compromisso de Originalidade

A presente declaração é termo integrante de todo trabalho de conclusão de curso (TCC) a


ser submetido à avaliação da Coordenação Acadêmica da FGV DIREITO RIO como
requisito necessário à conclusão do curso de Pós Graduação em Direito Tributário, sem a
qual o referido trabalho não produzirá quaisquer efeitos.

Eu, Célia Valquíria Nascimento de Oliveira, brasileira, servidora pública federal, na


qualidade de aluno(a) do Pós Graduação em Direito Tributário da Escola de Direito FGV
DIREITO RIO, declaro para os devidos fins estar apresentando, em anexo, meu Trabalho
de Conclusão de Curso, para fins de avaliação, como parte integrante da nota do curso de
Pós-graduação lato-sensu, nível especialização da FGV DIREITO RIO e que o mesmo se
encontra plenamente em conformidade com os critérios técnicos, acadêmicos e científicos
de originalidade.

Nesse sentido, declaro, para os devidos fins, que:

O referido TCC foi elaborado com minhas próprias palavras, ideias, opiniões e juízos de
valor, não consistindo, portanto, em PLÁGIO, por não reproduzir, como se meus fossem,
pensamentos, ideias e palavras de outra pessoa;

As citações diretas de trabalhos de outras pessoas, publicados ou não, apresentadas em meu


TCC, estão sempre claramente identificadas entre aspas e com a completa referência
bibliográfica de sua fonte, de acordo com as normas estabelecidas pela FGV DIREITO
RIO.

Todas as séries de pequenas citações de diversas fontes diferentes foram identificadas


como tais, bem como às longas citações de uma única fonte foram incorporadas suas
respectivas referências bibliográficas, pois fui devidamente informado(a) e orientado(a) a
respeito do fato de que, caso contrário, as mesmas constituiriam plágio.

Todos os resumos e/ou sumários de ideias e julgamentos de outras pessoas estão


acompanhados da indicação de suas fontes em seu texto e as mesmas constam das

Original
referências bibliográficas do TCC, pois fui devidamente informado(a) e orientado(a) a
respeito de que a inobservância destas regras poderia acarretar alegação de fraude.

Atesto meu compromisso de não praticar quaisquer atos que possam ser entendidos
como plágio na elaboração de meu TCC, razão pela qual declaro ter lido e entendido
todo o conteúdo deste compromisso de originalidade e submeto o documento em
anexo para apreciação da FGV Direito Rio como fruto de meu exclusivo trabalho.

Data: 29/02/2016

Assinatura do Aluno: ________________________________________

Nome do Aluno: Célia Valquíria Nascimento de Oliveira


(letra de forma)

Identidade do Aluno: 8051573254 SSP/RS

Matrícula: 54952/2014

Original
RESUMO

Diante da complexidade dos sistemas tributários nacionais e internacionais o Planejamento


Tributário insere-se atualmente como um poderoso instrumento de gestão, que norteia as
decisões em todas as áreas das empresas, influenciando diretamente no sucesso dos
resultados operacionais e até mesmo na sobrevivência das entidades. Quando bem
utilizado, proporciona ganhos financeiros, operacionais e mercadológicos, mas para tanto
deve ser cuidadosamente delineado, de forma a não ser questionado pelas autoridades
fiscais. Um planejamento bem feito deve considerar todos os riscos envolvidos, o que pode
ser feito conhecendo-se os requisitos exigidos para que o Planejamento Tributário seja
seguramente aceito pelo fisco, pela doutrina e pela jurisprudência como legítimo, a fim de
que sejam removidos ou minimizados os fatores de risco tributário. Sua cuidadosa
observação evita o impacto negativo na vida das empresas decorrente de autuações ou
discussões administrativas e judiciais, tornando-o apto a gerar os benefícios originalmente
buscados. O objetivo deste trabalho é identificar estes requisitos, as principais correntes
doutrinárias e a posição da jurisprudência administrativa acerca do assunto, e com base
nestes dados traçar um guia indicativo para que as entidades consolidem seus ganhos
tributários de forma legítima, e com respeito aos princípios constitucionais.

Palavras-chave: Planejamento tributario. Substrato econômico. Propósito negocial.


Causa extratributária. Evasão fiscal. Elusão fiscal. Elisão fiscal.
Doutrinas internacionais de combate à elisão fiscal.

Original
SUMÁRIO

INTRODUÇÃO*...................................................................................................................................................*7!
1.! PLANEJAMENTO*TRIBUTÁRIO*–*VISÃO*GERAL*............................................................................*8!
1.1.! CONCEITO!DO!PLANEJAMENTO!VÁLIDO!.............................................................................................................!8!
1.2.! CRITÉRIOS!DE!ANÁLISE!OU!REQUISITOS!AMPLOS!..........................................................................................!10!
1.3.! FIGURAS!AFINS!E!CORRENTES!DOUTRINÁRIAS!NACIONAIS!E!INTERNACIONAIS!.......................................!12!
1.1.1.! Simulação,e,dissimulação,.......................................................................................................................,13!
1.1.2.! Substância,sobre,a,forma,(substance,over,form),.........................................................................,15!
1.1.3.! Propósito,negocial,(business,purpose),..............................................................................................,15!
1.1.4.! Abuso,de,forma,............................................................................................................................................,16!
1.1.5.! Abuso,de,direito,...........................................................................................................................................,16!
1.1.6.! Elusão,fiscal,...................................................................................................................................................,18!
1.4.! A!NORMA!DO!PARÁGRAFO!ÚNICO!DO!ARTIGO!116!DO!CÓDIGO!TRIBUTÁRIO!NACIONAL!......................!19!
1.5.! A!QUESTÃO!DA!RAZÃO,!MOTIVO!OU!SUBSTRATO!ECONÔMICO!....................................................................!20!
2.! APLICAÇÃO*PRÁTICA*DAS*DOUTRINAS*NA*JURISPRUDÊNCIA*.............................................*22!
3.! CONCLUSÃO*?*ELABORAÇÃO*DO*PLANEJAMENTO*TRIBUTÁRIO*EFICAZ*..........................*26!
3.1.! REQUISITOS!BÁSICOS!DE!LICITUDE!EM!SENTIDO!AMPLO!E!CRONOLÓGICO!...............................................!26!
3.2.! USO!DAS!FORMAS!JURÍDICAS!CORRETAS!.........................................................................................................!26!
3.3.! A!BUSCA!DO!SUBSTRATO!ECONÔMICO!COMO!ARGUMENTO!INCONTESTÁVEL!...........................................!27!
3.4.! A!QUESTÃO!DA!PROVA!J!A!IMPORTÂNCIA!DA!DOCUMENTAÇÃO!DO!SUBSTRATO!ECONÔMICO!...............!28!
3.5.! CONSIDERAÇÕES!FINAIS!.....................................................................................................................................!30!
REFERÊNCIAS*................................................................................................................................................*31!

Original
7

INTRODUÇÃO

Diante da complexidade dos sistemas tributários nacionais e internacionais o


Planejamento Tributário insere-se atualmente como um poderoso instrumento de gestão, que
norteia as decisões em todas as áreas das empresas, influenciando diretamente no sucesso dos
resultados operacionais e até mesmo na sobrevivência das entidades. Quando bem utilizado,
proporciona ganhos financeiros, operacionais e até mercadológicos, mas para tanto deve ser
cuidadosamente delineado, de forma a não ser questionado pelas autoridades fiscais.
Um planejamento bem feito deve considerar todos os riscos envolvidos, o que
pode ser feito conhecendo-se os requisitos exigidos para que o Planejamento Tributário seja
seguramente aceito pelo fisco, pela doutrina e pela jurisprudência como legítimo, a fim de que
sejam removidos ou minimizados os fatores de risco tributário. Sua cuidadosa observação
evita o impacto negativo na vida das empresas decorrente de autuações ou discussões
administrativas e judiciais, e torna-o apto a gerar os benefícios originalmente buscados.
Quais os requisitos básicos que garantem a oponibilidade de um planejamento
tributário perante o fisco? Quais as correntes doutrinárias aplicáveis e aceitas no Brasil?
Como elaborar um planejamento que se sobreponha aos argumentos do fisco – há um
argumento vencedor? Este trabalho objetiva delinear estes pontos, e assim auxiliar o
planejador a evitar inúteis e onerosos litígios. Dividimos a exposição três capítulos.
No primeiro capítulo, apresentaremos uma noção geral do conceito de
planejamento tributário, identificando as principais teorias que procuram definir o
planejamento lícito e enumeraremos os requisitos considerados básicos para que seja
considerado válido e oponível ao fisco, considerando a visão das fontes pesquisadas.
No segundo capítulo faremos uma análise da jurisprudência administrativa,
indicando em vários casos as teorias e os requisitos identificados no primeiro capítulo.
Por fim, no terceiro capítulo traz nossas conclusões e um roteiro com as
indicações dos principais elementos e requisitos a serem observados na elaboração de um
planejamento tributário leglítimo e eficaz, oponível ao fisco e à prova de questionamentos.

Original
8

1. PLANEJAMENTO TRIBUTÁRIO – VISÃO GERAL

1.1. Conceito do Planejamento Válido

Planejamento Tributário insere-se no cenário atual como um poderoso


instrumento de gestão. Há, porém, diversos aspectos que devem ser observados para que
alcance os resultados almejados, haja vista a amplitude dos princípios e normas do Direito
Tributário, tanto no direito positivo quanto na sua interpretação doutrinária e jurisprudencial.
A questão inicia-se já na definição dos institutos básicos, especialmente no
conceito de fato gerador. A análise de seus aspectos materiais e pessoais, objetivos e
subjetivos, são de suma importância na definição de sua ocorrência, e portanto, na elaboração
de um planejamento tributário legítimo e eficaz perante o fisco.
As importantes figuras da evasão, da elisão, da sonegação e da fraude também se
ligam à ocorrência do fato gerador, e trazem dificuldades semânticas em relação a seus
conceitos. De um modo geral, aceita-se que a evasão lícita e a elisão precedem a ocorrência
do fato gerador. A sonegação e a fraude são figuras associadas a atos praticados após a
ocorrência daquele fato.1
Na busca da otimização da gestão e na redução dos riscos tributários, o
contribuinte tem liberdade para estruturar seus negócios e formatar sua sua empresa da forma
mais econômica e eficiente, e não pode ser obrigado a fazê-lo da forma mais onerosa
tributariamente. Os princípios constitucionais da Livre Iniciativa (art. 1o., IV e 170, caput) e
da Livre Concorrência (art. 170, IV) estribam esse direito. O dever de diligência previsto nos
artigos 153 e 154 da Lei 6.404/76 para que o administrador empregue, “no exercício de suas
funções, o cuidado e diligência que todo homem ativo e probo costuma empregar na
administração de seus próprios negócios” e “exerça as atribuições que a lei e o estatuto lhe
conferem para lograr os fins e no interesse da companhia, satisfeitas as exigências do bem
público e da função social da empresa” apresenta a economia de impostos como um dever do
administrador de empresas.2
O planejamento tributário, então, é aquele conjunto de condutas que o
contribuinte pode adotar na busca pela menor carga tributária possível, dentro do
ordenamento jurídico.

1
TORRES, Ricardo Lobo. Planejamento tributário elisão abusiva e evasão fiscal. Rio de Janeiro: Elsevier, 2012,
p. 7 e 8.
2
CASTRO, Leonardo Freitas de Moraes e. Planejamento tributário internacional. São Paulo: Quartier Latin,
2015, p. 255.

Original
9

A questão principal na análise de um planejamento tributário é sua aptidão para


produzir os efeitos jurídicos buscados pelo contribuinte. E esta aptidão advém de sua
oponibilidade ou não Fisco, considerado este como um terceiro que pode recusar-se a aceitar
os efeitos de determinados atos ou negócios jurídicos, anulando a redução da carga
produzida.3 Conforme GRECO, o tema da oponibilidade ao fisco tem sido objeto de vários
estudos de diversos autores, tais como Hermes Marcelo Huck, Ricardo Lobo Torres, Onofre
Alves Batista Júnior, Ricardo Lodi Ribeiro (2011, p. 118).
Há porém, limites, fora dos quais o planejamento não será considerado legítimo, e
não será aceito. Estes limites dependem do momento histórico e da teoria interpretativa
utilizada. A licitude ou ilicitude da elisão fiscal, e portanto, a legitimidade do planejamento
tributário, dependem da posição teórica adotada.
As correntes teóricas interpretativas do direito tributário evoluíram. Inicialmente,
a jurisprudência dos conceitos trazia uma interpretação formal, sistemática, baseada na crença
de que as categorias jurídicas expressam plenamente a realidade social e econômica
subjacente à norma4. Defendia o primado do direito civil sobre o direito tributário e a
legalidade estrita. Levou à posições petrificadas, à desconsideração da situação real, e à
concepção ingênua de que a realidade cabe na letra da lei.
A corrente seguinte, a jurisprudência dos interesses, trouxe a consideração
econômica do fato gerador. Oriunda do Código Tributário Alemão de 1919, foi também
chamada de interpretação econômica, pejorativamente. Oposta à jurisprudência dos conceitos,
defendia a autonomia do direito tributário em relação ao direito privado, a possibilidade do
uso da analogia e a função criadora do juiz. Ignorou a metodologia dos conceitos e categorias
jurídicas, tendendo a uma interpretação empírica e informal, em prejuízo da segurança
jurídica.
A partir da década de 1970, com a reaproximação entre direito e ética sob a ótima
de Kant e do imperativo categórico de que é necessário tomar decisões como um ato moral,
ou seja, sem agredir ou afetar outras pessoas (“Age como se a máxima de tua ação devesse
tornar-se, através da tua vontade, uma lei universal.”), ambas as teorias são ultrapassadas,
dando lugar à jurisprudência dos valores. Esta teoria interpretativa pondera a idéia da
legalidade da primeira, que traz a segurança jurídica, com o empirismo da segunda, que
considera o que a lei não consegue abarcar, considerando ainda os princípios fundamentais do

3
GRECO, Marco Aurélio. Planejamento Tributário. Sao Paulo: Dialética, 2011, p. 118.
4
TORRES, Ricardo Lobo. Planejamento tributário elisão abusiva e evasão fiscal. Rio de Janeiro: Elsevier, 2012,
p. 12.

Original
10

Estado Democrático de Direito, e a obrigatoriedade da observância da ética tanto pelo direito


quanto pela economia. Em suma, defende o primado dos princípios e a harmonização entre
direito e economia.
A primeira teoria, defensora do positivismo normativista e da autonomia da
vontade, considera a possibilidade ilimitada de planejamento fiscal, desde que sejam
utilizados instrumentos jurídicos válidos. Dentre seus defensores, Sampaio Dória.5
A segunda teoria, com sua consideração econômica, defende o oposto: a ilicitude
generalizada da elisão, que seria sempre um abuso da forma jurídica escolhida. Amílcar de
Araújo Falcão defendeu esta posição de forma moderada.6
Já a jurisprudência dos valores superou as teses extremadas de ilicitude
generalizada ou da licitude permanenete, aceitando que o direito de o contribuinte buscar a
economia de tributos ao estruturar suas operações, desde que não haja abuso de direito. Esta
opinião é defendida por vários autores, citados por Ricardo Lobo Torres, dentre eles Marco
Aurélio Greco, Hermes Marcelo Huck, Ricardo Lodi Ribeiro, Marciano Seabra de Godoi e
Marcos Catão.7
O foco da questão na análise do planejamento eficaz é a sua oponibilidade ao
fisco, e não apenas a sua legalidade, ou seja, a discussão é sobre a eficácia, sendo a licitude
um requisito preliminar. Partindo então da idéia de que o planejamento tributário legítimo é
aquele oponível ao fisco, cabe analisar os critérios que garantem que isto ocorra,
considerando a evolução das teorias interpretativas e da Teoria Geral do Direito, assim como
as posições doutrinárias e jurisprudenciais a respeito do tema. Este resultado definirá se o
planejamento fiscal é apto a trazer os benefícios econômicos desejados pelo contribuinte.

1.2. Critérios de análise ou requisitos amplos

Greco cita inicialmente três critérios clássicos para análise das condutas dos
contribuintes na busca da redução da carga tributária: critério cronológico, critério da licitude,
e o da não simulação (2011, p. 119). Cronológico, porque os atos que reduzem a carga
tributária devem ocorrer antes da ocorrência do fato gerador, ou seja, antes do nascimento da
obrigação tributária. Licitude, no sentido de que estes mesmos atos devem ser lícitos, o que

5
TORRES, Ricardo Lobo. Planejamento tributário elisão abusiva e evasão fiscal. Rio de Janeiro: Elsevier, 2012,
p. 15.
6
Idem, ibidem.
7
Idem, ibidem, p. 16

Original
11

seria um elemento fundamental. E além de lícitas e de ocorrerem antes do fato gerador, as


ações não devem envolver simulação.
Conforme Ost e Kerchove (apud Greco, 2011, p. 123), considerando os três
critérios de validade sob a visão tridimensional do Direito, a conduta há de ser válida perante
a norma (legalidade), válida da perspectiva do fato (efetividade) e válida à luz dos valores
(legitimidade). Ou nas palavras de Miguel Reale, em seu aspecto normativo, relação com o
ordenamento; fático, em sua efetividade social e histórica; e axiológico, como um valor.
(2004, p. 64 e 65). Assim, uma conduta que se enquadre apenas em uma ou duas dessas óticas
terá consequencias teóricas e práticas diferentes, mas a oponibilidade das condutas que
buscam redução de carga tributária ao fisco há de passar no crivo das três, já que “tais
elementos ou fatores (fato, valor e norma) não existem separados uns dos outros, mas
coexistem numa unidade concreta” (idem).
O critério cronológico citado acima é utilizado na clássica distinção entre elisão
fiscal (anterior ao fato gerador) e evasão fiscal (posterior ao fato gerador). Este critério chega
a ser apontado como o único critério de distinção seguro por Rubens Gomes de Souza (apud
Coelho, 1998, p. 174). Veremos, porém, que este critério indica uma condição necessária, mas
não suficiente.
Atualmente surgiu na doutrina pátria e estrangeira novo conceito que busca
solucionar os pontos não cobertos pela distinção citada: a elusão fiscal.8 Segundo este
conceito, exige-se também que haja uma causa legítima para a escolha das condutas.
Conforme Heleno Torres, a conduta elisiva por insuficiência de causa torna o exercício da
autonomia privada ilegítimo (2003, p. 17). Este ponto será melhor explorado em item próprio.
Até aqui, temos que o conjunto de atos do contribuinte na busca da economia
tributária deve ser anterior ao fato gerador, atender aos requisitos da licitude
(preliminarmente), ser legal em sentido amplo, ser válido perante a norma (legalidade),
perante os fatos (efetivo) e perante os valores do sistema jurídico como um todo
(legitimidade). A exigência dupla da legalidade e da legitimidade, bem como de causa
9
extratributária, aparece também na jurisprudência administrativa. Com a figura da elusão
fiscal, tem-se ainda a existência de causa como um requisito de legitimidade. Vemos, assim,

8
CASTRO, Leonardo Freitas de Moraes e. Planejamento tributário internacional. São Paulo: Quartier Latin,
2015, p. 250 e 251.
9
Como por exemplo, no Acórdão n. 104-21.675 da 4a Câmara do 1o. Conselho de Contribuintes do Ministério
da Fazenda, proferido na Sessão de 22/06/2006, Relator Nelson Mallmann, ementa obtida no sítio
www.carf.fazenda.gov.br, acessado em 28/01/2016.

Original
12

que a simples concordância com a letra da lei não é suficiente para embasar uma economia
tributária válida.

1.3. Figuras afins e correntes doutrinárias nacionais e internacionais

A evolução do Direito Tributário após a segunda guerra, com um maior equilíbrio


entre as liberdades tributárias e o direito arrecadatório do Estado, bem como das teorias
interpretativas culminando com a jurisprudência dos valores e a consideração da liberdade à
luz da solidariedade fiscal e do dever de contribuir, trouxe uma relação menos belicosa e mais
cooperativa entre as partes da relação tributária.
A diferenciação entre o planejamento tributário lícito (evasão fiscal) e o abusivo
(elusão fiscal) foram objeto de estudos e surgiram em vários países diversas teorias, testes, e
doutrinas na busca por critérios que auxiliassem na busca dos limites entre um e outro,
variando de acordo com o país de origem.
Todas estas teorias e critérios, longe de traçar limites precisos, auxiliam na busca
da definição entre a liberdade constitucional do contribuinte de se auto-organizar e o dever de
contribuir e atender à legalidade, amplamente considerada.
Temos como critérios utilizados internacionalmente o abuso de forma, abuso de
direito, fraude à lei, simulação, negócio jurídico indireto, propósito negocial (business
purpose) e prevalência da substância sobre a forma (substance over form). Estes conceitos se
mesclam e sobrepõem em uma área cinzenta, de forma que por vezes são aplicados em
conjunto e sem uma delimitação precisa.
Diversas destas teorias tem origens em países que utilizam o sistema jurídico da
common law, o que dificulta a sua aplicação em países de civil law, uma vez que a forma de
aplicação da lei é totalmente diversa. Em suma, na common law, os princípios da legalidade e
da tipicidade, tão valiosos no Brasil e nos países de tradição romano-germânica, não possuem
o mesmo peso e nao carregam os mesmo valores (CASTRO, 2015, p. 266).
Várias críticas são feitas a esta importação de critérios, mas ocorre que, na busca
pela distinção entre o planejamento lícito e o abusivo, a jurisprudência administrativa tem
aplicado alguns deles, como mostraremos mais adiante. Assim, na elaboração de um
planejamento tributário pelo contribuinte devem também ser observados estes critérios e
aplicados testes de adequação, como forma de minimização dos riscos de questionamentos
posteriores.

Original
13

A seguir, breve exposição de algumas das figuras afins, teorias e doutrinas


utilizadas no combate ao planejamento tributário abusivo.

1.1.1. Simulação e dissimulação

A simulação é instituto tipicamente de Direito Civil, previsto no artigo 167 do


Código Civil brasileiro.10 Na simulação absoluta aparenta-se celebrar um negócio jurídico
quando, na realidade, não se pretende realizar negócio algum; na relativa, as partes celebram,
efetivamente, um contrato, mas para enganar terceiros, o ocultam com um contrato aparente
distinto do primeiro pela sua natureza ou pelas suas cláusulas e condições11. Conforme a
metáfora de Francesco Ferrara (apud Castro, 2015, p. 281), a simulação é o fantasma (não
existe) e a dissimulação é a máscara (esconde).
Há ainda uma terceira figura citada pela doutrina12 e que ocorre muito
frequentemente no âmbito tributário, chamada de “simulação por interposição”, quando a
parte que aparece no negócio jurídico não é a real titular do direito, o que chama de “laranja”
ou “testa de ferro”.
Segundo o parágrafo único do artigo 116 do CTN, introduzido pela Lei
complementar n. 104/01,13 a fiscalização poderá desconsiderar atos ou negócios jurídicos que
tenham por objetivo dissimular a ocorrência do fato gerador tributário ou dissimular a
natureza dos elementos da obrigação tributária. Alberto Xavier define que “a simulação fiscal
é aquela que ocorre quando a finalidade consiste em prejudicar o Fisco, enquanto terceiro na
operação”, e vê neste dispositivo norma antissimulação (2002, p. 52 e 53).14 Explica ainda

10
Art. 167. É nulo o negócio jurídico simulado, mas subsistirá o que se dissimulou, se válido for na substância e
na forma. § 1o Haverá simulação nos negócios jurídicos quando: I - aparentarem conferir ou transmitir direitos a
pessoas diversas daquelas às quais realmente se conferem, ou transmitem; II - contiverem declaração, confissão,
condição ou cláusula não verdadeira; III - os instrumentos particulares forem antedatados, ou pós-datados.
11
XAVIER, Alberto.Tipicidade da tributação, simulação e norma antielisiva. São Paulo: Dialética, 2001, p. 53
e 54.
12
CASTRO, Leonardo Freitas de Moraes e. Planejamento tributário internacional. São Paulo: Quartier Latin,
2015, p. 281; YAMASHITA, Douglas. Elisão e Evasão de tributos – planejamento tributário: limites à luz do
abuso de direito e da fraude à lei. São Paulo: Lex, 2005, pp 301 e ss.; e PEREIRA, Caio Mário da Silva.
Instituições de Direito Civil. Vol. I, Rio de Janeiro: Forense, 2004, p 636.
13
Art. 116. Salvo disposição de lei em contrário, considera-se ocorrido o fato gerador e existentes os seus
efeitos: I - tratando-se de situação de fato, desde o momento em que o se verifiquem as circunstâncias materiais
necessárias a que produza os efeitos que normalmente lhe são próprios; II – tratando-se de situação jurídica,
desde o momento em que esteja definitivamente constituída, nos termos de direito aplicável. Parágrafo único. A
autoridade administrativa poderá desconsiderar atos ou negócios jurídicos praticados com a finalidade de
dissimular a ocorrência do fato gerador do tributo ou a natureza dos elementos constitutivos da obrigação
tributária, observados os procedimentos a serem estabelecidos em lei ordinária. (incluído pela LC n. 104, de
2001).
14
Esta posição não é unânime na doutrina, como veremos mais adiante.

Original
14

que, em âmbito tributário, a simulação importa em ineficácia relativa do ato simulado,


traduzida em inoponibilidade ao fisco (idem, p. 69). Neste caso, o ato simulado, ou a parte
interposta, é ignorado e a eficácia se dirige ao ato dissimulado, ou ao verdadeiro titular do
direito, se houver.
Na elisão abusiva o contribuinte pretende fazer prevalecer a forma jurídica sobre a
substância, enquanto na simulação pretende forçosamente revestir o fato com nome ou forma
jurídica inadequada. Em qualquer caso há desencontro entre forma e substância jurídica.15
Há, porém, distintas consequências nos casos de simples inoponibilidade por
abuso de direito ou de simulação. Em qualquer caso de abuso de direito, a Administração
busca a requalificação do ato abstrato, corrigindo a interpretação e aplicando a norma de
incidência correta no âmbito tributário. O fato concreto não é alterado, portanto subsistem os
seus efeitos não tributários, contratuais ou trabalhistas. A consequência será a exigência do
tributo devido com os respectivos acréscimos legais.
No caso de simulação ou fraude contra a lei, é diferente. A conduta é um modo de
impedir ou retardar o conhecimento da ocorrência do fato gerador, que já ocorreu, pela
autoridade fazendária. A despeito da situação aparente, subjaz o negócio jurídico real. Neste
caso, a consequência é ainda mais prejudicial, e pode mais do que anular os benefícios
visados com o planejamento. Haverá a aplicação de multa qualificada, conforme a previsão
do parágrafo primeiro do artigo 44 da Lei n. 9.430/96, combinado com os artigos 71, 72 e 73
da Lei 4.502/94, que define os conceitos de sonegação, fraude e conluio:

Lei 9.430/96

§ 1o O percentual de multa de que trata o inciso I do caput deste artigo


será duplicado nos casos previstos nos arts. 71, 72 e 73 da Lei no 4.502, de
30 de novembro de 1964, independentemente de outras penalidades
administrativas ou criminais cabíveis. (Redação dada pela Lei nº 11.488, de
2007)

Lei 4.502/94

Art . 71. Sonegação é toda ação ou omissão dolosa tendente a impedir ou


retardar, total ou parcialmente, o conhecimento por parte da autoridade
fazendária:
I - da ocorrência do fato gerador da obrigação tributária principal, sua
natureza ou circunstâncias materiais;
II - das condições pessoais de contribuinte, suscetíveis de afetar a
obrigação tributária principal ou o crédito tributário correspondente.

15
TORRES, Ricardo Lobo. Planejamento tributário elisão abusiva e evasão fiscal. Rio de Janeiro: Elsevier,
2012, p. 127.

Original
15

Art . 72. Fraude é tôda ação ou omissão dolosa tendente a impedir ou


retardar, total ou parcialmente, a ocorrência do fato gerador da obrigação
tributária principal, ou a excluir ou modificar as suas características
essenciais, de modo a reduzir o montante do impôsto devido a evitar ou
diferir o seu pagamento. .

Art . 73. Conluio é o ajuste doloso entre duas ou mais pessoas naturais ou
jurídicas, visando qualquer dos efeitos referidos nos arts. 71 e 72. (grifo
nosso)

A aplicação de multa qualificada nos casos de simulação é pacífica na


jurisprudência do Conselho Administrativo de Recursos Fiscais (CARF).16

1.1.2. Substância sobre a forma (substance over form)

Originária dos Estados Unidos da América, consiste em afastar as formas


jurídicas quando estas não correspondem à substância do negócio praticado. É uma forma de
evitar a simulação, ao analisar a operação desconsiderando sua forma legal, levando em conta
somente o conteúdo dos atos e negócios praticados.
Conforme Sanches (apud Castro, 2015, p. 263), esta doutrina “nada mais é do que
a interpretação teleológica do negócio jurídico, buscando a substância e não a mera
formalização ou exteriorização desse negócio.” Investiga-se o conteúdo dos atos, abstraindo-
se a sua forma jurídica.
É de difícil aplicação nos países da civil law, onde o sistema jurídico prima pela
legalidade estrita e pela tipicidade cerrada, mas a despeito disso veremos que há decisões na
jurisprudência administrativa que fazem uso desta doutrina.

1.1.3. Propósito negocial (business purpose)

Tem origem no mesmo leading case que serviu de base à teoria da substância
sobre a forma. De acordo com esta teoria, a economia de tributos não pode ser o único motivo
para a estruturação das operações. Há de se ter um motivo adicional, operacional, econômico
ou mercadológico para o planejamento, que traga também uma economia na carga tributária.
Esta teoria não foi positivada no Brasil. Havendo artificialidade, ou seja, se a
situação for considerada simulação ou fraude, aí sim haverá consequências previstas no

16
Como por exemplo nos acórdãos no.s 1202-001.147, de 06/05/2014; 2302-003.729, de 15/06/2015; 1202-
001.147, de 08/06/2015; 9202-003.166, de 01/06/2015, apenas para citar os mais recentes. Disponíveis no sítio
www.carf.fazenda.gov.br, acessado em 28/01/2016.

Original
16

ordenamento jurídico. Em caso contrário, não há norma direta que autorize a sua
desconsideração somente por ter sido embasada em causa estritamente tributária. Grande
parte da doutrina entende que sua aplicação prejudica a segurança jurídica dos contribuintes e
decorre de importação de experiências estrangeiras que não se aplicam ao Direito Brasileiro,
como Gerd Willi Rothmann, Luis Eduardo Schoueri, João Dácio Rolim, Gustavo Lian
Haddad e Paulo Ayres Barreto (apud, Castro, 2015, pp. 270 e 271).
Ainda assim, veremos que há jurisprudência administrativa em sentido contrário,
e que o teste do business purpose, combinado com outros critérios, condições necessárias mas
não suficientes, auxiliam na elaboração de um planejamento tributário legítimo e eficaz.

1.1.4. Abuso de forma

Instituto originário do Direito alemão, identifica-se pela adoção de uma forma


anormal, atípica, incomum ou não usual de uma estrutura jurídica legal para uma operação,
para evitar a incidência de um tributo que ocorreria se fosse adotada a forma usual para o tipo
de operação.
A doutrina nacional discute se o abuso de forma seria em si vício do negócio
jurídico, e a relação entre a forma e liberdade contratual. A anormalidade da forma pode
desembocar em abuso de direito, fraude à lei e simulação, e neste caso a tutela não seria da
figura do abuso de forma em si, mas de umas daquelas levadas a efeito por meio dele.17 A
desconformidade manifesta entre a forma e conteúdo pode também significar que o negócio
apresentado corresponde a outro negócio travestido numa forma inadequada. Pode ainda
indicar a existência de um negócio jurídico indireto. Nota-se que abuso de forma pode ser
entendida como um gênero amplo.
Na Alemanha a figura está positivada no Código Tributário, mas no Brasil não há
esta previsão específica no ordenamento. Ainda assim, apesar das dificuldades na importação
de doutrinas estrangeiras, veremos que há jurisprudência administrativa favorável à
legitimidade da sua aplicação.

1.1.5. Abuso de direito

Esta teoria do abuso de direito tem origem no Direito francês. É figura típica de
Direito Privado, com origem no Direito Civil. Considerando que o exercício de um direito não

17
GRECO, Marco Aurélio. Planejamento Tributário. Sao Paulo: Dialética, 2011, p. 284 e 285.

Original
17

é absoluto e ilimitado, sendo limitado pela observância dos direitos de esfera alheia, sua
prática não pode objetivar prejudicar outrem e deve observar estritamente estes limites. É um
princípio, geral, jurídico e moral.
No campo civil, consta no artigo 187 do novo Código Civil, com eficácia a partir
de 2003, e se coaduna com o disposto no artigo 421, 18 que trata dos limites da liberdade de
contratar.19
Segundo Marco Aurélio Greco, “abuso de direito não é apenas um caso de
inoponilibilidade perante o Fisco, é hipótese de ato ilícito que destrói um dos requisitos
indispensáveis para haver efetivo planejamento tributário.”(2011, p. 211). Defende este autor
que o direito de se auto-organizar existe, mas que o exercício deste direito é dependente de
uma razão extratributária, econômica, empresarial, familiar etc. que seja a causa fundamental
do negócio e que o justifique (idem, p. 216). Não pode ser um motivo predominantemente
fiscal.
Já Leonardo Castro entende que “o abuso no Direito Civil não pode ser
interpretado da mesma forma que no Direito Tributário.”(2015, p. 273). Defende que apesar
de o sistema jurídico ser uno, os diferentes ramos tem princípios próprios, e que o abuso de
direito, assim como abuso de forma, a teoria do propósito negocial e a da substância sobre a
forma, que vimos serem importadas do direito estrangeiro, não estão positivadas no âmbito da
legislação tributária nacional. Foram previstas nesta seara, para demonstração da diferença de
tratamento, as hipóteses de dolo, fraude e simulação, com ampla e indiscutível aplicação.
A aceitação da aplicabilidade da teoria do abuso de direito como limitadora da
liberdade é bastante controversa, como se pode notar. Ricardo Lobo Torres, como já citamos
em outro ponto, chega a indicar o parágrafo único do artigo 116 do CTN como cláusula geral
antielisiva e positivação da proibição do abuso de direito em âmbito fiscal, que recepcionou o
modelo francês. Explica que o abuso do direito no direito privado remete aos contratos, e
portanto à proteção dos direitos dos indivíduos perante outros; já no direito tributário busca
“proteger dos interesses do Estado frente à liberdade do contribuinte de utilizar as formas
jurídicas que eleja para desenvolver as suas atividades produtoras de renda”.20
Nota-se que a aceitação do abuso de direito como limitador da liberdade, e sua
aplicação em um campo do direito onde impera a legalidade e a tipicidade, e onde é vedada a

18
Art. 187. Também comete ato ilícito o titular de um direito que, ao exercê-lo, excede manifestamente os
limites impostos pelo seu fim econômico ou social, pela boa-fé ou pelos bons costumes.
19
Art. 421. A liberdade de contratar será exercida em razão e nos limites da função social do contrato.
20
TORRES, Ricardo Lobo. Planejamento tributário elisão abusiva e evasão fiscal. Rio de Janeiro: Elsevier,
2012, p. 21, 22, 54 e 55.

Original
18

analogia, desperta desconfiança e objeções, em clara preocupação com os casuísmos. Alberto


Xavier, que segue a linha formalista, defende que “A transposição da doutrina civilista do
abuso de direito para o Direito Público, em especial para o Direito Tributário, merece severas
objeções... O conceito de abuso de direito deve ser erradicado, de vez, da ciência do Direito
Tributário, onde não tem foro de cidade.”21 Defende ainda que erra a doutrina ao transplantar
para as relações de Direito Público conceitos aplicáveis somente às relações entre
particulares, e a inconstitucionalidade da doutrina da norma antielisiva baseada no abuso de
direito.
Importante questão reside nas consequências da constatação do abuso de direito: a
sua inoponibilidade perante o Fisco. Em qualquer caso de abuso de direito, a Administração
busca a requalificação do ato abstrato, corrigindo a interpretação e aplicando a norma de
incidência correta no âmbito tributário. O fato concreto não é alterado, portanto subsistem os
seus efeitos não tributários, contratuais ou trabalhistas. A consequência será a exigência do
tributo devido com os respectivos acréscimos legais.
A doutrina do abuso do direito vem penetrando com grande força na temática da
elisão construída pelo Tribunal Comunitário22. Apesar disso, e como reflexo das divergências
doutrinárias, há jurisprudência negando sua aplicação no âmbito tributário.23

1.1.6. Elusão fiscal

A figura da elusão fiscal é originária da Itália, onde foi positivada. Prevê como
requisito para a obtenção de vantagens fiscais a existência de outra causa econômica que não
exclusivamente a economia tributária.24
Este novo conceito que surgiu na doutrina pátria e estrangeira busca solucionar os
pontos não cobertos pela simples distinção entre elisão e evasão.25 Segundo este conceito,

21
XAVIER, Alberto.Tipicidade da tributação, simulação e norma antielisiva. São Paulo: Dialética, 2001, p. 107
e 109.
22
TORRES, Ricardo Lobo. Planejamento tributário elisão abusiva e evasão fiscal. Rio de Janeiro: Elsevier,
2012, p. 23.
23
Acórdão 2202-002.187, Decisão publicada em 01/06/2015. DIREITO TRIBUTÁRIO. ABUSO DE DIREITO.
AFASTAMENTO DA NÃO INCIDÊNCIA PELA AUTORIDADE FISCAL. LANÇAMENTO. FALTA DE
PREVISÃO LEGAL. Não há base no sistema jurídico brasileiro para a autoridade fiscal afastar a não incidência
legal, sob a alegação de entender estar havendo abuso de direito. O conceito de abuso de direito é louvável e
aplicado pela Justiça para solução de alguns litígios. Não existe previsão legal para autoridade fiscal utilizar tal
conceito para efetuar lançamentos de oficio. O lançamento é vinculado a lei, que não pode ser afastada sob
alegações subjetivas de abuso de direito. Ementa obtida no sítio www.carf.fazenda.gov.br, acessado em
28/01/2016.
24
CASTRO, Leonardo Freitas de Moraes e. Planejamento tributário internacional. São Paulo: Quartier Latin,
2015, p. 248.

Original
19

exige-se também que haja uma causa legítima para a escolha das condutas. Pela importância
do tema, cabe destacar a definição de Heleno Torres:

Em modo mais amplo, a elusão tributária consiste em usar de negócios


jurídicos atípicos ou indiretos desprovidos de ‘causa’ ou organizados como
simulação ou fraude à lei, com a finalidade de evitar a incidência de norma
tributária impositiva, enquadrar-se em regime fiscalmente mais favorável ou
obter alguma vantagem fiscal específica. (2003, p. 189)

Embora este terceiro conceito não resolva todos os casos, auxilia no objetivo de
análise e identificação do que é admitido ou não como legítimo em sede de planejamento
tributário. Heleno Torres entende que a carência de causa ou quando o negócio aparente
(simulado ou fraudulento) houver sido programado dolosamente para evitar lei cogente, o
exercício da autonomia privada é ilegítimo (2003, p. 17). O autor defende ainda que o
parágrafo único do artigo 116 do CTN seria uma “norma geral antielusiva”, consagrando a
elusão tributária no nosso ordenamento (2003, p. 259).

1.4. A norma do parágrafo único do artigo 116 do Código Tributário Nacional

Alterado pela LC 104/2001, o artigo 116 do CTN passou a ser assim redigido:

Art. 116. Salvo disposição de lei em contrário, considera-se ocorrido o fato


gerador e existentes os seus efeitos:

I - tratando-se de situação de fato, desde o momento em que o se verifiquem


as circunstâncias materiais necessárias a que produza os efeitos que
normalmente lhe são próprios;

II – tratando-se de situação jurídica, desde o momento em que esteja


definitivamente constituída, nos termos de direito aplicável.

Parágrafo único. A autoridade administrativa poderá desconsiderar atos ou


negócios jurídicos praticados com a finalidade de dissimular a
ocorrência do fato gerador do tributo ou a natureza dos elementos
constitutivos da obrigação tributária, observados os procedimentos a
serem estabelecidos em lei ordinária. (incluído pela LC n. 104, de 2001).
(grifo nosso)

Há grande discussão sobre a constitucionalidade, natureza e aplicabilidade deste


dispositivo. Conforme Leonardo Castro, a sua doutrina majoritária reconhece a
constitucionalidade, mas divide quanto à natureza: norma antielisão, antissimulação,

25
CASTRO, Leonardo Freitas de Moraes e. Planejamento tributário internacional. São Paulo: Quartier Latin,
2015, p. 250 e 251.

Original
20

antidissimulação ou antifraude (2015, p. 289). Ricardo Lobo Torres defende que se trata de
clara norma antiabuso de direito e cláusula geral antielisiva (2012, p. 21, 22 e 54), seja, que
recepcionou o modelo francês (Idem, p. 52). Explica que a referência à dissimular refere-se
ao fato gerador abstrato, o que caracteriza a elisão, e não ao fato concreto, do qual trata o
institulo da simulação (idem, p. 50).
Quanto à imediata aplicabilidade, Ricardo Lobo Torres entende que depende
normas de caráter procedimental para ser aplicado somente nos âmbitos estaduais e
municipais, caso não possuam legislação sobre o processo administrativo tributário, o que não
é o caso da União, que já o disciplinou (2012, p. 52). Mais controversa é opinião do mesmo
autor ao declarar que este dispositivo é uma exceção à proibição da analogia, prevista no
artigo 108 do CTN (idem, p. 55).
Este é justamente um dos pontos defendidos com ênfase por Alberto Xavier: a
proibição da analogia em âmbito tributário, e, referindo-se a Klaus Tipke, defensor da teoria
do abuso de direito, diz que “legitimar a analogia agravante representa um grave retrocesso na
ciência do Direito Tributário”.26
Já Marco Aurélio Greco declara que “a vedação da analogia, no que se refere à
amplitude da previsão do fato gerador, continua intacta”. Isso porque entende que da
aplicação da nova norma decorre apenas o afastamento da cobertura que disfarça, dissimula o
fato gerador efetivamente ocorrido (2011, p. 552 e 553).
Acerca das figuras ou patologias abrangidas pelo termo dissimular, Greco afirma
que o abuso de direito, a fraude à lei e o negócio indireto, a depender da situação fática,
podem ser considerados por si só ilícitos, e não necessitariam do dispositivo (2011, p. 556 e
557).
A jurisprudência administrativa tem utilizado amplamente o dispositivo no caso
de simulação, mas também em quaisquer casos de elisão abusiva, inclusive falta de causa
extratributária e ausência de propósito negocial. 27

1.5. A questão da razão, motivo ou substrato econômico

As doutrinas da substância sobre a forma, do propósito negocial, do abuso de


forma e do abuso de direito pedem sempre algo que justifique a adoção das operações objeto

26
XAVIER, Alberto.Tipicidade da tributação, simulação e norma antielisiva. São Paulo: Dialética, 2001, p. 106.
27
A jurisprudência no CARF é pródiga. Cite-se como por exemplo os acórdãos no. 2302-003.729, de
15/06/2015; 1103-000.862, de 24/09/2015; 2302-003.729, de 15/06/2015; 2302-003.729, de 20/03/2015.
Disponíveis no sítio www.carf.fazenda.gov.br, acessado em 16/02/2016.

Original
21

do planejamento tributário, qual seja, um motivo adicional, econômico, empresarial,


operacional, que não seja exclusivamente a economia tributária, e sem o qual a operação não
teria sido realizada. Esta razão extratributária constitui o substrato econômico do
planejamento tributário, e o legitima sob a ótica de todas as teorias de combate à elisão
tributária, desde que atendidos os requisitos básicos de licitude e legitimidade.
Marco Aurélio Greco, ao tratar do tema dos motivos, reconhece que o
administrador tem um dever de diligência, e não pode praticar atos de liberalidade, mas indica
ser este motivo insuficiente, pois lembra que a gestão deve-se dar “satisfeitas as exigências do
bem público e da função social da empresa”, nas palavras da Lei 6404/76, artigo 154 (2011, p.
247).
Vimos que com a evolução das teorias interpretativas adveio o prestígio dos
valores, e não apenas dos conceitos ou dos interesses. Neste sentido, o mesmo autor explica
que o motivo tributário é importante, mas não pode ser o único nem o principal a justificar as
operações do contribuinte, e que a reação do ordenamento é a neutralização do excesso, ou
seja, a ineficácia perante o fisco dos atos praticados.
Conforme Greco, “o motivo da operação deve ser uma razão prévia e real,
enquanto a finalidade deve ser predominantemente não tributária”(2011, p. 534). Indica ainda
que se deve observar se o motivo a) é existente de fato, b) é pertinente, se tem relação com o
ato praticado, c) é suficiente para fundamentar o modo e o momento em que o ato foi
praticado. Em relação aos três elementos (motivo + operação + finalidade), se há congruência,
ou seja, se o todo faz sentido (2011, p. 535).
Toda esta análise vem ao encontro da idéia de Leonardo Castro, que ao discorrer
sobre a doutrina do propósito negocial, declara “o melhor caminho a ser seguido no Brasil
consiste em analisar a correspondência entre vontade e causa jurídica dos negócios, de
maneira a aferir se o caso concreto representaria hipótese de causa estritamente tributária”
(2015, p. 271).
As doutrinas e teorias oriundas do direito internacional, a despeito das críticas
quanto à sua aplicabilidade nos países de civil law, caso do Brasil, vem aparecendo nas
decisões administrativas. A existência de um motivo extratributário, ou substrato econômico,
é um elemento que, na jurisprudência, tem legitimado e impedido o questionamento aos
planejamentos tributários adotados, e sua ausência tem sido utilizada como argumento na
manutenção de lançamentos de ofício. É o assunto do capítulo seguinte, arrematando o até
aqui exposto.

Original
22

2. APLICAÇÃO PRÁTICA DAS DOUTRINAS NA JURISPRUDÊNCIA

Ao analisar a jurisprudência administrativa, que é o primeiro momento onde são


discutidos os pontos de divergência entre o entendimento do fisco e dos contribuintes,
verificamos que as teorias de combate ao planejamento tributário, mesmo as que tem origem
no direito estrangeiro, tem sido consideradas pelo fisco como fundamento para desqualificar
as operações levadas a efeito na busca pela economia tributária. Veremos a seguir alguns
casos bastante didáticos.
Neste primeiro Acórdão, fica clara a exigência de um objetivo diferente da
redução na tributação, da substância sobre a forma dos institutos utilizados, da assunção
verdadeira dos riscos, sem a neutralização dos efeitos indesejáveis. Vê-se ainda a
consequência: a inoponibilidade ao fisco, ou seja, todos os efeitos buscados pelo contribuinte
foram anulados.

Acórdão 1102-000.157, Relator Mário Sérgio Fernandes Barroso. Decisão


publicada em 16/10/2013. OPERAÇÃO ÁGIO – SUBSCRIÇÃO DE
PARTICIPAÇÃO COM ÁGIO E SUBSEQÜENTE CISÃO –
VERDADEIRA ALIENAÇÃO DE PARTICIPAÇÃO – Se os atos
formalmente praticados, analisados pelo seu todo, demonstram não terem as
partes outro objetivo que não se livrar de uma tributação específica, e seus
substratos estão alheios às finalidades dos institutos utilizados ou não
correspondem a uma verdadeira vivência dos riscos envolvidos no negócio
escolhido, tais atos não são oponíveis ao fisco, devendo merecer o
tratamento tributário que o verdadeiro ato dissimulado produz. Subscrição de
participação com ágio, seguida de imediata cisão e entrega dos valores
monetários referentes ao ágio, traduz verdadeira alienação de participação
societária.(grifo nosso). Disponível no sítio www.carf.fazenda.gov.br,
acessado em 24/02/2016.

As duas decisões seguintes, embora com cinco anos de diferença, trazem de forma
idêntica a dupla exigência de legalidade e legitimidade do conjunto de operações visto como
um todo, e da não legitimidade da utilização de formas inusuais ou atípicas. Declaram que a
motivação extratributária é um requisito para o exercício da liberdade de auto-organização,
decorrente dos princípios constitucionais.

Acórdão 104-21675, Relator Nelson Mallmann. Decisão publicada em


22/06/2006. OPERAÇÕES ESTRUTURADAS EM SEQÜÊNCIA - O fato
de cada uma das transações, isoladamente e do ponto de vista formal,
ostentar legalidade, não garante a legitimidade do conjunto de operações,
quando fica comprovado que os atos praticados tinham objetivo diverso
daquele que lhes é próprio. AUSÊNCIA DE MOTIVAÇÃO
EXTRATRIBUTÁRIA - O princípio da liberdade de auto-organização,
mitigado que foi pelos princípios constitucionais da isonomia tributária e

Original
23

da capacidade contributiva, não mais endossa a prática de atos sem


motivação negocial, sob o argumento de exercício de planejamento
tributário. (grifo nosso) Disponível no sítio www.carf.fazenda.gov.br,
acessado em 24/02/2016.

Acórdão 2202-001.217, Relator Nelson Mallmann. Decisão publicada em


28/06/2011. SIMULAÇÃO. CONJUNTO PROBATÓRIO. Se o conjunto
probatório evidencia que os atos formais praticados (reorganização
societária) divergiam da real intenção subjacente (compra e venda),
caracteriza-se a simulação, cujo elemento principal não é a ocultação do
objetivo real, mas sim a existência de objetivo diverso daquele configurado
pelos atos praticados, seja ele claro ou oculto. OPERAÇÕES
ESTRUTURADAS EM SEQÜÊNCIA. O fato de cada uma das transações,
isoladamente e do ponto de vista formal, ostentar legalidade, não garante a
legitimidade do conjunto de operações, quando fica comprovado que os atos
praticados tinham objetivo diverso daquele que lhes é próprio.
AUSÊNCIA DE MOTIVAÇÃO EXTRA TRIBUTÁRIA. O princípio da
liberdade de auto-organização, mitigado que foi pelos princípios
constitucionais da isonomia tributária e da capacidade contributiva, não
mais endossa a prática de atos sem motivação negocial, sob o argumento
de exercício de planejamento tributário. (grifo nosso) Disponível no sítio
www.carf.fazenda.gov.br, acessado em 24/02/2016.

Esta decisão, bastante recente, demonstra mais uma vez que a motivação
extratributária é necessária, ao declarar improcedente um lançamento de ofício onde ela
estava presente. No caso em questão havia múltiplos caminhos possíveis, e o contribuinte
escolheu o menos oneroso do ponto de vista tributário, o que é até mesmo um dever do
administrador. A reorganização societária ocorreu de fato, e teve um motivo operacional
legítimo, o que demonstra a presença do substrato econômico, uma “motivação empresarial
extratributária”.

Acórdão 1302-001.610, Relator Wladir Veiga Rocha. Decisão publicada em


18/02/2015. REORGANIZAÇÃO SOCIETÁRIA. MOTIVAÇÃO
UNICAMENTE TRIBUTÁRIA NÃO VERIFICADA. AUSÊNCIA DE
SIMULAÇÃO. POSSIBILIDADE DE ADOÇÃO DO CAMINHO MENOS
ONEROSO. LANÇAMENTO IMPROCEDENTE. Restou comprovado nos
autos que a reorganização societária levada a efeito pela fiscalizada teve
como finalidade principal a concentração de atividades em uma única
entidade, sendo certo que essa reorganização ocorreu de fato e de direito.
Presente a motivação empresarial extratributária, não se cuidando de
atos ou negócios simulados ou de outra forma viciados, e havendo múltiplos
caminhos que conduzissem ao resultado pretendido, não se pode
desconsiderar aquele adotado pelo contribuinte ao único pretexto de se tratar
do menos oneroso sob o aspecto tributário. (grifo nosso) Disponível no sítio
www.carf.fazenda.gov.br, acessado em 24/02/2016.

Já nas duas próximas decisões vê-se o oposto: a falta de propósito negocial revela
o “objetivo exclusivamente tributário”e acarreta a inoponibilidade do planejamento, que “não

Original
24

produz o efeito tributário almejado pelo sujeito passivo”. Note-se que apesar de haver oito
anos de diferença entre as decisões, a posição da jurisprudência administrativa se manteve
consistente.

Acórdão 103-23290, Relator Aloysio José Percínio da Silva. Decisão de


05/12/2007. INCORPORAÇÃO DE EMPRESA. AMORTIZAÇÃO DE
ÁGIO. NECESSIDADE DE PROPÓSITO NEGOCIAL. UTILIZAÇÃO DE
“EMPRESA VEÍCULO”. Não produz o efeito tributário almejado pelo
sujeito passivo a incorporação de pessoa jurídica, em cujo patrimônio
constava registro de ágio com fundamento em expectativa de rentabilidade
futura, sem qualquer finalidade negocial ou societária, especialmente
quando a incorporada teve o seu capital integralizado com o investimento
originário de aquisição de participação societária da incorporadora (ágio) e,
ato contínuo, o evento da incorporação ocorreu no dia seguinte. Nestes
casos, resta caracterizada a utilização da incorporada como mera “empresa
veículo” para transferência do ágio à incorporadora. (grifo nosso) Disponível
no sítio www.carf.fazenda.gov.br, acessado em 24/02/2016.

Acórdão 1402-001.893, Relator Frederico Augusto Gomes de Alencar.


Decisão publicada em 03/07/2015. DESPESAS COM AMORTIZAÇÃO DE
ÁGIO. EMPRESA VEÍCULO. AUSÊNCIA DE PROPÓSITO NEGOCIAL.
Não há como aceitar a dedução do ágio com utilização de empresa veículo,
quando o procedimento do sujeito passivo não se reveste de propósito
negocial mas revela objetivo exclusivamente tributário. (grifo nosso)
Disponível no sítio www.carf.fazenda.gov.br, acessado em 24/02/2016.

Há ainda duas decisões bastante ilustrativas e didáticas, também recentes. A


primeira mais uma vez indica a necessidade de análise de todas as operações em conjunto, e
da presença do propósito negocial e de um motivo extratributário existente e suficiente para
embasar as condutas do contribuinte.

Acórdão 1202-001.060. Relator Viviane Vidal Wagner. Decisão publicada


em 29/07/2014. INCORPORAÇÃO REVERSA. INOPONIBILIDADE AO
FISCO. GLOSA DE PREJUÍZOS FISCAIS. As operações estruturadas
entre partes relacionadas, visando um objetivo único, predeterminado à
realização de todo o conjunto, indicam também uma causa jurídica única e
devem ser examinadas em conjunto. Para se aferir o limite às operações de
planejamento tributário, é preciso indagar se existe motivo para a
realização do ato ou negócio jurídico, se o motivo é extra-tributário e se
o motivo seria suficiente para a realização do negócio nos moldes que foi
feito. Na incorporação reversa, se a mudança no ramo de atividade da
empresa evidencia que o objeto social predominante após a incorporação é o
da empresa incorporada e não o da incorporadora, devem ser afastadas as
razões negociais alegadas como suporte à incorporação da controladora pela
controlada. Inexiste propósito negocial apto a justificar a incorporação de
uma controladora superavitária por uma controlada deficitária, quando o
único efeito prático verificado com a incorporação reversa foi o
aproveitamento imediato do prejuízo fiscal acumulado, o qual deve ser
glosado. (grifo nosso) Disponível no sítio www.carf.fazenda.gov.br,
acessado em 24/02/2016.

Original
25

Esta traz de modo bastante didático o conceito de planejamento tributário,


indicando que resulta da escolha em duas ou mais alternativas de negócios, todas lícitas e
passíveis de escolha, uma porém resultando em uma carga tributária menor. Indica ainda que
deve haver “realidade e verdade” na execução do negócio jurídico planejado.

Acórdão 1401-001.059, Relator Alexandre Antônio Alkmim Teixeira.


Decisão publicada em 06/01/2014. PLANEJAMENTO TRIBUTÁRIO O
planejamento tributário consiste na prática de condutas lícitas, permitidas
pelo direito, adotadas pelo contribuinte, e que tem como efeito a redução ou
não pagamento do tributo que, caso não tivesse havido o planejamento, seria
devido. Nesse sentido, o planejamento tributário é, antes de tudo e nada mais
além do que um planejamento. Trata-se de um pensar com antecedência, um
se organizar, um planejar, tendo em mente que, para se alcançar determinado
resultado negocial, existe uma alternativa ou um outro negócio jurídico lícito
que, se realizado, levará à redução ou não pagamento de tributo. Neste
sentido, quando se está diante de um planejamento tributário, pressupõe-se a
existência de um negócio normal (não planejado) que enseja uma
determinada carga de tributação, e um negócio jurídico alternativo
(planejado), que tem por efeito a redução ou não pagamento de tributos pelo
contribuinte. Constatada a ilicitude do negócio jurídico planejado, ou a
falta de realidade e verdade na sua execução, é necessário recompor
qual teria sido o fato jurídico tributário, de forma a se atribuir esses
efeitos, do negócio jurídico próprio, ao fato tributário. PROPÓSITO
NEGOCIAL A existência de propósito negocial não é, por si só, suficiente
para validar o negócio praticado como elisão fiscal, mormente quando
divergentes a realidade extraída a partir dos elementos factuais do negócio e
a forma utilizada para registrá-lo. INCORPORAÇÃO ÀS AVESSAS Não
existe realidade negocial quando uma empresa com registro de prejuízo
fiscal, mas sem atividade efetiva e sem operação, incorpora outra empresa
operacional, ainda que do mesmo grupo. Hipótese em que todo o ativo
operacional da empresa foi transferido por meio de cisão seguida de
incorporação, ficando na empresa original apenas o registro de prejuízo.
Assim, não restou justificado ou comprovado qual o sentido e realidade
negocial em se esvaziar o ativo operacional de uma empresa, deixando-a
apenas e tão somente com seu prejuízo fiscal. Na verdade, ao fazê-lo, criou-
se uma empresa fictícia, de fachada, cujo único objetivo era carregar o
prejuízo fiscal acumulado. (grifo nosso) Disponível no sítio
www.carf.fazenda.gov.br, acessado em 24/02/2016.

Original
26

3. CONCLUSÃO - ELABORAÇÃO DO PLANEJAMENTO TRIBUTÁRIO EFICAZ

3.1. Requisitos básicos de licitude em sentido amplo e cronológico

Ao elaborar um planejamento fiscal efetivo, deve ser observado, por óbvio, o


critério cronológico, ou seja, as operações devem ser anteriores ao fato gerador a fim de evitar
a subsunção do fato à norma. Deve-se observar também a legalidade em sentido amplo: ser
válido perante a norma (legalidade), perante os fatos (efetivo) e perante os valores do sistema
jurídico como um todo (legitimidade). Acerca destes requisitos, que são de certa forma
complementares, não há grande controvérsia doutrinária.
A licitude (conduta permitida ou não proibida pelo ordenamento) e a anterioridade
em relação ao fato gerador são requisitos que não são suficientes, mas são absolutamente
necessários à legitimidade dos procedimentos que buscam a otimização das operações com a
menor carga tributária juridicamente possível.

3.2. Uso das formas jurídicas corretas

Greco aponta indicadores que devem ser observados quando houver um conjunto
de condutas, para verificação da existência de um planejamento tributário (2011, p. 126 e
126). Estes indicadores podem ser entendidos também como pontos a serem observados pelo
contribuinte quando procura legitimar suas condutas na busca da economia de tributos, e
vimos na análise da jurisprudência no capítulo 2 que tem sido exigidos pelos julgadores
administrativos, isolados ou cumulativamente. São eles: (a) encadeamento de etapas, sendo
que uma só ocorre se a outra ocorrer, e a anterior é o pressuposto legal ou de fato da posterior;
(b) inexorabilidade da sequência, no sentido de que cada etapa só tem importância dentro do
todo; (c) não celebração de negócios intermediários com terceiros, pois só interessa a
realização com determinadas pessoas e de determinada forma; (d) uso de institutos em
hibernação, utilizando formas jurídicas atípicas, inusuais ou até inadequadas, sem
justificativa; e (e) a neutralização de efeitos indesejáveis, de forma a obter somente os efeitos
da economia tributária. Este último é bastante indicativo da existência de um plano sem causa
extratributária, e que pode gerar desconfiança e contestações por parte do fisco. Poderia até
justificar o enquadramento das operações como elusão tributária, no conceito de Heleno
Torres, denotando a falta de propósito negocial, em última análise, do substrato econômico.
A utilização de formas anômalas, em uma análise ampla das operações,
considerando todo o conjunto juntamente com seus efeitos perante o contribuinte e terceiros,

Original
27

pode configurar até mesmo a existência de simulação ou dissimulação. A realidade fática das
relações e intenções deve estar conforme a formalidade jurídica.
Este raciocínio indica que a utilização das formas corretas, usuais para o tipo de
negócio, com aceitação de todos os seus efeitos, e em perfeitas condições de mercado, devem
ser objetivos buscados e observados por quem elabora um planejamento fiscal que pretende
ser eficaz perante o fisco.

3.3. A busca do substrato econômico como argumento incontestável

Uma das fases da elaboração do planejamento tributário visto de forma ampla,


como gestão fiscal e também operacional, é a análise de riscos. Eliminados os riscos
operacionais, e uma vez definidas as operações e o modo como serão levadas a efeito, o
principal risco passa a ser o jurídico, o de questionamento pelas autoridades fiscais,
culminando com lançamento de ofício. Ora, neste caso a vantagem tributária se perde, ou pelo
menos se torna incerta, com o vislumbre de um longo processo administrativo, justamente o
que se quer evitar.
Na busca de um planejamento que não seja questionado pelas autoridades fiscais,
devem ser ainda observadas as teorias internacionais de combate à elisão fiscal. Apesar de
haver controvérsias acerca de sua aplicação no Brasil, e até sobre sua positivação, como no
caso de abuso de direito, e considerando que a jurisprudência vem aplicando-as como
fundamento das decisões, convém considerá-las no planejamento.
Vimos, pela análise da jurisprudência administrativa, que as teorias tem sido
utilizadas em conjunto, com referência, por exemplo, em falta de propósito negocial e de
motivo extratributário.
Daí a importância da presença do substrato econômico, ou seja, um motivo
extratributário, que seja real, com propósito negocial, e com predominância da substância
sobre a forma, e sem o qual o negócio não se teria realizado. Este elemento é o argumento que
anula todas as contestações e deve decorrer do cumprimento do objeto social da sociedade.
Nenhuma empresa tem como objeto social simplesmente a “economia de tributos”. A busca
do lucro é apenas uma consequência da realização dos objetivos sociais e a redução da carga
tributária é um aspecto que otimiza os resultados. Isto não autoriza, porém, que as operações
girem primordialmente em torno deste aspecto, principalmente quando a documentação não é
acompanhada de fatos com substância.

Original
28

O planejador pode, para garantir a existência do substrato econômico, a contrario


sensu, se utilizar dos mesmos indícios de que se vale o fisco quando tenta provar a ausência
do propósito negocial. Recente estudo demonstrou o que a jurisprudência administrativa do
então Conselho de Contribuintes considera como indicadores importantes desta ausência28.
O primeiro reporta o lapso temporal entre as operações. Muitas operações em uma
mesma data ou em datas próximas, ou se utilizando ainda de um mesmo instrumento
contratual, podem indicar operações existentes apenas formalmente. O segundo é referente à
interdependência entre as partes, ou à ausência de efeitos econômicos perante terceiros. O
terceiro elemento é a utilização de operações atípicas, que destoam da rotina empresarial da
sociedade. Ainda outro aspecto é a operação com empresas localizadas em países
comtributação favorecida, os chamados paraísos fiscais.29
Assim, de forma resumida, um planejamento tributário deve envolver operações e
atitudes com motivos de ordem operacional, ou relativos ao ganho mercadológico, ou social
etc, ser levado a efeito de forma consistente e perdurar no tempo, paulatinamente, gerar
efeitos econômicos reais, ter relação com os objetivos da empresa, e de preferência não
envolver unicamente empresas localizadas em paraísos fiscais. Assim os riscos de contestação
seriam anulados, e o ganho tributário seria consolidado.

3.4. A questão da prova - a importância da documentação do substrato econômico

No planejamento tributário, a primeira instância de contestação, caso haja, será o


Fisco, em sede administrativa. Segundo Greco:

“(...) como o negócio jurídico é resultado do exercício de um direito de auto-


organização que se apoia no valor liberdade, os negócios lícitos gozam da
presunção de não abusividade. Assim, cabe ao Fisco o ônus da prova da
finalidade predominantemente fiscal do negócio para que, aí sim, possa
justificar a desqualificação.”(2011, p. 213, grifo no original).

Enquanto que na simulação e na fraude contra a lei (igualmente ilícita), a


controvérsia diz respeito à matéria de fato, e portanto a prova é ponto contundente e sua

28
SCHOUERI, Luís Eduardo (coord.); FREITAS, Rodrigo de (org.). Planejamento Tributário e o “Propósito
Negocial” – Mapeamento de Decisões do Conselho de Contribuintes de 2002 a 2008. São Paulo: Quartier Latin,
2010, p. 19.
29
Os países assim considerados estão listados na IN 1.37, de 04 de junho de 2010, disponível em
http://normas.receita.fazenda.gov.br/sijut2consulta/link.action?visao=anotado&idAto=16002, acesso em
19/02/2016.

Original
29

produção incumbe ao Fisco, na elisão abusiva discute-se questão de direito e não se abre a
instância de prova, tudo ocorrendo em grande parte em sede de argumentação jurídica.30
Apesar de o ônus da prova ser do fisco, tanto em plano fático quanto jurídico, e
considerando nossas conclusões no sentido de que a reorganização, ou as operações levadas a
efeito pelo contribuinte e que culminaram em uma carga tributária menos onerosa devem ter
uma razão de ser, um motivo e uma finalidade que não seja predominantemente fiscal, deve-
se ter o cuidado de documentar este motivo e assim reforçar os alicerces que impedirão o
questionamento, evitando assim o oneroso litígio.
Há de se ter em mente que a discussão não mais reside em sede de licitude ou
ilicitude, mas em oponibilidade versus inoponibilidade dos seus efeitos tributários ao Fisco.
Assim, ainda que os atos sejam considerados lícitos, o que se faz necessária é documentação
do substrato econômico, seja qual for a sua natureza.
O que se quer provar não é apenas a ocorrência do fato, mas que as condutas tem
uma razão de ser que não a economia fiscal, e que estão de acordo com os documentos do
negócio, e mais, a qualificação jurídica do fato em si, sobre a qual pode haver divergência.
Esta valoração passa pela análise da conduta sob a ótica do contexto da época, em suas
dimensões econômica, política, social, empresarial, de concorrência etc (Greco, 2011, p. 532).
Na busca da prova do motivo extratributário, deve-se demonstrar o ganho obtido,
também extratributário. Sendo um ganho mercadológico, deve-se documentar os estudos
feitos que à época que indicavam a possibilidade deste ganho. Note-se que o ganho pode não
se efetivar, na prática, mas basta que exista a sua expectativa para justificar o planejamento
adotado. Se o motivo encerra uma razão de ordem operacional, devem ser documentadas
todas as opções da época, de forma a ser claramente demonstrado a vantagem buscada sob
este aspecto.
Considerando que o ordinário se presume, e o extraordinário se prova, e portanto
a ausência de propósito negocial, que indica ausência também de substrato econômico nas
operações, deve ser provada pelo fisco para contestar o planejamento e assim desconsiderar
negócios jurídicos anulando seus efeitos tributários benéficos ao contribuinte. Esta prova é
feita por indícios, os quais indicamos no item 3.3 supra, identificados na jurisprudência
administrativa.

30
TORRES, Ricardo Lobo. Planejamento tributário elisão abusiva e evasão fiscal. Rio de Janeiro: Elsevier,
2012, p. 130.

Original
30

3.5. Considerações finais

Diante de todo o exposto, concluímos que o contribuinte ao elaborar seu


planejamento tributário deve observar os princípios constitucionais e analisar atentamente
todos os aspectos que o fisco observará ao julgar a legitimidade de suas operações, visando
assim uma “blindagem” de forma a consolidar a economia visada.
Esta postura traz benefícios também ao fisco, pois sedimenta o entendimento de
que “o princípio da liberdade de auto-organização, mitigado que foi pelos princípios
constitucionais da isonomia tributária e da capacidade contributiva, não mais endossa a
prática de atos sem motivação negocial, sob o argumento de exercício de planejamento
tributário,”31 e elimina litígios desnecessários e onerosos.
E litígio é, em última instância, o que se quer evitar. Nas palavras de Eduardo
Couture, que tudo explicava de um modo quase poético:

“Todo o processo traz consigo uma carga de dor e de sofrimento que


nenhuma sentença consegue aplacar”

31
Acórdão 104-21675, Relator Nelson Mallmann. Decisão publicada em 22/06/2006. Disponível no sítio
www.carf.fazenda.gov.br, acessado em 24/02/2016.

Original
31

REFERÊNCIAS

BIANCO, João Francisco. Planejamento Tributário: estudo de casos e exame crítico da


jurisprudência. In Yamashita, Douglas (coord.). Planejamento tributário à luz da
jurisprudência. São Paulo: Lex Editora, 2007.

COÊLHO, Sacha Calmon Navarro. Teoria da Evasão e da Elisão em Matéria Tributária.


Planejamento Fiscal – Teoria e Prática. São Paulo: Dialética, 1998, p. 174.

DERZI, Misabel Abreu Machado. O direito à economia de imposto – seus limites (estudo
de caso). In Yamashita, Douglas (coord.). Planejamento tributário à luz da
jurisprudência. São Paulo: Lex Editora, 2007.

FERRARA, Francesco. A simulação dos negócios jurídicos. R. E. D. Livros, 1999, p.50.

PEREIRA, Caio Mário da Silva. Instituições de Direito Civil. Vol. I, Rio de Janeiro:
Forense, 2004.

REALE, Miguel. Lições Preliminares de Direito. São Paulo, Saraiva, 2004, p. 64 e 65.

SANCHES, J. L. Saldanha. Os limites do planejamento fiscal – substância e forma no


direito fiscal português, comunitário e internacional. Coimbra: Coimbra e Editora, 2006.

TORRES, Heleno. Direito Internacional e Direito Privado: autonomia privada,


simulação, elisão tributária. São Paulo: RT, 2003.

TORRES, Heleno. Direito Tributário e Direito Privado: autonomia privada, simulação e


elusão tributária. São Paulo: RT, 2003.

YAMASHITA, Douglas. Elisão e Evasão de tributos – planejamento tributário: limites à


luz do abuso de direito e da fraude à lei. São Paulo: Lex, 2005.

Original

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