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YA 0 Passaro de Dod6 e os Factores Comuns em Psicoterapia Bruno Vale Trancas*, Joio Carlos Melo*, Nuno Borja Santos** Resumo: A exploracio tedrica da psicoterapia originou, desle 0 seu inicio, Ideias diversas sobre os ‘mecanismos subjacentes & sua efectividade 0s autores abordam um dos momentos chave dda origem da teoria dos faetores comuns em psicoterapia, atentando posteriormente & sua fundamentacio tedrica e evolugio conceptu- al. As fragilidades do constructo e as cr de que é alvo sio também analisadas, Si0 apresentadas algumas implicagies deste conhecimento no treino e pritica da psico- terapia, Palavras-chave: Psicoterapia; Resultado do tratamento; Processo psicoterapéutico; Facto- res comuns; Mecanismo da mudanca; Rela- do terapeutica; Factores nao especiicos. The Dodo Bird and Common Factors in Psychotherapy Abstract: Since its inception, the theoretical exploration of psyebotherapy bas originated diverse ideas on the mechanisms underlying its effectiveness. The authors focus on one of the founding moments of the theory of common factors in psychotherapy and subsequently explore its theoretical grounds and conceptual evolution. Criticism to the construct and exposure of its fragilities are also approached. Some consequences of this knowledge relating to the practice and training of psychotherapy are put forward. Key-words: Psychotherapy; Treatment outcome: Psychotherapeutic process: Common factors; Mechanism of change; Therapeutic relationship; Non-specific factors. wTRODUCKO “If any single fact bas been established by psychotherapy research, it is that a ‘positive relationship between patient and therapist is positively related to therapy ‘outcome”. Irvin D.Yalom! A arte ancestral da pritica da psicoterapia conheceu no século XX a sua maior cons- truco e expansio te6rica, bem como uma aplicagio pritica vasta, largamente superior Averificada nas suas raizes historicas. Ver cou-se, desde 0 principio do século passado, crescente na investigagio de terapéuticos independentes do mo- delo tedrico de psicoterapia, frequentemente apelidados de factores comuns, inespecificos ‘ou implicitos. A investigagio tem demons- trado, como veremos, a importancia destes ‘no processo terapéutico, © que realea a necessidade de investigagio adicional neste ‘campo, com reflexos naturais no ensino e na pritica da psicoterapia, 0 presente trabalho pretende elaborar uma stimula da origem e evoluedo dos conceitos de factores comuns, bem como uma reflexao sobre os mesmos. 1 — PSICOTERAPIA COMO INSTRUMENTO ‘TERAPEUTICO Um método ancestral Desde que existem seres humanos, sempre hhouve aqueles que, através da palavra, tém procurado aliviar 0 sofrimento dos seus se- ‘melhantes. Nio se tratava de psicoterapia tal como a entendemos hoje, mas a atitude esta- vali. Os métodos utilizados foram evoluindo © sofrendo vicissitudes, desenvolveram-se e definigies. Exis tem muitas formas de psicoterapia, umas mais abrangentes, outras mais restritivas, tumas salientando os aspectos técnicos, ou tras os factores relacionais e, como tal, nao é fcil conseguir uma definigio que seja clara, consensual e operat6ria, Psicoterapia e Psicoterapias Quantos tipos de psicoterapias existe? Mai de 3001!!, dizem alguns autores, 0 que ex ge, desde logo, uma atitude critica quando se aborda a questo. Porque, se é certo que algumas t@m um espago conquistado e reco- nnhecido, sobre muitas outras 0 folelore que as envolve pode até obnubilar-nos. Algumas baseiam-se, ou procuram basear-se, em métodos cientificos ou, pelo menos, tentam assentar os seus principios em fundamentos © mais rigorosos possivel. Outras niio pas sam de formas habilidesas com que alguns charlaties procuram enriquecer a custa do sofrimento dos outros. Mas também hi ou- tras que, ainda que contribuam para 0 alivio do sofrimento psicolégico, os mecanismos subjacentes 4 sua eficdecia sd0 vagos € mal compreendidos. Haveré, entio, que usar uma peneira. Separar o trigo do joio Em nome do rigor e seriedade, devemos, antes de mais, fazer uma seleccio. Nao nos abe, obviamente, levar a cabo tal tarefa Ainda assim, pensamos que é um trabalho importante a ser feito Uma outra questio pertinente é procurar compreender 0 que une e 0 que separa as diferentes psicoterapias. Existem factores terapéuticos que sio comuns as diversas psicoterapias e existem outros que as diferen- clam e que dotam cada um de especificidades propria. Com base num trabalho de Karasu*, pode- ‘mos considerar que as psicoterapias actuam basicamente em trés dominios da vida psico- Logica: o afectivo, 0 cognitive e o comporta- mental, com incidéncia e peso diferentes em cada um. E como esto os trés interligados, a dde um acaba por acarretar trans- es nos outros. No entanto, sao varias as particularidades que atribuem especificidade a cada tipo de psico- terapiae isso € relevante quer em termos de compreensio quer em termos de aetuagio terapéutica. Neste sentido, eremos ser pertinente 0 que Cordiol defende: “Hoje em dia, eresce cada vex mais a conviegio de que cada modelo 08 Factores Comune em Pl crapla mais adequado para a compreensio ¢ abordagem de uma situacio especifica (por ‘exemplo, a teoria comportamental para expli ‘car as fobias, a cognitiva para explicar certas caracteristicas do pensamento de pacientes depressivos ou com transtornos de ansieda- de; a psicanalitica para explicar a origem de aspectos do caricter, dificuldades nas rela- ‘es Interpessoas, ete)”. De qualquer forma, o objectivo do nosso trabalho € uma reflexio sobre os factores comuns as diferentes psicoterapias. 2.— FACTORES COMUNS 0 inicio do estudo dos factores comuns “.. Apés terem corrido cerca de meia hora, € estarem de novo secos, 0 Dodé gritou de repente: - Acabou a corrida! - E todos 0 ro. dearam, ofegantes, a perguntar: - Mas quem & que ganhou? ~ 0 Dods sé pade responder 10 depois de pensar longamente imos todos e todos devemos receber prémios.” Carrol L. * 0 Dod6, imortalizado pela obra “As Aventuras de Alice no Pais das Maravilhas”, era um pas. saro, incapaz de voar, que habitava as lhas Maui em medo dos humanos, tornou se presa facil de cagadores 0 que, associado A destruigao do habitat natural, evou & sua extingi0 no século XVI, pouco tempo depois de ter sido descrito pela primeira vez. Ja no século XIX muitos acreditavam tratar-se de ‘uma eriatura mitologica © excerto da obra de Lewis Carrol foi util zado por Saul Rosenzweig no seu artigo de 1936: “Some implicit common factors in diverse methods of psychotherapy”, que se reveste hoje de propriedades quase profét cas. A alusio a esse epis6dio, muitas vezes ‘erroneamente atribuida a Luborsky, Singer € Luborsky §,sublinha uma das ideas que Rosenaweig defendeu no seu artigo: a rela tiva equivaléncia das diferentes téenicas de psicoterapia no outcome pretendido. 0 autor levantou entio a hip6tese de que “para além dos métodos utilizados intencionalmente e as suas bases teéricas conscientes, existem inevtavelmente alguns factores nio reconhe- cidos limplicios| numa qualquer situacio terapéutica ~ factores que poderio ser mais importantes que os que estio a ser intencio- nnalmente utilizados". 0 "Veredicto de Dod como passou a ser conhecido, refere-se proposicio de que as varias téenicas psicote rapéuticas apresentam reduzida ou nenhuma diferenca significativa no outcome. Os facto: res comuns, tidos como transversis 3s vrias ahordagens, surgem como possivel explicacio para esse fendmeno. Rosenzweig estabeleceu se assim como o fundador da dicotomia entre factores terapéuticos especificos da técnica e factoresterapéuticos comuns, inespeeificos a qualquer técnica. Importa, contudo, definir os varios termos utilizados, frequentemente empregues como sinénimos ou conceites claramente definides, o que é impreciso e contribu para Melo, Nuno Hor alguma confuse, como referido por Louis Os factores ni a: 1) varidvels nao especificas 4 uma psicoterapia e comuns a todas ou :muitas terapias; 2) elementos nao téenicos, geralmente ligados a0 relacionamento in terpessoal; 3) aspectos da psicoterapia que mostram eficdcia terapéutica mas no sio referidos ou especificados no corpo teérico dessa psicoterapia ou ainda 4) potenciais in gredientes activos cuja natureza ou impacto ainda nio foram determinados. 4 expressio factores refere-se_geralmente Aqueles que sio comuns a todas ou quase todas as psicoterapias e que contribuem para sua eficdcia. Dado que a sua utilizagio tem sido relati vamente arbitréria ao longo da investigagio poderiamos incorrer num isco grave de distorgio se aplicdssemos uma definigio restrtiva. Assim, utilizaremos a expressio factores comuns (FC), incluindo nestes os factores, relacionais ou nio, que sio tans versais as varias terapias e contribuem para aasua eficacia Fundamentacao dos factores comuns (© movimento teérico dos factores comuns esta ligado a vérios fundamentos tedricos. Estes dividem-se, de forma grosseira, em: evidéncia sobre a equivaléncia das psicote- rapias, apreciago dos aspectos relacionais percepcio da relevancia de factores nio specifica, © paradoxo da equivaléncia: o Veredicto de Dod em nimeros Desde que Saul Rosenzweig levantou a hipéte se da equivaléncia dos oufcomes, tém surgido iniimeros estudos que tentam quantificar essa equivaleneia e refinar os métodos de comparacao. A utilizagio da meta-analise tem sido um dos veiculos principais, ainda que no isento de ertica. Luborsky, Singer e Luborsky * num estudo de 1975, reviram a evidéncia existente da eficdcia das psicoterapias, quando compa: radas com outros tratamentos ou entre si Verificaram que, quando comparadas entre si, a maioria dos estudos encontrava diferen as ndo significativas entre a proporcio de doentes que melhorava. Os autores propu- seram que a explicacio para esse facto devia residir nos componentes comuns as virias psicoterapias. Advertiram, contudo, que a quantidade de doentes que melhoraram no reflectia a qualidade e a natureza dessa evolugio terapéutica. Shapiro e Shapiro, em 1982, fizeram uma revisdo comparativa do ‘outcome das psicoterapias, utilizando um método meta-analitico'. Os autores base aram-se num trabalho prévio de Smith © Glass, modificando-o levando em conta as criticas metodolégicas apontadas por Kazdin, ‘Wilson e Rachman’*™". 0 estudo incluiu 143 ensaios clinicos publicados num periodo de 5 anos em que dois ou mais tratamentos psi: colégicos eram comparados com um grupo controlo, Os autores verificaram que as dife (Passa de Dod eo + Camus em Pekoterapia rengas entre os métodos de tratamento niio ‘eram muito diferentes uns dos outros no que diz respeito aos outcomes (diferindo entre no maximo, em 10%), sendo que a maioria da variagio existente no effect size nio era atribuivel a qualquer factor estudado. Wam ppold e colaboradores, em 1997, realizaram uma meta-anilise comparando 0 outcome de psicoterapias, incluindo estudos publicados 1970 © 1995, que cumprissem varios critérios metodol6gicos e descritivos. Conelu fram que o veredicto de Dodé nio era ques: tionado pelos resultados da diferenca entre os effect sizes, que se aproximava de zero" Em 2001, Ahn e Wampold realizaram uma meta anilise de 20 estudos comparativos entre virias abordagens psicoterapéuticas, publica- dos entre 1990 e 1999". Os estudos tinham {que cumprir crtérios apertados na descrigao da técnica e execucio e diziam apenas respei 10 2 orientagbes que ja tinham demonstrado 4 sua eficécta. 0 objectivo era desconstruir as terapias nos seus varios componentes ¢ -icla respectiva. Os autores concluiram que nao existiaevidéncia que os ingredientes espeeificos dos tratamentos psi coldgicos fossem responsiveis pela evolugio favoravel encontrada. Sugeriram que os be neficios do tratamento eram provavelmente devidos a mecanismos comuns aos tratamen tos psicolégicos. Recentemente, Luborsky € colaboradores estudaram 17. meta-anilises sobre comparagio de psicoterapias". Estas incluiam apenas comparacio de tratamentos avaliar a sua el activos e atentaram sobre os effect sizes. A principal conclusdo foi que os effect sizes apresentavam diferencas pequenas ou nao signifcativas e que essa assimetia era ain: ida menor quando se corrigia a afiliagio do investigador. Este tltimo parimetro refere-se A tendéncia para que investigadores afiliados com determinada orientacao psicoterapéutica tém para verificarem resultados mais favord veis no seu campo de trabalho quando fazem cestudos de comparacio. Assim, tém surgido nas Gltimas décadas trabalhos de investigagio quantificados que apontam para a equivaléncia de eficacia en: tre as varias psicoterapias. Ainda que muitas criticas pertinentes se possam apontar, como veremos, ndo deixa de consubstanciar um corpo de evidéncia que nao se pode ignorat. © Projecto Vanderbilt e a relacao huma- nna benigna: a importancia da relacéo Num polémico famoso estudo, frequen: temente apelidado de projecto Vanderbilt, Strupp e Hadley propuseram-se comparar a eficacia psicoterapéutica entre cinco tera putas experientes e cinco professores sem treino especifico mas com reconhecida ca pacidade empatica e relacional!, A cada um foi atribuido um doente, afeeto de depressio neurdtica ou reaccdo ansiosa, sendo comuns tracos obsessivos e perturbacdes borderline dda personalidade, Nao havia diferenca sig: nificativa entre os dois grupos de doentes atribuidos aos dois grupos de terapeutas. end Sr de Pigs pel eran foes «79 No final do processo terapéutico, que ineluia dduas sessdes por semana, até um maximo de 25, verificou-se que os doentes atribuidos aos professores melhoraram, em média, tanto como os atribuidos aos terapeutas experien les. Os autores concluiram entio que “o cestudo ndo fornecia suporte para a hipétese que, estando presente uma relacio humana benigna, as competéncias técnicas do psico terapeutas profissionais produzissem signi ficativamente mais alteragées terapéuticas”. Estas conclusdes foram alvo de grande critica, questionando-se o desenho do estudo e a sua ‘metodologia, inclusive pelos autores. Strupp, que assumiu sempre uma atitude critica em relagio aos factores comuns ¢ 2 sua “sepa: racio artificial” em contexto de sublinhou mais recentemente, contudo, que 1a psicoterapia é definida pelo “uso sistemati co da relacio humana com fins terapéuticos”, 0 que realca o papel da relagio terapeutica no proceso curativo™. Areleviincia de factores nio especificos Alguns autores tém-se debrugado sobre a Individuagio e quantificagio (em poder te rapéutico) dos varios componentes de uma Psicoterapia. John Norcross apresenta uma relagio da importincia dos vivios compo nnentes no resultado final da psicoterapia, atribuindo 30% ao psicoterapeuta, 60% a0 paciente e menos de 10% as especificidades dda técnica”. M, Lambert, num projecto seme. thante, que envolveu uma revisdo qualitativa de varios trabalhos de investigagio, atribui 40% a0 cliente/factores extra-terapéuticos, 30% a factores relacionals, 15% a factores relacionados com efeito placebo, esperanca expectativa de mudanca € 15% a factores relacionados especificamente com a técnica psicoterapéutica utilizada'. Bruce Wampold festimou que os factores especificos seriam responsiveis por 8% da variancia no outcome das psicoterapias, os Factores gerais (comuns) por 70% e outros factores, ndo explicados, por 2230. Embora se tratem de estudos laboratoriais cestatisticos, apontam para um peso relativo substancial dos factores nao especifico. Busca dos factores comuns Rosenzweig, no seu artigo historico de 1936°, apontou cinco factores comuns ou processos gerais: 1) a relagio entre o doente e o tera- peuta; 2) a catarse emocional do doente; 3) 0 impacto da personalidade do terapeuta; 4) 0 desenvolvimento por parte do doente de um constructo consistente para atingir um certo nivel de organizacio da personalidade através da adesio do terapeuta a um modelo especi <0 ou ideologia; 5) complexidade dos eventos psicoldgicos © a natureza interdependente dda personalidade levando a que qualquer intervencio significativa tenha um impacto no sistema total, iniciando-se © processo de reabilitagao, Jerome Frank®* conceptualizou ‘0s factores comuns como impregnando todas as formas de terapia, apontando quatro prin- hiocos (Passa de Dod eo + Camus em Pekoterapia pais factores: 1) 0 estabelecimento de uma relagioemocionalmente_significativa com uum confidente e ajudante; 2) um ambiente adequado, seguro, confidencial, onde 0 do- ete se sinta protegido ao revelar aspectos da sua vida pessoal, e que a0 mesmo tempo con: fira credibilidade e prestigio ao terapeuta; 3) ‘© estabelecimento de um corpo tebrco, cien tifio ou no, que possa explicar 0s sintomas do doente e 4) um ritual ou procedimento terapéutico em que participem 0 doente e 0 terapeuta e que seja 0 meio para o restab cimento da satde. Estas conclusdes surgem na sequéncia de um trabalho de pesquisa sobre os métodos de cura nas populagdes primitivas ou nao ocidentais. De acordo com Frank, estes factores comuns facilitavam 0 combate & desmoralizagio, um conceito que inclui sentimentos e atitudes como a deses peranca, a culpa, a vergonha, a depressio, a desvalorizacio pessoal ou a alienacio™. De acordo com este modelo teérico, os factores ‘comuns da terapia contribuiriam para o com. bate A desmoralizacio através de miitiplos mecanismos: 1) diminuir o sentimento de alienagio e reforcar a relagio terapéutica 2) providenciar sentimento de esperanca manter a expectativa de ajuda; 3) fornecer novas experiéncias de aprendizagem ao doen te, com alternativas diferentes de olhar sobre -smo e os seus problemas; 4) despertar femogies e demonstrar aos doentes que as podem suportar, mesmo as mais intensas e as que mais temem; 5) reforcar 0 sentimento do doente de auto-controlo ¢ auto-dominio, fornecendo um corpo teérico que explique os sintomas € forneca solugées e oportu nidades para que sejam ultrapassados; 6) providenciar oportunidades para que 0 do- fente pratique os novos comportamentos. Sol Garfield partitha dos prineipios fundamentais de Frank, sublinhando, contudo, que os fac tores comuns ou inespecificos nao sio vistos como 0s tinicos factores que contribuem para 4 mudanca na psicoterapia®. Defende que rio se devem negligenciar factores comuns como a esperanca, aexpectativa da mudanca, a.confianca, a elacio emocional,afailitacio dda emocio, a catarse, a recepeio de infor magio, o impacto social do terapeuta, entre outros, uma vez que poderio ser responsi veis por grande parte da mudanca observada Adverte que a percentagem da mudanca na dependéncia de factores comuns nao pode ser facilmenteestimada, uma vez que muitas varidveis concorrem para o seu efeto. Quase vite e cinco anos mais tarde, o mesmo au: tor volta sistematizar os factores comuns, 4 propésito do papel destes na psicoterapia breve" Debruca-se sobre a explicacio, iter pretacio e compreensio, sobre a relacio te rapéutia, a lbertacio emocional ou catarse 0 reforgo, a confrontacio com o problema, a transmissio de informacio, a restauragio da conflanca e fornecimento de apoio, o envol vimento emocional do doente, a promocio de coping, a aprendizagem terapéutica e, por ltimo, sobre o tempo. Presente em todas as cexperiéncias humanas, a passagem do tempo ide ou aemo- imentos ou pode, por sis6,alterar a quali io afectas is memérias, acont relagoes Norcross e Grencavage reviram 50 publi .6es relacionadas com a pesquisa de factores comuns com 0 objectivo de encontrarem pon tos semelhantes®. Apesar das dificuldades metodolégicas e de classificacio categoriza- ‘gio de factores, os autores seleccionaram os cinco factores comuns mais frequentemente cencontrados: 1) alianca terapéutica; 2) opor- tunidade para catarse; 3) aquisicao e pritica de novos comportamentos; 4) expectativas positivas do cliente; 5) qualidades benéficas do terapeuta; 6) fornecimento de um corpo conceptual para o processo de mudanca. Feixas e Mir6 sistematizaram quatro factores comuns fundamentals: 1) a capacidade do terapeuta de suscitar confianca e de propor a0 doente angulos diversos sobre ele préprio € 0 mundo; 2) a capacidade de estabelecer uma relacio terapeutica, empitica e reve- lando aceitagao incondicional do doente; 3) 6 fornecimento ao doente de uma experiencia emocional correctiva; 4) 0 estabelecimento da psicoterapia como um proceso social ‘onde ha construgio de uma relagio de con- fianga significativa, uma explicagio racional do mecanismo e estratégia terapéutica, a redefinigio do problema, a expectativa e es- peranga pela ajuda, a facilitacio da activacio ‘emocional e a experiéncia de sucesso durante ‘20 processo terapéutico™. Karver e colaboradores, numa revisio sobre a aplicacao dos factores comuns na terapia fa- miliar e de jovens, centram a sua abordagem nos aspectos da relagao terapéutica”. Admi- tem que a relacio terapéutica afecta 0 proces- so curativo através de varios processos entre (os quais destacam: 1) caracte tamento dos clientes (pais, filhos, membros da familia); 2) caracteristicas pré-tratamento do terapeuta, como a orientagio téenica, so- frimento pessoal, capacidades interpessoais, sentimentos conflituosos e complexidade cog- nitiva; 3) sentimentos, reaegoes e percepgoes do terapeuta; 4) capacidades interpessoais do terapeuta, no sentido de estabelecer relacio cempatica, calorosa, orientadora, transmitin- do confianca e valorizagao do cliente; 5) self disclosure: relativo a0 fornecimento, por par- te do terapeuta, de pensamentos ¢ emogies pessoais. 6) capacidade de influéncia directa do terapeuta incluindo, por exemplo, expli cagdes claras sobre 0 tratamento ou planea mento da sessio, fornecimento de conselhos, experiéncias correctivas comportamentais ou cemocionais; 7) credibilidade e capacidade de persuasdo do terapeuta, que influencia direc- tamente a esperanca de mudanca por parte do cliente; 8) autonomia: sem autonomia um cliente poderd ficar demasiado dependente do terapeuta e desinvestir no seu trabalho na terapia; 9) afecto dirigido ao terapeuta: &vis- to como um precursor para a capacidade do cliente jovem poder trabalhar com o terapeu- ta, influenciado a sua esperanca na mudan- 08 Factores Comune em Pl crapla ‘ca; 10) vontade para a terapia e mudanca por parte do cliente; 11) vontade parental para participar no tratamento; 12) partieipacio do cliente e dos pais no tratamento; 13) relagio terapéutica com o cliente jover e por iltimo 4 allanga terapéutica com o cliente jovem, pals e familia, © papel do terapeuta sob a perspectiva dos factores comuns é 0 tema de uma extensa revisio por Blow, Sprenkle e Davis™. Reflee tem sobre a variabilidade observada inter serapeuta € comentam os dados existentes sobre a importincia da crenga do terapeuta no tratamento € na influéncia das caracte risticas fisias, psiquicas ¢ culturais do te rapeuta no sucesso da terapia, Arthur Bohart cestabelece o cliente como 0 mais importante factor comum das psicoterapias®. Este autor presenta o doente como alguém que activa: mente participa no processo curativo e que esse pode ser a explicagio para o veredicto de Dodé: os clientes usam as diversas abor: ddagens como facilitadoras da terapia, da ‘0s principais motores. A relacio empatica calorosa é iil neste contexto como cativa: dora e encorajadora. Critica ao Veredicto de Dodé e aos facto- Strupp e Butler surgem como vozes dis cordantes do modelo dos factores comuns, argumentando que a dicotomia especifico / no especifico € artificial, uma vez que sera impossivel separar os factores interpessoais dda aplicagio pritica da teoria psicoterapéu: tica!™" Advertem também que a atribuigio prematura do efeito observado a factores comuns poder prejudicar a investigacio ¢ © conhecimento sobre as psicoterapias e eri ticam 0 método meta-analitico que coneluit pela relativa equivaléncia das psicoterapias no outcome. Referem que os instrumentos utilizados para a comparacio apresentam pouca resolugio para a diferenca, podendo nnio detectar alteragdes clinicamente impor- tantes, ou ainda que nao foram desenhados para apreciar alteragBes que sao validas ape- nas nalguns tipos de terapias, como a aquisi co de insight ow alteragao de comportamen- tos, e que portanto a avaliagao clinica final poderi ignorar estes ganhos signficativos" Brockman e colegas chamam precisamente a atencio para a necessidade de clarificar € optimizar os processos metodoldgicos, subli nnhando a dificuldade que existe na operacio- nalizagio e comparacio de outcomes entre as virias abordagens psicoterapéuti Defendem que os factores comuns poderio ser, em parte, artefactos ou interpretacdes ‘erréneas, causados por falhas no desenho do cestudo ena medigio do resultado final. Ha aga argumenta que os factores comuns nao so significativos nem constituem uma boa linha de pesquisa. Refere que um factor dito comum investigado numa psicoterapia com tuma determinada orientacio pode no fazer sentido noutra. 4 eatarse tem sido apontada como um desses exemplos. Jones, Cumming ‘e Horowitz reportam que uma das falhas prin- cipais da investigagio favorsvel aos factores comuns € a classificagio de factores comuns como factores especificos (por exemplo, a orientagio pelo terapeuta através do forne cimento de conselhos), 0 que retira poder discriminativo entre as varias psicoterapias™. Sublinham ainda que os estudos sao realiza dos de forma simplista, associando a técnica ‘a0 outcome e ignorando 0 processo terapéu tico e outras variéveis complexas da terapia. DeRubeis e colaboradores argumentam que a base de sustentagio dos factores comuns nio 6 sélida: que o facto da suposta equivaléncia ide outcomes nio implica que sejam os mes: ‘mos mecanismos responsdveis pela evolugio positiva e criticam metodologicamente os festudos que associam a alianga terapéutica um putativo factor comum ~ ao outcome’ ‘Terminam defendendo que a importincia dos Factores especificos pode ser substanctalmen- te mais forte do que se c 3 — IMPLICAGOES NO ENSINO E NA SU- PERVISKO Alguns autores advogam que, a luz da impor tncia dos factores relacionados com o tera- peuta, se deve atentar mais sobre as qualida- des pessoais dos treinandos, reforgando as competéncias nos factores comuns"™”. Stein Lambert, na sua meta-anilise sobre a for magi € os outcomes obtidos, recomendam que 0s programas de formagio continuem ‘1 ter um enfoque importante nos factores comuns, nomeadamente nas qualidades da relagio pessoal e na alianca terapéutica”. Ji 1 elaboracio de um programa de formacio baseado exclusivamente nos factores comuns 6 algo euja concretizacio levanta obtaculos. Louis Castonguay identifica trés grandes pro- blemas na implementacio de um projecto de formagio em psicoterapia com abordagem por factores comuns™. 0 primeiro concerne ato niimero e diversidade de factores comuns jd identificados e & sua putativa importncia relativa na psicoterapia. Um segundo proble- ima esté directamente ligado & auséncia de um corpo conceptual de factores comuns que cexplique o funcionamento humano, pelo que 6 dificil desenvolver um plano de tratamento ‘exclusivamente baseado nos factores comuns. autor levanta ainda um outro problema: ainda que muitos factores comuns tenham sido identficados, estes nao s0 0s tinicos in ‘gredientes activos da terapia, pelo que nao po- ‘dem ser ensinados de forma isolada de uma ‘éeniea. Conclui que uma abordagem forma: tiva apenas baseada nos factores comuns no 6 uma opeao vidvel e que esta deverd por ora ser incluida como formagio adicional de uma psicoterapia “pura”. Morgan e Sprenkle estabeleceram recente: ‘mente 0 percurso histérico dos factores co- ‘muns nos modelos de supervisio”. Partiram do prineipio de que a semelhanca da pritica da psicoterapia, também deverio existir factores e processos transversais aos varios ‘modelos de supervisio que contribuam para hiocos + Comune em Peicoterala ‘sua eficdcia. Sugerem uma abordagem pela complementaridade e advertem que a super- visio é um processo relacional humano de extraordindria complexidade, no devendo ser objecto de generalizacdes e simplificagies precipitadas. 4 — CONCLUSOES. Independentemente da validade do “Veredicto de Dod6”, cuja argumentacdo nao esta isenta de riticas metodolégicas importantes, os factores comuns sio uma realidade concreta eso apoiados por evidéncia cientifica abun- dante. Encarados como elementos terapéuti- cos importantes, ¢ no apenas como o rema- rescente da técnica, tem sido argumentado demonstrado que a sua incluso na prit clinica e na formagao melhora os outcomes. Os autores sustentam que existe evidéncia suficiente para incrementar 0 treino nas competéncias relacionadas com os factores comuns, bem como estimular a investigagio neste dominio, NOTA: Todas as tradugbes dos originais em inglés foram feitas pelos autores. BIBLIOGRAFIA, 1. Yalom ID, Existential Psychotherapy. New York. Basie Books. p 401. 1980. 2, Karasu, B.. The specificity versus nonspecifcty dilemma: toward identifying therapeutic change agents. Am J Psychiatry, 1986; 145(0): 687-695. 3. Cordil ef (1998), itn: Leal, tniciagio 3s pcoterapias Lisboa Fim de Séelo, 2005 4. Carrol LAS Aventuras de Alice no Pais das Maravihas¢ Alice do Outro Lado do Espelho, Tax dlucio de Margarida Vale de Gato, Eitores Religio D'Sgua Lisboa. 2000 5. Rosenzweig, S. 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