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As Bases Epistemológicas Do Pensamento Administrativo Convencional e A Crítica À Teoria Das Organizações
As Bases Epistemológicas Do Pensamento Administrativo Convencional e A Crítica À Teoria Das Organizações
RESUMO
Este trabalho tem como objetivo discutir e questionar o modelo de racionalidade que sustenta a ciência moderna,
em especial a prática e as teorizações peculiares ao campo da Teoria Organizacional, procurando situar esse
debate a partir de diferentes perspectivas e domínios epistemológicos. No primeiro momento, foram debatidos os
pressupostos que sustentam a racionalidade na ciência moderna, contrapondo essa reflexão aos traços
emergentes de uma nova racionalidade nos domínios da ciência pós-moderna, repercutindo na natureza dos
estudos e teorizações precípuas às Ciências da Administração. Em seguida, são discutidos os pressupostos
epistemológicos que estão nas bases das teorizações organizacionais, tratando resumidamente dos três grandes
paradigmas organizacionais deste século: a abordagem da Teoria Clássica na Administração, a Escola de
Relações Humanas e a perspectiva do Estruturalismo. A tentativa é relativizar a adequação de antigos valores
formais/teóricos no campo da Administração aos desafios de uma nova ordem econômica mundial. Uma ordem
que se traduz nas condições objetivas de um novo paradigma tecnológico e societal, que se desenha nas
economias capitalistas modernas deste fin de siècle. Ao final, são destacados alguns “temas de fronteira” para os
estudos da organização, revelando a existência de assuntos ainda pouco explorados no campo da moderna Teoria
Organizacional, em que a fragmentação dos discursos teóricos e as conversações multidisciplinares definem
novas críticas e novas possibilidades para esse campo de conhecimento1.
INTRODUÇÃO
Segundo CARNEIRO (1994), o século XVII foi uma fase importante de transição,
uma situação típica de liminaridade. Há nesse momento a promessa de que a ciência poderia
levar o homem para além das explicações vagas ou das insipientes formas de observação
empírica das sociedades feudais, representando também a promessa de construção de um
mundo melhor.
Voltaremos a comentar tal impasse mais adiante. Por ora, seria importante destacar
que a concepção de ciência, a partir dos séculos XVII e XVIII, cada vez mais se aproximará
de uma certa “institucionalização da ciência experimental”, que marcará o interesse pelo
método científico e pelas regras de observação e quantificação dos fenômenos. Foi por esse
modelo de racionalidade que se pretendeu observar as coisas do mundo, a natureza e os seus
fenômenos, bem como a possibilidade concreta de domínio das forças naturais e a construção
de um conhecimento genuinamente científico.
O conhecimento não poderia dar-se, portanto, junto às “influências malévolas das
paixões” e dos conteúdos sociais, pessoais, filosóficos e lingüísticos pertubadores de um
empreendimento científico: foram esses os parâmetros gerais que, a posteriori, tornariam
hegemônica a concepção de uma racionalidade positivista na sociedade moderna. É curioso,
assim, observar o grande número de fundações de academias e centros de estudos científicos
na Europa dos séculos XVI e XVII: a “Academia de Experiências” fundada em 1657 pelos
discípulos de Galileu; o estabelecimento da Royal Society of London for Improving Natural
Knowledge (hoje conhecida como The Royal Society), instituída sob forte influência do
pensamento de Francis Bacon, em 1660; a Académie des Sciences, na França, em 1666, e a
Academia de Ciências de Berlim, criada em 1700. Ou seja: o paradigma da ciência
experimental ganhou corpo, e não foram medidos esforços para que se desse início à longa
aventura do conhecimento científico, fundada em uma base de racionalidade
institucionalizada e legitimada pelo pensamento convencional.
O que presenciamos, portanto, é a própria essência do empirismo lógico, tornando a
ciência um empreendimento dependente de certos procedimentos e um resultado da
objetividade das normas e das prescrições metodológicas. Na tentativa de compor os limites
do que era legítimo ou não aceitável nos processos científicos, o positivismo lógico
subordinou o processo da descoberta aos contextos da justificação e da argumentação
epistemológica. O mais interessante aqui seria notar que foi exatamente esse tipo de razão
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científica, sustentada por um conjunto extenso de regras e normas, que tornou possível a
emulação de uma crítica permanente do aparato teórico e o desenvolvimento impressionante
do experimentalismo e do incrementalismo, enquanto critério de cientificidade (OLIVA,
1990; CARNEIRO, 1994).
As idéias emblemáticas de T. KUHN (1989) representam um divisor de águas dentro
desse quadro. Na verdade, o que Kuhn nos propõe é resgatar o contexto da descoberta para a
análise dos processos científicos, trazendo à cena novas reflexões e um novo olhar sobre a
ciência, expandindo a perspectiva tipicamente reducionista do empirismo lógico. Recupera,
assim, a dimensão do valor e da subjetividade para formular as bases da sua crítica: “(...) O
conhecimento científico é intrinsecamente um processo de grupo e nem a sua peculiar
eficácia nem a maneira como se desenvolve se compreenderão sem referência à natureza
especial dos grupos que o produzem” (KUHN, 1989:24).
Fica claro que o autor destila uma crítica direta ao excessivo apego à justificação e à
racionalidade exclusivamente lógica, distanciando assim a sua argumentação do pensamento
convencional, por exemplo, de Popper, que acreditava no exame das teorias com critérios
puramente objetivos e racionais. Kuhn, ao questionar essa premissa, amplia o debate e o
conceito relativamente fechado de racionalidade, pelo menos daquele tipo de racionalidade
reducionista própria ao contexto da justificação. A perspectiva de Kuhn, portanto, prevê a
importância da pluralidade e da diversidade, ressaltando a validade dos estudos históricos e
sociológicos para o avanço da prática científica. Com o passar do tempo, essa perspectiva
mais “aglutinativa” haveria de favorecer a emergência de uma reflexão antropológica sobre a
ciência.
Para VALLE (1996), é possível identificar a natureza da mudança do paradigma,
reconhecendo os nexos entre a racionalidade técnica e a “racionalidade comunicativa” (no
sentido habermasiano da expressão), que contribui para o questionamento do paradigma
dominante e tradicional de uma filosofia da consciência. A Filosofia da Consciência
representa um importante paradigma do pensamento moderno e está apoiada na lógica de que
o conhecimento se faz a partir da análise de objetos por sujeitos, o que, em última instância,
significa a aplicação do método empírico-analítico na análise dos fatos sociais. Trazendo tal
princípio para nosso século, encontraríamos no taylorismo e no fordismo - enquanto modelos
de organização da produção e do trabalho - a derivação prática dessa perspectiva, seja no
estudo dos tempos e movimentos do trabalho operário industrial, seja na idealização da
fábrica dos tempos alocados e das linhas de produção e montagem. No caso específico de
Taylor, e a partir de uma compreensão particular dos processos industriais da indústria metal-
mecânica de sua época, ele elege os engenheiros - administrando e estudando cientificamente
o trabalho - como típicos sujeitos deste processo, o trabalho manual - por extensão - o objeto.
Em uma derivação que não é em absoluto acidental, as teorias organizacionais também
passam hoje por um momento de inflexão (REED, 1996), em que antigos quadros
interpretativos, referências e conhecimentos são objeto de uma crítica contínua e de
reavaliações permanentes. Supostamente, essa fase revolucionária dos estudos
organizacionais, levada a cabo pelos teóricos críticos e pós-modernistas, em nada se
confundiria com o movimento linear ou incremental que caracteriza as “fases normais” dos
processos científicos, nos quais os programas de pesquisa e as atividades operam dentro de
um quadro teórico bem institucionalizado e pouco fragmentado.
Fragmentação e descontinuidade parecem caracterizar bem a natureza multidisciplinar
típica da Administração, e não por uma questão filosófica, mas prática. Os estudos nesse
campo estão sujeitos a contribuições metodológicas e conceituais de áreas diversas do
conhecimento, bem como de contestações e críticas ampliadas, que evidenciam bem o caráter
das “conversações” e das múltiplas interpretações que caracterizam os estudos administrativos
e viabilizam a construção de uma crítica à Teoria Organizacional contemporânea.
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Partindo das argumentações iniciais de CLEGG et alli (1996), RODRIGUES (1997)
discute o significado e as implicações das “conversações” para os estudos organizacionais. A
intensificação desse fenômeno e o novo esteio de reflexões que essas conversações ensejam
propiciam parâmetros outros para a constestação, refutação e negociação de antigas tradições
intelectuais e correntes de pensamento na disciplina.
Proceder à compreensão e à crítica dos estudos organizacionais como espaço
privilegiado para as “conversações” (admitindo o lugar para a diversidade e a pluralidade)
significa aceitar as implicações longitudinais desse processo, em que antigas referências e
quadros interpretativos podem ser aceitos ou contestados e refutados diante da emergência de
uma nova corrente intelectual dominante. Em uma perspectiva longitudinal, portanto, a
análise dos estudos organizacionais pode se dar em uma perspectiva histórica, dialética,
favorecendo a concorrência entre diferentes perspectivas e matizes teóricas no sentido de
organizar melhor e explicar de forma mais coerente os problemas objetivamente colocados à
práxis administrativa.
Como já colocado anteriormente, o desenvolvimento das teorias organizacionais
revela uma complexidade própria: ao longo do tempo e a partir de certas orientações
epistemológicas, as teorizações formuladas no campo da Administração refletiram uma forma
particular de observação dos fatos sociais na esfera da produção e do trabalho, carregada de
valores e referências dominantes, com a subordinação da ciência aos movimentos mais
amplos do capital e dos interesses dominantes. Isso não representa propriamente uma
surpresa, sobretudo se nos conscientizamos de quais foram os benefícios práticos dos estudos
organizacionais, neste século, para o desenvolvimento do controle gerencial e das estratégias
para a manutenção das relações de poder nos circuitos internos de exploração da força de
trabalho.
Como exemplos claros para essa argumentação, não se pode negar que o interesse de
muitos dos sociólogos funcionalistas pelas esquematizações weberianas formais estivesse
relacionado à importância alcançada pelas organizações públicas e privadas nas sociedades
modernas. E que Taylor, ao propor as bases da “Administração Científica”, estava
efetivamente voltado para a busca de respostas práticas e objetivas para os problemas de
produtividade e de controle nas ineficientes empresas industriais (sobretudo do ramo metal-
mecânico) do início do século XX. Como esses, inúmeros outros exemplos poderiam ser
elencados para evidenciar que, desde as primeiras formulações de Taylor para os problemas
de sua época, transformações sucederam-se nas formas de racionalização sobre os problemas
administrativos. Os estudos organizacionais se consolidaram em uma perspectiva que não foi,
por assim dizer, “destruidora” em relação às contribuições passadas. Por que isso?
A resposta não é simples, mas um bom caminho para alcançá-la está na reflexão de um
ponto básico: na verdade, apesar das diferentes escolas de pensamento os estudos na
Administração não se inclinaram devidamente ao questionamento e à proposição de
alternativas pragmáticas para o problema das relações de poder e de dominação nos contextos
organizacionais. Encontramo-nos hoje, porém, em uma situação caracteristica limítrofe, em
que antigos valores formais e teóricos mostram-se limitados para responder os desafios
recentes ensejados à prática administrativa, em um mundo essencialmente diferente das
experiências do passado. Mas antes de avançar neste ponto, é mister que sejam discutidos os
paradigmas e as vertentes epistemológicas afins ao campo da Teoria Organizacional. É isso
que demonstraremos a seguir.
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NOVOS PROBLEMAS E NOVAS PERGUNTAS
CONCLUSÕES
NOTAS
1
Especialmente, gostaríamos de ressaltar aqui a interface possível e necessária entre a Teoria das Organizações e
os estudos e as pesquisas afins ao campo da Teoria da Firma, emulados no interior da corrente neo-
institucionalista nos estudos de microeconomia.
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