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Estudos nos Livros Poéticos

e Sapienciais

FABAPAR
F A C U L D A D E S B A T I S TA D O P A R A N Á
Reginaldo Pereira de Moraes e Mariana Maciel de Moraes

Estudos nos Livros Poéticos e


Sapienciais
1a ed.

Curitiba
2020
© Os direitos de autoria e patrimônio são reservados ao(s) autor(es) da obra e às Faculdades
Batista do Paraná (FABAPAR). É expressamente proibida a reprodução total ou parcial desta
obra sem autorização da FABAPAR.

FACULDADES BATISTA DO PARANÁ


Direção-Geral – Jaziel Guerreiro Martins
Gerência Acadêmica – Jaziel Guerreiro Martins
Gerência Administrativa – Jader Menezes Teruel
Coordenação dos Bacharelados em Teologia – Margareth Souza da Silva
Coordenação Adjunta do Bacharelado em Teologia EAD – Janete Maria de Oliveira
Autoria do Material – Reginaldo Pereira de Moraes e Mariana Maciel de Moraes

Coordenação Editorial – Thiago Alves Faria


Coordenação de Produção – Murilo de Oliveira Rufino
Núcleo de Inovação e Desenvolvimento Educacional – Elen Priscila Ribeiro Barbosa
Revisão – Edilene Honorato da Silva Arnas
Design Instrucional – Adrielly Renata dos Anjos
Design Gráfico e Diagramação – Thiago Alves Faria
Dados Internacionais para Catalogação na Publicação (CIP)
Rozane Denes (Bibliotecária CRB/9 1243)
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Sumário
Apresentação....................................................................................7
Prefácio ............................................................................................8
1. A Sabedoria em Israel e o Livro de Jó.........................................12
1.1 O sábio em Israel...................................................................................................... 12

1.2 A sabedoria no dia a dia......................................................................................... 17

1.3 Introdução e análise do livro de Jó ...................................................................23

Síntese do Capítulo...........................................................................40
2. A Praticidade da Vida em Provérbios e Eclesiastes...................42
2.1 A sabedoria prática em versos............................................................................ 42

2.2 O uso de poesia nos livros sapienciais.............................................................45

2.3 Introdução e análise do livro de Provérbios....................................................50

2.4 Introdução e análise do livro de Eclesiastes...................................................58

Síntese do Capítulo...........................................................................67
3. A Poesia Hebraica em Uso nos Livros Poéticos.........................69
3.1 A poesia no Antigo Testamento.......................................................................... 69

3.2 Os tipos de paralelismos na poesia hebraica mais


usados nos livros poéticos.......................................................................................... 86
Síntese do Capítulo...........................................................................97
4. As Emoções (im)Próprias em Salmos, Cantares
e Lamentações..................................................................................99
4.1 A poesia como baluarte das emoções............................................................99

4.2 Introdução e análise de Salmos......................................................................... 102

4.3 Introdução e análise de Cantares......................................................................109

4.4 Introdução e análise de Lamentações.............................................................120

Síntese do Capítulo...........................................................................127
Referências .......................................................................................128
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Apresentação
Sou o professor Reginaldo Pereira de Moraes. Possuo Graduação,
Mestrado e Doutorado em Teologia e tenho atuado como Pastor Auxiliar
desde 2003 e como docente desde 2004. Tenho escrito alguns artigos e
livros, dos quais destaco: “O Fantástico mundo dos fantoches”, “Introdução
ao hebraico”, “Introdução à Teologia do AT” e “Descanso em hebreus”.
Ando aprofundando os meus estudos na área bíblica e tenho procurado, a
cada dia, entender os desígnios de Deus para minha vida, a fim de ser um
instrumento d’Ele para abençoar aqueles que me assistem ou leem o que
eu escrevo. Também tenho tido o privilégio de ser abençoado por grande
parte dos alunos que passaram sob os meus cuidados.

A professora Mariana Maciel de Moraes tem formação em


Pedagogia (2004), é Bacharela em Teologia pela FABAPAR e Mestre em
Teologia (2012) pela Pontifícia Universidade Católica do Paraná (PUCPR).
Ela trabalha com Ensino Religioso há cerca de 20 anos, lecionando para a
Educação Fundamental e o Ensino Médio. Também trabalha com o Ensino
Superior em elaboração de material (apostilas) e gravação de aula, ambos
para o Bacharel em Teologia a Distância. Dentre suas obras destacam-se
“Teologia da Educação” (2015) e “Introdução à Teologia do AT” (2018).

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Prefácio
Este livro nasce da experiência dos debates acalorados em sala de
aula, em paralelo com o dia a dia no ministério pastoral, mais calmo, mas
nem por isso menos desafiador. Seu objetivo maior é servir de ferramenta
para o estudante da Bíblia poder interpretá-la de forma correta, em especial
quando sua mensagem é apresentada de forma poética e carregada de
características culturais bem distintas da nossa.

Por ser uma obra diferente, acaba sendo bem desafiadora. Não é
um livro com respostas pontuais e diretas, pois nosso maior objetivo é
apresentar o modo que o hebreu via o mundo. Isto porque, ao entender
um pouco sobre o que eles pensavam, fica mais fácil compreender como
oravam ou como se relacionavam.

Desde o início já sabíamos que não seria possível abordar todos


os assuntos dos seis livros poéticos do cânon protestante. Por conta
disso optamos por uma abordagem não tradicional. Normalmente os
livros acabam seguindo uma linha mais de comentários do texto bíblico
em si, ou com uma roupagem mais acadêmica ou sob um linguajar mais
devocional. Como sabemos que há muitas obras boas que seguem
estas linhas e, principalmente, que a explicação de um ou outro versículo
é relativamente fácil de se buscar. Optamos por seguir o caminho que
temos trilhado nas salas de aula há anos: antes de ler e interpretar o
livro precisamos saber que “óculos” usar, para melhor captarmos o que
foi dito. Assim, procuraremos apresentar um panorama sobre a cultura
hebreia antiga, com relação às suas questões de literatura, e destacar
alguns assuntos, que julgamos importantes, dentro dos textos bíblicos
estudados.

Para conseguir apresentar um material de qualidade e ao mesmo


tempo simples e objetivo, fomos atrás das definições mais técnicas,
quando necessário, mas procuramos estar atentos para cercá-las com
uma escrita que seja interessante de se ler e, dentro do possível, repleta
de exemplos ou dicas úteis.

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No primeiro capítulo, conheceremos o sábio em Israel e como ele


lidava com a sabedoria em seu dia a dia. Normalmente se associa o sábio
com alguém de muita cultura ou pensador. Isto também existia, mas você
verá que para o hebreu o sábio está mais para um perito do que para um
filósofo. Neste mesmo capítulo, conversaremos sobre algumas questões
mais gerais sobre o livro de Jó. Partimos do pressuposto de que ele foi um
personagem real, mas nem por isto sua sua história deve ser levada ao pé
da letra. Só para aguçar sua curiosidade: Você sabia que há pessoas que
consideram a mulher de Jó como uma pessoa mal compreendida e que
na verdade também era uma verdadeira adoradora? Mas, também há os
que defendem que ela teria blasfemado contra Deus. E você, o que acha?

No capítulo dois, continuaremos a trabalhar um pouco mais sobre a


sabedoria hebreia, mas agora sob a ótica de sua interdependência com a
poesia. O povo hebreu era muito festeiro e alegre, mas não era fanfarrão.
Sabia dosar inclusive as atividades de seu dia a dia com a sabedoria e,
curiosamente, conseguia com maestria ver sabedoria e ensinamento
em coisas tão corriqueiras e banais. Além disso, trabalharemos algumas
questões introdutórias a Provérbios e Eclesiastes para que você possa
lê-los com outros olhos. Por exemplo, certamente você já sabe que
ambos são inspirados por Deus. Porém, você sabia que Pv 22.6 não é
uma promessa? Como o nome já diz, ele é um provérbio.

No capítulo três, optamos por gastar mais energia na explicação de


vários detalhes da gramática e da literatura hebraica, que são utilizadas pela
poesia. Diferentemente do que estamos acostumados, a poesia hebraica,
ou poesia bíblica, não possui rimas de palavras. Sua preocupação maior é
fazer com que as ideias estejam rimando e se relacionando. Por exemplo,
o que você diria se eu lhe dissesse que o salmo mais famoso do mundo
é uma poesia, em que há rima de ideia? Reflita nas duas frases que o
compõem: “O senhor é meu pastor.” “Nada me faltará”. E então! Conseguiu
ver a rima? Lembre que é uma rima de pensamento e não de sons. Não se
desespere, é mais fácil do que parece. Só precisamos entender o processo.

No capítulo quatro, estudaremos os livros de Salmos, Cantares


e Lamentações. Mas, não antes de alertarmos para a necessidade
de valorizarmos melhor nossas emoções. O problema é que “somos

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desequilibrados por natureza”. Ou somos muito racionais ou muito


emotivos. E, pior, às vezes enfatizamos o ardor em uma das duas áreas
para determinar que o verdadeiro servo de Deus só pode ser de um ou
do outro jeito. Não podemos nos esquecer: somos seres racionais com
emoções e por isso podemos ser transparentes com Deus.

Por fim, na segunda parte do quarto capítulo, conversaremos um


pouco sobre cada um dos três livros bíblicos considerados poéticos.
Acerca dos Salmos falaremos sobre alguns cuidados que precisamos
ter em sua leitura. Em Cantares teremos que administrar nosso equilíbrio
porque normalmente fugimos de sua leitura. Nunca o pregamos, ou,
quando fazemos, procuramos alguma maneira ou algum versículo que
não mexa na questão da sexualidade falada naquele livro, como se todo e
qualquer tipo de amor sexual fosse pecado e abominação. Você sabia que
quando Deus dá a ordem para Adão e Eva crescerem e se multiplicarem
eles ainda estavam no paraíso?

Nosso desejo é que você consiga ler este livro até o fim e, assim,
você possa conhecer um pouco mais deste estilo literário, tão fascinante
da Bíblia, a poesia.

Boa leitura e bons estudos!

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1. A Sabedoria em Israel
e o Livro de Jó
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1. A Sabedoria em Israel e o Livro de Jó


Neste capítulo você aprenderá sobre a figura do sábio sob a ótica do
Antigo Testamento, bem como sobre a grande diferença entre a sabedoria
filosófica e a sabedoria em Israel, a qual está estritamente ligada ao
campo prático e suas ações concretas. Em outras palavras, o saber, para
o hebreu, não é apenas um ato teórico, ligado somente ao conhecimento,
mas tem muito mais a ver com a questão de como a vida precisa ser bem
vivida. Por isto, o livro de Jó não é tido apenas como uma mera narrativa,
uma saga ou uma novela. Ele é considerado um livro de sabedoria, por
registrar como um servo de Deus se portou diante de uma terrível crise
pela qual passou.

Ao longo deste capítulo você ainda aprenderá questões relacionadas


ao livro de Jó, em que serão tratados assuntos como sua autoria, a dupla
redação da obra (o livro tem uma parte que é bem mais antiga que a outra)
e algumas questões teológicas e exegéticas.

1.1 O sábio em Israel


Quando se fala em sábios, vem logo à mente seu parceiro: o escriba.
Como estes eram bem proeminentes ao longo do ministério de Jesus
e, infelizmente, como o NT é muito mais pregado e ensinado que o AT.
Passou-se a associá-los como sinônimo de sabedoria e, pior, criou-se
o estigma de que o sábio é o escriba e está ligado apenas a assuntos
relacionados à Bíblia. Todavia, basta uma simples lembrança da história
de Daniel e seus amigos (cerca de 600 anos antes do ministério de Jesus),
para se perceber que o sábio era alguém separado, sim, mas que cuidava
de assuntos os mais diversos possíveis. Dois exemplos deles atuando nos
negócios reais podem ser vistos em II Sm 15.31 e I Cr 27.32, que mostram
os conselheiros na corte de Davi e Salomão.

Segundo Ceresko (2004, p. 15-17), na Suméria Antiga (há uns


4mil a.C.), esta categoria de especialistas escolhidos para auxiliar na
administração geral dos impérios fazia parte da elite, composta por
apenas 1 a 5% da população. Nesta época, os escribas, e sua escola,

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se desenvolveram a fim de servir o burocrata da época, ensinando-lhe a


escrita, questões de administração e o que o autor chama de “ética de
sobrevivência”: o traquejo para lidar com as questões diplomáticas e de
segurança geral.

Ele ainda diz que os sábios tratavam de ensinamentos bem


pragmáticos e com enfoque no produto final. Também destaca que não
se pode dizer que não havia nenhum tipo de análise ou reflexões. Como
eram peritos em solucionar problemas, passaram a dominar a arte da
observação e, em alguns casos, atingiam certa perspicácia psicológica. Um
exemplo disso pode ser visto no conselho dado por um sábio egípcio. Além
dele ensinar que se deve dar ouvidos e atenção a todo aquele que aparece
com uma determinada queixa, ele explica a razão emocional por trás de tal
eficácia: “Um peticionário gosta mais de atenção às suas palavras do que
de realização do fim para o qual veio...” (CERESKO, 2004, p. 15).

Curiosidade

“O conselho das cidades ou os anciãos dos lugarejos [...] tinham como


obrigação praticar uma espécie de ‘sabedoria’ na emissão de juízos e na
mediação de disputas. Vemo-lo, por exemplo, em Deuteronômio 25.7-8:
‘Contudo, se o cunhado se nega a casar-se com a viúva... Os anciãos da
cidade o convocarão e procurarão convencê-lo’”. (CERESKO, 2004, p. 23)

Em Israel não foi diferente. Com o surgimento da Monarquia, ao


passar do tempo e, concomitantemente, o arrefecimento da cultura
comunitária de valorização do ancião local, começa a surgir uma categoria
de pessoas ligadas à tarefa de conhecer e preservar as tradições, surgindo
assim a figura dos sábios como protagonista e com a tarefa principal
de “ensinar aos outros, especialmente aos jovens, a maneira certa de
conduzir-se no mundo”. (ANDERSEN, 2008, p. 28).

Como a ideia básica da sabedoria é lidar com o bem viver,


independentemente da área em que seu ouvinte se encontra, às vezes é
apresentada de forma tão personalizada, como se fosse uma pessoa real;
afinal, seria o modelo ideal de se viver. Não obstante isto, como ela procura
dar as diretrizes norteadoras para a vida, ela também acabou “evoluindo”

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com o tempo. Ou seja, algo que num primeiro momento era passado de
pai para filho, do ancião do clã ao patriarca da família, e depois passa a
ser ensinada nos portões da cidade, chega o momento em que começa a
evoluir em seu “profissionalismo” e também em sua forma de exposição.

Embora a escrita tenha vindo muito tempo depois da fase oral;


segundo Kidner (2008, p. 15), já era possível perceber a evolução da criação
de categorias distintas com o intuito de perpetuar a sabedoria: já se tinha
a menção a hino (Jó 28), fábulas (Jz 9.7-15), enigmas (Jz 14. 12-14),
falas com características poéticas (Nm 24), parábolas (II Sm 12.1ss),
comparações (provérbios), ditos e admoestações. Com o tempo estas
variadas formas de sabedoria acabaram sendo utilizadas na composição
de um grande número de literatura. Como livros canônicos ficaram
apenas os livros de Jó, Provérbios e Eclesiastes sendo os representantes
da categoria dos sapienciais (de sabedoria).

Estes três livros são os principais representantes desta categoria


em Israel, mas para além dos livros canônicos havia outros. Segundo
Kidner (2008, p. 14), há duas obras bem expressivas, dentre os livros
denominados apócrifos, que também são chamadas livros sapienciais,
o “Eclesiástico de Ben Siraque” (com datação de 180 a.C. e com um
conteúdo mais parecido com o livro de Provérbios, se bem que bem mais
dissertativo que o autor sacro) e “Sabedoria de Salomão” (escrito no séc.
I a.C e com um ar muito mais filosófico que os demais livros hebraicos.

Enquanto no NT esta sabedoria se apresenta principalmente na


forma de parábolas, muito difundidas por Jesus, no AT ela fica mais
nos chamados provérbios, algo equivalente aos adágios populares nos
dias de hoje. Convém lembrar que, embora os provérbios bíblicos sejam
inspirados e considerados Palavra de Deus, devem ser interpretados
dentro de seu estilo literário. Segundo Gusso (2012, p. 89), eles procuram
descrever as observações da vida, a partir de uma regra geral, sem se
preocupar com suas exceções. Por exemplo: quando o sábio diz “Ensina
o menino no caminho em que deve andar e quando envelhecer não se
desviará dele”, não está prometendo nada, nem encara como se fosse
uma lei. Para o hagiógrafo, é a simples constatação da vida no sentido
de que, se alguém for ensinado desde pequeno, há grande chance de se
manter firme naquilo que lhe foi ensinado.

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Curiosidade

Hagiógrafo é usado como sinônimo de “autor sagrado”, vem da junção


de duas palavras gregas: hagios: santo, puro, separado por/para Deus; e
a palavra grafo: compor, escrever. (GINGRICH; DANKER, 2005, p. 10 e 48)

Em outras palavras, um provérbio tinha como ênfase principal


mostrar a “máxima da vida” (BENTZEN, 1968, p. 186). Já não bastasse
tamanho desafio, os provérbios não eram escritos de qualquer maneira.
Normalmente, há uma declaração, afirmação, constatação, comparação
ou análise, escrita em uma linha; depois, usa-se duas ou três frases
(normalmente são pares) como paralelo à primeira, de forma a explicar,
complementar ou contrastar tal ideia apresentada inicialmente. A esta
junção passou-se a chamar de paralelismo. Desta forma, conseguia-se
ser extremamente conciso no uso das expressões e, ao mesmo tempo,
atingir um alto nível de instrução. (CERESKO, 2004, p. 41s).

Glossário

Há muitos nomes para se referir à menor unidade da poesia hebraica.


Como não existe uma uniformidade entre os livros que abordam a
questão, eis uma breve definição de cada termo:
Linha é a menor unidade do paralelo. É sinônima ao que alguns autores
chamam de cólon ou hemistíquio e aqui será sempre chamada de linha
ou frase.
Verso ou paralelismo é o conjunto de linhas que se relacionam a fim
de expressar melhor uma ideia. É composto por duas a quatro linhas.
Também pode ser chamado de bicólon ou tricólon, dependendo da
quantidade de linhas utilizadas.
Estrofe é quando há dois, ou mais, versos, unidos por meio de algum
tema ou estrutura.
Versículo é a unidade adotada pelas versões bíblicas para dividir um
capítulo. O ideal seria que cada versículo correspondesse apenas a um
verso poético, mas nem sempre isto acontece.

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Por conta de sua própria natureza, a sabedoria não se limitou aos


provérbios. Pelo contrário, foi se utilizando de algumas formas literárias
que pudessem condensar e explicitar os ensinamentos vivenciados.
Uma destas formas é o Mashal (“ser como”) (KIRST, et al, 2007, p. 145).
Mesmo que esta “categoria” possa incluir analogias e alegorias, no Antigo
Testamento ela se apresenta muito mais por meio de uma estrutura
artística parecida com os chamados provérbios de Salomão.

Curiosidade

Quando se diz “provérbios de Salomão” não se limita somente aos


provérbios compostos pelo rei Salomão. Também significa indicar os
provérbios da escola salomônica, surgida nas escolas de escriba do
palácio e do Templo em Jerusalém. (CERESKO, 2004, p. 41s).

Outro excelente exemplo desta envergadura utilizada pelos sábios,


que não se prendiam a uma única forma literária, é o livro de Jó. Ele “é
uma mistura surpreendente de quase todos os tipos de literatura [...]
Muitas peças individuais podem ser isoladas e identificadas como sendo
provérbios, enigmas, hinos, lamentações, maldições, e poesia líricas da
natureza [... e] com retórica quase jurídica.” (ANDERSEN, 2008, p. 31)

Ao que parece, o livro de Jó se enquadraria mais como um tipo


de mashal estendido e com característica dialógica e crítica. Este tipo
característico procura levar o leitor para dentro da história a fim de que ele
veja a si mesmo sob uma nova perspectiva (SOARES-PRABHU, citado por
CERESKO, 2004, p. 48). Em outras palavras, mesmo que não se chegue a
uma conclusão, não há como negar que o livro de Jó possui uma retórica
extraordinária, com o intuito de cativar o ouvinte e conduzi-lo à grande
lição. (ANDERSEN, 2008, p. 25)

Resumidamente, pode-se dizer que o objetivo principal dos sábios


não era adquirir conhecimento, mas procurar viver de forma sábia,
usufruindo o máximo que a vida tem a oferecer. Por isto, a sabedoria
estava tão presente na vida das pessoas, como será visto a seguir.

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1.2 A sabedoria no dia a dia


Mesmo com esta categoria crescendo cada vez mais, na concepção
antiga, a sabedoria não se limitava apenas a um determinado grupo
seleto. Afinal, sábio era todo aquele ou aquela que conseguia, a partir dos
conhecimentos obtidos do passado, ter alguma habilidade no presente.
Como dito anteriormente, a categoria dos escribas, como sinônimos às
dos sábios, surgiu no meio monárquico e, principalmente, para atender
aos nobres e poderosos. Todavia, a sabedoria veterotestamentária é
fruto do próprio povo e, principalmente, não significa que o detentor de
sabedoria consiga ser hábil em todas as áreas da vida.

De certo modo, isto ainda pode ser visto nos dias de hoje. Há
diferentes formas de sabedoria. Por exemplo: no programa de televisão:
“The final table”, o chef espanhol Andoni Luis Aduriz, um renomado
gênio da gastronomia mundial, conta como foi sua entrada neste meio.
Os pais estavam muito preocupados porque ele era um aluno com um
desempenho escolar baixíssimo. Muitos diriam até que era um menino
tolo. Com o avançar da idade, mais os pais se preocupavam: “o que
será desse menino quando crescer?”. Então tiveram uma ideia, talvez
consiga cozinhar. Assim Andoni Luis Aduriz foi matriculado na escola
de culinária e se desenvolveu de tal forma que depois de adulto, por 12
anos, seu restaurante foi considerado o melhor restaurante do mundo.
Quem diria que um jovem, que não possuía muita capacidade acadêmica,
conseguisse apresentar outra forma de mostrar sua maestria. Quando se
fala em genialidade, normalmente se pensa apenas de forma acadêmica
(escolar), mas isto não deve ser assim. Na verdade, nunca foi, embora
só recentemente os meios acadêmicos passaram a reconhecer esta
questão. Somente agora, em 1983, foi que Howard Gardner propôs a
teoria das inteligências múltiplas.

Voltando ao pensamento bíblico, também é interessante diferenciar


inteligência de sabedoria. Normalmente, é considerado inteligente quem
tem muita informação, conhece muita coisa. Mas sábio é a pessoa que
consegue tornar útil essa informação e sabe como utilizar tal conhecimento
adquirido. Por isso, pessoas simples, como os patriarcas, por exemplo,
eram reconhecidas como sábias. Pois nos primórdios do surgimento do

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povo israelita, eles, e mais tarde os anciãos, é que detinham a herança


deixada pelas gerações anteriores e eram os responsáveis por repassá-la
adiante, a fim de serem bem-sucedidos na vida, inclusive com a intenção
de satisfação. (CERESKO, 2004, p. 31).

Glossário

Patriarca é o responsável pela casa, já o ancião é o responsável pela


gerência do clã, também chamado de aldeia, que era composta por
várias famílias.

A necessidade de responder questões básicas da e para a vida


certamente levaram aquelas pessoas a se especializarem nas questões
práticas do bem viver. A Bíblia destaca inclusive a presença de mulheres
sábias e na função de influenciar a própria cidade. Há o exemplo de
Abigail, que impede a retaliação pretendida por Davi a Nabal (I Sm 25.18-
25), e dois textos em segundo Samuel (II Sm 14.1 e 20.16-22), que citam,
respectivamente, a ação de conselheiras nas cidades de Tecoa e Abel.

A presença da sabedoria no dia a dia era tão marcante e significativa


que Kidner (2008, p. 13,14) chega a dizer que ela se propunha a ofertar
uma chave à própria vida, a fim de que seus ouvintes pudessem abrir e
desvendar os mais variados segredos e mistérios. Todavia, não levados
pelo sentimento do egoísmo; pois a ideia não era aprender a viver só
com o intuito de se tirar vantagens de tudo, mas como resposta ou em
submissão ao próprio Deus.

Esta sabedoria que une conhecimento, vivência prática e temor a


Deus é muito profunda e bem visível na vida do jovem José (Cf. Gn 37-48).
Experimentada em toda sua vida, mas com determinação, simplicidade
e dependência divina, consegue superar os desafios que a vida lhe
proporcionou: soube aconselhar o Faraó, administrar as cidades silos,
manter-se em sigilo diante dos irmãos e, acima de tudo, apresentar um
coração compassivo e perdoador, entendendo que Deus é quem estava
no controle de todas as coisas. Conseguiu ser um homem por completo,
um ser exemplar. (RAD, 1974, p. 405s)

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Saiba Mais

Tipologia é “O estudo das correspondências análogas entre verdades


reveladas acerca de pessoas, fatos, instituições e outros elementos
no âmbito do plano histórico da revelação especial de Deus;
correspondências essas que, do ponto de vista retrospectivo, são de
natureza profética e têm sentido intensificado.” (BEALE, 2013, p. 36.)

Para maiores detalhes sobre o uso de tipologia e suas aplicações, ler: a)


FAIRBAIRN, Patrick. The typology of Scripture. New York/London: Funk
& Wagnalls Company, 1900.; b) DAVIDSON, R. M. Typology in Scripture:
a study of hermeneutical typos structures. Berrien Springs: Andrews
University Press 1981, p. 426-490.; c) ZUCK, Roy B. A Interpretação Bíblica:
meios de descobrir as verdades da Bíblia. Tradução de Cesar de F. A.
Bueno Vieira. São Paulo: Vida Nova, 1994, p. 197-224.; d) HABERSHON,
Ada. Manual de tipologia bíblica: como reconhecer e interpretar símbolos,
tipos e alegorias das Escrituras Sagradas. Tradução de Gordon Chown.
São Paulo: Vida Acadêmica, 2003. (MORAES, 2018, p. 68).

Desta forma, os sábios estavam muito mais para um perito ou


técnico, do que um pensador, como normalmente se pensa. Gusso (2012,
p. 20s) destaca algumas “profissões” que para a época eram altamente
vinculadas à sabedoria. Afinal, exigia-se habilidades técnicas ou artísticas
para o exercício dessas profissões. Por exemplo: a) Bezalel, escolhido
por Deus para trabalhar na ornamentação do Tabernáculo (o texto de
Ex 31.1-5 o apresenta como sábio); b) as carpideiras profissionais que
às vezes eram contratadas para prantear nos funerais, Jr 9.17-18 (aos
dias de hoje, jamais se pensaria que alguém com habilidade de chorar
seria sábio); c) os navegadores e construtores de embarcações, tanto
pela movimentação em si, quanto pelas negociações que faziam (Ez
27.8-9); d) os conselheiros (Jr 18.18); e) os intérpretes de sonhos, José foi
reconhecido como o mais sábio da época, ao explicar o sonho do Faraó
(Gn 41.39b); e f) a figura moderna do professor, se bem que na época não
havia este nome, Pv 1.20s e 8.1-3 (o sábio ficava nas portas da cidade
ensinando a quem mostrasse interesse).

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Quando se fala em tecnicidade, pode soar algo frio e mecânico.


Todavia, tais peritos não abordavam o conhecimento como mera entidade
abstrata. Curiosamente, havia certa personificação desta sabedoria,
levando as pessoas a se relacionarem com ela, tal qual o faziam com
seu próximo. Parecia haver um relacionamento quase sentimental e
de verdadeira amizade entre o israelita e a sabedoria. Isto é bem visível
na forma humorada que algumas coisas eram descritas ou, então, por
meio dos enigmas ou dos trocadilhos entre as palavras, destacando
certo deleitar-se desta sabedoria com as palavras e ideias do dia a dia
(CERESKO, 2004, p. 51)

Havia certos provérbios ou ensinamentos que certamente nasceram


no âmbito familiar, como aqueles que se iniciam com a expressão “Ouve!
Filho meu!” (Pv 1.8,10; 3,1,11; 4.1,10; 5,1,20; 6,1,20...). Outros, por seu
caráter admoestativo, muito provavelmente surgiram nos contextos
cúlticos (BENTZEN, 1968, p. 193). Geralmente são aqueles iniciados
com imperativos. Mas, diferentemente do imperativo em português que
está intimamente ligado a uma ordem direta, em hebraico muitas vezes
está mais para conselhos enfáticos, como admoestações muito sérias.
Geralmente são expressões como: “Ouve...” (Pv 8.33; 19.20), “Inclina...” (Pv
22.17), “Não faças...”, “Aplica...” e várias outras encontradas em Pv 23.

Como o objetivo principal da sabedoria era o bem viver, também há


muita menção ou referência a ela nas orações do povo. Algumas delas se
perpetuaram por estarem presentes nos Salmos, a coletânea das preces
cantadas de Israel. Isto talvez porque o israelita veterotestamentário tinha
esta compreensão de levar as coisas do seu dia a dia, apresentando-as
a Seu Deus. Um fato bem curioso é que embora eles aceitassem muito
mais a Transcendência divina do que sua Imanência, eles conseguiam
ter uma sinceridade muito maior ao aproximar-se de Seu Deus, dos que o
cristão nos dias de hoje. Este entende muito da Imanência divina e passa
a ter uma falsa religiosidade para com Deus. Além de chamar Deus de “o
cara lá de cima”, não consegue ser verdadeiramente franco com o Eterno
em suas orações.

20
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Glossário

Transcendência diz respeito à Santidade e, consequentemente,


separação de Deus com relação à Sua criação e à própria raça humana.
Já a Imanência divina diz respeito à “presença e atividade de Deus na
criação e na história da humanidade.” (ERICKSON, 1995, p. 86, 165)

Outros livros que registram esta sabedoria prática e vivenciada no dia


a dia são os chamados sapienciais: Jó, Provérbios e Eclesiastes. O primeiro
retrata a vida de um homem justo que passa por terríveis dificuldades e
que mesmo assim não desiste de sua crença e sua vida espiritual. Busca
sim, tentar entender o que se passa com ele e com o mundo teológico,
conhecido até então. O livro de Provérbios é praticamente uma coletânea
de ditos do dia a dia, como se fosse os ditados populares tão presentes nos
dias de hoje. Já o livro de Eclesiastes é uma reflexão mais contemplativa
sobre a razão de se viver neste mundo. Assim como o livro de Jó, não se
preocupam apenas em narrar uma determinada história, mas em chamar
a atenção para a grande lição que se pode retirar dela.

Afinal, ao se falar da cultura hebraica que permeia o texto sagrado, é


preciso lembrar que eles se percebiam de forma integral. Segundo Severa
(2014; p. 145), “as Escrituras normalmente se referem ao ser humano
como uma unidade. Ele não é um corpo que tem espírito ou alma, nem
um espírito que tem corpo. O homem é uma “unidade psicofísica.”.

Este homem, um ser integral, na luta pela própria sobrevivência,


suas experiências eram refletidas, forjadas e transformadas em modelo.
Geralmente, tais conhecimentos acabavam por virar lei (procurando
direcionar à boa ordem das ações em comunidade) ou então em dicas
úteis para as próximas gerações não passarem pelos mesmos problemas
que a anterior. Neste processo de aproveitamento das habilidades
(a partir dos conhecimentos) adquiridas pela geração anterior, foi-se
separando, burilando e ratificando aquilo que dava certo, das coisas que
não funcionaram. (CERESKO, 2004, p.14).

21
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Por isso, assim como o hebreu possuía uma visão integral de si,
também possuía uma visão integral de sua vida. Consequentemente,
não dividia em dimensões (profissional ou pessoal, muito menos em
sagrado e profano, por exemplo). Desta forma, as leis entregues no Sinai
tratavam tanto de adoração a Deus, quanto de alimentação (Lv 11 e 17),
de higiene e saúde (Lv 12-15), de cuidados com relação à sexualidade (Lv
18) de relacionamentos profissionais ou sociais (Lv 19) e outros aspectos.
Como dito anteriormente, todo o viver humano deveria corresponder aos
desígnios divinos.

Com este conceito em vista, fica mais fácil entender os livros de


Provérbios e Eclesiastes, textos extremamente práticos e que muitas
vezes tratam de coisas simples e do dia a dia do convívio humano. Além
disso, é preciso lembrar que para Israel e os demais povos antigos “a
sabedoria é um discernimento crítico, uma capacidade de perceber
profundamente a realidade e as situações, que levam a pessoa a orientar
a sua vida” (STORNIOLO, 2008, p. 7). Curiosamente, esta sabedoria não
era dita de qualquer forma. Muitas delas eram pronunciadas e, mais tarde,
preservadas, em estruturas muito bem elaboradas.

Prática

Agora, um pequeno parêntesis. Será que os líderes cristãos não


deveriam voltar e buscar desenvolver essa concepção de integralidade
em seus adeptos? Enfatizar que a vida de um crente não possui várias
dimensões e que se deve adorar a Deus na totalidade da vida e dos
relacionamentos?

22
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1.3 Introdução e análise do livro de Jó


Não há como negar certa complexidade relacionada ao livro de
Jó. Certamente muitos conhecem sua história ou, no mínimo, citam seu
nome, ao se referirem à “paciência de Jó”. Todavia deve se encontrar na
listagem dos livros bíblicos menos lidos em sua inteireza e menos pregado
nos púlpitos. Segundo Gusso (2012, p. 29), a razão disto é uma mistura de
má incompreensão de seu estilo poético, mais o fato de sua parte interior
ser um debate quase interminável entre Jó e seus amigos. Para melhor
entender este livro, abaixo serão trabalhadas algumas questões gerais
da obra, os principais problemas relacionados com as críticas e alguns
apontamentos de cunho exegético, a fim de se entender melhor o que o
hagiógrafo quis passar.

1.3.1 Questões gerais sobre o personagem Jó


O personagem principal é o que dá nome à obra: Jó, um homem
da terra de Uz (Jó 1.1). Fora de seu livro, ele é citado apenas em Ez 14.14
(como exemplo de justiça e de alguém que intercede pelos filhos) e Tiago
5.11 (como exemplo de perseverança, ou paciência conforme a versão
utilizada). Se você já leu o livro todo deve estar pensando: “Jó? Paciente?
Quando?”. A palavra que Tiago usa para se referir a ele é hypomonen, que
pode ser traduzida por paciência, mas tem em seu escopo o significado
de “perseverança, firmeza e fortaleza” (GINGRICH; DANKER, 2005, p. 214).
Paciência aqui não é sinônimo de serenidade ou impassibilidade. Tem
antes o sentido de expectativa pelo que está acontecendo. Neste caso,
Jó foi muito paciente, pois aguardou o tempo todo por um encontro com
Deus. Todavia, não se pode esquecer, ainda, que antes de ele questionar
os amigos e a própria teologia da época, ele, juntamente com seus
amigos, ficou sentado “na terra sete dias e sete noites” (Jó 2.13). Mesmo
ao considerar-se sete como um número simbólico, ele representa um
período perfeito de quietude e tranquilidade. Assim, não se pode excluir
totalmente o lado manso e longânime presente na palavra paciente e,
talvez por isto, que tal personagem acabou ficando com esta fama.

23
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Sobre sua origem, não há muita certeza entre os pesquisadores,


pois além da menção no próprio livro em estudo, Uz só é citada em Lm
4.21. Para a maioria dos autores, a única certeza é que ela não estava
localizada no território de Israel; principalmente ao se observar os nomes
de seus amigos, pois eram todos de nome estrangeiro. Embora haja muita
insegurança, segundo Davis (1996, p. 609) ela “devia estar no deserto da
Síria entre a latitude de Damasco e de Edom”. Ele alega isto, em especial
pela citação feita pelo autor de Lamentações e outra citação feita por
Flávio Josefo, historiador judeu do primeiro século.
Quanto ao status social deste personagem, o próprio livro o descreve
como um grande patriarca, “o maior de todos os do Oriente” (Jó 1.3) e, a
partir da forma de se descrever o tamanho de sua riqueza (contando o
número de animais), mencionada neste mesmo versículo, pode-se dizer
que era de uma época bem antiga, talvez até antes do período patriarcal.
Segundo Coelho Filho e Giordano (2011, p. 29), a longevidade de Jó (viveu
mais 140 anos após a tragédia, o que o levaria a chegar perto dos 200
anos de vida) era mais ou menos a mesma quantidade em relação a
personagens como Abraão (175), Isaque (180) e Jacó (147).
Sobre seu nome, não dá para saber se já era o mesmo antes de
passar por todo aquele sofrimento ou se o recebeu depois. Segundo
Gusso (2012, p. 30), se o considerar como oriundo da raiz de uma
palavra árabe, pode ser traduzido por “voltar” ou “arrepender-se”; e se
for analisado dentro da etimologia do povo hebreu, pode ser entendido
como “o perseguido” ou “objeto de inimizade”. Embora não se possa
dizer exatamente qual sua origem, ambos significados possuem uma
ligação bastante forte com a própria história descrita.

Curiosidade

Na cultura hebraica, o nome era dado de acordo com a personalidade


ou alguma característica marcante na vida do indivíduo. Por conta
disso, normalmente as crianças eram nominadas a partir dos sete
anos e, dependendo de alguma mudança radical na vida do indivíduo,
passavam a adotar um novo nome, um que pudesse testemunhar a nova
experiência vivida. Por isto, Sarai passou a ser Sara (Gn 17.15), Abrão se
tornou Abraão (Gn 17.4s), Jacó virou Israel (Gn 32.27s) e Oseias passou
a ser chamado de Josué (Nm 13.16), dentre outros.

24
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Este bravo e destemido sofredor, além de perder toda sua fortuna e


seus filhos, na terceira fase de sua tragédia é acometido de uma terrível
doença. A Bíblia não fala que doença era, muito provavelmente por não
ser conhecida em sua época. A tradição tem mantido a possibilidade de
ter sido lepra ou elefantíase (ANDERSEN, 2008, p. 88), mas segundo a
opinião de um médico, mencionado por Gusso (2012, 30s), seria mais
provável ser algum tipo de câncer de pele com infecção. Mesmo que
não se chegue a uma conclusão sobre o nome da enfermidade em si, o
texto bíblico é bem rico em descrevê-la: em Jó 2.5,7, menciona-se que
afetava o corpo todo (carne e ossos, dos pés à cabeça); 3.12 diz que Jó
ficou irreconhecível; 7.4s fala de insônia, feridas e parasitose na pele;
7.14 destaca pesadelos; 16.16 descreve que ele chorava de dor; 19.17
fala de mau hálito; 19.20 relata emagrecimento; e, ainda, no capítulo
30.16,17,27 é descrito o que seria considerado angústia ou depressão.
Enfim, embora não se saiba o seu nome, seus sintomas eram reais
e bastante drásticos e perturbadores. Certamente levariam muitas
pessoas ao delírio, à blasfêmia ou talvez até ao suicídio.

Num mundo onde a tecnologia e as novas filosofias de vida que têm


surgido ditam as regras de como se deve viver, a atitude de Jó como pai
serve de um bom exemplo a ser resgatado. O capítulo 1 o descreve como
alguém íntegro e reto (v. 1), que se desviava do mal (v. 1), que tinha uma
família unida e vivia sempre em comunhão (v. 4), era um pai preocupado
e cuidadoso com a espiritualidade de seus filhos (v. 5), e ao final do livro
ainda o mostra como alguém justo e além de sua sociedade, pois deu
herança às suas três filhas, juntamente com seus irmãos (42.15). Sem
dúvida, ótimas qualidades para serem seguidas nos dias de hoje.

1.3.2 Principais problemas relacionados com as


críticas ao livro
Descobrir a data de um livro, muitas vezes, provê subsídios para
melhor entendê-lo, entretanto isto nem sempre é possível. Infelizmente
esta é a realidade do livro de Jó. Só para se ter uma pequena ideia do
tamanho da problemática, há defesa de datas desde Abraão (cerca de
2000 a.C) até o período grego (por volta de 200 a.C.). A maioria dos eruditos

25
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modernos tem defendido uma data entre 600 e 400 a.C. Porém, segundo
Andersen (2008, p. 42,60), a partir de descobertas mais recentes, pode-se
dizer com certa segurança que a data de sua escrita precisa ser antes do
séc. VII a.C., pois dificilmente um judeu pós-exílico teria sido tão simplista
na explicação sobre a reunião celestial, narrada nos capítulos iniciais.

Talvez a única certeza quanto a questão de data é que o livro


todo é um tanto antigo, pois não há menção alguma a qualquer crença
na vida após morte. Outra clareza é que se pode dizer que seu prólogo
(1.1-3.2) e epílogo (42.7-17) escritos em prosa são bem mais recentes do
que o diálogo (3.3-42.6) em forma de poesia que compreende quase sua
totalidade. Isto porque, além do conflito causado pelos diferentes estilos
literários, a compreensão teológica destas duas partes é bem diferente.
Só como exemplo, na primeira parte, claramente faz-se distinção entre
Deus e satan (transliteração da palavra hebraica, normalmente traduzida
por Satanás, mas que também pode significar um inimigo, acusador ou
adversário). Ou seja, na primeira parte o hagiógrafo é enfático em declarar
que Deus não é o autor de nenhuma das desgraças sobrevindas a Jó. Na
parte poética, satan sequer é citado, e por várias vezes tanto o protagonista
quanto seus amigos atribuíram a Deus a origem de toda tragédia.

Voltando a falar sobre a estrutura do livro, muitos estudiosos


acreditam que os capítulos 3-31 formam a sua base. A partir destes
capítulos, que retratam os três ciclos de diálogo entre Jó e seus amigos, o
restante do livro teria sido acrescentado ao longo dos tempos, até chegar
à formatação final. Há ainda alguns que defendem que o capítulo 28
também teria sido um acréscimo posterior.

Estas possíveis dificuldades não devem servir de argumento contra


a inspiração de tal obra. Afinal, é muito provável que a parte em prosa
é uma obra elaborada tempos depois da parte poética. Neste caso,
existiriam dois autores inspirados por Deus. Se uma das teorias de que
a parte poética também foi escrita por mais de um autor, assim, não se
teria um ou dois autores sagrados, mas um editor inspirado pelo Espírito
de Deus a fim de compilar as informações necessárias para compor este
livro, que mais tarde se tornaria canônico.

26
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Observando os discursos apresentados ao longo do livro, pode-se


vislumbrar outra estrutura, também tripartite, que atesta unidade literária
da obra. Obviamente não pode atestar a hipótese de autoria única, mas
sem dúvida serve de comprovação de que Deus estava no processo de
inspiração. Pois, segundo Andersen (2008, p. 18), tal apresentação final
é deveras “importante como uma marca da integridade artística do
tratamento”. Eis tal proposta:

1.1-2.13: Duas “entrevistas” de Deus com satan

3-37: Os discursos de Jó e seus quatro amigos

38-41: Duas “entrevistas” de Deus com Jó

Outra forma de se observar a estrutura do livro é, como já mencionado


anteriormente, a partir das diferenças literárias. Eis a proposta tradicional,
dividida em três partes:

1-2: Prólogo em prosa

3-42.6: Vários discursos em poesia

42.7-17: Epílogo em prosa

A parte central, capítulos 3 a 42.6, escrita em forma poética, ainda


pode ser assim dividida:

Cap. 3: Jó lamenta sua miséria

Cap. 4-14: Primeira rodada de diálogo (três amigos e Jó):

4-5: Primeira fala de Elifaz a Jó (Justiça divina e busca por Deus)

6-7: Primeira resposta de Jó a Elifaz

8: Primeira fala de Bildade a Jó

9-10: Primeira resposta de Jó a Bildade

11: Primeira fala de Zofar para Jó

12-14: Primeira resposta de Jó a Zofar

27
< voltar

Cap. 15-21: Segunda rodada de diálogo (três amigos e Jó):

15: Segunda fala de Elifaz a Jó

16-17: Segunda resposta de Jó a Elifaz

18: Segunda fala de Bildade a Jó

19: Segunda resposta de Jó a Bildade

20: Segunda fala de Zofar para Jó

21: Segunda resposta de Jó a Zofar

Cap. 22-27: Terceira rodada de diálogo (dois amigos e Jó):

22: Terceira fala de Elifaz a Jó

23-24: Terceira resposta de Jó a Elifaz

25: Terceira fala de Bildade a Jó

26-27: Terceira resposta de Jó a Bildade

* A terceira fala de Zofar teria se perdido, ou então há uma pequena


possibilidade de que Jó 27.13-23 teria sido a Terceira fala de Zofar para Jó
e o Cap. 28 a resposta de Jó para Zofar. (ANDERSEN, 2008, p. 52)

Cap. 28: Interlúdio sobre a sabedoria divina

Cap. 29-41: Três rodadas de discursos

Cap. 29-31: Último discurso de Jó

Cap. 32-37: O monólogo de Eliú (o quarto amigo)

Cap. 38-41: A resposta de Deus para Jó

Cap. 42.1-6: Jó se humilha perante Deus

Como você pode ter notado, além do capítulo 28, que tem sido
atribuído como um interlúdio, Zofar, o terceiro amigo de Jó, não fala na
terceira rodada de dialógo e Eliú aparece como interlocutor na rodada de
discursos. Estes detalhes têm levado alguns a considerarem que a base

28
< voltar

para o livro teria sido somente os três ciclos de diálogos iniciais e que tanto
o poema sobre a sabedoria e os três discursos teriam sido acrescentados
mais tarde. É bem pouco provável que o próprio Jó tenha composto
ou proferido o poema sobre a sabedoria, mas os demais, não há tanta
dificuldade assim para se crer numa estrutura inicial que abarque todo
o material poético. Mesmo porque, uma boa objeção a que o discurso
de Elíu teria sido de um período bem tardio, é a sintonia de sua temática,
quando comparada aos demais discursos dos outros amigos.

Outra grande dificuldade é entender de onde veio Eliú. Se era amigo


de Jó, porque só se manifestou agora, ao final? Se ele esteve presente
em todo o processo e também não disse o que era correto, porque Deus
não o corrigiu, como fez com os outros três amigos? Há uma explicação
muito simples, embora pouco difundida entre os teóricos. Como três é
um número simbólico podia ser que Eliú já fizesse parte da equipe de
visitadores desde o início. O caso de ele ter ficado calado é devido ao fato
de ter pouca idade.

Você deve se lembrar quando Jeremias recebeu seu chamado, ele


respondeu para Deus que ainda era um menino (Jr 1.6). É de consenso
geral entre os pesquisadores que esta declaração estaria muito mais
para alguém que não tinha autoridade para falar, do que propriamente
relacionada à tenra idade dele. Ou seja, para uma época na qual os anciãos
eram valorizados e dignos de créditos, por conta de sua experiência de
vida, não era qualquer um que poderia entrar nos círculos de diálogo e
expressar sua opinião. Se Jeremias não tivesse no mínimo trinta anos de
idade, ainda não seria considerado apto para falar.

Voltando ao caso de Eliú. É notório que ele é de uma época bem


mais antiga que Jeremias, mas é bem plausível que tal prática já fosse
utilizada. Pois o texto de Jó 32.4 é bem explícito em dizer que “Eliú havia
esperado para falar a Jó, porque eles eram mais idosos do que ele”. O fato
de Deus o ter ignorado em sua resposta para Jó pode muito bem ter sido
pelo mesmo motivo. Sendo ele jovem, nem deveria ter aberto a boca, por
isto nem merece resposta. Dillard e Longman III (2006, p. 194) coadunam
com esta mesma ideia quando dizem “conforme o comentário perspicaz
de Barr, Deus poderia estar ignorando Eliú, considerando-o insignificante
e, com efeito, colocando o impetuoso jovem no seu devido lugar.”

29
< voltar

Na Antiguidade, Jó não foi o único livro a escrever sobre a temática


do sofrimento do justo. Talvez por isto muitos tentaram achar paralelos
entre tais literaturas. Em outras palavras, não são poucos os que tentam
localizar um “outro Jó” daquele período a fim de se ter uma luz melhor
sobre o seu conteúdo.

Andersen (2008, p. 26ss) destaca várias possibilidades comparativas,


refutando cada uma delas. Por exemplo: a) já o compararam com a
chamada “Teodiceia (ou Eclesiastes) Babilônica”, muito provavelmente
porque procura ser um diálogo sobre a miséria humana. Todavia, é bem
curta, não há uma história, a discussão é mais abstrata e falta os indícios
do monoteísmo israelita; b) outra tentativa foi compará-lo com uma
história egípcia que também possui um prólogo e epílogo em prosa e a
parte central trabalhada de forma poética. Fora esta aparência estilística,
o conteúdo é bem distinto; c) também o compararam com alguns
monólogos da literatura pessimista, também egípcia. Além da estrutura
prosa-poesia-prosa, é um diálogo de um ser humano com sua própria
alma, entretanto mostra um grande apego pela morte, como a melhor
alternativa para os problemas. Diferentemente de Jó que busca o tempo
todo pela vida; d) há ainda um diálogo mesopotâmico pessimista entre
um senhor e seu escravo. Além de não se saber se é um relato sério ou
uma sátira, trabalha o problema do tédio e, principalmente, o escravo não
passa de um mero coadjuvante, não há diálogo real. Estaria mais para um
monólogo interrompido, de vez em quando por um eco.

Pode-se dizer com segurança que não houve nenhum “outro Jó” na
literatura da época. Há muito mais diferenças entre todas as hipóteses
levantadas do que semelhanças significativas. Com certeza, Jó não foi
o primeiro nem o último a trabalhar a temática sobre o sofrimento do
justo. Seu autor até poderia ter conhecimento das obras estrangeiras
sobre assuntos parecidos (se bem que é uma hipótese sem qualquer
chance de comprovação), mas não precisaria se valer de sabedoria
estrangeira para se chegar a tal conclusão. Definitivamente, o livro de Jó
é uma obra ímpar (DILLARD; LONGMAN III, 2006, p. 196). Corroborando
com isto, pode-se dizer que:

30
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Jó fica muito acima de seus concorrentes mais próximos, na


coerência do seu bem fundamentado tratamento do tema da
desgraça humana, no escopo do seu exame dos muitos lados do
problema, na força e na clareza do seu desafiador monoteísmo
moral, na caracterização dos protagonistas, nas alturas de
sua poesia lírica, no seu impacto dramático, e na integridade
intelectual com que enfrenta o “fardo ininteligível” da existência
humana. Em tudo isto Jó fica sozinho. Nada que conhecemos,
antes ou depois dele forneceu um modelo, inclusive suas
numerosas imitações, atingiu as mesmas alturas. A comparação
serve apenas para ressaltar a grandeza única do livro de Jó.
(ANDERSEN, 2008, p. 30).

Quanto ao estilo literário, há quem diga que tal personagem sequer


tenha existido, teria sido mera criação fictícia a fim de transmitir uma
mensagem. Em contrapartida, outros o consideram como personagem
histórico e o livro como um relato histórico e literal. Convém lembrar que
a Bíblia não é um livro de história, no sentido moderno dos fatos. Estaria
muito mais a descrição de uma historiografia de Israel, ou seja, o evento
pode ter acontecido de fato, mas seu relato pode não ser literal aos fatos.
Isto não é mentira nem enganação. Na época, havia outros interesses em
se relatar algum acontecimento. Hoje, quanto maior for a precisão dos
detalhes, mais confiável se torna a fonte. Para a época, muito mais do que
saber sobre os fatos, importava perscrutar que lição se pode retirar deles.
O livro de Jó se enquadra muito bem nesta forma de pensamento.

Saiba Mais

Nestes vários anos que eu tenho trabalhado como professor, a primeira


pergunta que normalmente os alunos fazem é sobre satan. O que ele
está fazendo no céu? Como isto acontece? Por que Deus permite que
ele entre lá? Ou coisas do tipo. Isto, sem dúvida, não estaria na mente
dos primeiros leitores. Os detalhes desta audiência celeste nem seriam
levados em consideração, pois o mais importante foi respondido pelo
texto: o sofrimento não veio diretamente de Deus. O Senhor continua
no controle de todas as coisas, mas não é o responsável direto pela
calamidade.

31
< voltar

Outro indício para não se descartar a possibilidade de um Jó


histórico, segundo Dillard e Longman III (2008, p. 197), é a forma como ele
é iniciado. Jó é bem semelhante a Juízes 17 e I Samuel 1.1, nitidamente
trechos que procuram evidenciar fatos reais. Assim, não há como negar
a intenção do hagiógrafo em declarar sua existência histórica. Todavia,
além dos aspectos destacados anteriormente, todos os diálogos dos
capítulos 3-41 são descritos de forma poética. Ninguém, por mais hábil
que seja, conversa falando poesia. Por isto, a melhor descrição é ficar na
definição de uma ficção histórica.

Vale lembrar que a narrativa não existe só para descrever como


Jó superou sua crise. Ela está muito mais interessada numa aplicação
histórica, na vida daqueles que a lerem. Por isto, outros autores a
considerariam como uma Teodiceia ou Crônica. Infelizmente, nos dias
atuais não existe uma nomenclatura que consiga definir ou classificar o
livro de Jó como ele realmente mereça. Porém, o mais importante é lembrar
de sua percepção de um personagem histórico, com um problema real,
sob uma abordagem de interesse universal, com um interesse relacional, e
com intuito de enaltecer a sabedoria e soberania divina. Se estes aspectos
forem respeitados, é possível dar o nome que for à obra em si, que sua
essência será mantida.

Antes de partir para o próximo tópico, em que serão trabalhadas


algumas questões peculiares quanto ao texto bíblico em si, é preciso
lembrar que, embora Deus não tenha respondido diretamente à pergunta
“por que o justo sofre?”, o livro mostra uma lição valiosíssima ainda
necessária para os dias de hoje: a) o pecado pode sim causar e trazer
sofrimento, mas isto não é regra. O livro mostra todo o sofrimento de
Jó − sofrimento que não está nem um pouco ligado a algum pecado
específico − (DILLARD; LONGMAN III, 2008, p. 199); b) as tragédias não são
sinônimo da injustiça divina. As aparências externas não são referenciais
verdadeiros acerca da realidade. Por exemplo, a riqueza de um ímpio não
é sinônimo de felicidade, sequer de algum descuido divino, bem como a
alegria interior de um justo não pode ser determinada ou abafada pelas
mazelas experimentadas na vida. (ANDERSEN, 2008, p. 65s)

32
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Duas outras lições apreendidas da leitura de Jó, e muito importantes


para os dias de hoje, são: a) ter parte da verdade não dá direito ao ser
humano de se alvorar dono da razão, juiz e muito menos incompassivo
ou sem misericórdia para com seu próximo (como foi Zofar); b) ainda hoje
é difícil entender, mas Deus é glorificado mesmo num momento trágico.
Convém lembrar a dúvida dos discípulos: “Quem pecou? Este ou seus
pais, para que nascesse cego?” (Jo 9.2), e a resposta de Jesus: “nem ele
pecou, nem seus pais; mas foi para que nele se manifestem as obras de
Deus” (Jo 9.3). Paulo também segue nesta mesma linha ao declarar que
“Deus faz com que todas as coisas cooperem para o bem daqueles que
amam a Deus”. (Rm 8.28)

1.3.3 Destaques exegéticos e teológicos


Como já fora dito, Jó é uma história fascinante, escrita de uma
forma belissimamente poética e extremamente atual. Todavia, ele é
pouquíssimo lido e pregado nas igrejas, na atualidade. Talvez por conta
da dificuldade de se compreender seu conteúdo e, principalmente, por
conta de sua retórica dialógica muito bem elaborada. Mas, seja qual for a
situação, serão analisadas algumas partes de seus textos na tentativa de
amenizar este estado.

1.3.3.1 A presença de satan no céu


O trecho inicial, que retrata os dois diálogos entre Deus e satan,
não pode ser interpretado como um acontecimento literal. Observe
algumas razões:

a) A palavra satan pode indicar apenas um adversário. Embora o


período do escritor desta parte já fosse superior, abarcando o entendimento
que o mal não provém de Deus, pode ser que ele ainda não tivesse bem
definido que de fato existe um ser maligno com símbolo da maldade e mais
tarde denominado Satanás. É possível que o autor só estivesse preocupado
em destacar que, independentemente de quem realmente seja satan, além
de Deus, existe um adversário, este é causador do mal e, além isso, é um
personagem secundário e que está debaixo da soberania divina.

33
< voltar

b) Para seguir a interpretação de que a palavra satan seria uma


referência direta ao chefe dos demônios, esta história teria que ser escrita
no período de pós-exílio. Porém, os detalhes relatados nela não condizem
com a teologia da época. Em especial, se levar em consideração o que
Andersen (2008, p. 42) diz sobre a perspectiva transcendental que os
israelitas tinham acerca de Deus. Deus estaria quase que inacessível.
Mesmo que a teologia tenha avançado quanto a questões celestiais,
em especial trabalhando a existência de anjos e demônios, jamais se
imaginaria um dos representantes malignos entrando na presença divina,
como indica a narrativa. Faria muito mais sentido a história ser baseada
no dia a dia da corte de um grande suserano, que de tempos em tempos
reunia seus serviçais para ter ciência do que estava acontecendo no
reinado como um todo.

c) Outra fator bem determinante, que vai contra a possibilidade


de um evento real, é a sua incoerência teológica, caso se imagine uma
narrativa literal: nas duas provocações que Deus faz a satan (Jó 1.7 e
2.2) o autor sagrado registra a seguinte pergunta feita por Deus: “Donde
vens?”. Diante da alta ênfase na soberania divina, nem em sonhos, o autor
questionaria sua onisciência. Por isto, este tipo de declaração serve como
prova de que a passagem não deve ser considerada literalmente em todos
os seus detalhes. (GUSSO, 2012, p. 36)

d) Por fim, a estrutura dos dois diálogos é quase idêntica. Se de fato


fossem dois encontros reais e distintos, não seria lógico as conversas
serem praticamente as mesmas. Observe o quadro abaixo e compare
verso a verso para perceber suas similaridades e pequenas distinções:

34
< voltar

QUADRO 01 – Comparação entre os dois diálogos de Deus com satan


Primeiro diálogo entre Deus e satan Segundo diálogo entre Deus e satan
Jó 1.6-12 Jó 2.1-7
6Certo dia, os filhos de Deus vieram 1Outro dia, em que os filhos de Deus vieram
apresentar-se diante do SENHOR, e Satanás apresentar-se perante o SENHOR, Satanás
também veio com eles. também veio com eles para igualmente se
apresentar perante o SENHOR.

7OSENHOR perguntou a Satanás: De onde 2Então o SENHOR perguntou a Satanás: De


vens? onde vens?

Satanás respondeu ao SENHOR: De rodear a Satanás respondeu ao SENHOR: De rodear a


terra e de passear por ela. terra e de passear por ela.

8O SENHOR disse a Satanás: Observaste 3OSENHOR disse a Satanás: Observaste


o meu servo Jó? Na terra não há ninguém o meu servo Jó? Não há ninguém na terra
como ele. É um homem íntegro e correto, como ele. É um homem íntegro e correto, que
que teme a Deus e se desvia do mal. teme a Deus e se desvia do mal.
3bEle ainda se mantém íntegro, embora
tu me houvesses incitado contra ele, para
destruí-lo sem motivo.
4Então Satanás respondeu ao SENHOR: Pele
por pele! Tudo quanto um homem tem ele
dará por sua vida.

9Então Satanás respondeu ao SENHOR:


Será que Jó teme a Deus sem intenções?

10Por acaso tu não o tens protegido de


todos os modos, a ele, sua família e tudo
que ele tem? Tu tens abençoado a obra de
suas mãos, e os seus bens se multiplicam
sobre a terra.

11Mas estende a mão agora e toca em tudo 5Estende a mão agora e toca-lhe nos ossos
que ele tem, e ele blasfemará contra ti na tua e na carne, e ele blasfemará contra ti na tua
face! face!

12Então o SENHOR respondeu a Satanás: 6”Então o SENHOR disse a Satanás: Ele está
Tudo o que ele tem está sob teu poder, sob teu poder; somente lhe poupa a vida.”
apenas não estendas a tua mão contra ele.

7Satanás saiu da presença do SENHOR e


12bE Satanás saiu da presença do SENHOR. feriu Jó com feridas malignas, da sola dos
pés até o alto da cabeça.

FONTE: Própria. Elaborado a partir da diagramação do texto bíblico.

35
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1.3.3.2 A estultícia de sua mulher


Tradicionalmente tem-se traduzido Jó 2.9s da seguinte forma:
“Então sua mulher lhe disse: ainda reténs a sua integridade? Blasfema
a Deus e morre. Mas, a palavra traduzida por “blasfema”, literalmente
quer dizer “abençoa”. O paradoxo criado entre a literalidade e a tradução
escolhida por praticamente todas as versões bíblicas tem levantado
algumas questões.

Tem-se seguido a linha de raciocínio de que a mulher, diferentemente


de seu marido, teria perdido a fé e a compostura. Por isto, teria sido
irônica e, portanto, blasfemado contra Deus. Têm surgido algumas
teorias, ultimamente, no sentido de defendê-la. Chamam-na de sábia e
até de verdadeira adoradora. Pois, ao traduzir literalmente suas palavras
como “abençoa a teu Deus e morre”, ela estaria seguindo a mesma linha
de raciocínio de seu esposo, quando disse “O Senhor deu, o Senhor tirou;
bendito seja o nome do Senhor” (Jó 1.21). Além da interpretação literal, três
outros aspectos são elencados como favoráveis a esta linha de raciocínio:
a) o machismo não permitiu que se traduzisse a palavra de forma literal; b)
Quando Deus repreende os amigos de Jó por conta de seus erros, não fala
nada contra as palavras desta mulher; e c) o fato de ela continuar viva e
ser abençoada juntamente com Jó, ao final da história. Mas, seguir nesta
linha de raciocínio é desrespeitar e não entender o texto.

O fato de ela ser mantida viva não significa que teria sido sábia. O
enfoque da trama toda era mostrar a integridade de Jó. Ela entra apenas
como coadjuvante na história. Além disso, se ela tivesse morrido, poderia
passar a ideia de que ele havia escolhido a esposa errada, por isto é que lhe
sobreveio toda aquela desgraça. O fato de Deus não ter dado resposta a
ela, quando repreende os amigos de Jó é que, como já foi dito, são relatos
distintos. Não ocorreram na mesma época e, principalmente, no momento
em que ela disse, já tinha sido corrigida. Jó é enfático em responder a ela:
“Como fala qualquer doida, assim falas tu; receberemos de Deus o bem, e
não receberemos o mal?” (2.10b), o autor sagrado ainda conclui: “Em tudo
isto, não pecou Jó com os seus lábios.” (2.10c). Se as palavras dela teriam
sido oriundas de uma verdadeira adoradora ou como resultado de uma
sabedoria de alto nível, não teria sido repreendida.

36
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O próprio contexto depõe contra este uso literal. Ela inicia sua fala
dizendo: “Ainda reténs tua integridade?” (2.9). É uma pergunta retórica. O
sentido da pergunta dela seria o equivalente a dizer: ‘diante de tudo o que
você está sofrendo ainda vai permanecer fiel? Não vale a pena.’”

Por fim, não foi o machismo que levou os tradutores a optarem por
traduzir barech ’elohym de forma não literal: “amaldiçoa a Deus” em vez
de “abençoa a Deus”. A ironia é muito comum na cultura hebraica. Desta
forma, pode ser que, realmente, a mulher tenha dito “abençoa a Deus”,
mas de forma irônica. Outra possibilidade é a mulher ter dito realmente
qalel ’elohym (amaldiçoa a Deus), mas o autor sagrado seria incapaz de
registrar uma palavra tão forte contra Deus, e por isso teria usado um
eufemismo barech ’elohym (abençoa a Deus), usando-o com ar irônico.

1.3.3.3 Jó e seus amigos


O sofrimento de Jó. Além da perda material e de todos os seus
filhos, Jó foi acometido de uma terrível enfermidade. Porém, havia outro
sofrimento pelo qual ele passou, mas que não fora explicitado no texto
bíblico. Jó também estaria sofrendo em sua crise teológica. Seus conceitos
teóricos acerca de Deus estavam todos desmoronando (GUSSO, 2012, p.
39). Certamente, tudo aquilo que seus amigos tentaram lhe ensinar, ele já
sabia. Mas sua experiência não estava condizendo com sua crença. Pior,
ele ainda estava se sentindo abandonado pelo próprio Deus.

Os amigos de Jó. A partir da declaração em 2.11: “Ouvindo, pois, três


amigos de Jó todo esse mal que havia sucedido , vieram cada um do seu
lugar: Elifaz, o temanita, Bildade o suíta e Zofar o naamatita; pois tinham
combinado para virem condoer-se dele e consolá-lo.” Automaticamente,
exclui-se a possibilidade de qualquer outro personagem entre eles. Mas,
como já foi mencionado, é bem provável que Eliú já estivesse desde o
início, e só não foi contado por conta de sua idade ser menor do que
os três descritos. Convém ressaltar um detalhe bastante interessante:
normalmente só se fala mal dos amigos de Jó. Mas esta atitude inicial
demonstrada por eles de: condoer-se com a tragédia alheia, prontificar-se
a consolar e, principalmente, ficar sete dias calado ao lado do moribundo
(2.13) é louvável e digna de imitação.

37
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O discurso dos Amigos de Jó. Na primeira rodada, as acusações


são bem polidas e sucintas. O diálogo entre Elifaz e Jó gira em torno
da problemática do sofrimento versus a santidade. A acusação, parte
da premissa “ele está sofrendo porque pecou” enquanto Jó se defende.
Para Bildade, a ênfase era destacar a justiça divina, no sentido de “se
está sofrendo, aceite porque Deus é justo’’ enquanto Zofar apela para a
sabedoria. Parece estar convicto de que sua experiência e razão são mais
do que suficientes para declarar a culpabilidade de Jó.

Como Jó se defende de todas as acusações, a nova rodada passa a


ser mais severa. Todos os três amigos não medem palavras para chamar
sua atenção para que ele não seja presunçoso. Na terceira rodada, com
discursos bem menores, Elifaz acusa Jó de vários pecados, Bildade
continua na temática da presunção e Zofar (se o trecho de Jó 27.7-23 for
dele), insiste na retribuição ferrenha de Deus contra os ímpios. Convém
ressaltar que, embora houvesse alguma coisa de verdade na teologia
dos três amigos, deveriam ter permanecido no propósito original, que era
condoer-se e consolar seu amigo aflito. A necessidade de se dizer alguma
verdade ao próximo, não exime ninguém de ter que usar de misericórdia e
de ter um coração compassivo.

1.3.3.4 Outras questões importantes


Os filhos de Deus (Jó 1.6 e 2.1). Transliterando do hebraico seria:
beney ha’elohym. Tradicionalmente traduzida por os filhos de Deus, mas
também podendo ser traduzida como “os filhos dos poderosos”. Mas aqui
é uma referência à classe angelical. Sem necessariamente fazer distinção
entre anjos bons e maus (mais tarde chamados de demônios).

O princípio da lei da retribuição, mais conhecida como “lei do talião”.


É bíblico e notório que “tudo o que o homem semear, isso também ceifará”
(Gl 6.7). Todavia, não significa que todo o sofrimento será castigado
nesta vida e que toda recompensa virá nesta era. Deve-se cuidar com
os extremos. Pensar que todo castigo e bênçãos só ocorreriam aqui
era errado, mas acreditar que só se pode obter justiça no céu, também
não é coerente com o ensino bíblico como um todo. Outro erro comum
daqueles personagens foi tornar tal ensinamento em algo mecânico, frio
e categórico para tudo e todos.

38
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Jó acreditava na ressurreição dos mortos, como os cristãos? Diante


do que ele disse: “Pois eu sei que o meu redentor vive, e que por fim se
levantará sobre a terra.” (19.25) para a teologia cristã é muito fácil achar
que esta declaração está diretamente relacionada a Cristo. Talvez, poderia
até dizer que seria uma previsão de sua ressurreição. Mas, é preciso
respeitar o momento teológico em que Jó estava vivendo. O que ele quis
dizer foi simplesmente: “Deus logo enviará alguém para me restaurar”.

O reconhecimento de Jó (42.1-6). Como é precioso saber que


não é preciso usar palavras bonitas nem muito falatório para se acertar
com Deus. Enquanto Jó tentava se justificar perante seus amigos, sua
fala deu quase cem versículos. Aqui, em resposta à fala divina, Jó usa
pouquíssimas palavras (couberam em apenas seis versos). Isto porque
não importa a quantidade do que é falado, mas a qualidade: ele reconhece
a grandeza de Deus, declara quão marcante foi tal experiência e declara
quão arrependido está. E Deus o atende.

A oração de Jó pelos amigos (42.10). É impressionante, ainda


hoje, poder observar que mesmo em sofrimento, o justo pode orar e ser
atendido pelo Senhor. Deus não esperou Jó se restabelecer para então
pedir que ele intercedesse pelos amigos. Não. Antes mesmo de Deus
restaurar qualquer coisa na vida de Jó, este já estava em condições de se
aproximar do Senhor porque seu coração já havia sido restaurado.

A restituição da riqueza de Jó. Pela vida de contentamento já


apresentada no início, e o crescimento que Jó obteve, certamente ele não
precisaria ter toda sua riqueza devolvida. Mas, para as pessoas de sua
época que ainda acreditavam que o justo só sofre se estiver em pecado,
o soerguimento e restabelecimento das bênçãos era muito importante.

39
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Síntese do Capítulo
Neste capítulo, você viu sobre a questão da sabedoria em Israel e
nos seus arredores no período bíblico do Antigo Testamento. Aprendeu
como para o israelita a sabedoria se tratava de uma realidade prática,
destinada a ser usada na vida cotidiana. Sábio era quem sabia como viver
bem, de forma a ter uma vida satisfatória e segura. Muito mais que um
pensador, no relato bíblico, o sábio é considerado quem faz com primor
o seu trabalho, não estando necessariamente associado à escrita ou ao
registro de informações. Foi no período da monarquia, inicialmente com
a ideia de apenas auxiliar os monarcas, que se começou a ligar sabedoria
à escrita e, concomitantemente, ao escriba em si. Quanto ao livro de Jó,
você viu sobre a origem do livro, que não é uma mera história, mas uma
narrativa com o propósito de se destacar uma grande verdade. Aprendeu
que ele não pode ser lido de forma literal e que satan só pode agir dentro
dos limites preestabelecidos por Deus.

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2. A Praticidade da Vida em
Provérbios e Eclesiastes
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2. A Praticidade da Vida em Provérbios e


Eclesiastes
No capítulo anterior, você viu que a sabedoria dos hebreus era muito
prática e pericial. Por conta disso, muitos ainda hoje acreditam que os
discursos sapienciais do livro de Provérbios e a profunda reflexão em
Eclesiastes teria vindo de seus vizinhos. Mas, neste capítulo, você verá que
é possível conciliar uma sabedoria do bem viver com algumas reflexões
de como melhorá-la ou como aplicá-la de forma a se tornar ainda mais
eficiente na vida. Para isto, você aprenderá sobre as questões poéticas que
permeavam o ensino e auxiliavam na fixação da mensagem. Aprenderá o
que é um paralelismo e suas partes. Conhecerá os quatro principais tipos
de paralelismo utilizados mais frequentemente na literatura de sabedoria.
E, por fim, terá um panorama acerca dos livros de Provérbios e Eclesiastes.

2.1 A sabedoria prática em versos


Talvez você esteja pensando: “no capítulo anterior se falou tanto em
poesia, e ainda, que Jó é de uma poesia magnífica, mas não achei nenhum
versículo com rima de palavras, que pudesse indicar uma poesia.”. Se este
é seu pensamento, você está coberto de razão. Diferentemente da poesia
moderna, no AT há pouquíssima rima de palavras, quase nada. Tanto que,
por muito tempo, não se considerou a possibilidade de que existisse poesia
em hebraico. Nos meios acadêmicos, este assunto é bem novo, menos de
trezentos anos e ainda não se sabe tudo sobre a poesia bíblica. Sim, já são
dois séculos e meio de pesquisa e ainda há autores que não concordam
que dever-se-ia usar o termo poesia hebraica. Por exemplo, para Alter
(1998, p. 6), até existe poesia, afinal os salmos são canções e toda canção
tem sua métrica poética, mas não deve passar disto, apenas canções, algo
mais incipiente. Eles ainda estavam começando neste campo literário.
Kugel (1981, p. 69) é ainda mais radical. Para ele não existe poesia de
forma alguma porque o que define um poema é sua métrica e em hebraico
isto não existe. O que há é apenas um paralelo de ideias.

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Todavia, neste uso de paralelos hebraico, em que uma ideia é


esboçada numa primeira linha e volta a ser retrabalhada na linha seguinte
com outras palavras, acaba tendo, sim, um determinado ritmo, que
poderia ser identificado como uma métrica poética. Tanto que, segundo
Berlin (2004, p. 308), o conteúdo destas frases paralelas, como palavras,
ideias e, até mesmo, acentos, são bem regulares, podendo claramente
servir como representantes dos aspectos métricos de uma poesia.

É notório que os pensamentos usados como equivalentes, às vezes,


não conseguem se manter numa estrutura tão métrica e perfeita, como as
poesias atuais se encontram. Todavia, isto não deve servir de impedimento
para se considerar este arranjo de palavras, muitas vezes, tão elaborado,
como mera obra do acaso. Em outras palavras, mesmo que no texto
hebraico da Bíblia, não se encontrem rimas sonoras de palavras, como
normalmente se tem hoje em dia, há “rima” de palavras usadas com seus
pares. Por exemplo, as palavras olhos e coração, embora bem distintas
na cultura ocidental, para os autores bíblicos, muitas vezes, eram usadas
como sinônimas (ver Jó 15.12, Sl 131.1 e Pv 4.21). Outra dupla de palavras
é “terra e céus”, veja Dt 32.1.

Talvez você esteja pensando: “mas, só isto não seria suficiente


para se estabelecer um padrão poético”. Sim, só isto não. Mas é um dos
exemplos da forma diferente de eles pensarem a respeito das rimas. Além
deste uso, é muito comum a utilização de metáforas. Afinal, como bem
resume Nunes Júnior (2012, p. 103), “poesia não é apenas verbal, mas
também visual”. Ainda, segundo ele, uma imagem pode ser a razão de ser
de um poema, sendo sua síntese ou até mesmo o fundamento pelo qual
o escritor bíblico desenvolve seu raciocínio.

O principal fator determinante, como bem descreve Gusso (2012,


p. 13), é a rima de pensamentos. Na poesia hebraica, o que realmente
importa não é a rima de sons, mas de ideias. A forma como os conceitos,
pretendidos pelo autor bíblico, se relacionam são fascinantes. Quando são
usados neste relacionamento entre as partes, conseguem retratar a beleza
e a vivacidade do pensamento hebreu. A esta técnica ou habilidade de
justapor as ideias chama-se paralelismo. Diferentemente da rima de sons,
esta combinação de ideias pode ser mantida mesmo nas traduções, desde
que sejam aquelas mais literais.

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Saiba Mais

Você se lembra daqueles versinhos da infância? As chamadas


quadrinhas? (tipo aquela: “batatinha quando nasce, espalha rama pelo
chão...”) Leia esta composição abaixo

Os céus foram bem planejados,


para a glória de Deus proclamar.
Os fundamentos foram criados,
para o agir de suas mãos mostrar.
Observe que além da rima entre a segunda e quarta linhas, as duas
primeiras linhas possuem 9 passos enquanto as duas últimas 10.
Talvez você já deva estar fazendo a ligação com o Salmos 19.1. Se o
fez, parabéns! Esta quadrinha foi pensada a partir dele. Observe agora a
construção traduzida do hebraico:

Os céus proclamam a glória de Deus


e o firmamento anuncia a obra de Suas mãos.1
Observe que não há rima sonora alguma. O que existe são duas
declarações sinônimas, mas escritas com palavras diferentes. Neste
caso, “céus” é sinônimo de “firmamento”, “proclamar” e “anunciar”
significam a mesma coisa, e “glória de Deus” se relaciona com “obras
das Suas mãos”.

1 Neste capítulo, sempre que necessário serão apresentados estes


grifos, para salientar a relação entre os membros da primeira linha com os da
segunda. Sempre que possível o uso do negrito destacará o sujeito ou alguma
parte relevante; o sublinhado destacará a ação verbal, o itálico apontará o
predicado e a aspa será usada quando precisar dividir algum deles.

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2.2 O uso de poesia nos livros sapienciais


Segundo Coelho Filho e Giordani (2011, p. 48), a poesia acaba
servindo muito bem em sua parceria com a sabedoria. Como o sábio era
aquele que buscava sempre o conhecimento a fim de viver cada vez melhor,
certamente o domínio das emoções e, principalmente, o poder capturá-
la em palavras ou imagens era muito impactante. Por isto, uma tragédia
como a de Jó, apesar das dificuldades em se entender muito de sua fala, o
leitor de hoje consegue alcançar uma identificação muito grande.

O chamado paralelismo hebraico é composto por duas linhas ou mais,


mas isto não significa sempre que estará em relação de sinônimos. Scott
(1974, p. 8) ressalta que há paralelismo onde: a) a segunda sentença marca
um contraste com a primeira: “Um filho sábio alegra a seu pai; mas um filho
insensato é a tristeza de sua mãe.” (Pv 10.1), b) a segunda frase apenas
repete a ideia, mas com palavras diferentes: “Os maus inclinam-se perante
os bons; e os ímpios diante das portas dos justos.” (Pv 14.19), c) a segunda
linha simplesmente leva adiante o que é dito na primeira (ou completa o
pensamento): “O temor do Senhor é uma fonte de vida, para o homem se
desviar dos laços da morte.” (Pv 14.27), e d) em alguns casos uma das linhas
é usada apenas para ilustrar o que está sendo dito: “O apetite do trabalhador
trabalha por ele, porque a sua fome o incita a isso.” (Pv. 16.26).

Convém salientar que os textos de sabedoria e poesia não estão


restritos apenas aos livros chamados poéticos. Estão espalhadas por
toda a Bíblia. De igual modo, quando se fala em paralelismo, estes podem
ser encontrados em qualquer parte da Bíblia. Obviamente há certos tipos
mais utilizados num lugar do que noutro. Por exemplo, os paralelismos
sinônimos são mais comuns em Salmos, os paralelismos antitéticos são
mais frequentes em Provérbios, os de comparação, mais em Eclesiastes
e, assim, por diante.

Neste capítulo, serão abordados os mais comuns aos livros


sapienciais, como o paralelismo comparativo, o antitético, o metafórico
ou emblemático e o numérico. Enquanto que no próximo capítulo, aqueles
mais presentes nos livros poéticos, tais como o sinonímio, o sintético, o
analítico, o menorático, bem como outros elementos da poesia hebraica.

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2.2.1 Paralelismo de comparação


O nome do livro em hebraico é mashal, termo que parece indicar
semelhanças e comparações, o que acontece muito neste livro. Além
de serem apresentados muitos versos neste formato de comparação,
o livro todo trata muito dos relacionamentos humanos, seja com Deus,
com o próximo ou com a natureza. Também há comparações entre
os vários ambientes destes seres humanos, familiares ou comerciais.
(MESQUITA, 1979, p. 21s)

Além da comparação geral, é chamado de paralelismo comparativo


quando nitidamente as linhas em paralelo estão sendo usadas com a
intenção de haver uma análise comparativa entre elas. Normalmente,
utiliza-se da seguinte fórmula: “melhor é .... do que ...”. Eis alguns exemplos:

É melhor refugiar-se no Senhor


do que confiar nos príncipes. (Sl 118.9)

Melhor é o pouco com justiça,


do que grandes rendas com injustiça. (Pv 16.8)

Melhor é um punhado com tranquilidade


do que ambas as mãos cheias com trabalho e vão desejo. (Ec 4.6)
Melhor é serem dois
Comparativo
do que um, Sintético

porque têm melhor paga do seu trabalho. (Ec 4.9)

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2.2.2 Paralelismo antitético


Neste tipo de paralelismo, procura-se desenvolver a ideia por meio
de palavras opostas. Na primeira linha, é apresentada uma afirmação;
na segunda, seu contraponto. Em hebraico, ambas as linhas são unidas
com um waw conjuntivo e, segundo Gusso (2012, p. 14), normalmente
ela é traduzida por uma conjunção adversativa, como o “mas” ou “porém”.
Este tipo também é muito utilizado em Provérbios. A grande maioria dos
versículos de Pv 10-15 foi escrita com este tipo de paralelismo. Eis alguns
exemplos:

Odeio e abomino a falsidade;

amo, porém, a tua lei. (Sl 119.163)

Os tesouros da impiedade de nada aproveitam;

mas a justiça livra da morte. (Pv 10.2)

O Senhor não deixa o justo passar fome;

mas o desejo dos ímpios ele rechaça. (Pv 10.3)

2.2.3 Paralelismo metafórico


Também é chamado de emblemático. Recebe este nome porque em
uma das linhas, normalmente a primeira, é apresentada uma declaração,
que por si só seria uma mera observação natural. Porém, na outra
linha, o sábio expõe o ensinamento adquirido a partir daquela primeira
constatação, usada apenas como um enigma. Segundo Bentzen (1968,
p. 194), o enigma era um antigo componente da poesia popular, muito
utilizado na cultura jucaica. De início, era apenas o enigma por si mesmo.
Depois, a beleza da charada acabou sendo acoplada nos versos criados
a partir de uma linha enigmática, para com seu par realçar uma verdade.

Observe a seguinte declaração: “como joia de ouro em focinho


de porco” (Pv 11.22a). Você deve estar pensando “que desperdício, que
futilidade”. Mas não há como saber o que na vida real teria este mesmo

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sentido de incoerência ou repugnância. O sábio precisa completar a


frase, para se ter a ideia do ensinamento que ele quer transmitir: “assim
é uma mulher formosa que se aparta da discrição” (Pv 11.22b). Ou seja,
geralmente, o significado do emblema é relativamente fácil e natural, mas
a associação com um aprendizado na vida que o torna tão fascinante. Eis
alguns exemplos:

Como o cervo anseia pelas correntes das águas,


assim a minha alma anseia por ti, ó Deus! (Sl 42.1)
Pois quanto o céu está elevado acima da terra,
assim é grande a sua benignidade para com os que o temem.
(Sl 103.11)
Como um pai se compadece de seus filhos,
assim o Senhor se compadece daqueles que o temem. (Sl 103.13)

2.2.4 Paralelismo numérico


Como dito anteriormente, um paralelismo tradicional possui
normalmente duas linhas que se relacionam entre si, chegando, às vezes,
a quatro. Mas também existem duas disposições bem propositais e muito
mais complexas, que não se prendem a esta formatação de um verso
com no máximo quatro frases. Uma delas monta a mensagem a partir da
estrutura do candelabro hebraico, como será visto no próximo capítulo,
já a outra utiliza-se dos números. Como mantiveram a característica de
apresentar as ideias de forma com que cada parte se relacione com a
outra, serão aqui considerados como uma forma de paralelismo, seguindo
a sugestão de Gusso (2012), mas há quem os considere como um mero
produto do paralelismo e não como um de seus tipos.

O chamado paralelismo numérico dá-se quando há o uso de


números para intensificar o que se pretende dizer. Convém esclarecer
que, quando os números 3 e 4 aparecem juntos, significa que tudo está
abarcado ali. Quando o 6 e o 7 são mencionados, implica dizer que as seis
coisas mencionadas têm um mesmo peso, mas a sétima é a mais grave.
Eis alguns exemplos:

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Prática

Um bom exemplo de um mal-uso, por não conhecer este tipo de


paralelismo, pode ser encontrado em Êx 20.5b. Você já deve ter visto ele
sendo usado para defender a teologia da maldição hereditária. Lá, Deus
disse que “visito a iniquidade dos pais, nos filhos até a terceira e quarta
geração”. Ao ignorar este uso poético dos números 3 e 4, perderam a
mensagem principal. Primeiro, porque fazem uma leitura literal e acham
que a maldição de Deus se estende até a vida do bisneto ou tataraneto.
Quando o que a Palavra diz é que “todos” aqueles que odeiam a Deus
estarão debaixo da maldição. Segundo, porque ignoram o versículo
seguinte: em Êx 20.6, Deus declara que usará de misericórdia com
milhares de gerações daqueles que o amam. De igual modo, não está
limitando cronologicamente até onde se estenderia o amor de Deus, mas
mostrando que a misericórdia de Deus é muito maior do que seu castigo.

Há três coisas que são maravilhosas demais para mim,


sim, há quatro que não conheço:
o caminho da águia no ar,
o caminho da cobra na penha,
o caminho do navio no meio do mar,
e o caminho do homem com uma virgem.
(Pv 30.18-19)

Assim diz o senhor:


Por três transgressões de Damasco, sim, por quatro,
não retirarei o castigo;
porque trilharam a Gileade com trilhos de ferro.
Por isso porei fogo à casa de Hazael,
e ele consumirá os palácios de Bene-Hadade.

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Quebrarei o ferrolho de Damasco,


e exterminarei o morador do vale de Ávem
e de Bete-Éden aquele que tem o cetro;
e o povo da Síria será levado em cativeiro a Quir,
diz o Senhor.
(Am 1.3-5)
Nos próximos tópicos, você verá a apresentação dos livros de Provérbios
e Eclesiastes, procurando destacar algumas características importantes que
possam ajudar a compreender melhor suas respectivas mensagens.

2.3 Introdução e análise do livro de Provérbios


O livro de Provérbios trata da sabedoria que seria considerada mais
popular, mas, curiosamente, que somente sábios poderiam ter reparado,
compreendido e orientado a se viver de forma a se obter melhores resultados
no que se faz. É muito comum a reflexão que os sábios fazem sobre e a
partir dos episódios da vida e/ou acontecimentos naturais. Para Storniolo
(2008, p. 10), isto é possível porque as “experiências podem se espelhar nos
processos da natureza, produzindo um imenso campo de observações e
intuições sobre o sentido profundo que ilumina as situações”.

Assim, pode-se afirmar que alguns sábios foram refletindo sobre


suas experiências, sobre a realidade da vida, sobre os processos naturais
e foram desenvolvendo os “ditos” ou os provérbios de sabedoria. Este
autor ainda menciona que embora a grande maioria do povo não soubesse
escrever, conseguiam “reter na memória seus achados de sabedoria.
[Resumindo tudo...] tudo num versinho rimado, fácil de guardar de cor”
(STORNIOLO, 2008, p. 11).

Ao entender o processo pelo qual os conhecimentos foram se


consagrando em pérolas de sabedoria, não há como negar que este
processo de reconhecer, coletar e sistematizar o conhecimento é
exatamente o que se encontra em Provérbios. Nem por isto, deve-se
perder de vista o sentido de inspiração do livro em si. Certamente havia
muitos outros provérbios e canções em Israel (Cf I Rs 4.32), mas somente
os que foram colecionados e registrados neste livro são Palavras de

50
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Deus. Outro aspecto a se reconhecer é que os provérbios são resultados


de visão humana, e mesmo que inspirados, não são promessas de Deus.
Estão muito mais para máximas da vida.

2.3.1 Produção do livro de Provérbios


Primeiramente, é preciso analisar a autoria deste livro. Torna-se
impossível reconhecer o autor original de cada verso ou dito, todavia, ao
longo do livro, há menção a alguns nomes, mas, muito provavelmente,
estava se referindo ao sábio, ou grupo deles que sistematizou os provérbios
populares até então. Tais nomes estariam mais para colecionadores,
compiladores ou editores do que para o autor de todos eles.
Pensando no prólogo do livro “Provérbios de Salomão, filho de Davi,
rei de Israel:” (pv 1.1), poder-se-ia dizer que Salomão foi o sistematizador
do texto. Mas há textos que complicam esta visão, como o caso do texto
do capítulo 25 verso 1: “Também estes são provérbios de Salomão, os
quais transcreveram os homens de Ezequias, rei de Judá”. O rei Ezequias
viveu consideravelmente depois de Salomão. Logo, a edição final deste
livro bíblico deve ser depois do reinado deste rei e seria de autoria
desconhecida (MESQUITA, 1979). Embora pareça ser bem coerente esta
posição com relação à data final de produção do texto, não precisa ser
dito para o conteúdo, que é sem dúvida bem mais antigo.
O aumento do conhecimento dos ensinamentos egípcios e
babilônicos do milênio antes de Salomão, no entanto, e da
literatura fenícia de Ugarite (Ras Shamra) do século catorze A.C.
tornou claro que o conteúdo de Provérbios (seja qual for a data de
sua redação final) pertence mais ao mundo de Israel primitivo do
que ao judaísmo do pós-exílico no seu pensamento, vocabulário,
estilo e, muitas vezes suas formas métricas. A ideia de que o
movimento sapiencial em Israel pertencesse ao período persa
posterior ou ao período grego anterior agora se revela como um
“mito curioso” dos nossos tempos. (KIDNER, 2008, p. 25).

É bem plausível que as coletâneas apresentadas em Provérbios,


assim como outros livros, já tinham seu conteúdo conhecido, mas não
estava sistematizado ou escrito em um rolo. Então “os mestres de Israel
teriam sentido a necessidade, levados pelo Espírito Santo, o Guardião das
sagradas letras, de coligirem e porem em forma de rolos esta história”.
(MESQUITA, 1979, p.14)

51
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Embora não se possa saber o compilador final do texto de Provérbios,


é possível apontar alguns nomes como possíveis autores. Salomão é autor
da maior parte do livro, sua sabedoria é inegável e citada na própria Bíblia (I
Reis 3.12; 4.29-34). Com relação a Agur, citado no capítulo 30 como autor
de alguns provérbios, não se sabe quem seria. É bem provável que teria sido
um pensador ligado à tribo de Massá, uma tribo descendente de Ismael,
filho de Abraão. Mesmo que não seja, com certeza é “um poeta estrangeiro,
louvando a Deus com sua inteligência nativa”. (MESQUITA, 1979, p.17s)

Também é citado o rei Lemuel, que significa “amado do Senhor”.


Por conta deste significado, alguns sugerem que poderia ser aplicado
ao próprio Salomão, mas não há nenhum suporte bíblico para esta
possibilidade. Ainda há os provérbios dos quais são ditos que são apenas
de alguns sábios (Pv 24.23).

Há um antigo debate sobre o aparecimento em Provérbios de


frases de sabedoria contida no livro egípcio: Ensinos de Amenemope. Eis
alguns deles: Pv 12.22; 15.16 e 17; 16.11; 20.23; 22.23, 26 e 27; 23.13 e
14; 24.29; 25.21; 26.9 e 27.1. Todavia não há como saber de fato quem
foi original e quem teria citado (KIDNER, 2008, p.23). Mas, mesmo que
os compiladores de Provérbios tivessem utilizado ditos de outros povos,
inclusive do egípcio, não serviria para se adotar qualquer atitude de
desmerecimento ou diminuição da autoridade divina deste livro bíblico. O
ditado original poderia até não ser inspirado, mas a utilização que foi feita
em Provérbios, esta sim, é que era inspirada por Deus.

Saiba Mais

Se você ler a epístola de Judas, verá que ele cita parte de uma profecia de
um tal Enoque (v. 14). Infelizmente já vi pessoas indo atrás do evangelho
apócrifo de Enoque para ver o que Deus falou lá. Você até pode ler as
palavras de Enoque, com algum espírito de curiosidade, mas se quiser
saber o que Deus disse, é só aquilo que está registrado na carta de Judas.
Ela é palavra de Deus, o livro de Enoque é apenas um livro humano.

52
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Embora não se tenha a autoria final do livro, a inclusão de Provérbios


no texto sagrado, aparentemente, nunca foi contestada. A Septuaginta
já continha o livro, isso no terceiro século antes de Cristo. Também há
provérbios citados no Novo Testamento, como o texto do capítulo 10
verso 12 aparece em I Pedro 4.8. No verso 18 do mesmo capítulo de Pedro
é mencionado Provérbios 11.31. Além disso, Paulo cita em Romanos
12.20 o texto dos versos 21 e 22 de Provérbios 25.

Curiosidade

Daniel Scott, em sua matéria: 7 lições imperdíveis da Bíblia sobre o


mundo dos negócios faz um uso interessante de um provérbio. Como
terceiro conselho para os negócios, o autor usa Provérbios 16.18 e
ainda cita Provérbios 12.1. Ele utiliza estes textos para ressaltar a
importância da humildade para os negócios de qualquer empresário.
(Disponível em: <http://danielscott.com.br/licoes-biblia-negocio/>.
Acesso em: 25 mar. 2020).

2.3.2 Estrutura de Provérbios


Quando se faz a leitura do livro de Provérbios não há como negar
que parece com uma junção de diferentes ditos de sabedoria no quais
não há correlação alguma. Ao ler um trecho maior, pode ser um pouco
difícil achar um ensinamento central ou algo semelhante. Embora seja um
pouco difícil definir grupos específicos, é possível fazer certas distinções.
Eis uma proposta de estrutura sugerida por Storniolo (2008, p. 21s):

1.ª Provérbios 1-9: Provérbios de Salomão, filho de Davi e rei de Israel;


2.ª Provérbios 10.1-22.16: Provérbios de Salomão;
3.ª Provérbios 22.17-24.22: Provérbios dos sábios;
4.ª Provérbios 24.23-34: Provérbios dos sábios;
5.ª Provérbios 25-29: Provérbios de Salomão, recolhidos e copiados
pelos funcionários de Ezequias, rei de Judá;

53
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6.ª Provérbios 30.1-14: Palavras de Agur;


7.ª Provérbios 30.15-33: Provérbios numéricos;
8.ª Provérbios 31.1-9: Palavras do Rei Lemuel, ensinadas por sua mãe;
9.ª Provérbios 31.10-31: Elogio à mulher ideal.
Como você deve ter notado, a estrutura proposta é montada a partir
da autoria, e não por temas, como normalmente acontece. Pensar por
autoria ajuda, pode-se ter um pano de fundo do contexto em que o dito foi
proferido. Mas no caso de Provérbios, isso poderia ser aplicado somente
a Salomão, já que não há outras informações dos demais autores.

Outra possibilidade de estrutura é mostrada a seguir. Ela foi proposta


por Scott (1974, p.14s) e foi elaborada a partir dos estilos de cada verso,
ou conjunto deles.

Cap. 1 a 9: A introdução do professor.


1.1-7: título, preâmbulo e lema.
1.8-19: Discursos
1.20-33: Poemas
2.1-22: Discursos
3.1-12: Discursos
3.13-20: Poemas
3.21-26: Discursos
3.27-30: Máximas e provérbios
3.31-35: Discursos
4.1-27: Discursos
5.1-14: Discursos
5.15-20: Máximas e provérbios
5.21-23: Discursos
6.1-19: Máximas e provérbios
6.20-21: Discursos
6.22: Máximas e provérbios
6. 23-35: Discursos

54
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7.1-27: Discursos
8.1-36: Poemas
9.1-6: Poemas
9.7-9: Máximas e provérbios
9.10-18: Poemas
Cap. 10 a 22.16: Primeira coleção dos provérbios de Salomão
Cap. 22.17 a 24.34: Os trinta preceitos dos sábios
22.17-23.11: Paralelos com Amenemope
23.12-24.22: preceitos sem paralelo com Amenemope
24.23-24: Apêndice aos trinta preceitos (24.23-34)
Cap. 25 e 29: Segunda coleção dos provérbios de Salomão
Cap. 30.1-9: Diálogo com um cético
Cap. 30.10-33: Provérbios numéricos e de precauções
Cap. 31.1-9: Admoestações da mãe de um rei
Cap. 31.10-31: Poema acróstico sobre a esposa ideal
Scott (1974, p. 5-8) ainda destaca sete principais formas, que ele
chama de padrão, encontradas nos provérbios. Ele não chama assim, mas
provavelmente é a forma de ele identificar alguns tipos de paralelismos,
menos comuns:
• O primeiro padrão ele chama de identidade, equivalência ou
associação invariável. Trata do verso que faz uma simples
constatação: Isto é como... Sem isto, não há.... Eis alguns
exemplos: “O homem que lisonjeia a seu próximo arma-lhe uma
rede aos passos” (29.5) e “Onde não há bois, a manjedoura está
vazia; mas pela força do boi há abundância de colheitas.” (14.4).
• O segundo padrão seria de contraste ou paradoxo. Normalmente
procura evidenciar que “isso não é realmente aquilo ou nem tudo
isso é aquilo”. No caso dos paradoxos, deve recordar que se trata
de uma proposta verdadeira, mas que conduz a uma contradição
lógica, ou uma sentença que contradiz a lógica comum. Eis alguns
exemplos: “Pela longanimidade se persuade o príncipe, e a língua
branda quebranta os ossos.” (25.15), e “O que está farto despreza
o favo de mel; mas para o faminto todo amargo é doce.” (27.7).

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• O terceiro padrão é de similaridade ou de analogia. Este é o


mais simples, trata-se apenas de simples comparação. Pode-se
verificar isso nos textos de: “Como o frescor de neve no tempo
da sega, assim é o mensageiro fiel para com os que o enviam,
porque refrigera o espírito dos seus senhores.” (25.13), e “Como
água fresca para o homem sedento, tais são as boas-novas de
terra remota.” (25.25).
• O quarto padrão é quando a comparação beira o absurdo, indo do
contrário à ordem correta. Nela é empregada uma comparação
irônica. Pode-se perceber isso nos seguintes provérbios: “Como a
porta se revolve nos seus gonzos, assim o faz o preguiçoso na sua
cama.” (26.14), e “De que serve o preço na mão do tolo para comprar
a sabedoria, visto que ele não tem entendimento?” (17.16).
• O quinto padrão classifica ou caracteriza pessoas, ações
ou situações. Observa-se isso em textos semelhantes a: “O
simples dá crédito a tudo; mas o prudente atenta para os seus
passos.” (14.15), e “O filho sábio ouve a instrução do pai; mas
o escarnecedor não escuta a repreensão.” (13.1). Ele ainda cita
duas variantes, ou subdivisões deste padrão; a) a classificação
por números: “Por três coisas estremece a terra, sim, há quatro
que não pode suportar: o escravo quando reina; o tolo quando se
farta de comer; a mulher desdenhada quando se casa; e a serva
quando fica herdeira da sua senhora (30.21-23)”; e b) há o que se
chama de provérbio de classificação progressiva, como pode ser
visto em: “Tira a roupa àquele que fica por fiador do estranho, e
toma penhor daquele que se obriga por uma estrangeira.” (27.3).
• No sexto padrão, abarca-se os provérbios que tratam de valor,
relativo, de prioridade, de proporção ou de grau. Normalmente,
os provérbios deste padrão seguem a seguinte estrutura: “Isto é
digno daquilo”, “Mais ou menos disto”, “mais ou menos daquilo”,
“melhor isso do que o outro” ou “primeiro este, depois o outro”.
Pode-se verificar este padrão em textos como: “Mais digno de ser
escolhido é o bom nome do que as muitas riquezas; e o favor é
melhor do que a prata e o ouro.” (22.1), e “O que faz um homem
desejável é a sua benignidade; e o pobre é melhor do que o
mentiroso.” (19.22).

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• O sétimo e último padrão envolve as consequências do


comportamento ou caráter humano. Pode-se observar isto em
provérbios como: “O coração alegre aformoseia o rosto; mas pela
dor do coração o espírito se abate.” (15.13), e “O preguiçoso não lavra
no outono; pelo que mendigará na sega, e nada receberá.” (20.4).
Segundo Leeuwen (citado por DILLARD; LONGAMAN III, 2006. P. 230),
embora a grande maioria dos provérbios são ditados curtos e incisivos, os
capítulos 25 a 27 seriam um único poema proverbial. Mas, infelizmente
ele não menciona os detalhes que os levaram a esta conclusão. Por conta
disso, não para saber “qual a relação entre o Pv 26 e os outros dois, se
sua ênfase é na pessoa insensata?” Ou, ainda, “por que Pv 28 estaria fora
desta sequência, se nele também se fala de príncipes e pessoas nobres,
algo que poderia ser visto com certa aproximação de Pv 25?”.
Enfim, talvez, o mais coerente seja seguir a ideia de Kidner (2008,
p. 30 a 54), que prefere não usar qualquer tipo de estrutura geral, mas
defende a ideia de se estudar os provérbios em comparação com seus
pares. Sendo necessário, muitas vezes, um possível reagrupamento,
a partir de assuntos-chaves ou temas, sendo eles: Deus e o Homem;
sabedoria; insensato; preguiçoso; amigo; palavras; família; vida e a morte.
Por fim, convém destacar as palavras de Gusso (2012, p. 78):
embora não seja possível qualquer estrutura mais lógica ou coesa, por
conta de tantos assuntos, os mais variados possíveis, o objetivo é muito
claro: auxiliar o leitor no processo de se adquirir a sabedoria com o intuito
de ele chegar a ser sábio no seu dia a dia. Enquanto o livro de Provérbios
pode ser apropriado por qualquer pessoa, a próxima obra em análise, o
livro de Eclesiastes, acaba sendo um dos mais difíceis se ler na Bíblia,
como será visto a seguir.

Saiba Mais

Para se aprofundar mais sobre o livro de provérbios, seria interessante a


leitura do artigo: KUNZ, Marivete Zanoni e COSTA, Vea R. B. Schmegel da
Costa. Provérbios: a teologia nossa de cada dia. Revista Batista Pioneira:
Bíblica, teológica, prática. Ijuí, v. 7, n. 1, p. 67-83, jun. 2018. Disponível em:
<http://revista.batistapioneira.edu.br/index.php/rbp/ article/view/258>.
Acesso em: 25 mar. 2020.

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2.4 Introdução e análise do livro de Eclesiastes


Com certeza um dos livros menos quisto pelos leitores atuais.
Curiosamente, não é por conta de seu teor teológico, mas por seu “ar”
pessimista e desanimador. Na verdade, apesar do anacronismo, este
livro poderia ser considerado como um texto filosófico, até pelos temas
trabalhados ali. Inclusive o principal assunto trabalhado pelo autor sagrado
“debaixo do sol” pode muito bem se equiparar com a pergunta crucial da
filosofia ocidental, sobre o sentido da vida. Talvez por isto, acaba sendo de
tão difícil compreensão.

Normalmente, a tradição atribui a alguém que era tolo e acabou se


“convertendo” a partir das reflexões que foram sendo realizadas ao longo
do livro. Outra teoria muito difundida seria considerá-lo como um sábio
que procurou descrever a vida sob o olhar de um tolo e que ao final se
revelaria por meio de suas conclusões sábias. Todavia, ao que parece, é
um sábio, que se faz de tolo e vai conversando, a partir de ideias presentes
entre seus patrícios, mas sempre com o sentido de chamar a atenção de
seus ouvintes.

A palavra utilizada para se referir ao sábio em evidência no livro é


Qohelet, que normalmente tem sido traduzida por Eclesiastes. Ela aparece
seis vezes no texto original, mas é uma palavra rara e só localizada neste
livro. Ela vem da raiz hebraica Kahal que significa: “chamar, reunir”. Por
esta razão, o título usado para o autor pode muito bem ser traduzido
como “pregador”, indicando: “aquele que reúne uma assembleia; aquele
que discursa para o povo, aquele que ensina. [podendo ser chamado de]
‘O Filósofo’, ou ainda, ‘o Orador’.” (GUSSO, 2012, p. 94)

Assim, muito provavelmente, o seu autor sabia muito bem aonde


queria chegar. Não pode ser visto apenas como um mero pensador,
divagante e preso em seus próprios pensamentos. Como bom
representante da escola sapiencial, muito mais que o diálogo estava a
necessidade de se pensar na vida e para a vida. Por isto, é bem provável
que ele tivesse mais as características de um pregador. Aquele que, a
partir do que sabe, expõe o erro do outro a fim de que atitudes possam ser
tomadas com o intuito de uma mudança de vida. Defende-se então que ele

58
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seria um sábio, que estava se fazendo de bobo, para ao dizer suas tolices,
chamar a atenção de seus conterrâneos e, assim, levá-los à reflexão.
Seguindo-se este pensamento, ele estaria cumprindo exatamente o que
Pv 26.5 recomenda: “Responde ao tolo segundo a sua estultícia, para que
ele não seja sábio aos seus próprios olhos.”

Eclesiastes é desenvolvido assim, como se o pregador buscasse


resposta para existência, deixando inclusive transparecer que seria
possível fazer isso sem Deus. Tendo isso em vista, fica mais fácil entender
o caminhar do livro. Porque aparentemente ele tenta preencher a sua vida
sem Deus, mas ao longo da narrativa já vai demonstrando que aquele que
só vive assim só conquista vaidades de vaidades. Em outras palavras,
uma vida vazia e sem nenhum sentido.

2.4.1 Produção de Eclesiastes


O primeiro verso de Eclesiastes apresenta seu autor: Palavras do
pregador, filho de Davi, rei em Jerusalém (1.1), seguindo as palavras do próprio
texto, o autor é Salomão. Mas há alguns estudiosos que não concordam com
esta afirmação. O principal argumento para eles é que seria impossível um
livro tão filosófico ter surgido antes da própria filosofia grega.

Seguindo este mesmo ponto de raciocínio, para alguns, a data de


composição do livro de Eclesiastes seria pós-exílico (cerca de 250 a.C.),
isso significa que os hebreus já teriam sofrido a influência persa e grega.
Não desmerecendo a influência que os hebreus com certeza sofreram
dos outros povos, que poderia ser, inclusive, um instrumento de Deus
para ampliar a própria visão, ou cosmovisão, dos judeus, não dá para
simplesmente achar que nada de sua cultura prestava. Na Antiguidade
também havia muitos sábios e a produção de Eclesiastes poderia ser do
século X a.C, cerca de três séculos antes da filosofia tradicional nascer.
Segundo Eaton e Carr (2011, p. 25), a estrutura de pensamento abordada
em Eclesiastes já se fazia presente no terceiro milênio antes de Cristo.
Inclusive, é bem “provável que tanto os autores gregos quanto o de
Eclesiastes sabiam disso; não há necessidade, contudo, de deduzir-se que
o Pregador apanhou suas ideias da literatura grega.”

59
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Certamente, como em qualquer cultura, houve um intercâmbio


entre ambas culturas. Sim, a cultura helenística também se privilegiou
da sabedoria judaica. Um forte argumento neste sentido de que a cultura
hebraica era bem mais evoluída do que alguns pensam, hoje em dia, é a
declaração feita por Teofrasto (372-288/7 a.C.), discípulo e sucessor de
Aristóteles, na escola Peripatética. Este renomado filósofo da Antiguidade
faz menção aos judeus, referindo-se a eles “como um povo de filósofos”.
(HENGEL, 1974, p. 255, citado por RUPPENTHAL NETO, 2018, p. 198)

Além do fato das referências internas a Davi, Jerusalém, Israel, Deus,


ao templo, aos votos, às ofertas e aos sacrifícios, o que ressalta a origem
israelita do texto (EATON; CARR, 2011, p. 37), há outros argumentos a favor
de uma data mais antiga do texto e, consequentemente, de sua originalidade
dentro da cultura hebreia: a) o texto bíblico usa muitos aramaísmos, algo
esperado no hebraico bíblico desde o século X a.C.; b) o hebraico encontrado
em Eclesiastes difere do texto de Cantares e de Provérbios, mas também
não corresponde ao hebraico do quarto século encontrado em Malaquias ou
Esdras, nem aos escritos de Qumrã; c) já havia uso de literatura pessimista,
no antigo Egito. (EATON; CARR, 2011, p. 22, 37)

No antigo Egito, entre 2.300 e 2.100 a.C., havia uma obra chamada
de: “O homem que estava cansado da vida” (EATON; CARR, 2011, p. 38s).
Quando se foca apenas no título, até se pode pensar em uma possível
aproximação com o texto de Eclesiastes, mas quanto ao assunto são bem
distantes. Enquanto o autor sagrado chega à conclusão que a vida, por si
mesma, será vazia, mas conclui com a necessidade de se apegar a Deus.
Já a obra egípcia é ainda mais trágica. Nela, o autor fica na dúvida entre o
viver e o suicídio.

Outra obra, encontrada no antigo Egito, cerca de 2.100 a.C., é


conhecida como o “Cântico do harpista”. Esta já tem uma similaridade um
pouco melhor com as questões apresentadas em Eclesiastes. Por exemplo:
a) a tristeza pela transitoriedade da vida; b) o fato de se sentir preso num
círculo vicioso e sem fim; c) o clamor a se aproveitar a vida, enquanto é
possível; d) a morte como irrevogável; e) o viver constante assombrado pela
morte; f) a morte como o fim. (EATON; CARR, 2011, p. 39)

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Quanto à autoria, como a declaração inicial não significa muito,


como visto anteriormente, há alguns teólogos que acreditam que o texto
é antigo, mas não saiu plenamente de Salomão, ou mesmo em partes. Em
especial, por conta das conclusões a que chega o Pregador. Não seriam
condizentes com a postura de um infiel (como parece ser um bom adjetivo
para a espiritualidade de Salomão, no fim de sua vida), isso mesmo entre
os ortodoxos.

Mesmo que não tenha sido Salomão seu autor, ele é usado como
uma figura bem forte, “o título certamente induziria qualquer leitor a
entender que a alusão é a Salomão. O relato de 2:1-11 também lembra a
Salomão; quase todas as frases têm seu paralelismo nas narrativas que
dizem respeito a Salomão.” (EATON; CARR, 2011, p. 27). Curiosamente,
embora evoque a figura de um dos maiores reis de Israel, não tem como
pretensão fazê-lo sob pretextos de localização histórica, pois a obra como
um todo é bem atemporal. Algumas indagações e conclusões que são
feitas nela foram e podem ser resultado da reflexão de alguém de qualquer
período histórico. Mesmo porque
A vida neste mundo fundamentalmente não muda, de modo
que não precisamos de uma data para o Eclesiastes, a fim
de podermos receber sua mensagem. Faz parte do gênio do
pensamento do Pregador que sua mensagem sustenta-se por si
mesma, em qualquer lugar e a qualquer tempo. (EATON; CARR,
2011, p. 21).

Além disso, na Antiguidade havia, sim, inquietações com relação à


existência humana. Isto não era só restrito à cultura israelita e não era
apenas uma forma de indagação, ia além. Era muito mais um estilo de
literatura permeada de conclusões mais negativas, fatalistas e derrotistas.
Por isso, passou a ser denominada como literatura pessimista.

Saiba Mais

Para conhecer mais sobre a filosofia pessimista e sua possível


aproximação com Salomão, os vídeos seguintes são interessantes:
Salomão e os Filósofos do Pessimismo − Rodrigo Silva − Bloco 01 e Bloco
02. Disponível em: <https://www.youtube.com/watch?v=pjxeMpYmhC0>;
<https://www.youtube.com/watch?v=2w8uTpHyeP4>. Acesso em: 25
mar. 2020.

61
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Quanto à canonicidade, mesmo sem poder afirmar quem seja seu


autor ou a data da produção do texto, este livro faz parte das Escrituras
Sagradas, todavia sua canonização não foi tão simples. Mesmo
entre os judeus havia discussões a respeito disto, talvez, o fator mais
preponderante sobre sua permanência no cânon teria sido a conclusão à
qual o pregador chega: a necessidade de se temer a Deus (12.13s) e suas
inúmeras referências ao Criador. Quanto ao uso no NT, aparentemente
não há qualquer indício de utilização, mas quando Paulo declara que
toda Escritura é inspirada por Deus (2 Tm 3.16), com certeza Eclesiastes
estava dentro deste grupo. Ele inclusive podia ser encontrado entre judeus
devotos, como a comunidade de Qumrã. (EATON; CARR, 2011, p. 21)

2.4.2 Estrutura de Eclesiastes


A partir da estrutura do texto, pode-se perfeitamente observar a
existência de dois personagens: o pregador e um narrador (ou editor). A
dificuldade começa ao se tentar descobrir quem seriam eles. “Seria um
homem apresentando o trabalho de outro? Ou seria um homem que se
apresenta a si mesmo, adotando o papel duplo de sábio e editor de seu
próprio livro?”. Curiosamente, sendo bem franco, estes dois caminhos
são bem possíveis. Além disso, há uma terceira opção, muito mais no
campo das hipóteses, poderia significar que um editor ou narrador estaria
apresentando uma obra inspirada na vida ou nos ensinamentos de algum
sábio, que ele conhecesse. Desta forma, a sabedoria do sábio estaria
sendo narrada e apresentada por um terceiro. (EATON; CARR, 2011, p. 26)

A estrutura de Eclesiastes também é passível de discussões. Uma


primeira possibilidade seria dividir o livro em apenas duas partes, de seis
capítulos cada. Enquanto que a primeira parte trabalharia a teoria sobre
a vida, a segunda explanaria sobre o lado mais prático. Desta forma, a
“‘vaidade’ de todas as coisas terrenas é estabelecida na primeira parte, e
então a segunda parte salienta os deveres e obrigações que essa verdade
deve deduzir da humanidade.” (KAISER, 2015, p. 25s). Todavia, embora
realmente o texto pareça mais prático ao final, esta divisão não é assim
tão clara, tanto que já aparece pontos práticos no início do texto.

62
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Curiosidade

Um exemplo da praticidade no início de Eclesiastes foi o uso que o ministro


Luís Roberto Barroso fez do capítulo 3. Para se defender das duras críticas
que sofria ao deixar mais rígidos os critérios no indulto natalino de 2018,
Barroso citou o texto bíblico de Eclesiastes 3.7, tempo de falar e tempo
de calar. Disponível em: <https://g1.globo.com/politica/noticia/liberdade-
de-expressao-faz-parte-da-vida-diz-barroso-ao-ser-questionado-sobre-
criticas-do-governo.ghtml>. Acesso em: 25 mar. 2020.

A segunda possibilidade de se vislumbrar alguma estrutura, seria


dividindo o livro em quatro partes. Desta forma, Eclesiastes teria sido
elaborado a partir de quatro discursos:

O 1.º Discurso contempla o texto de 1.2 a 2.26. Ali, o pregador


expõe que há um curso eterno, e que as tentativas humanas de alteração
são inúteis e conclui que “o objetivo da nossa existência terrena só pode
consistir em desfrutar a vida com o temor de Deus e aceitar o bem atual
com gratidão.” (KAISER, 2015, p. 27)

O 2.º Discurso vai de 3.1 a 5.19. Nessa porção, o mestre enfatiza que
os esforços humanos dependem das circunstâncias e finaliza afirmando
que “o gozo alegre da vida, ligado ao temor de Deus e à humildade, deve
ser recomendado como o bem maior.” (KAISER, 2015, p. 27)

O 3.º Discurso compreende o trecho de 4.1 a 8.15. Nele, o autor


esclarece que o ser humano muitas vezes não pode desfrutar das
riquezas adquiridas por suas próprias falhas ou pela falta de alguém em
relação a ele. Diante disso, as pessoas deveriam “de uma maneira mais
nobre, procurar o gozo verdadeiro e alegre da vida, usando alegremente
as bênçãos terrenas, buscando uma sabedoria mais elevada e evitando a
loucura.” (KAISER, 2015, p. 28)

O 4.º Discurso estaria entre os capítulos 8.16 e 12.8. Nele, o pregador


encoraja seus ouvintes a se dedicar a “desfrutar aquilo que é bom e belo na
vida, especialmente em nossa juventude e no vigor de nossa humanidade”
uma vez que Deus é soberano” (KAISER, 2015, p. 28)

63
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Os três primeiros discursos propostos são até interessantes, mas


o último ainda teria um tom negativo, enquanto a grande maioria dos
teólogos vê nos capítulos finais o auge de todo o livro. O problema não
se deve tanto ao fato de o pessimismo estar presente no último discurso,
mas, principalmente, à forma de se interpretar como o autor vê a soberania
de Deus, como algo autoritário e determinista.

Outra possibilidade é encarar o livro de Eclesiastes como uma


verdadeira jornada, na qual, primeiramente “o Mestre descreve sua busca
por sabedoria e significado na vida [para depois] confiar na personalidade
e nos caminhos de Deus” (BARRY, 2016, não paginado). Eis a proposta
desse autor:

1.1-11: Prólogo e Introdução

1.12 a 6.12: A busca pelo significado da existência

7.1 a 12.8: Conselhos do pregador

12.9-14: Conclusão

Outra forma de se estudar o livro de Eclesiastes é deixar de lado a


busca por uma estrutura, pois aos moldes modernos ela não existe. Mas
nem por isto seria um amontoado de informações aleatórias. Segundo
Dockery (1992, p. 361), “Eclesiastes se move cuidadosamente entre um
grupo de assuntos selecionados. Isso inclui riqueza, política, sabedoria,
morte e envelhecimento. À medida que o livro avança de um lado para
outro [...], uma linha de pensamento completa surge gradualmente”.
Embora ele tenha feito um trabalho fantástico de identificação de cada
perícope e suas respectivas temáticas, devido à falta total de sequência
lógica, não se pode concordar com ele, quando diz que uma linha de
pensamento vai surgindo. Eis os principais recortes sugeridos por ele:

• Introdução: 1.1 e 2
• O tempo e o mundo: 1.3-11; 3.1-15a; 11.7-12.7
• Sabedoria: 1.12-18; 2.12-17; 6.10-7.6; 7.11-29
• Riqueza: 2.1-11, 18-26; 4.4-8; 5.10-6.9; 7.11-14; 10.18-20; 11.1-6

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• Política: 3.15b-17; 4.1-3, 13-16; 5.8-9; 7.7-10; 8.1-9.6; 9.13-10.20


• Morte: 3.18-22; 8.1-9.6
• Amizade: 4.9-12
• Religião: 5.1-7; 7.15-29
• O mau: 8.1-9.6
• Contentamento: 9.7-12; 11.7-12.7
• Conclusão: 12.8-14
Infelizmente, nenhum, dentre os autores pesquisados, levantou
a possibilidade de os discursos serem estipulados, a partir das breves
conclusões relacionadas com a vaidade da vida, que aparecem ao longo
do texto. Tendo em vista que a temática principal do livro é “a futilidade
debaixo do sol”, como bem expressa no início de seu discurso “vaidades
de vaidades, diz o pregador, vaidades de vaidades, tudo é vaidade” (Ec
1.2) mais as quase 30 vezes que aparece a expressão debaixo do sol,
acredita-se que os versos 1.14; 2.11; 2.26; 4.16; 5.20; 6.9; 8.15; 11.8 e 12.8
seriam os delimitadores de encerramento de cada discurso e o versículo
posterior a eles seria o indicador do início da nova sessão. Cinco destes
nove versículos contêm a expressão Hevel wer‘ut ruah (é vaidade. É correr
atrás do vento), dois deles (11.8 e 12.8) usam kol hevel (tudo é vaidade) e
os últimos dois (5.20 e 8.15) apresentam a ideia de aproveitar o que Deus
proporcionou. A partir disso, uma hipótese que se levanta como uma
possível estrutura para Eclesiastes seria a seguinte:

1.1-2a – Prólogo (futilidade da vida debaixo do sol)


1.2b-14 A – futilidade de uma vida sem sentido
1.15-2.11 − A futilidade das grandes conquistas
2.12-26 − A futilidade da sabedoria (o homem vive para o outro)
3.1-4.16 − A futilidade do trabalho
5.1-20 − A importância da religião
6.1-9 − A futilidade da riqueza (e do trabalho)
6.10-8.15 − A fragilidade humana (é preciso aprender com o outro)

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8.16-11.8 − A futilidade da sorte e conselhos para ser próspero


11.9-12.8 − Exortação aos jovens
12.9-14 − Conclusão
Você deve ter observado que esta estrutura apresenta nove sessões
ou discursos com uma ligeira relação entre eles, a partir de uma leitura
menorática. Os elementos não são tão formais para se defender isto
com segurança, mas mesmo que não seja possível uma constatação
desta magnitude, é curioso notar que o eixo central do livro, a partir
desta proposta de estruturação, é o capítulo 5.1-20, em que se fala da
importância de se ter uma religião verdadeira.

Independentemente da estrutura que você escolher, ou mesmo que


não escolha nenhuma delas, não perca de vista os vários vislumbres que o
autor vai deixando pelo livro, em meio aos próprios devaneios “fatalistas”.
Diante das lições boas a que se convida seus leitores, talvez o ideal fosse
chamá-lo de realista e não o ver como pessimista, como sempre foi feito
ao longo da história. Eis algumas verdades deixadas pelo hagiógrafo: a)
o trabalho vem de Deus e Ele agracia o justo, mas viver só em busca da
bênção é futilidade (2.24-26); b) Deus colocou “a eternidade” no coração
do homem, embora este não consiga alcançá-la (3.11); c) Deus prova o
homem para mostrar sua insignificância (3.18); d) é preciso ser equilibrado
e temer a Deus (7.13-18); e) Deus fez os homens justos, mas eles buscam
muitas complicações (7.29); f) tudo irá bem, aos que temem a Deus (8.12);
g) é recomendável lembrar-se do Criador na tenra idade (12.1); e h) é
preciso obedecer aos mandamentos de Deus, pois Ele julgará tudo e todos.

Como se pode perceber, mesmo em meio às críticas realistas


relacionadas à vida e sua complexidade, o autor mostra-se como um sábio
que de tolo não tem nada. É alguém que a partir das constatações da vida
diária e, mesmo limitado pela teologia de sua época, consegue ver que
debaixo do sol “tudo é vaidades de vaidades”, mas viver sob os desígnios
divino, mesmo sem compreendê-los plenamente, é o que realmente
importa. No próximo capítulo, serão analisados outros aspectos da poesia
hebraica com o intuito de facilitar a compreensão dos livros bíblicos
reconhecidos como poéticos, que serão analisados no último capítulo.

66
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Síntese do Capítulo
Como foi visto, o povo hebreu era muito observador e prático.
Isto ajudou a condensar suas conclusões a partir de pequenos versos,
compostos por até quatro linhas, por ser de fácil assimilação. O povo
hebreu usava simples figuras do dia a dia para chamar a atenção para
assuntos profundos e bem significativos.

Você aprendeu ainda que a vida é cheia de paralelos e que os


ensinos podem ser adquiridos por meio de comparações simples, do tipo:
“melhor é isto do que aquilo”, e que nem todo oposto se contradiz (sim, o
sábio consegue ensinar até por meio de antíteses). Ainda, sobre o poder
da observação, quem diria que uma simples fogueira se apagando por
falta de lenha poderia ensinar algo tão grande, como a necessidade de
não ser um difamador. E, o que dizer dos números? Eles mesmos sempre
foram sinônimos de padrão métrico de quantidade, mas o sábio pede para
usá-lo também para medir ou comparar a qualidade coisas da vida.

Por fim, foi visto que o livro de Provérbios é composto por ditos que
foram sendo produzidos e colecionados ao longo de anos. E que o autor
de Eclesiastes não era um amargurado qualquer. Era um pregador. Que vai
expondo sua verdade de forma nada ortodoxa, mas gradativa e sob um
viés bem realista. Assim, mesmo em meio a um aparente pessimismo,
provê alguns lampejos de sabedoria, como alternativa ao enfadonho “viver
debaixo do sol”.

67
3. A Poesia Hebraica em Uso
nos Livros Poéticos
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3. A Poesia Hebraica em Uso nos Livros


Poéticos
Nos capítulos anteriores, você obteve um panorama sobre a
literatura sapiencial e sua aproximação com a poesia hebraica, passando
pelos livros de Jó, Provérbios e Eclesiastes. Talvez não vê a hora de
adentrar no livro mais querido do povo brasileiro e deslumbrar os
desígnios dos salmistas. Mas, para melhor entender este e os outros dois
livros considerados poéticos na Bíblia (Cantares e Lamentações), se faz
necessário um estudo acerca do uso da poesia pelo hebreu. Sobre isto é
que se debruça neste capítulo.

Aqui você irá aprender quando se iniciou os estudos relacionados


à poesia hebraica. Conhecer os principais elementos poéticos da poesia
bíblica. Entender o significado das principais figuras de linguagem e seu
uso como suporte para a literatura poética. Conhecer sobre os paralelismos
mais utilizados pelos livros poéticos. E, por fim, aprender sobre dois tipos
de estruturação de um texto que são mais do que mero arranjo estilístico,
são usados como estrutura poética.

3.1 A poesia no Antigo Testamento


Esta peculiaridade na língua hebraica, foi destacada pela primeira
vez pelo sábio Abraham Ibn Ezra (1089-1160), mas só foi difundida mais
tarde, em 1753, pelo padre Robert Lowth, em uma série de palestras que
mais tarde foi publicada como livro (BENTZEN, 1968, p. 134). Inicialmente,
Lowth de “poesia sagrada dos hebreus”, mas com o passar do tempo,
consensualmente, acabou sendo fixada como “Poesia Hebraica Bíblica”.
Com o tempo também vieram vários outros pesquisadores que acabaram
indicando melhor os vários tipos de paralelismos e as características que
a poesia hebraica apresentava.

Além da relação entre as partes de cada versículo, também


se observou que os diferentes tipos de cânticos e as várias figuras de
linguagens estavam bem presentes na estrutura poética para exposição
dos textos bíblicos. O que será apresentado a seguir.

69
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3.1.1 Alguns elementos poéticos


Antes de se elucidar melhor sobre o paralelismo hebraico e suas
variações, convém explicar sobre os outros elementos que também
podem ser encontrados na poesia hebraica.

3.1.1.1 A poesia alfabética


Aqui não existe a preocupação em rimar ideias, nem sequer de se
formar paralelos (se bem que eles podem vir a existir). A conexão principal
se dá, a partir do uso das letras do alfabeto, respeitando sempre sua ordem.
Neste caso, cada verso do poema é iniciado com uma letra do alfabeto.
Em outras palavras, o primeiro verso começa com o ’alef, o segundo verso
com o Bet, o terceiro verso com o Guimel, o quarto verso com o Dalet e,
assim por diante até chegar no vigésimo segundo verso, que inicia com
a letra Taw (a última letra do alfabeto hebraico). São exemplos deste tipo
de poesia o Sl 25, 34, 145; Pv 31.10-31 e Lm 1,2,4. Nestes textos, cada
versículo inicia com uma consoante hebraica.

No meio acadêmico, normalmente se usa o nome “acróstico”, para


se referir a este tipo de poesia. Mas, por entender que o acróstico é uma
forma de reorganizar as palavras e ideias iniciando-se cada verso com o
objetivo de formar uma palavra, a partir destas iniciais, neste livro optou-se
por utilizar a nomenclatura alfabética, porque a base utilizada é o alfabeto
hebraico e não as letras de uma determinada palavra. Esta postura foi
influenciada por Gusso (2012, p. 11)

Glossário

O alfabeto hebraico é chamado de consonantal porque não possui


vogais. Ele é composto só por consoantes, 22 no total.

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Talvez você esteja pensando: “se cada verso do poema inicia com
uma consoante, é só decorar o alfabeto hebraico que fica fácil localizá-la.”.
Tem lógica. Mas infelizmente nem sempre é assim. Como inicialmente
o texto hebraico era escrito tudo junto, sem qualquer separação por
capítulos, versículos ou sequer ponto final, na hora da tradução, por
não se conhecer esta peculiaridade da poesia hebraica, alguns salmos
foram divididos em versículos, de forma a não respeitar a divisão a partir
das 22 consoantes. Por esta razão, os salmos 111 e 112 são salmos
alfabéticos, deveriam ser traduzidos em 22 versículos ou, no mínimo
em seus múltiplos. Mas, na tradução em português, ambos só possuem
dez versículos cada. Curiosamente estes dois salmos seguem o mesmo
esquema: os versículos de 1 a 8 são compostos por duas partes, cada
uma iniciada com uma consoante do alfabeto, enquanto que os versos 9 e
10 são compostos por 3 partes. Pensando numa melhor visualização, será
apresentado um quadro indicando qual a parte de cada verso corresponde
a cada consoante. Só lembrando, os dois salmos, 111 e 112, usam esta
mesma distribuição.

a 1ª parte do v.1 inicia com a letra ’alef a 2ª parte do v.6 inicia com a letra Lamed
a 2ª parte do v.1 inicia com a letra Bet a 1ª parte do v.7 inicia com a letra Mem
a 1ª parte do v.2 inicia com a letra Guimel a 2ª parte do v.7 inicia com a letra Nun
a 2ª parte do v.2 inicia com a letra Dalet a 1ª parte do v.8 inicia com a letra Samekh
a 1ª parte do v.3 inicia com a letra Hey a 2ª parte do v.8 inicia com a letra Ayin
a 2ª parte do v.3 inicia com a letra Waw a 1ª parte do v.9 inicia com a letra Pe
a 1ª parte do v.4 inicia com a letra Zayin a 2ª parte do v.9 inicia com a letra Tsad
a 2ª parte do v.4 inicia com a letra Heth a 3ª parte do v.9 inicia com a letra Quf
a 1ª parte do v.5 inicia com a letra Thet a 1ª parte do v.10 inicia com a letra Resh
a 2ª parte do v.5 inicia com a letra Yod a 2ª parte do v.10 inicia com a letra Shyn
a 1ª parte do v.6 inicia com a letra Kaf a 3ª parte do v.10 inicia com a letra Taw

Outros dois textos em que o tradutor ignorou a estrutura alfabética


do conjunto foram o salmo 37 e Naum 1:2-8. Ambos os textos não parecem
fazer parte da estrutura alfabética, pois o primeiro possui quarenta
versículo e o segundo só possui sete. Enquanto o salmista utilizou uma
oração, composta por quatro partes, iniciada com cada consoante (o que
equivaleria um versículo para cada letra do alfabeto), o tradutor acabou

71
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usando dois versículos para representar a maioria dos parágrafos, mas


teve momento que usou apenas um verso ou um verso e meio, para
representar uma determinada letra. Quanto ao texto profético, a culpa não
recai somente para o tradutor; pois o autor sagrado além de optar por usar
apenas as onze primeiras letras, para o versículo que inicia com a primeira
letra, ele usou seis frases, enquanto que para as demais consoantes, usou
apenas duas frases para cada uma.

3.1.1.2 A estrofe, o estribilho e o refrão


Como visto anteriormente, na poesia hebraica uma determinada
ideia é expressa numa linha, que estará em uma relação direta de
comparação ou complemento com outra linha. Quando isto ocorre, há os
chamados paralelismos, que serão mais bem detalhados mais adiante.
Mas, quando mais de um conjunto destas duplas de linhas se relacionam,
unidas por uma temática em comum, são chamadas de estrofe. Segundo
Nunes Júnior (2012, p. 109) alguns estudiosos já chamam de estrofe
a base primária, formada pela junção de duas linhas. Mas o ideal seria
perceber a relação temática, de significado ou a partir de alguma estrutura
entre as várias linhas, para então se declarar a existência de uma estrofe.

Um bom exemplo disso pode ser visto no salmo 121. Ele pode ser
dividido em quatro estrofes. a) os v.1,2 trabalham a temática do socorro;
b) nos v.3,4 a ênfase está no fato de Deus estar atento; c) os v.5,6 falam da
sombra protetora; e d) os v.7,8 é proteção total (cita 3x o verbo proteger).
Observe o texto, a partir desta divisão:

a. 1”Elevo meus olhos para os montes; de onde vem o meu socorro?”


2Meu socorro vem do SENHOR, que fez os céus e a terra.
b. 3”Ele não permitirá que teus pés vacilem; aquele que te guarda
não se descuida.”
4É certo que o guarda de Israel não se descuidará nem dormirá.
c. 5”O SENHOR é quem te guarda; o SENHOR é tua sombra ao teu
lado direito.”
6O sol não te prejudicará de dia, nem a lua de noite.

72
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d. 7”O SENHOR te protegerá de todo mal; ele protegerá a tua vida.”


8O SENHOR protegerá a tua saída e a tua entrada, desde agora
e para sempre.
Além do tema de cada conjunto de linhas, outra forma de se
determinar uma estrofe, é a partir da estrutura. Um bom exemplo deste
tipo é a partir da poesia alfabética, já mencionada anteriormente. Convém
salientar que nem toda poesia alfabética tem estrofe. Isto ocorre somente
quando a poesia alfabética inicia mais de um verso com a mesma
consoante. Ou seja, o capítulo sempre terá a quantidade de versos
múltiplos de 22. Por exemplo, o capítulo 3 de Lamentações de Jeremias
possui 66 versículos porque o hagiógrafo utilizou uma letra hebraica para
compor cada três versos e o tradutor respeitou esta proporção e manteve
a equivalência entre um verso hebraico como um versículo em português.
Assim, os três primeiros versículos iniciam com ’alef, os v.4,5,6 iniciam
com o Bet, os v.7,8,9 com o Guimel e assim, sucessivamente. Já o Salmo
119 possui 176 versos porque cada letra foi utilizada para compor 8
versículos. Ou seja, os versos de 1 a 8 iniciam com ’alef, os versos de 9 a
16 com o Bet e assim até finalizar com os versos 169 a 176 iniciando com
a letra Taw. Cada conjunto destes é considerado uma estrofe. No caso
de Lamentações, são estrofes com três versículos cada enquanto que no
salmo 119, são estrofes com 8 versos.

Outra forma de se determinar quantas estrofes um texto tem é a


partir do uso de estribilhos. Frase ou conjunto de linhas que se repetem
de tempos em tempos, ao longo de um determinado texto. Um exemplo
clássico é representado pelos salmos 42 e 43. Isto justificaria, inclusive
a declaração de Dillard e Longaman III (2006, p. 215), que o consideram
como um único salmo:

1ª estrofe Sl 42.1-4
Estribilho: Sl 42.5 “Por que estás abatida, ó minha alma,
e por que te perturbas dentro de mim?
Espera em Deus, pois ainda o Louvarei
pela salvação que há na sua presença.”

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2ª estrofe Sl 42.6-10
Estribilho: Sl 42.11 “Por que estás abatida, ó minha alma,
e por que te perturbas dentro de mim?
Espera em Deus, pois ainda o Louvarei
a ele que é o meu socorro e o meu Deus.”

3ª estrofe Sl 43.1-4
Estribilho: Sl 43.5 “Por que estás abatida, ó minha alma,
e por que te perturbas dentro de mim?
Espera em Deus, pois ainda o Louvarei
a ele que é o meu socorro e o meu Deus.”
Outro elemento comum na poesia hebraica que pode ou não estar
vinculado ao uso de estrofes num texto é o refrão. Ele é representado
por uma unidade textual que vai sendo repetida ao longo do texto. Ele
pode ser apenas uma palavra-chave ou pode ser uma linha completa. Seu
principal objetivo é enfatizar um determinado assunto (NUNES JÚNIOR,
2012, p. 111). O exemplo mais conhecido de refrão está na segunda parte
de cada versículo do salmo 136. Muito provavelmente o sacerdote dizia a
primeira parte relembrando os grandes feitos de Deus para com Israel e o
povo “respondia” recitando a segunda linha (ou segunda parte do verso):
“porque a Sua benignidade dura para sempre”.

Outro exemplo de refrão pode ser encontrado no livro de Cantares.


Ali, na verdade, há dois refrãos diferentes: a) “eu sou do meu amado e o
meu amado é meu” (aparece três vezes: Ct 2.16; 6.3 e 7.19); e b) “Conjuro-
vos, ó filhos de Jerusalém, pelas gazelas e cervas do campo, que não
acordeis, nem desperteis o amor, até que ele o queira” (também citado
três vezes: Ct 2.7; 6.3 e 8.4).

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Ainda em Cantares, Coelho Filho e Giordano (2011, p. 363) sugerem


que os autores invertiam as posições de algumas expressões, para manter
certo nível de mistério. Eles defendem que Ct 3.11 precisa ser lido antes
de Ct 2.1 para dar um maior sentido à mensagem do cântico. Depois de
muitas lidas e verificações, esta antecipação só faz sentido para estes
dois autores. Por isto, não se tem a pretensão de gastar mais energia com
este detalhe.

3.1.2 O uso de figuras de linguagens como recurso


poético
Como toda e qualquer língua, é muito importante descobrir o que
realmente a palavra significa. Na linguística cada palavra é vista como
um signo, um emblema carregado de sentido e que, dependendo de
onde ela for usada, poderá ter compreensões bastante diferentes. Tome
como exemplo a palavra manga. O que você pensou? Talvez a primeira
imagem que lhe veio à mente foi a de uma fruta e, dependendo de sua
origem, a imaginou inclusive sendo mordida, lá embaixo da mangueira,
com direito até à lembrança gostosa do sumo escorrendo pelo antebraço
e pingando do cotovelo. Só aqui, há duas imagens para o mesmo sentido
da mesma palavra. Ambas estão corretas. Mas, além disso, ainda pode
haver a possibilidade de alguém ter pensado numa parte de alguma
blusa. Se assim o foi, pode ter pensado em manga curta, ou manga longa.
Ainda pode ser que alguém tenha lembrado de uma mangueira (aqui, se
referindo a um tubo de borracha flexível e não ao pé da manga). Enfim, é
sempre importante “perguntar” pelo contexto a fim de se entender do que
realmente se está falando.

Além destes diferentes tipos de signos, inerentes a cada palavra ou


conceito, também há algumas formas peculiares de se tratar um texto.
Segundo Domingues (2019, p. 59) estes atos de linguagens podem ser
utilizados de forma formal, informal ou simbólica. Assim, surgem tantas
figuras de linguagem que acabam trazendo em si mesmas, certas
características bem taxativas na determinação do significado pretendido
e, sem levá-las em consideração, certamente a mensagem pretendida
será perdida.

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Exemplo

Um exemplo, até jocoso, de um mal-uso neste sentido pode ser visto na


interpretação equivocada que um grupo de cristãos fez de Js 1.3 “Todo
lugar que pisar a planta de vosso pé, vô-lo dei, como disse a Moisés.”. Há
alguns anos aqui em Curitiba, um grupo de irmãos, decidiram, depois
de um culto de oração, sair descalços pela quadra ao derredor da igreja
“declarando que as almas ali residentes seriam conquistadas para
Cristo”. Ao entender todo o contexto do livro de Josué, inclusive o seu
desfecho, o que Deus estava dizendo era que “enquanto eles tivessem
disposição de caminhar (no sentido de lutar) a fim de conquistar e
tomar posse da terra prometida, Deus estaria com eles.

Você deve lembrar que em todo o processo de conquista da terra, houve


vitórias humanamente impossíveis, mas como eles ousaram em nome
do Senhor, Deus os abençoou. Mas, ao final de Josué, descreve-se que
eles não prosseguiram na conquista porque já estavam satisfeitos com
aquilo que haviam alcançado, mas em vez de serem sinceros, usaram
a desculpa de que os moradores de determinadas regiões eram muito
numerosos e poderosos. Deus não poderia vencê-los? Claro que sim,
mas como o povo não quis mais caminhar rumo à conquista, Deus
simplesmente parou de agir. Enfim, torna-se de suma importância
conhecer as principais figuras de linguagem utilizadas no texto bíblico,
em especial, quando se trata de poesia.
3.1.2.1 Elipse e perguntas retóricas
A elipse é a supressão de um termo, de tal forma que o sentido é
mantido no entendimento do contexto. Aplicando às linhas utilizadas em
paralelo, às vezes falta o sujeito ou o verbo em uma delas, normalmente
na segunda. Além disso, o mais comum é não ter a presença do verbo
(NUNES JÚNIOR, 2012, p. 42). Isto causa uma quebra estrutural, pois como
falado anteriormente, o normal é que cada conjunto de linhas equivalentes,
usem uma mesma quantidade de palavras ou acentos. Todavia, quando
uma elipse está presente, as linhas perdem a beleza da sintonia, o que
poderia rapidamente dar a ideia de não serem correspondentes ou não se
enquadrarem no estilo poético. Observe os seguintes casos:
e. Exemplo de verso que há elipse do sujeito ou objeto direto:
“Senhor Deus dos exércitos, escuta a minha oração;
dê ouvidos xxxxxx, ó Deus de Jacó.” (Sl 84.8)

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“Mas ele foi traspassado pelas nossas transgressões,


e xxxxxx moído pelas nossas iniquidades.” (Is 53.5a)
f. Exemplo de versos que há elipse do verbo:
“(Eles) Voltaram atrás, e tentaram a Deus;
......... e provocaram o Santo de Israel.” (Sl 78.41)
“(Ele) entregou “às lagartas” as novidades deles,
......... e o fruto do seu trabalho “aos gafanhotos”.” (Sl 78.46)
g. Exemplo de verso em que há elipse do sujeito e do verbo:“Quebrou
o Senhor a vara dos poderosos,
e xxxxx xxxxx o cetro dos dominadores.” (Is 14.5)
h. Exemplo de verso que há elipse do objeto indireto na primeira
linha e do sujeito na segunda:
“Porque tu Senhor, és bom e pronto a perdoar xxxxxxxxx
xxxxxx abundante em benignidade para com todos os que o
invocam.” (Sl 86.5)
Convém ressaltar que mesmo com o emprego de elipse em partes
de cada linha ou nas duas, cada versículo continua em sua estrutura
poética de paralelismo.
Outra forma de supressão de uma ideia é por meio do uso de
perguntas retóricas. Isto ocorre quando não se espera nenhuma resposta
verbal. Desta forma, num primeiro momento parece sempre que o autor
esqueceu de escrever a resposta ou, pior, não sabe. O objetivo maior é
fazer o ouvinte refletir sobre o que acabou de ser perguntado. Muitas vezes
ela serve quase que, como uma declaração enfática sobre a questão.

Dica

Um caso tragicômico sobre o mal-uso desta figura de linguagem,


aconteceu comigo em meados de 1994. Ao ler a declaração de Paulo em
Rm 8.31 que diz “Que diremos pois a estas coisas? Se Deus é por nós,
quem será contra nós?”. Me lembro como se fosse ontem eu entrando na
sala do pastor e com uma cara de surpresa disse a ele: “Como que Paulo
não sabe quem é “contra nós”? Está claro que o inimigo de todo cristão
é o Diabo.” Ele riu e me corrigiu. Paulo sabia da existência do Diabo e
da constante luta contra carne e espírito, mas o que o apóstolo estava
dizendo é que não há nada nem ninguém que seja capaz de ser “contra
nós”, se Deus for o nosso protetor.

77
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Semelhantemente, Deus pergunta para Adão: Onde estás? (Gn


3.9). É claro que Deus, sedo onisciente, sabia onde Adão estava e o que
havia feito. Mas era hora de Adão refletir. Quando os exilados babilônicos
pedem aos judeus para que cantassem algum cântico de Sião, os
hebreus responderam: “Como entoaremos o cântico do Senhor em terra
estrangeira?” (Sl 137.4) Eles não tinham medo, nem tão pouco haviam
esquecido a letra. Estavam fazendo uma declaração de que só cantariam
em Jerusalém. (infelizmente eles ainda não tinham aprendido que Deus
está em toda parte e também achavam que Deus morasse em Jerusalém).

O salmista também não mostra dúvida, muito pelo contrário, declara


sua confiança em Deus ao fazer uso de duas perguntas retóricas:

“O Senhor é minha luz e a minha salvação;

a quem temerei?

O senhor é a força da minha vida;

de quem me recearei?” (Sl 27.1)

Outro exemplo belíssimo deste recurso está lá nos salmos 42 e 43,


quando depois de algumas declarações acerca da presença, do cuidado
e do agir divino, por três vezes ele repete a mesma pergunta a si mesmo.
Não é porque ele está em dúvida. Muito pelo contrário, está declarando
que diante de um Deus tão grande, não há razão para abatimento algum:

“Por que está abatida, ó minha alma,

E por que te perturbas dentro de mim?”

(Sl 42.5,11; 43.5)

78
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3.1.2.2 Símile e metáfora


Outras figuras de linguagem, muitíssimo utilizada pelos autores
bíblicos, são a símile e a metáfora. Ambas são usadas para se registrar
um conceito a partir da comparação a uma imagem. Na primeira o uso
é explícito. O autor mostra sua intensão comparativa por meio do uso
de certas preposições: “como”, “assim como”, “tal como” ou pelo uso do
adjetivo mais uma preposição: “semelhante a”. Eis dois exemplos do uso
de símile:

“Pois será como árvore plantada junto às correntes de águas;

a qual dá o seu fruto na estação própria, e cuja folha não cai.” (Sl 1.3)

“Não são assim os ímpios,

Mas são semelhantes à moinha que o vento espalha.” (Sl 1.4)

Quando a comparação é feita por intermédio de metáforas, isto


ocorre de forma implícita. A figura simplesmente é declarada como se
fosse a descrição do sujeito, a que se refere. Ela pode inclusive, ser usada
como substituta do sujeito. Eis alguns exemplos:

“O Senhor é o meu pastor,

e nada me faltará.” (Sl 23.1)

“Direi do Senhor: Ele é o meu refúgio e minha fortaleza,

o meu Deus em quem confio.” (Sl 91.2)

Note que, a diferença entre elas é mínima. Por exemplo, se o


salmista tivesse dito: “O Senhor é como um pastor, por isto nada me
faltará”, seria uma símile. Mas, como ele usa a figura pastoril, como uma
descrição do Senhor, é chamada de metáfora. Porém, o mais importante
é entender que em qualquer um dos dois usos, não se pode interpretar
de forma literal. Por exemplo, sendo bem realista, pra que um pastor
de ovelhas cuida do animal, se não for para usar sua lã, seu leite e sua
carne? Mas quando o salmista reconhece a Deus como seu pastor, não
é nisto que estaria pensando.

79
< voltar

3.1.2.3 Personificação, antropomorfismo e


antropopatia
A personificação, também chamada de prosopopeia, é quando algo
abstrato ganha “vida” e qualidades, como se fosse uma pessoa. Observe o
que diz o salmista: “A benignidade e a felicidade se encontraram, a justiça
e a paz se beijaram.” (Sl 85.10). É como se estivesse descrevendo duas
duplas de pessoas se relacionando. O uso mais clássico é o que acontece
com a sabedoria. Não são poucos os textos bíblicos que lhe atribuem
características próprias de um ser humano em seu dia a dia.

O exemplo maior está lá em Provérbios capítulos 8 e 9. Eis algumas


características humanas atribuídas à sabedoria: no capítulo oito, ela
aparece como a narradora do evento e diz que: sobe aos montes e
vai na porta da cidade para ser vista (v.2s), convida as pessoas para o
aprendizado (v. 4s), fala de si mesma (v.6s), ama quem a ama (v.17), diz
por onde anda (v.20) e o que pode fazer (v.21). No capítulo 9 continua
neste mesmo sentido de declarações e nele a sabedoria se apresenta
como quem: acabou de edificar sua casa (v.1), alguém que preparou a
mesa (v.2), que deu ordem às suas criadas (v.3) e aconselha as pessoas,
sobre como viver (v.4-12).

Diante deste tratamento tão vívido, naturalmente surge a necessidade


de se atribuir características e emoções humanas, à coisa personificada.
Respectivamente, são chamados de antropomorfismo (formas humanas)
e antropopatia (sentimentos humanos). Em Pv. 8, já mencionado
anteriormente, é possível ver que a sabedoria possui voz (8.1), lábios (8.6),
boca (8.7s) e que foi parida (8.24, como se estivesse passado pela gestação),
claramente características bem humanas. Além disso, ainda diz que ela se
preocupa com a discrição (8.12) e demonstra sentimento de amor (8.17),
como se fosse uma pessoa se relacionando com outra.

Além deste uso específico de antropomorfismo e antropopatia com


relação à sabedoria e a outros substantivos abstratos, também acaba
sendo muito comum, o uso de tais figuras de linguagem para se referir ao
próprio Deus. Certamente todo autor sagrado sabia muito bem que por ser
espírito, Deus não possui uma forma específica. Mas, como se referir a Ele

80
< voltar

e suas ações, se não for por meio do linguajar humano? Por isso, não são
poucos os textos que falam sobre os olhos de Deus (Sl 33.18), seu coração
(Gn 6.6b), sua boca e lábios (Jó 23.12), seus ouvidos (Sl 31.2), suas mãos
(Sl 37.24), seus braços (Sl 77.15), mas nunca com o sentido de descrever
sua aparência, mas sim em destacar o seu modo de agir. Tanto que,
segundo Smith (2001, p. 100), quando o próprio Deus fala que iria fechar
os Seus olhos (Is 1.15) ou nas inúmeras vezes que os hebreus declaram
que Ele não ouviria a oração do povo (Jr 14.12), taparia os ouvidos (Lm
3.56), se esconderia (Sl 10.1) ou esconderia Sua face (Mq 3.4), queriam
enfatizar sobre a inatividade divina em favor da humanidade. Convém
ressaltar que, curiosamente não criam que Deus tivesse sido vencido e
por isso é que não estaria agindo, muito pelo contrário, geralmente estava
muito mais para uma indignação dos autores bíblicos em questionar o
porquê de Deus, sendo tão poderoso, continuava sem atendê-los, como
que ignorando-os.

Além deste olhar antropomórfico para com Deus, na tentativa de


descrever seu modo de agir, também se emprestava algumas emoções,
totalmente humanas, para tentar descrever a forma de Deus se relacionar
com os homens. Por exemplo, quando o salmista pede que Deus fizesse
“resplandecer o Seu rosto” sobre o orador (Sl 31.16, 67.1 e 119.135), em outras
palavras, ele estaria pedindo para Deus ficar alegre com a postura dele, afinal,
a raiz hebraica também pode ser traduzida por alegrar-se ou ser feliz.

Como oposto a este sentimento, o salmista também diz que Deus


sente a perda de um justo (Sl 116.15). Em outro texto é declarado que
Deus se entristeceu, “sentiu um peso no coração”, (Gn 6.6b). Normalmente
o entristecer-se é usado como uma maneira de se dizer que Deus não
está de acordo com a situação em destaque. De alguma forma, que a
razão humana não pode perscrutar, Deus “sofre” com os erros e atitudes
inconvenientes de sua criação. Para tentar dizer isto, os escritores
emprestam a aflição humana para destacar esta “sensibilidade” divina. Ou
seja, mesmo sendo um ser tão transcendente, conforme se cria na época,
é um Deus que se “preocupa” com sua criação.

Outra emoção muito empregada para a Santíssima Divindade é a


ira. Sim, não se engane, o Senhor é “um Deus que se ira todos os dias”,

81
< voltar

como já declarava o salmista (Sl 7.11). Para aumentar um pouco mais


a polêmica, o próprio Deus diz que seu povo estava provocando Sua ira
(Jr 8.19). Mas, como assim? Ira não é pecado? Como Ele poderia ter uma
emoção tão descontrolada, fria e revoltante assim? Muito simples: primeiro
porque a ira como sentimento não é impura ou indigna, em si mesma. Agir
explosivamente por conta de uma ira descontrolada, isso sim, é pecado.
A ira é um sentimento de indignação contra alguém ou alguma coisa. Se
posicionar assim, quando necessário, não é errado. Tanto que o apóstolo
Paulo chega a dizer: “irai-vos, mas não pequeis” (Ef 4.26). Em segundo
lugar, quando se refere à ira divina, nunca se tem em mente apenas a ideia
de um sentimento ou um agir histérico, como muitas vezes acontece com
o ser humano (MORAES, 2018b, p. 72).

Algumas pessoas preferem usar a palavra indignação como


sinônimo à ira, talvez numa tentativa de se diminuir a má impressão que
esta palavra, naturalmente, leva. Todavia, o melhor entendimento para as
mais de vinte palavras utilizadas em hebraico para se referir a ira divina,
seria entendê-la como o agir de Deus no intuito de fazer com que Sua
justiça seja estabelecida (SMITH, 2001, p. 198). Assim, quando o Senhor
declara que o seu povo o está provocando (sua ira está aumentando, Jr
8.19), não está querendo dizer que Sua paciência está acabando e logo irá
“explodir”. Significa muito mais dizer que a manifestação de Sua justiça
logo chegará. Da mesma forma, quando o salmista declara que Deus se
ira todos os dias, jamais significaria dizer que Ele é um ser iracundo e
sem paciência, que já “levanta de pé esquerdo”, mal-humorado e pronto
para destroçar qualquer um que passe em seu caminho. Não. De forma
alguma. Tanto que a primeira parte deste versículo inicia dizendo que “Deus
é um justo juiz” (Sl 7.11). Lembrando do que já foi falado sobre as linhas
utilizadas em paralelos e a relação existente entre si (e este é um caso), o
que o autor sagrado está dizendo, em outras palavras, é: por Deus ser um
justo juiz, diariamente, ele manifesta Seu agir, aplicando Sua justiça.

Como contraponto ao sentimento da Ira, a Bíblia também declara


que Ele se compadece (Sl 106.45). Chega ao ponto de o próprio Deus
dizer que “Seu coração está comovido e Suas compaixões despertaram
todas no mesmo momento” (Os 11.8b). Certamente é uma forma de
tentar explicar o grande amor de Deus para com o Seu povo, mas não

82
< voltar

se iluda. Nenhum autor sagrado nunca quis fazer referência ao chamado


“sangue de barata” ou “coração mole”, como se diz nos dias de hoje.
Quem ama também precisa ser firme, como é o caso do Senhor. Neste
mesmo livro, o mesmo Deus também mandou um recado curto e direto
para o povo de Israel, por meio dos nomes dos filhos deste profeta (Os
1.4,6,9). Segundo Gusso (2017, p. 26s) Deus procurou mostrar que traria
seu juízo permitindo uma carnificina (Yisr‘e’el), não usaria de compaixão
(“Lo-Ruama”) e ainda romperia os laços com seu povo (“Lo Amy”). Em
outras palavras, Deus é compassivo, amoroso e benigno, mas também é
justo e quando necessário manifesta Sua correção.

Por fim, se faz necessário explicar a declaração de que “Deus se


arrependeu” (Am 7.3,6). Você deve estar lembrado que no início deste
capítulo, foi mencionado que cada palavra carrega em si um conjunto de
significados e dependendo da vivência do receptor, um acaba sobressaindo
mais que outros. Isto acontece de forma muito enérgica, com este termo.
Normalmente se associa a palavra arrependimento a evangelismo e,
concomitantemente, à sua definição mais básica: “arrepender-se é virar
as costas para o pecado”. Ao se considerar isto, de fato, Deus nunca se
arrepende, como foi declarado por Balaão “Deus não é homem para que
minta, nem filho do homem para que se arrependa.” (Nm 23.19) e tantas
outras vezes, como I Sm 15.29, Sl 102.26, Ml 3.6.

Mas, quando Amós, Jeremias e alguns outros autores sagrados


dizem que “Deus se arrependeu” de algo, a palavra utilizada é naham, que
pode ser traduzida por “arrepender-se”, mas vai além. Ela também significa:
“ter pena, ter compaixão, [...]consolar, confortar, expressar condolências”
(KIRST, 2007, p. 154). Por isso, a melhor tradução, quando esta palavra
é utilizada para Deus, em vez de pensar que “deus se arrependeu”, seria
melhor entender: que “Deus se entristeceu” ou então “teve um grande
descontentamento pela situação em si” (MORAES; 2018, p. 67). Neste
sentido, por conta da situação naquele momento, estaria mudando de
ação, com relação ao que estava em andamento.

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< voltar

Dica

Diferentemente da palavra naham, a palavra mais utilizada para


descrever o arrependimento, com a conotação de mudança de vida, no
sentido de abandonar uma vida errada e começar novamente, é shuv.
Neste sentido, Deus nunca volta atrás. Ele é imutável.

3.1.2.4 Eufemismo e ironia


O eufemismo é o uso de outras palavras afim de amenizar uma
determinada expressão. No capítulo um deste livro foi comentado sobre
a declaração da mulher de Jó. No hebraico foi escrito barech ’elohym
(literalmente abençoa a Deus) porque o autor bíblico poderia ter achado
muito pesado escrever qalel ’elohym (amaldiçoa a Deus).

Noutro exemplo, à semelhança do autor de Jó, o salmista também


preferiu utilizar a palavra berech (abençoa), como sinônimo de maldizente,
para suavizar a declaração:

“Pois o ímpio gloria-se no desejo do seu coração,

e o que é dado à rapina despreza e maldiz o Senhor.” (Sl 10.3)

Dependendo da interpretação que se tenha para o livro de Cantares,


é um livro bem carregado de eufemismos. Por exemplo, quando o seu
protagonista começa a descrever o corpo de sua amada, ele fala dos pés
(7.1ª), das coxas (7.1b), do umbigo (7.2), dos seios (7.3), pescoço (7. 4ª),
dos olhos (7.4b), da cabeça (7.5ª) e das tranças (7.5b). Segundo Nunes
Júnior (2012, p. 125s) o umbigo estaria claramente representando o órgão
sexual de sua amada, mas para amenizar o poema, ele usou a palavra
umbigo. Também se pode perceber outras expressões como “possuir
um jardim”, que amenizam a conversa de dois apaixonados, sem baixar
ao nível da pornografia. Mesmo que se siga esta corrente interpretativa,
não convêm gastar tanta energia, em especial na igreja, explicando ou
achando todas as palavras que teriam um duplo significado, para não

84
< voltar

correr o risco de ofender os seus membros. Convém destacar que “Ainda


que erótico em algumas partes, o Cântico dos cânticos nunca é vulgar ou
grosseiro em sua linguagem. Sua sexualidade é clara, mas não explícita;
é exposta, mas dignificada; é cativante, mas tímida. Contribui para o amor
ao invés de ser o seu centro.” (PINTO, 2006, p.580)

Outra figura de linguagem, neste campo de dizer uma coisa e


significar outra, usa-se, e muito, de ironia. Às vezes parece um elogio ou um
convite, mas o real sentido seria ridicularizar tal ação. Um exemplo forte
pode ser encontrado no Salmo 82, onde o salmista começa chamando
os poderosos de deuses que se assentam na Assembleia divina. Mas,
conforme vai desenvolvendo a canção, finaliza declarando que mesmo
sendo “filhos de deuses”, irão morrer porque não usaram suas influências,
antes se encantaram com os ímpios.

Quando Jó diz para seus amigos, após os três anunciarem seus


discursos: “Com os anciãos está a sabedoria, e na longura de dias o
entendimento.” (Jó 12:12), ele não está elogiando-os, está sendo irônico.
Talvez até sarcástico, que é outra figura, bem parecida com a ironia. O
sarcasmo está presente, por exemplo, quando Eliú (o quarto amigo de Jó)
o acusa de bater palmas para os discursos deles. Embora alguns autores
acreditam que ele teria aplaudido seus amigos por ira ou desprezo (GUSSO,
2012, p. 41s), faz mais sentido entender como uma atitude sarcástica.

Certamente há muitas outras figuras de linguagem utilizadas pelos


poetas bíblicos, mas por hora, as que foram abordadas são suficientes
para alertar sobre a importância de não se “levar tudo ao pé da letra” o que
dizem as Escrituras, em especial, quando o gênero é a poesia. No próximo
tópico, serão apresentados os principais tipos de paralelismo. Sim, se não
bastasse a beleza da relação entre duas linhas de pensamentos, existem
muitas maneiras deste relacionamento acontecer e é disso que será
tratado a seguir.

85
< voltar

3.2 Os tipos de paralelismos na poesia hebraica


mais usados nos livros poéticos
Como já mencionado, uma das características mais enfática da
poesia na Bíblia Hebraica é a presença do paralelo entre as ideias presentes
em duas ou mais linhas. Tais linhas podem se relacionar de forma a dizer
a mesma coisa com o uso de palavras sinônimas ou antônimas. Podem
se complementar por meio de explicação clara ou por metáfora. Podem
ir indicando as informações de forma crescente e paulatina ou de forma
direta. Podem ser utilizados de forma individual ou em junção a outros
tipos, enfim, embora simplista, a definição de paralelismo como a rima de
ideias, deve ser sempre o enfoque para sua percepção. Saber os vários tipos
ajudarão a entender melhor como interpretar os pensamentos ali expostos.

3.2.1 Os tipos formais de paralelismos na poesia


hebraica bíblica
Alguns tipos de paralelismo são mais convencionais, tendo o mesmo
nome adotado por vários pesquisadores (como o sinonímio ou sinônimo e
o climático), enquanto que outros, acabam recebendo mais de um nome
(como o sintético, também chamado de construtivo), mas a definição
e a forma de entende-los tem sido bem consensual entre os teólogos.
Outro detalhe interessante é que tem alguns tipos mais peculiares a
um determinado estilo. Por exemplo, nos Salmos é muito frequente os
sinônimos, em Provérbios é mais utilizado o antitético e o sintético, entre
os profetas, o numérico. Todavia não é de uso exclusivo a eles. Ou seja, é
possível encontrar qualquer um destes tipos em qualquer parte da Bíblia.
Mesmo porque, mais de 1/3 de todo o AT foi escrito de forma poética.

3.2.1.1 Paralelismo sinônimo


Também chamado de Sinonímio, são aqueles onde a segunda
linha diz a mesma coisa que foi dito na primeira. Alguns tentam fazer
distinção entre Sinônimos idênticos (quando diz a mesma coisa usando
palavras sinônimas) e sinônimos semelhantes (quando enfatiza a mesma

86
< voltar

ideia usando palavras diferentes). Aqui serão mostrados sem qualquer


distinção. O mais importante é perceber que ambas as linhas estão
dizendo a mesma coisa. Por exemplo:

“Ó Deus, não guardes silêncio;


não te cales nem fiques impassível, ó Deus.” (Sl 83.1)
“Pois eis que teus inimigos se alvoroçam,
e os que te odeiam levantam a cabeça.” (Sl 83.2)
“Astutamente formam conselho contra o teu povo,
e conspiram contra os teus protegidos.” (Sl 83.3)
“Um dia faz declaração a outro dia,
e uma noite revela conhecimento a outra noite.” (Sl 19.2)

3.2.1.2 Paralelismo sintético


Quando as linhas se relacionam de tal forma que a segunda
complementa o que a primeira disse. Neste caso tem sido chamado de
sintético ou construtivo. Normalmente a declaração feita na primeira linha
é seguida de outra declaração ou explicação. Eis alguns exemplos:

“Os meus inimigos me calcam aos pés o dia todo,


pois são muitos os que insolentemente pelejam contra mim.” (Sl 56.2)
“Compadece-te de mim, ó Deus, compadece-te de mim,
pois em ti se refugia a minha alma;” (Sl 57.1a)
“à sombra das tuas asas me refugiarei,
até que passem as calamidades.” (Sl 57.1b)
“Não respondas ao tolo segundo a sua estultícia,
para que também não te faças semelhante a ele.” (Pv 26.4)
Lembre-se que também há a possibilidade do uso de mais de um
tipo de paralelismo, no mesmo verso. Um exemplo disso pode ser visto no
Sl 19.8-10. Cada versículo individualmente está em paralelismo sinônimo.

87
< voltar

Mas, quando analisado cada parte do versículo, percebe-se que possuem


duas linhas cada que se relacionam sob o paralelismo sintético. Em
outras palavras, cada versículo em português, corresponde a um verso em
hebraico, e cada um deles é formado por quatro linhas. As duas primeiras
estão unidas como sintético, assim como as duas últimas. E a parte B do
versículo diz a mesma coisa que a parte A, sendo desta forma sinônimos.
Observe o texto bíblico:

“Os preceitos do Senhor são retos,


Sintético
e alegram o coração;” (Sl 19.8a)
Sinônimo
“o mandamento do Senhor é puro,
Sintético
e alumia os olhos.” (Sl 19.8b)

“O temor do Senhor é limpo,


Sintético
e permanece para sempre;” (Sl 19.9a)
Sinônimo
“os juízos do Senhor são verdadeiros
Sintético
e inteiramente justos.” (Sl 19.9b)

3.2.1.3 Paralelismo analítico


De forma muito parecida com o sintético existe o paralelismo
chamado de Analítico. É assim chamado quando duas declarações são
feitas, sem uma ligação gramatical entre elas (como ocorre no sintético).
Além disso, normalmente indica que a percepção da segunda linha é uma
consequência da afirmação feita na primeira. Por exemplo:

O Senhor é o meu pastor;


nada me faltará. (Sl 23.1)
O Senhor reina,
tremam os povos; (Sl 99.1a) Analítico

ele está entronizado sobre os querubins, Sinônimo


estremeça a terra. (Sl 99.1b) Analítico

88
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3.2.2 Dois tipos de paralelismo mais elaborados


A seguir serão exibidas duas formas que normalmente estaria
fora do “padrão” paralelístico mais básico. O normal, ou mais comum,
é perceber o paralelo entre duas a quatro linhas curtas (mantendo uma
relação bicólon), formando-se um verso à semelhança da quadrinha
brasileira, na qual uma frase sucede a outra, até apresentar a ideia toda.
Mas aqui o relacionamento acontece por meio de uma estrutura mais
bem elaborada.

Aqui também se optou pela manutenção do nome paralelismo


porque, à semelhança do paralelismo numérico, embora não sigam o
padrão bicólon, usando a simples junção de duas linhas, as ideias e os
assuntos montados nesta estrutura maior, continuam se relacionando
entre si e de forma muito similar ao paralelismo sinônimo. O primeiro é
chamado Paralelismo Menorático porque nele as ideias são estruturadas
a partir da imagem do candelabro hebraico. O outro será chamado de
paralelismo de estrutura, porque as frases são organizadas e apresentadas
numa determinada sequência. Quando se chega ao fim, volta a repetir
a mesma mensagem, com a mesma quantidade de linhas, só que com
palavras diferentes. Ele é chamado, pelos pesquisadores, de quiasmo não
espelhado. Como serão vistos a seguir.

3.2.2.1 O Paralelismo Menorático (ou Padrão


Quiástico)
Como o estudo da poesia hebraica é recente, acabou-se por usar
alguns anacronismos, como o nome Teodiceia às vezes atribuído a Jó e,
principalmente com o nome desta estrutura que será apresentada agora.
Convencionou-se chamá-la de Quiasmo ou Padrão Quiástico. Isto porque
as ideias são apresentadas como que em espelho e a letra grega Qui, se
assemelha muito com a letra X. Se você imaginar um risco na vertical,
bem ao meio da letra X, a metade de um lado será exatamente igual à
metade do outro (OVERLAND, 2008 apud NUNES JÚNIOR, 2012).

89
< voltar

Saiba Mais

Para mais detalhes sobre os vários tipos de Quiasmo, sob uma


roupagem tradicional, ler as páginas 77 a 89 da Dissertação de Edson
Magalhães Nunes Júnior, “Uma introdução geral à poesia hebraica
bíblica” disponível no “para ir além” na plataforma.Ele já tem um livro
publicado sob esta mesma temática, com o seguinte título “Poesia
Hebraica: uma introdução geral”.

Por esta razão, em alguns lugares também acaba recebendo o


nome de “Paralelismo espelhado” ou “Estrutura sanduíche”; pois a ideia
começa a ser apresentada com uma declaração ou afirmação inicial (A),
é complementada por novas informações (B) e chega a uma determinada
ênfase (representada pela letra C), quando você acha que acabou, o autor
continua, mas “retrocedendo” o pensamento para o mesmo raciocínio
utilizado como ideia B e finaliza com novas palavras, mas em paralelo com
o argumento utilizado no início (A). Em resumo, e de forma linear sequencial,
pode-se representar tal série da seguinte forma: A-B-C-B’-A’. É chamado de
estrutura sanduíche porque também são formadas por “camadas” que
seguem o fluxo: da borda para o meio e do meio para a outra borda.

Aqui, todavia, este tipo de estrutura poética será denominado de


“Paralelismo Menorático”. Isto porque, assim como os braços de cada
lado da haste central de um candelabro estão esteticamente unidos aos
do outro lado, assim são as ideias apresentadas neste formato. Mesmo
entendendo que o nome Quiasmo esteja bem difundido pelos demais
autores, entende-se que não há como negar que a figura da menorah
tenha influenciado este tipo de exposição das ideias. Ele ainda pode se
dividir em Paralelismo Menorático de palavras, de linhas ou frases e de
capítulos. Eis alguns exemplos:

a. Paralelismo Menorático usando palavras. Geralmente é um


ou dois versículos, nos quais as palavras foram pensadas e
organizadas a partir desta estrutura. Veja este exemplo em Sl 3.7-8:
“Salva-me, Deus meu! pois tu feres no queixo todos os
meus inimigos; quebras os dentes aos ímpios. A salvação

90
< voltar

vem do Senhor; sobre o teu povo seja a tua bênção.”


Ao usar cada palavra na sequência utilizada pelo autor bíblico,
fica assim:

A B C D E E’ D’ C’ B’ A’
os meus
Salva-me Deus meu! tu feres no queixo os dentes dos ímpios quebras do Senhor Vem salvação
inimigos

Eis outro trecho, agora em Gn 7.21-23. Como tem muitos braços,


será usado a visualização tradicional:

A - Pereceu toda a carne que se movia sobre a terra,

B - tanto ave,

C - como gado, animais selvagens e rastejadores

D - e todo homem.

E - Tudo o que tinha fôlego do espírito de vida em suas

narinas, tudo o que havia na terra seca,

F - morreu.

F’ - assim foram exterminadas

E’ - todas as criaturas que havia sobre a face da terra,

D’ - tanto o homem

C’ - como o gado e o réptil

B’ - e as aves do céu;

A’ - todos foram exterminados da terra.

91
< voltar

b. Paralelismo Menorático combinando os pensamentos entre as


linhas. Normalmente, quando bem traduzido para o português,
cada versículo (ou parte dele) ocupa um determinado braço.
Observe o exemplo de Sl 113.2-3:

A B B’ A’
Bendito seja desde agora Desde o nascimento há de ser louvado
o nome do Senhor, e para sempre. do sol até o seu ocaso o nome do Senhor.

O próximo exemplo se encontra no Salmo 67. Pelo fato de cada


versículo ser um pouco longo, também será adotado a versão tradicional,
com os recuos:

A - Deus se compadeça de nós e nos abençoe, e faça resplandecer


o seu rosto sobre nós,

B - para que se conheça na terra o seu caminho e entre todas as


nações a sua salvação.

C - Louvem-te, ó Deus, os povos; louvem-te os povos todos.

Alegrem-se e regozijem-se as nações,

D - pois julgas os povos com equidade,

e guias as nações sobre a terra.

C’ - Louvem-te, ó Deus, os povos; louvem os povos todos.

B’ - A terra tem produzido o seu fruto; e Deus, o nosso Deus, tem nos
abençoado.

A’ - Deus nos tem abençoado; temam-no todas as extremidades da


terra!

92
< voltar

Embora alguns autores dizem ser possível o uso do Paralelismo


Menorático em grandes porções, pode-se dizer com tranquilidade que o
livro de Lamentações foi planejado a partir desta estrutura:

A B C B’ A’
Capítulo 1 Capítulo 2 Capítulo 3 Capítulo 4 Capítulo 5
Possui 22 versos com Possui 22 versos com Possui 66 versos 3 Possui 22 versos com Possui 22 versos com
as 22 consoantes as 22 consoantes Inverte para cada uma das 22 as 22 consoantes Inverte quase todas as 22 consoantes
na sequência correta duas consoantes consoantes na duas consoantes (ao que parece ficou incompleto)
(a 17ª vem antes da 16ª) sequência correta (a 17ª vem antes da 16ª)
Tema: Fala da desolação Tema: começa pedindo para
e termina pedindo Tema: Deus como inimigo Tema: Deus é Fiel e por Tema: Deus como inimigo Deus mudar o seu opróbrio
para Deus mudar por causa do pecado causa de Sua Misericórdia por causa do pecado e expõe a desolação
o seu opróbrio o povo não é destruído

Saiba Mais

Para maiores detalhes e exemplos destes dois tipos de paralelismo, ler


o artigo “A Utilização do Quiasmo e do Miasmo em porções Capitulares
na Bíblia” (Publicado nos Anais do IV Congresso Nordestino de Ciências
da Religião e Teologia), ocorrido em Universidade Federal de Alagoas-
UFAL / Maceió-AL, disponível no “para ir além” na plataforma.

3.2.2.2 O paralelismo estrutural (ou padrão


miástico)
Outra forma de paralelismo, bem similar ao Menorático é o
comumente chamado de “Quiasmo não espelhado”. Isto porque, em vez
de apresentar as ideias na sequência: A-B-C-D-C’-B’-A’ (como se fosse
uma imagem espelhada, seguindo a explicação do Padrão Quiástico,
ou como se representassem os respectivos braços do candelabro), há
construção que segue a sequência A-B-C-D-A’-B’-C’-D’. Já foi chamado
de Myástico porque, seguindo-se a mesma lógica de quem criou o nome

93
< voltar

Quiasmo, a partir do X, que tem suas metades espelhadas, ao inserir um


risco vertical bem no meio da letra grega my, obtêm-se duas metades
semelhantes e não espelhada. Todavia aqui, optar-se-á em denomina-lo
de Paralelismo Estrutural porque a primeira parte da estrutura é repetida
por seu paralelo (a segunda parte). À semelhança do tópico anterior, este
tipo de relação entre as partes, pode se dar a partir de palavras ou por
meio da combinação das linhas.

a) Paralelismo Estrutural usando palavras. Um bom exemplo deste


uso é encontrado em Isaias 1.10. Além de suas duas linhas
estarem em relacionamento de paralelismo sinônimo, pode-se
observar que até as palavras foram propositalmente ordenadas:
A - Ouvi

B - a palavra do Senhor,

C - governadores

D - de Sodoma;

A’ - dai ouvidos

B’ - à lei do nosso Deus,

C’ - ó povo

D’ - de Gomorra.

Outro exemplo pode ser visto em Zacarias 7.13:

A - Assim como eu clamei

B - e eles não ouviram,

A’ - assim também eles clamaram

B’ - e eu não ouvi.

b) Paralelismo Estrutural usando linhas ou frases inteiras. Quando a


tradução e divisão em versículos conseguiu respeitar a estrutura
poética, normalmente, cada versículo explicita a mensagem
pretendida até a metade e volta a apresentá-la novamente com

94
< voltar

palavras similares. Dois exemplos deste tipo são os salmos 95


e 100. Eis o texto do Sl 100 na íntegra, apenas separando os
versículos, para destacar a sequência.
A - Celebrai com júbilo ao Senhor, todos os habitantes da terra.

B - Servi ao Senhor com alegria, e apresentai-vos a ele com


cântico.

C - Sabei que o Senhor é Deus!

D - Foi ele quem nos fez, e somos dele; somos o seu povo e
ovelhas do seu pasto.

A’ - Entrai pelas suas portas com ação de graças,

B’ - e em seus átrios com louvor; dai-lhe graças e bendizei o seu


nome.

C’ - Porque o Senhor é bom;

D’ - a sua benignidade dura para sempre, e a sua fidelidade de


geração em geração.

Agora observe a sequência utilizada pelo salmista, no Sl 95. Neste,


em vez do texto, será apresentado um resumo do que aparece em cada
parte porque muitos detalhes se perderam na tradução:

A - no v.1s há uma convocação para se louvar ao SENHOR e


apresenta dicas de como fazer.

B - o v.3 inicia com o advérbio ky, mostrando a justificativa: o


SENHOR é um grande líder.

C - o v.4 inicia com o pronome demonstrativo ’asher, mostrando


uma explicação e declarando tudo está nas mãos do SENHOR.

D - o v.5 inicia com o pronome demonstrativo ’asher, mostrando


outra explicação e afirmando que o SENHOR é dono do mar e
da terra seca.

95
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A’ - no v.6 há uma convocação para se louvar ao SENHOR e apresenta


dicas de como fazer.

B’ - o v.7s inicia com o advérbio ky, mostrando a justificativa: o


SENHOR é um pastor que conduz o povo.

C’ - o v.9s inicia com o pronome demonstrativo ’asher, mostrando


que o SENHOR está no controle.

D’ - o v.11 inicia com o pronome demonstrativo ’asher, mostrando


outra explicação e declarando que do SENHOR é tanto a ira
quanto o descanso

Por hora são estes os principais tipos de paralelismos. Tanto


os convencionais, quanto os que às vezes não são considerados um
paralelismo clássico porque o autor bíblico não “respeitou” a quantidade
máxima de quatro linhas para expressar sua ideia completa. Todavia o
conhecimento que se tem sobre eles já é suficients para se adentrar no
quarto e último capítulo, onde serão vislumbrados os livros de Salmos,
Cantares e Lamentações.

96
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Síntese do Capítulo
Neste capítulo você aprendeu que apesar da poesia hebraica ser
bem diferente, ela não é tão irreconhecível, como alguns dizem. O poeta
hebreu tem uma forma peculiar de fazer poesia e usa alguns recursos
bem característicos para expressar sua estrutura. Por exemplo, nela o
alfabeto é usado para facilitar a ordem dos versos. Os versos são curtos
e individuais ou unidos a outros com um mesmo tema. Além disso, o
uso de figuras de linguagem é bem expressivo e o uso de elipse para
algumas palavras é proposital, se isto não for observado o que se perde
é a mensagem. Outra atenção requerida diz respeito ao tratamento das
perguntas retóricas e com o uso antropomorfismo, eufemismo e ironia.
Eles nunca significam o que disseram. Sempre há uma mensagem a mais.

Por fim você aprendeu que a ideia expressa em uma linha pode ser
usada como paralela à(s) seguinte(s). Podendo se relacionar de forma
sinônima, sintetizando algo ou como uma declaração consequente da
anterior. Você ainda viu que os paralelos não existem apenas entre linhas
individuais, mas também pode ser entre estrofes ou por assuntos em
comum. Quando isto acontece, eles podem ser apresentados a partir
do Padrão Menorático (quando a ideia ou mensagem é apresentada a
partir da figura do candelabro (A-B-C-B’-A’)) ou pelo padrão estrutural, que,
basicamente é um paralelismo sinonímio, mas em vez de mostrar duas
ou quatro linhas paralelas, aqui a equivalência se dá na sobreposição da
sequência utilizada na para expor a ideia anterior (A-B-C-D-A’-B’-C’-D’).

97
4. As Emoções (im)Próprias em
Salmos, Cantares e Lamentações
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4. As Emoções (im)Próprias em Salmos,


Cantares e Lamentações
Neste capítulo você, primeiramente aprenderá sobre a importância
das emoções e seu lugar na vida do ser humano, tanto física quanto
espiritualmente. Terá uma noção geral acerca do livro de Salmos,
conhecendo sobre o seu processo de composição, bem como algumas
dicas importantes para um melhor entendimento de sua mensagem. Em
seguida, será analisado o livro de Cantares, dando o enfoque sobre as
seis principais formas de se interpretá-lo. Por fim, será estudado o livro de
Lamentações de Jeremias, mostrando a importância de não se perder a
esperança, mesmo em meio a tragédia mais profunda.

4.1 A poesia como baluarte das emoções


Ao pensar sobre os sábios hebreus e toda sua cultura, pensa-se
primeiramente na racionalidade humana, na sua inteligência. Normalmente
deixa-se de lado algo tão belo que Deus colocou no ser humano que
são suas emoções. Mas para saber lidar com as emoções é preciso de
muita sabedoria. Talvez por isto, que os livros poéticos e os sapienciais
acabaram fazendo parte de uma única listagem, na qual ambos termos
são usados quase que como sinônimos.

Quando se fala em emoções, se traz à memória todas elas. Tanto as


boas, como alegria e surpresa e os sentimentos relacionados a elas, amor
e felicidade; como também as de caráter um pouco mais negativo, como a
ira e o pânico, e ainda aqueles sentimentos, oriundos destas emoções que
chegam a ser doentios, como a paixão, o rancor, o ódio, a inveja, a tristeza
profunda, entre outros. Às vezes corre-se o risco de achar que só as positivas
é que são boas. Inclusive, nas orações evita-se expor diante de Deus aquelas
menos honrosas. Como se Ele não as conhecesse, não é mesmo?

Como dito anteriormente, os hebreus aprenderam muito cedo o


valor da sinceridade e que podiam “abrir seus corações” diante de Deus.
O grande problema não é o que falar para Deus, mas como se dirigir a Ele.

99
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Observe dois exemplos de pessoas que iniciaram suas preces expondo


sua indignação contra o Senhor: eis o que cada um disse: “Masquil de
Asafe: Ó Deus, por que nos rejeitaste para sempre? Por que se acende a
tua ira contra o rebanho do teu pasto? [...] Até quando, ó Deus, o adversário
afrontará? O inimigo ultrajará o teu nome para sempre?” (Sl 74.1e10) e “E
orou Jonas ao Senhor, e disse: Ah! Senhor! não foi isso o que eu disse,
estando ainda na minha terra? Por isso é que me apressei a fugir para
Társis, pois eu sabia que és Deus compassivo e misericordioso, longânimo
e grande em benignidade, e que te arrependes do mal.” (Jn 4.1)

Note que em ambas as orações são expostas as indignações


de cada orador. Mas, enquanto a primeira poderia ser vista como uma
lamentação, na segunda há uma boa pitada de murmuração. Dê uma
pausa em tua leitura e abra ou acesse sua Bíblia e leia os dois trechos na
íntegra. Já leu? O que achou? Conseguiu ver a diferença? Num linguajar
popular, apesar de Asafe “destilar seu veneno”, ele continua na presença
de Deus e ali mesmo ele declara a Soberania divina. Enquanto que Jonas,
simplesmente “vira às costas pra Deus”. Ele ficou extremamente irado por
conta do agir de Deus (4.1), expôs o seu coração (4.2), recebe a atenção
de Deus (4.3) e. Not, que até aqui estava indo bem, o problema está em
sua postura a seguir. Ele simplesmente ignorou a voz divina, e saiu da
cidade (4.5).

Enquanto a lamentação estaria mais para um “chorar para Deus”, o


murmúrio está muito mais para um “falar mal de...”. Lembra do povo no
deserto? Em vez de lamentar a situação da falta de carne, pedindo a Deus
que lhes enviasse algo, eles murmuraram: amaldiçoaram o Manáh, ficaram
enaltecendo a vida de escravidão no Egito, quiseram matar a Moisés e,
acima de tudo, blasfemaram contra Deus. Por isso, foram castigados e
não por apresentarem seu problema. Se tivesse apenas lamentado sua
situação, certamente Deus os teria abençoado.

Mesmo porque, não é pecado mostrar suas emoções ou declarar


seus sentimentos a Deus. É exatamente isto que o autor de Lamentações
faz. Como o faz com coração aberto, consegue observar, mesmo diante
de tanta tragédia, confiança, dependência e ainda submissão à grandeza
de Deus, como ele faz em Lm 3.22-26.

100
< voltar

Outros personagens do AT deixaram lições maravilhosas.


Conseguiram perceber que Deus conhecia a todos e muito bem, assim,
conseguiram ser honestos ao ponto expressar, por meio de orações
cantadas, quase todos os sentimentos possíveis. Afinal eram palavras do
salmista para com seu Deus. Era um momento de intimidade e aproximação
para com seu criador. Por isto, conseguiam expor e apresentar situações
que aos olhos de um cristianismo legalista, nos dias de hoje, jamais
seriam ditos. Por isto a provocação no título deste capítulo “as emoções
(im)próprias...”, afinal elas são próprias e naturais do e no ser humano,
mas às vezes são vistas como impróprias, indignas ou inadequadas de
serem usadas ou faladas nos meios sagrados.

É quase certo que se fosse nos dias atuais, o livro de Cantares não
teria entrado para o Cânon dos livros sagrados. Afinal, ele fala de um dos
mais fortes sentimentos humanos, fala do amor. Mas não no sentido
de misericórdia, generosidade ou bondade. Isto, até que seria aceito
tranquilamente. Mas o autor de Cântico dos Cânticos descreve o amor
eros. Sim, Deus também se interessa pela sexualidade humana e por isso
um livro como Cantares está na Bíblia. Infelizmente a sociedade a tem
considerado de uma forma bem deturpada. Porém, a sexualidade em sua
forma sadia, não deve ser nenhum tabu. Muito pelo contrário, deve ser,
inclusive, algo pelo qual o ser humano também deveria ser grato.

x
Reflexão

É interessante observar, mesmo com quase três mil anos de separação


entre a realidade atual e o período em que os textos bíblicos foram
escritos, como o ser humano não muda. Ou se mudou, nesse caso
em expor a Deus como se sente, hoje está pior. Parece que o cristão
é tão pronto em se mascarar diante de Deus e não assumir seus
sentimentos. Precisa haver mais transparência entre o fiel e Deus. Mas,
para mais transparência, é preciso haver mais intimidade. Afinal, muitas
vezes, hoje ainda é possível ver muita religiosidade nas pessoas, mas
desprovida de um relacionamento mais profundo e real com Deus.

101
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Por conta desta abertura à intimidade, causada pela poesia, é


impressionante ver a beleza como estes mestres da poesia expressaram
seus sentimentos. Foram honestos com Deus, expressaram sua dor e
desabafo, e, de forma maravilhosa, foram inspirados por Ele neste processo,
de tal forma que a poesia hebraica pode ser percebida como uma canção
da alma ou, no mínimo, como uma válvula capaz de liberar o fervor das
próprias entranhas do poeta (uma paráfrase, a partir de Jó 30.27).

Curiosidade

Segundo a compreensão veterotestamentária, o coração correspondia


ao cérebro dos dias de hoje e era entendido como a sede da
racionalidade e das ações (Sl 139.23), enquanto que nas entranhas,
mais especificamente nos rins, ficava a sede dos sentimentos (Ct 5.4).

4.2 Introdução e análise de Salmos


Curiosamente, o livro dos Salmos é um dos mais lidos e utilizados
pelos membros das igrejas. Talvez por conta de serem cânticos curtos
e pela profundidade de suas mensagens, mas, também, pelo fato da
identificação entre o leitor e o salmista. Todavia, não deixa de ser um dos
textos mais mal interpretado. Geralmente porque as pessoas omleem ao
pé da letra. A seguir serão apresentadas algumas características deste
hinário do culto hebreu, a fim de se amenizar os desconfortos com sua
leitura e entendimento.

4.2.1 Produção dos salmos


É impossível saber quando, como ou porque cada um dos salmos
surgiu. Todavia, pode-se dizer que boa parte, inicialmente eram orações
individuais e com assuntos pessoais, mas com o tempo passaram a ganhar
representatividade e uso no coletivo, em especial, nos momentos de culto.
Um grupo deles, chamados de salmos de romaria ou de peregrinação
eram utilizados pelo povo enquanto iam ou vinham ao templo. Os Sl 32
e 51, certamente passarau a serem utilizados por aqueles que estavam

102
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passando pela angústia causada pela culpa do pecado, os Sl 20 e 40 eram


utilizados na posse de um novo rei. Enquanto que outros eram usados, por
sua aproximação com a situação vivida. Por exemplo, quando Jonas está
dentro do peixe ele ora a Deus (Jn 2.2-9). Porém, quando lida com mais
atenção, pode-se perceber que sua oração era um salmo de naufrágio.
Os marinheiros o utilizavam quando a embarcação estava passando por
alguma dificuldade de afundar (GUSSO, 2017, p.76s).

Ao longo dos tempos, um grande número de pessoas foi colocando


suas poesias em forma de poesia e estas acabaram caindo na graça do
povo e, consequentemente, passaram a ser colecionadas e utilizadas
como canções oficiais. Em questões de data, a composição dos salmos
levou cerca de mil anos, praticamente o mesmo período dos principais
fatos da história do povo de Deus. Tem salmo de Moisés (cerca de 1500
anos a.C), mas também hinos que foram compostos por volta do ano 550
a.C, no período de exílio.

Claramente é possível perceber seu estágio quíntuplo de composição


final: a) livro 1: Sl 1-41, b) livro 2: Sl 42-72, c) livro 3: Sl 73-89, d) livro 4:
Sl 90-106, e) livro 5: Sl 107-150. Todavia não é nada consensual sobre a
temática de cada um ou do porque de determinado salmo estar neste
ou naquele grupo. Há salmos de épocas díspares (pré-exílico, exílico e
pós-exícico), de diferentes situações (há salmos cúlticos, seculares
e particulares), e com distintos assuntos (de oração, de louvor, para
instrução, históricos ou com apelos proféticos). Sem contar os vários
tipos, como os de sabedoria, de confiança, de culto, dentre outros (GUSSO,
2012, p. 46-50).

Quanto a autoria, só a declaração “Salmo de fulano ou ciclano”, não


diz muita coisa. Poderia estar indicando apenas algo como o que hoje
seria chamado de dedicatória ou homenagem, ou, ainda, apenas uma
indicação de que tal pessoa teria sido o patrono da obra, ou o personagem
que inspirou ou “contratou” o autor a escrever a canção. Na Antiguidade
era comum associar a produção de uma obra à outra pessoa, alguém
admirado e respeitado. Resumindo, a preposição hebraica traduzida como
“de” também poderia ser traduzida como: “por fulano”, “de Fulano”, “sobre
Fulano” ou “para Fulano”.

103
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Os principais nomes relacionados a alguns salmos são: Davi,


Salomão, os filhos de Coré, Asafe, Etã, Jedutum e Moisés. Como o rei Davi
era reconhecido como um exemplo de intimidade com Deus e ainda tem
quase a metade dos salmos ligados ao seu nome, ele também passou a
ser utilizado como representante do saltério como um todo. Por exemplo,
quando Pedro, ao citar o salmo 16, identifica-o como palavras de Davi (Cf.
At 2.25) poderia estar atribuindo este salmo específico a Davi ou, como
na época não havia a separação por capítulos, Pedro poderia ter usado o
nome de Davi apenas dizer: “conforme está registrado nos salmos...”.

4.2.2 Mensagem dos salmos


Como não há um tema único ou agregador que possa servir
como assunto central do saltério, não tem sido fácil criar ou estipular
qualquer tipo de estrutura sobre este assunto. Por esta razão, a seguir
serão explicadas algumas questões gerais para facilitar o entendimento
do todo. Serão comentadas questões como as maldições nos salmos,
sua aplicação messiânica, alguns títulos no meio do texto, a diferença
numérica com a versão católica e alguns cuidados com a aplicação deles
para os dias de hoje.

4.2.2.1 Diferença de números entre a versão


católica e o cânon protestante
Como foi dito anteriormente, os salmos 9 e 10 são um único salmo,
escrito em padrão alfabético. Enquanto os protestantes os consideraram
como dois salmos distintos, o cânon católico os uniu, criando assim um
desencontro entre os números de cada salmo. Por esta razão, o salmo
de número 11 entre os protestantes equivale ao salmo 10 das versões
católicas e assim sucessivamente. Eles só voltam a se equivaler, no
salmo de número 148, pois o que seria o salmo 147 para os protestantes,
acabou sendo os de número 146 e 147, nas versões católicas. Quanto ao
conteúdo, são idênticos. E como a separação em capítulos e versículos
não fazem parte do texto original, não há erro algum. Basta estar atento,
quando for preciso fazer alguma comparação entre os salmos de versões
diferentes, que não haverá maiores dificuldades.

104
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4.2.2.2 Os títulos em alguns salmos


Nos escritos atuais sempre há um título que procura expressar a ideia
geral a ser trabalhada no texto a ser apresentado. Mas, quando os salmos
foram escritos isto sequer estava no imaginário de seus autores. Todavia,
com o constante uso destas canções nos momentos coletivo ou litúrgico,
começa a surgir a necessidade de se indicar algumas informações, em
geral, quanto ao seu uso. Por esta razão, ao longo dos tempos, foram
sendo acrescidos títulos a quase todos os salmos. Há títulos atuais,
criados pelos tradutores da bíblia, com o intuito de apontar qual seria o
tema principal apresentado ou trabalhado no salmo. Mas também há
títulos muito antigos, presentes no próprio texto hebraico. Quanto aos
primeiros todos concordam que não são inspirados, afinal surgiram há
pouquíssimo tempo. Todavia, quando o assunto são as informações
iniciais contidas no texto hebraico, as opiniões são bem distintas.

Enquanto alguns simplesmente as ignora, há autores como Kidner


(1992) que são mais conservadores e adotam a postura de considerar
todos aqueles títulos como autênticos e infalíveis. Porém, o mais sensato
seria encará-los como algo não original, mas pertencente a uma antiga
tradição que podem, muitas vezes, auxiliar o leitor em seu processo de
compreensão do texto lido. Mas, como não eram inspirados, podiam ser
imprecisos em sua indicação. Veja o Sl 30, por exemplo. Ele tem como um
de seus títulos a indicação de que ele foi feito para a dedicação do templo,
mas seu texto não reflete tal possibilidade.

O salmo 52, por sua vez, apresenta a seguinte informação: “Ao


regente do coro: Masquil de Davi, quando veio Doegue, o edomita, e
informou a Saul, e lhe disse: Davi veio à casa de Abimeleque.”. Além da
informação inicial, relacionadas a orientações técnicas para os músicos,
também apresenta uma possibilidade de localização histórica. Uma dica
é sempre ler tais títulos, mas nunca os considerar como palavra final. Eles
foram inseridos ali com o objetivo de auxílio, mas não fazem parte do
texto inspirado e inerrante.

105
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4.2.2.3 Salmos “messiânicos”


Recebem este nome os salmos que possuem alguma alusão às
profecias acerca do messias, o ungido que Deus enviaria para salvar seu
povo. Não há como negar que Deus, como autor maior das Escrituras,
pudesse usar uma simples oração como portadora de uma mensagem
profética. Todavia o que não pode é simplesmente atribuir um conhecimento
ao autor do salmo, que muitas vezes, não teria condição de perceber.

Um exemplo curioso sobre esta sublimidade, pode ser visto no Sl


22. Quando lido de forma isolada, dá para perceber tranquilamente que se
tratava de uma oração “normal” em um dia muito difícil. Tanto que não se
tem nenhuma aplicação feita pelos judeus, considerando-o como sendo
messiânico. A igreja o tem visto assim porque Jesus, lá na cruz, foi quem
fez esta possibilidade de aplicação. Se Jesus não tivesse declarado isto,
talvez nunca teria sido chamado de “salmo messiânico”. Por isto, segundo
a opinião de Gusso (2012), o correto seria se referir orações como estas,
como “salmos com aplicações messiânicas”, isto porque mesmo com
indícios aplicáveis ao messias, o próprio autor não teria tido aquela
compreensão ou intenção.

4.2.2.4 Salmos imprecatórios (ou de maldições)


Outro título que também precisa ser renomeado é o termo “salmo
imprecatório”, pois desta forma estaria indicando que todo o salmo é uma
maldição. O ideal seria dizer “salmos com imprecações” ou “imprecações
nos salmos”. Talvez você esteja se perguntando: “Maldições dentro de
um salmo?”. Sim, há aproximadamente quatro dezenas deles no Saltério,
sem falar de outras passagens, como Jr 11.20, 15.15, entre outras.
Lembre-se que além da sinceridade que o hebreu tinha para chegar diante
de Deus, estas maldições devem ser entendidas dentro do contexto
veterotestamentário. Note que, normalmente, o salmista:
“(...)só amaldiçoa seu inimigo por estar impossibilitado de agir
fisicamente contra ele. Por exemplo, se Davi tem seus inimigos
à disposição e poder para mata-los, levando-se em consideração
a culpabilidade deles, ele o faz. [mas, quando] não é possível, por
inferioridade de força ou outros motivos diversos, ele invoca o
poder de Deus para que faça justiça.” (GUSSO, 2012, p. 53).

106
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É importante ressaltar que quando orava com uso de imprecações


se fazia com o intuito de buscar justiça e, acima de tudo, na expectativa
de Deus agir. Na antiguidade, o pronunciamento de maldições (ou rogar
pragas) também era visto como uma arma de guerra. Você deve se
lembrar do episódio em que Davi enfrenta Golias. Este diz para o pequeno
rapaz: “Sou eu algum cão, para tu vires a mim com paus?” e o autor
bíblico acrescenta: “E o filisteu, pelos seus deuses, amaldiçoou a Davi.”
(I Sm 17.43). Segundo Gusso (2012), não havia diferença entre usar uma
espada ou abrir a boca e proferir uma maldição, ambas eram armas a
serem utilizadas contra os inimigos.

4.2.2.5 Algumas dicas com a aplicação dos salmos


para os dias atuais
Como você já deve ter notado, nos tópicos anteriores, antes de sair
interpretando cada salmo se faz necessário identificar o seu contexto a
fim de se verificar o mais próximo possível qual teria sido sua mensagem
inicial. Neste processo alguns cuidados são importantes.eLembre-se
sempre de respeitar o período teológico de cada salmo. Há salmos que
são nacionalistas, convidando apenas os israelitas para adorarem a Deus.
Outros, descrevem muito bem a filosofia da época. Hoje não dá para
cantar, como faziam os salmistas, no Sl 18.37ss: “Persegui os inimigos
e os alcancei, destruí e atravessei. Sobre os meus pés caíram, não mais
se levantaram”. É notório que o cristão está em constante batalha, mas
como disse Paulo, ela não é contra carne ou sangue, mas contra as hostes
espirituais (Ef 6.12). assim, o salmo em questão não pode ser cantado hoje
por remeter a um período no qual quem matasse um inimigo (que merecia
morrer) estaria fazendo um serviço a Deus. Hoje o povo de Deus é exortado
a amar seus inimigos e nunca perseguir, alcançar, destruir ou atravessar.

Outro exemplo de um salmo mal interpretado, porque o leitor leva


sua bagagem teológica do NT para a leitura do mesmo, é o Sl 51.11s.
Normalmente ele tem sido utilizado para defender que o crente não perde
a salvação, apenas a alegria oriunda da mesma. Se for usar algum texto
para apoiar ou refutar a “perda da salvação”, precisa ser do NT, onde eles
tinham esta ideia mais desenvolvida. Salvação, aqui para o salmista, era

107
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tão somente livramento físico. Em outras palavras, Davi quer voltar a ter a
alegria de suas vitórias, que o acompanhavam enquanto ele estava sem
pecado e usufruindo das bênçãos divina.

Quando o autor de Eclesiastes exorta “Tudo quanto te vier à mão


para fazer, faze-o conforme as tuas forças; porque na sepultura, para onde
tu vais, não há obra, nem projeto, nem conhecimento, nem sabedoria
alguma.” (Ec 9.10), ele não está dizendo que quando o ser humano morre
está em estado de sono e por isto não faz nada. Para aquele hagiógrafo,
a morte era o fim. Não havia nada além dela. Claro, que com o tempo,
eles cresceram e o Sheol passou de apenas símbolo de sepultura, para
“localidade” da morada de todos os mortos. Somente mais tarde, é que
passou a representar apenas o lado negativo do pós-mundo, sendo
também chamado de abismo, Gueena, Hades ou inferno, enquanto que o
Paraíso, Seio de Abraão ou céu, seriam os nomes usados para se referir ao
local dos justos que passaram pela morte física.

Não se deve imitar o uso das maldições. Como já foi mencionado,


eles estavam num período mais atrasado de revelação teológica. E, acima
de tudo, não adianta nada deixar sua Bíblia aberta em seu salmo favorito,
como se assim ela estaria abençoando o ambiente. A Palavra de Deus não
é amuleto. É extremamente poderosa sim, mas a partir do momento que
é internalizada e experimentada diariamente. Como o próprio salmista
disse, o descanso (como símbolo maior da bênção do Senhor) virá para
“aquele que habita no esconderijo do Altíssimo, [àquele que permanece] à
sombra do Todo-Poderoso” (Sl 91.1).

Os salmos são ricos em figuras de linguagem que demonstram a


necessidade de continuidade na presença de Deus. Tanto que o Saltério
inicia com as seguintes palavras: “Bem-aventurado o homem que não anda
segundo o conselho dos ímpios, nem se detém no caminho dos pecadores,
nem se assenta na roda dos escarnecedores; antes tem seu prazer na lei
do Senhor, e na sua lei medita de dia e noite.” (Sl 1.1s). Observe que a vida
com Deus é descrita como uma caminhada feita a todo momento. Não
poderia deixar de ressaltar, ainda, que ela também abarca todas as áreas
da vida humana. Inclusive a área sexual, como será analisado no próximo
tópico, ao se estudar o livro de Cantares de Salomão.

108
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4.3 Introdução e análise de Cantares


Antes de iniciar a discussão de autoria, data e canonicidade, cabe
relembrar a polêmica que este livro gerou e gera nas comunidades
religiosas até hoje. Um ponto de partida é a relação que popularmente
é feita com o pecado original. Segundo o entendimento popular, o
pecado original de Adão e Eva foi a relação sexual. Este repúdio tem se
mostrado tão forte, que segundo Dillard e Longman III (2006, p. 246),
na Idade Média quem interpretasse o livro relacionando-o à sexualidade
humana, poderia ser excomungado ou coisa pior. Mas, como foi dito
anteriormente, Deus se interessa até com as questões sexuais de seu
povo. Todavia, antes de trabalhar como interpretar este livro, para uma
melhor compreensão do mesmo, faz-se necessário compreender um
pouco o processo de sua produção.

4.3.1 Produção de Cantares


O próprio texto menciona em seu primeiro versículo que seu autor
seria Salomãr: Todavia, como já foi mencionado anteriormente, só a
expressão “Cântico dos Cânticos que é de Salomão” (Ct 1.1) não quer
dizer muita coisa. Mas, conjecturar que a obra possa ter sido dele não é
de todo ruim nem absurda. Segundo Pinto (2006, p 577), “o conteúdo do
livro aponta para um estilo de vida opulento e uma atmosfera tranquila,
facilmente associados à era áurea de Salomão (cf. Ct 3.7-10)”.

Por outro lado, contrariando tal interpretação, Storniolo (1991, p. 9)


defende que um “bom número de estudiosos afirma que se trata de cantos
populares antigos, que foram burilados e reunidos em livro no pós-exílio,
por volta de 400 A.C.”. Todavia, pelo fato de haver muitas citações tanto do
extremo norte quanto do extremo sul de Canaã, seria um grande indício de
ser uma obra anterior ao exílio, afinal seria muito “difícil imaginar um judeu
pós-exílico (dada a extrema xenofobia daquele período) referindo-se de
maneira tão livre a locais que estariam sob domínio samaritano ou gentio”
(Pinto, 2006, p. 577).

109
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Outro argumento, seria a estrutura linguística, com seus vocabulários


e afins. Afinal o aramaísmo presente em algumas falas da sunamita,
poderia ter vindo do contato da região norte com a Síria e os vocabulários
estrangeiros utilizados, poderiam ter vindo a partir dos “termos técnicos
do sânscrito, utilizado pelo Israel cosmopolita da era áurea de Salomão
em seus muitos contatos comerciais com nações do Golfo Pérsico”.
(Pinto, 2006, p. 577).

Mesmo que tais informações não possam ser usadas como


provas cabais em questão de datação antiga, como já fora mencionado
anteriormente, abre a possibilidade para uma datação mais antiga. Por
isto, a partir desses argumentos apresentados, opta-se por uma data
de produção próxima ao período de Salomão (cerca do séc. X a.C). Mas,
quanto a definição acerca da a autoria o mais sensato éaconsiderá-la
como anônima.

Outro ponto a se refletir seria sobre a natureza da narrativa em si.


Cantares seria um texto que simplesmente retrate as idas e vindas de um
casal apaixonado? Ou descreveria a força do amor, mesmo diante das
proibições da vida? Ou ainda, teria uma perspectiva mais dramático-teatral?
Percebe-se claramente que não se trata de uma mera narrativa histórica.
Há uma preocupação artística por trás, o que leva alguns a pensarem
num grupo de pessoas mais preocupado com a cultura em um período de
tranquilidade; o que se enquadraria muito bem com a época de Salomão.

Quanto a seu conteúdo, há diversas pessoas que ficam inquietas


com a presença desse material na Bíblia. Mas, segundo House (2005,
p. 593) se o livro for analisado a partir do cânon todo, pode encontrar a
justificativa para a sua inserção no mesmo. Segundo ele, a partir do fato
de: a) em Rute há um destaque para duas mulheres que são fiéis a Deus; b)
em Provérbios encontra-se o destaque para a mulher virtuosa do capítulo
31 e a bênção que é para um homem se unir a ela; e c) o livro de Eclesiastes
declara que o amor humano não substitui o amor pelo Criador. Diante de
tais argumentos e perspectiva, o livro de Cantares estaria perfeitamente
inserido nesse bloco, ficando “incorporado e qualificado dentro do
contexto canônico”, afinal, este livro procura exemplificar um amor simples
e apaixonado entre um casal. Mas, conforme você pode estar pensando,
estes argumentos não parecem ser tão fortes e convincentes.

110
< voltar

Curiosamente, no concílio de Jamnia, a discussão não se tratava


se Cantares deveria ser aceito ou não no Cânon. Quando os judeus se
reuniram, ele já estava lá. O debate passa a ser então, se ele deveria
permanecer. A decisão foi positiva como pode ser visto na fala de um dos
rabinos da época:
Nenhum homem em Israel jamais contestou que Cantares de
Salomão suja as mãos. É que em todo o mundo não existe algo
que iguale ao dia em que Cantares de Salomão foi entregue a
Israel. Todos os Escritos são santos, mas Cantares é santíssimo.
(AQIBA,rapud EATON; CARR, 2011, p. 179).

Curiosidade

Sujar as mãos era a expressão usada para destacar a santidade de um


objeto, especialmente dos livros canônicos. A pessoa deveria lavar as
mãos após tocarem algo santo. Caso contrário, a santidade do objeto
retida na mão poderia indevidamente ser transmitida àquilo no que a
pessoa tocasse em seguida. Além desta explicação mais espiritual, há
a possibilidade de ela ter nascido a partir de um decreto que dizia que
“todas as Escrituras sujam as mãos”. Ele surgiu a partir do fato dos livros
sagrados serem feitos de couro e ficarem expostos à presença dos
ratos. Assim os livros sagrados passaram a ser considerados impuros
e por isto não deveriam ser colocados à mesa, junto com as ofertas de
manjares (as quais eram comida pelos sacerdotes) e as mãos deveriam
ser lavadas após o seu uso (EATON; CARR, 2011, p. 179).

Pensando na estrutura do texto, é possível fazer várias divisões. Eis


a mais tradicional, proposta por House (2005, p.595):

• Ct 1.2-2.7 Declaração de amor entre os amantes;


• Ct 2.8-3.5 Declaração do amado (ele expõe o quanto quer ficar
com sua amada);
• Ct 3.6-5.1 Comprometimento do casal ao matrimônio;
• Ct 5.2-6.3 Necessidade de ficarem separados e expectativa do
reencontro
• Ct 6.4-8.4 O reencontro (um exalta as virtudes do outro);
• Ct 8.5-14 Compromisso final que os amantes fazem entre si.

111
< voltar

Esta proposta apresentada foi baseada a partir da teoria de serem


apenas dois os protagonistas da narrativa. Para definir o número de
personagens desse romance, quem são e como a história se estrutura
é preciso primeiramente optar por uma das muitas correntes de
interpretação. Como há diversas formas para se interpretar o livro de
Cantares, a seguir será feito um panorama sobre as mais utilizadas.

4.3.2 As possibilidades interpretação de Cantares


Talvez este seja um dos livros da Bíblia com mais propostas distintas
de abordagem, muito provavelmente por trabalhar tão abertamente
a questão da sexualidade. Como ainda há alguns teólogos que ficam
desconfortáveis em se analisar este texto seguindo uma corrente mais
literal, as primeiras a serem comentadas serão aquelas que seguem uma
interpretação mais figurada.

4.3.2.1 Interpretação como símbolo da


racionalidade humana
A primeira proposta a se analisar aborda este livro como um caso de
amor ou uma paixão ardente, mas não entre um homem e uma mulher, mas
entre o ser humano e a sabedoria, ou o homem e sua própria racionalidade.
Isso seria naturalmente esperada do gnosticismo. Como, normalmente
a carne é pecaminosa, se faz necessário alegorizar e encarar cada
protagonista como se representasse algo mais nobre. Segundo Dillard e
Longman III (2006, p. 249), esta proposta acabou entrando também no
judaísmo, que identificavam “o amado e a amada com os aspectos ativos
e passivos da mente. [assim] A união entre os dois descreve o êxtase na
união mística dos dois aspectos do intelecto”.

Curiosamente, essa proposta de amor entre o ser humano e


sua racionalidade também acaba entrando no Cristianismo, aqui o
relacionamento seria entre razão com a vida em sua completude (a própria
pessoa, o mundo e os outros). Seguindo este caminho, “Salomão nos dá
uma visão de mundo, uma síntese maravilhosa e poética. Nesta poesia ele
passou a sua visão lógica [mostrando] o maior e mais belo romance que
pode existir: a própria realidade” (COELHO FILHO; GIORDANO, 2001, p. 345).

112
< voltar

Ainda, segundo estes mesmos autores, Salomão teria utilizado as


três esferas da razão: consciência, coerência e inteligência, para expor sua
visão de mundo e a forma de se relacionar com ele. Para o sábio, por
meio da consciência se observa o mundo ao derredor, pela coerência se
percebe seu funcionamento e com o uso da inteligência, que a interação
acontece (COELHO FILHO; GIORDANO, 2001, p. 345).

A seguir será apresentado um quadro que mostra o desenvolvimento


desta forma de interpretação. Quando analisadas somente as colunas 1
e 2, pode-se notar o que seria um esboço simples de Cantares. Observe
o quadro com atenção, embora só tenha sido selecionado um versículo e
uma frase como exemplo de cada temática, é mais que suficiente para se
ter uma noção do raciocínio utilizado por esta escola interpretativa:

Quadro 02 – Estrutura interpretativa de Cantares a partir da


racionalidade

Exemplo de
Capítulo Título Versículo interpretação a partir
do versículo
“Beije-me ele com os
A beijos da sua boca; “o surgimento da
1 consciência porque melhor é o seu consciência é como um
de si mesmo amor do que o vinho.” carinho” (p. 346).
(1.2).
“Sustentai-me com “O sustento, o conforto,
A
passas, confortai-me com o relaxamento são
2 consciência
maçãs, porque desfaleço benefícios da natureza”
da natureza
de amor” (2.5). (p. 349).
“A consciência do
“Conjuro-vos, ó filhos de
A outro é oferecer mais
Jerusalém, pelas gazelas
consciência que a concorrência,
e cervas do campo,
3 em relação é defender o sonho,
que não acordeis, nem
às outras a privacidade, a
desperteis o amor, até que
pessoas segurança e a liberdade
ele o queira.” (3.5).
do outro” (p. 351 e 352).
“É coerente perceber
“Jardim fechado é minha a individualidade dos
A coerência irmã, minha noiva, sim, outros. A outra pessoa
4
de si mesmo jardim fechado, fonte possui existência
selada.” (4.12). dentro de seu próprio
espaço” (p. 354).

113
< voltar

“Já despi a minha túnica;


“A coerência em relação
A coerência como a tornarei a vestir?
aos outros é querer
5 em relação já lavei os meus pés;
mais intimidade”. (p.
aos outros como os tornarei a sujar?”
355).
(5.3).
“A coerência com
“As tuas faces são como o meio é receber
A coerência as metades de uma romã, cura pela simples
6
com o meio por detrás do teu véu.” contemplação da
(6.7). intenção da natureza”
(p. 358).
“Vem, ó amado meu,
A inteligência saiamos ao campo, “A inteligência de si não
7
de si mesmo passemos as noites nas é isolamento” (p. 360).
aldeias.” (7.11).
“A sua mão esquerda “Devemos ainda,
A inteligência
estaria debaixo da minha buscar a convivência,
8.1-10 em relação
cabeça, e a sua direita me a solidariedade e o
aos outros
abraçaria.” (8.3). carinho” (p. 361).
“Quem estiver mais
“ó tu, que habitas nos
A inteligência próximo do que é
jardins, os companheiros
em relação cultivado vai ter voz
8.11-14 estão atentos para ouvir
com a mais ativa sobre a
a tua voz; faze-me, pois,
natureza condução do trabalho”
também ouvi-la!” (8.13).
(p. 363).
FONTE: Própria. Compilação a partir de partes selecionadas da obra de Coelho Filho e
Giordano (2001, p. 345-364).

4.3.2.2 Interpretação como símbolo da luta de


classes
É curioso como para alguns teólogos adeptos da Teologia da
Libertação o conflito de classe se faz presente inclusive entre os objetivos
dos autores bíblicos. Segundo Storniolo, a data da produção deste livro
ocorreu no séc. IV a.C., durante a reestruturação do povo de Israel após o
exílio, num momento onde imperava a exploração financeira dos líderes
religiosos sobre o povo nessa época (STORNIOLO, 1991, p. 11 e 12).

Para a Teologia da Libertação os textos das leis de Levíticos


também são tardios, assim como Cantares, são todos do pós-exílio, e
foram criados, não com o objetivo de preservação e cuidados divino, mas

114
< voltar

com o simples intuito de legitimar a exploração e subjugação do povo,


especialmente o controle do próprio corpo humano. O autor declara: “É
nesse contexto que devemos avaliar o sentido do Cântico. Sua ênfase
na beleza e grandeza do corpo liberta as pessoas das cruéis exigências
da lei da pureza.” Além disso, ainda explica que a maioria das falas vem
da mulher sunamita, como representante do “grito de libertação do sexo
feminino” (STORNIOLO, 1991, p. 12).

Outro equívoco apresentado por este mesmo autor, é a confusão


que acaba fazendo com as palavras do evangelista João. Como o apóstolo
exorta seus ouvintes a amarem-se uns aos outros porque o amor vem de
Deus, afinal Deus é amor, Storniolo acaba trazendo o conceito do amor
eros, alvo maior em Cantares, como aplicação espiritual. Como ele mesmo
disse: “o cântico seria, portanto, uma celebração do amor humano, dentro
e através do qual se manifestam Deus e o seu amor. [assim,] O cântico na
sua ousadia e beleza, é um convite aberto para todos nós encontrarmos
Deus em nossas experiências de amor” (STORNIOLO, 1991, p. 14).

4.3.2.3 Interpretação alegórica


Os teólogos dessa proposta se distanciam dos anteriores por
abordarem uma visão mais espiritual. Enquanto as escolas já citadas
tratavam o relacionamento humano entre si (com sua consciência ou com
outras pessoas), esta corrente interpretativa enfatiza o relacionamento
espiritual entre ser humano e Deus. Esta tentativa de se contornar os
possíveis escândalos causados por uma interpretação literal do livro, pelo
uso da alegoria não é recente. Há muitos séculos vários intérpretes vem
procurando sentidos ocultos “que abrandem a crueza do texto e, de certa
forma, espiritualizem tudo o que ele diz” (STORNIOLO, 1991, p. 7).

Essa proposta também iniciou no judaísmo. “Os estudiosos judeus


interpretaram o livro como uma alegoria do amor entre Javé e Israel,
enquanto os teólogos cristãos defenderam que o livro era messiânico e
louvava o amor entre Cristo e a Igreja (Ef. 5.22-33)” (DILLARD; LONGMAN
III, 2006, p. 248). Atualmente muitos ainda seguem esta postura. Mas,
como “basicamente a palavra alegoria possui a ideia de se dizer uma

115
< voltar

coisa, mas que significa outra. [...além de se não considerar qualquer


possibilidade histórica] o que o autor disse fica em segundo lugar e o que
o intérprete quer dizer tem a primazia” (GUSSO, 2012, p. 107).

Por conta disso, é possível encontrar muitas explicações diferentes,


para um mesmo versículo analisado. Por exemplo, sobre a descrição de
que o Rei estaria conduzindo a donzela à sua recâmara (Ct 1.2-4), a escola
judaica interpreta como sendo uma referência ao Êxodo e à entrada na
Terra prometida; enquanto que Hipólito diz que seria Cristo conduzindo
os fiéis para a igreja. Além de serem contraditórios, ambas perspectivas
ignoram o restante do versículo que falam sobre beijo, amor, perfume
etc.Outro exemplo, agora num campo mais imaginativo: segundo Ciríaco
de Alexandria Ct 1.13 seria uma descrição messiânica. Quando o poeta
disse: “O meu amado é para mim como um saquitel de mirra, que repousa
entre os meus seios.”, seria uma descrição a Cristo que aparece nas duas
porções da Bíblia. Os seios seriam os dois Testamentos e o saquitel de
mirra seria Jesus (DILLARD; LONGMAN III, 2006, p. 248s).

Nessa escola interpretativa, também surgiu a possibilidade de três


personagens e não somente dois. Na interpretação tradicional o pastor e
Salomão seriam a mesma pessoa, aqui são encarados como duas pessoas
distintas interessadas na Sulamita. Assim, a Sulamita representaria Israel
que constantemente se via inquieto em seus momentos de indecisão
entre sua fidelidade ao Rei Javé ou seus encantos com a idolatria ou
paganismo.

Além destas três escolas ou formas mais alegóricas de se interpretar


o livro de Cantares, ao longo da história também houve teólogos que
trabalharam o texto sob uma perspectiva mais literal, afinal “Deus vigia
a correta e positiva sexualidade humana” (HOUSE, 2005, p. 594). Mas,
as polêmicas não cessam por aí. Mesmo sendo considerado sob uma
mesma ótica, do relacionamento real entre homem e mulher, a dificuldade
passa a ser sobre sua historicidade. Teria sido uma série de poemas
sobre personagens reais ou simplesmente teriam sido apenas o fruto da
imaginação de algum escritor? Acerca destas duas possibilidades, é que
tratarão os três próximos tópicos.

116
< voltar

4.3.2.4 Interpretação tipológica


Às vezes ela é confundida com a forma de interpretação abordada
anteriormente. Porém, a tipologia se distingue principalmente por conta
de três premissas básicas: a) parte de um fato real e histórico, b) não
se preocupa em dar respostas a todos os detalhes, e c) procura uma
mensagem correspondente, entre o texto analisado e o ministério de
Cristo. Assim, “em termos de cristianismo a ideia básica é que Cantares
mostra o verdadeiro amor de Deus visto em Cristo.” (GUSSO, 2012, p. 108).
Tradicionalmente o pastor tem sido visto como tipo de Cristo e a sulamita
como Sua igreja. Recentemente, surgiu uma possível teoria de a mulher é
quem seria o tipo de Cristo porque ela parece ser a protagonista principal;
indo atrás e nunca desistindo de seu amado. Mas isto ainda necessita de
maiores estudos e atenção, principalmente porque tem ações do amado
que também se enquadrariam muito bem como ação divina.

4.3.2.5 Interpretação como obra dramatúrgica


Outra forma de se lidar com os possíveis desconfortos causados
com a temática da sexualidade foi entender o livro de Cantares como uma
obra artística. Assim, em vez de ser uma simples descrição das aventuras
amorosas de duas pessoas, a ser contada por todo mundo, teria sido uma
obra teatral preparada para ser apresentada diante de um grupo seleto.
Segundo Dillard e Longman III (2006, p. 246) algumas versões da NVI,
inclusive, acrescentaram rubricas nas margens, como que indicando
quem deveria falar naquele momento. Os editores destacam na própria
Bíblia que tais apontamentos não fazem parte do texto original, mas já
haviam sido acrescentados no Códice Sinaítico.

Curiosidade

Códice Sinaítico é uma antiga cópia manuscrita da Bíblia, provavelmente


dos meados do século IV d.C. Esta obra foi descoberta em 1844, junto
ao Mosteiro de Santa Catarina, no monte Sinai. Daí vem o seu nome.
Nele encontra-se o Novo Testamento grego inteiro além de boa parte do
AT. (PESTANA, 2007, p. 118).

117
< voltar

Mesmo que se pense nessa possibilidade, de se tratar de um drama,


é difícil definir não somente de quem seriam as falas, mas até quantos
personagens há. Tem corrente que colocam somente dois personagens,
mas há outra que coloca três, ou mais, ao se considerar as filhas de
Jerusalém como coristas. Quando se trata de dois personagens seriam
Salomão e a Sulamita (ou o Amado e a Amada) e teria como enredo central
no amor do rei pela mulher, desde o primeiro encontro até o casamento.
Neste caso, o livro estaria descrevendo:
“(...) o amor purificador compartilhado por Salomão e a Sulamita.
Narra, assim, o afastamento de Salomão da maldade, da
poligamia e do amor sofisticado, e sua decisão pela monogamia
e pelo amor singelo de uma camponesa.“(DILLARD; LONGMAN
III, 2006, p. 247).

Na corrente que trabalha com três personagens, além da Sulamita


e Salomão (que seria o rei a quem a moça seria dada em casamento),
haveria um pastor que é o verdadeiro amor daquela jovem. Segundo esta
corrente de interpretação, a enamorada escolhe o fiel pastor ao invés do
rei apóstata.

Uma variante desta forma de interpretação é considerá-la como


uma espécie de ópera (GUSSO, 212, p. 109). Sem dúvida, o maior problema
enfrentado por ambas opções interpretativas (encenação ou ópera), não
seria o número de personagens em si, mas se este livro seria de fato
um gênero literário artístico. Pois, além da dificuldade de definir quantos
personagens haveria, outros problemas encontrados seriam: definir de
quem seria cada fala, e quais seriam os eventos e atos da peça. Além
disso, este gênero literário não é encontrado em nenhuma outra porção da
Bíblia, nem em outras regiões do Antigo Oriente Médio do mesmo período
(DILLARD; LONGMAN III, 2006, p. 247).

4.3.2.6 Interpretação como poemas comuns de amor


Nessa forma de leitura e interpretação o livro de Cantares é encarado
como uma coleção de poemas de amor. Então não se trataria de um casal
ou um triangulo amoroso, mas de diversos poemas de amor originalmente
independentes e que foram reunidos aleatoriamente, pois “não mostra

118
< voltar

uma unidade coesa, direcionada a um objetivo, nem apresenta um enredo


dramático” (SCHMIDT, 1994, p. 301s). Seguindo-se sob esta ótica, de
uma coletânea de poemas de amor sem trabalhar a história de um casal,
pode-se perceber “diversos paralelos entre o livro e a poesia de amor
egípcia, inclusive referências a amada como “minha irmã, minha noiva.”
(DILLARD; LONGMAN III, 2006, p. 247).

Segundo Falk (1982) Cantares seria uma junção aleatória de trinta


e um poemas. Não teriam qualquer relação narrativa, mas teriam sido
unidos a partir de possíveis amarrações temáticas. Todavia, ela mesma
apresenta a grande dificuldade de se determinar todos os poemas. Já
Schmidt (1994, p. 302) concorda com a ideia de se tratar de cânticos
diversos que eram entoados nas festas de casamento e acabaram sendo
agrupados sem muita preocupação com qualquer estrutura.

Apesar de não serem poucas as teorias que consideram-no como


uma coletânea de poemas avulsos, talvez por ser a forma mais fácil de se
explicar toda problemática com relação à falta de estrutura clara, segundo
Gusso (2012, p.110), há dois argumentos muito forte que contraria todas
elas: a) o fato de ser chamado de “o cântico dos cânticos”, e b) as repetições
do que parece um refrão, ao longo do livro (2.7, 3.5 e 8.4).

Diante de tantas variáveis e possibilidades pode-se dizer que


Cantares possui uma unidade, mas a partir de poemas românticos, sem
intenção de promover debates ou especulação. Como tal, o livro não
conta uma história, mas não há como negar uma grande alusão a ela:
o amor entre um casal. Além disso, não é nada monótono, pois é uma
obra à altura de um sentimento tão elevado. Ela contém monólogos,
diálogos, conversas e recordações. Além disso, como algo muito natural
aos enamorados, faz-se uso de muitas metáforas para declarar e refletir
sobre o seu amor (PINTO, 2006, p. 580).

Diante destas inúmeras propostas de interpretação apresentada,


você deve estar pensando se realmente vale a pena ler um livro tão
complexo. Um detalhe importante que ainda não foi mencionado, a forma
como se encara o texto não retira sua espiritualidade nem sua importância.
Seu objetivo principal, a despeito da interpretação que se pretende adotar,
é enaltecer o amor sexual entre um homem e uma mulher. Não se deixe

119
< voltar

iludir pelas dificuldades que possam surgir. Afinal, “essa mensagem é


tão importante hoje como sempre foi. A sociedade e a igreja têm, muitas
vezes, deturpado a sexualidade humana, assim é importante lembrar que
o sexo, dentro dos parâmetros do casamento, é uma dádiva de Deus”
(DILLARD; LONGMAN III, 2006, p. 253).

Infelizmente a sociedade tem transformado a sexualidade em um


ídolo, defendendo uma filosofia de vida focada apenas no prazer frívolo
e passageiro, às vezes até colocam a relação sexual no lugar de Deus.
Em contrapartida, a igreja se dirige para o lado oposto. Muitas vezes
tem colocado o sexo como algo sujo e pecaminoso, mesmo dentro do
casamento. Como se Deus tivesse criado os seres humanos com sua
sexualidade apenas com a finalidade de reprodução (DILLARD; LONGMAN
III, 2006, p. 253). Como tentativa a uma vida integralmente saudável e
equilibrada, não há como negar que o livro de Cantares “contribui para a
revelação de Deus ao exaltar o tipo de amor que segue o padrão criativo
de Deus e evita aquelas distorções das quais a própria Escritura dá amplo
testemunho” (PINTO, 2006, p. 580).

4.4 Introdução e análise de Lamentações


Enquanto o tópico anterior destacou o representante mais vibrante
dos sentimentos, falando de poemas sobre o amor, nesta sessão, você
aprenderá um pouco sobre a poesia melancólica, que descreve um
sentimento mais introspectivo, triste e até sombrio. Ela é mais conhecida
como lamentação. Infelizmente alguns segmentos da igreja também
tem tentado abafar esta forma de expressão própria e muito natural da
natureza humana. Segundo Bentzen (1968, p. 172), no período pós-exílico
havia até dias fixos de penitência, nos quais o povo apresentava para Deus
seu choro, que podia ser individual ou nacional.

120
< voltar

Exemplo

Na década de 1970, quando uma família foi visitar seus amigos, num
sítio no interior de São Paulo, numa época em que criança era tido
como desprovida de qualquer sabedoria e impedida de se expressar em
público, um de seus filhos acaba se machucando no campo e vem pra
casa em prantos. O dono da propriedade, como bom representante da
sabedoria popular, diz para aquele pobre menino que se derramava em
lágrimas: “Não chore!”, disse aquele senhor com voz firme, e completou:
“Homem que é homem, não chora!”. Mais que depressa, como que
iluminado pelo próprio Deus, aquele menino toma fôlego e responde
com uma profundidade e verdade que ecoa até os dias de hoje, quando
a família se reúne: “Não chora, quando não é preciso!”

Não há pecado algum, chorar diante de uma calamidade, se


entristecer por algo ruim que aconteceu, lamentar por algum erro que
cometeu e, principalmente, prantear por um ente querido que faleceu.
Talvez você já deva ter ouvido a seguinte expressão, em algum funeral:
“Não chore! Ele está com Deus.”. Se o falecido morreu em Cristo, de fato,
ele está no melhor lugar que poderia existir e seus problemas deixaram de
existir para sempre. Mas, como seres humanos, não só pode, como deve
sentir e demonstrar a dor da despedida.

Semelhantemente não há nada de errado em se debruçar nos


braços do Pai, expondo sua aflição diretamente ao próprio Deus. Às
vezes, a dor é tão grande, que as palavras nem saem. Mas não hesite.
Se precisar, apresente suas lamentações e queixas ao Senhor. Segundo
Harrison (2011, p. 155s) esta prática era bem comum na antiguidade,
muito comum os hebreus “abrirem seus corações” diante de Deus.

A grande vantagem de expor sua lamentação diante de Deus é que


Ele lhe agracia com o consolo que excede todo o entendimento. Por isto,
o livro de lamentações é tão especial. É um texto forte e pesado. Expõe a
terrível situação pela qual o povo estava passando. Pior, Jeremias entendia,
inclusive, que muitas daquelas desgraças não eram obras do acaso, mas
vinham diretamente de Deus. E mesmo assim, ele se aproxima de Deus e
mesmo em meio ao caos, consegue perceber uma das declarações mais

121
< voltar

belas e profundas de toda a Bíblia: “A benignidade do Senhor jamais acaba,


as suas misericórdias não têm fim; renovam-se cada manhã. Grande é a
tua fidelidade.” (Lm 3.22s). A primeira parte da declaração também pode
significar que “As misericórdias do Senhor são a causa de não sermos
consumidos, porque as suas misericórdias não têm fim”, conforme várias
versões bíblicas apresentam. Por isto, é muito importante conhecer um
pouco mais este livro tão fascinante.

4.4.1 Produção de Lamentações


Este livro acabou ficando mais conhecido como O livro das
Lamentações de Jeremias porque a Vulgata assim o sugeriu. Mas, ao
considerar o costume hebreu de usar a primeira palavra para se referir
ao livro, seria ’êykah (uma interjeição hebraica usada para indicar espanto
ou perplexidade, significando literalmente: Oh, como!), mas a tradição
judaica também se referia a ele como Qînôt (que significa Lamentações).
As versões em português têm optado por Lamentações ou Lamentações
de Jeremias (Harrison 2011, p. 155). Ele está sendo estudado entre os
livros poéticos porque além de ser uma forma de poesia, sua estrutura em
Padrão Menorático é de uma beleza imensurável.
Quanto à sua autoria, embora o nome de Jeremias acabe
aparecendo muitíssimas vezes em associação com este livro, muitos
o tem considerado como um texto anônimo. Enquanto que outros têm
defendido que Lamentações teria sido uma coletânea de lamentos,
oriundos de fontes e autores diversos (SCHMIDT, 1994, p. 303). Foi a
tradição que o atribuiu ao profeta. Um fator que pode ter corroborado com
o surgimento de tal tradição, pode ter sido uma interpretação equivocada
do texto de II Crônicas 35.25. Este texto menciona que Jeremias escreve
uma lamentação. Todavia, ignoram, a continuidade do versículo que diz
que ele a escreve acerca da morte do rei Josias.
Embora o texto bíblico pretendido não serve como um testemunho
sólido sobre a autoria de Jeremias, não dá para descartar totalmente
a possibilidade de que ele possa ter sido o seu autor, mesmo porque, as
semelhanças de estilo e assunto nos dois livros (Jeremias e Lamentações)
são muito próximas e, além disso, é indiscutível que o autor do texto foi uma
testemunha ocular da destruição de Jerusalém (HARRISON, 2011, p. 157).

122
< voltar

Ainda pode-se destacar o alto teor poético das duas obras e o fato
de Lamentações refletir a situação de forma tão pontual. Assim, embora
seja só um testemunho da tradição, a mesma “encontra apoio no título do
livro na Septuaginta, como também em seu subtítulo na Vulgata (Id Est
Lamentationes Jeremiae Prophetae), no Targum e entre os pais da igreja
(como Orígenes, Jerônimo e Agostinho).” (PINTO, 2006, p. 641).

Curiosidade

Targum é a tradução do Antigo Testamento para o aramaico. Como


após o exílio o hebraico não era uma língua popular entre os israelitas,
no período do segundo templo (assim denominado entre os judeus
o período de Esdras e Neemias) foi produzido este material. Além da
tradução do texto, o Targum trazia comentários e explicações.

Com relação à data da escrita do livro há duas correntes bem fortes:


a) se for certo que seu autor foi uma testemunha ocular, o texto, ou pelo
menos sua grande parte, teria sido escrito por volta de 587 a.C., no mais
tardar 550 a.C (HARRISON, 2011, p. 158); ou b) considerando a teoria de
múltiplos autores, há de se concordar que os cantos devem ter surgido
na mesma região e na mesma época, pouco tempo depois dos eventos
trágicos experimentados por conta da destruição da babilônia (SCHMIDT,
1994, p. 303).

4.4.2 Estrutura e mensagem de Lamentações


Como mencionado anteriormente, Schmidt (1994, p. 303) é um forte
defensor da ideia de que os cantos deveriam ser independentes entre si e
só posteriormente, teriam sido agrupados. A falta de uma sequência lógica
entre seus capítulos, o teria levado a este pensamento. Numa leitura em
série, os capítulos 1 a 3 até teriam certa unidade, culminando no terceiro,
como uma declaração de esperança. Mas os capítulos finais estariam
regredindo e voltando a destacar assuntos lá dos capítulos iniciais, como
se ignorasse o clímax, ao qual se chegara, no capítulo 3.

123
< voltar

Infelizmente ele foi traído pela não percepção da estrutura poética


deste livro. Como foi visto lá no tópico 3.2.2.1, com a apresentação
da estrutura poética Menorática, os capítulos 1 e 5 se relacionam na
apresentação do problema e na declaração de que Deus pode reverter tal
situação, os capítulos 2 e 4 além da ligação a partir da inversão de uma
das consoantes, também se relacionam percebendo e destacando que
o principal inimigo do povo é o próprio Deus (que os castigou porque o
povo não se arrependeu) e o 3 capítulo seria o clímax, sim, mas não numa
estrutura sequencial 1,2,3,4,5 mas num padrão “sanduíche” ou Menorático,
conforme a imagem abaixo:

Figura 01 – Padrão Menorático

A – B – C – B’ – A’

Legenda: Esquema Menorático. FONTE: Própria.

#pracegover: Ilustração de esquema onde aparecem em sequencia as letras A, B, C, B


(linha) e A (linha), onde A esta ligado com A (linha), B esta ligado com B (linha) e C no
centro.

Além desta estrutura visual, outras peculiaridades podem ser


levantadas como testemunhas de sua unidade. Além da lástima sempre
presente, “a retidão de Deus nunca é deixada de lado”, a fidelidade divina
é certa e, ainda, há a expectativa da esperança de um futuro melhor em
Deus (HOUSE, 2005, p. 617s).

Como são poucos que perceberam sua estrutura poética, muitos


acabam tentando vislumbrar algum esquema, a partir da metodologia
tradicional, por meio apenas dos temas. Segue duas formas de vislumbrar
seu possível esboço:

a. Sugerido por House (2005, p. 618):


Cap. 1: Descrição da aflição de Jerusalém (uma vez que Deus a
castiga e a abandona);

124
< voltar

Cap. 2: Deus é apresentado como inimigo de Jerusalém;Cap. 3:


A fidelidade de Deus ao remanescente (a derrota sofrida não é
o fim);
Cap. 4: Deus como aquele que dispersou Israel, sendo seu
inimigo;
Cap. 5: A esperança em Deus (somente Ele pode restaurar e
recomeçar com o povo).
b. Apresentado por Pinto (2006, p. 643):
Cap. 1: Reflexão do povo sobre a sua miséria (desolação por
causa do pecado);
Cap. 2: A destruição como um ato explicito de Deus, por causa
dos pecados do povo;
Cap. 3: Percepção acerca do amor leal da aliança de Deus
(esperança em meio a dor);
Cap. 4: A justa ira de Deus como causadora das maldições sobre
Jerusalém;
Cap. 5: Exortação à autoavaliação do povo, sob a perspectiva da
justiça de Deus (esperança futura, apesar da dor do presente).
É interessante observar que nesta última proposta, como a leitura
é sob uma ótica sequencial, deixa-se para o último capítulo a expectativa
maior, enquanto que o clímax do livro está em seu capítulo central. Convém
destacar que este livro, embora tão pequeno consegue concentrar muitos
aspectos da cultura israelita daquela época, tais como “o discernimento
do profeta quanto ao juízo e a graça do Senhor da aliança; as expressões
litúrgicas sacerdotais de contrição e esperança; e a luta dos sábios com
os mistérios do sofrimento.” (LASOR, apud PINTO, 2006, p. 646).

Por fim, em Lamentações fica muito claro a importância do povo


se manter fiel à aliança feita com Deus. O paralelo entre as maldições
proferidas em Deuteronômio, para quem rompesse a aliança, e a tragédia
experimentada pelo povo é imenso. Em momento algum se atribuiu
qualquer poder ou habilidade aos reis babilônicos. O texto é muito claro
em afirmar: foi Deus quem manifestou sua justiça.

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Além disso, o povo estava mais que avisado. Além de Deus tê-los
advertido, quando fizeram a aliança, o Senhor ainda mandou inúmeros
profetas para alertar o povo das consequências que suas escolhas
errôneas estariam provocando. Leia cada um destes versículos,
observando a semelhança entre a situação vivida em Lamentações, com
o castigo “profetizado” em Deuteronômio 28:

a. Lm 1.3 com Dt 28.65;


b. Lm 1.5 com Dt 28.32 e 44;
c. Lm 1.6 com Dt 28.25;
d. Lm 1.18 com Dt 28.41;
e. Lm 2.15 com Dt 28.37;
f. Lm 2.20 com Dt 28.53;
g. Lm 2.21 com Dt 28.50;
h. Lm 5.10 com Dt 28.48;
i. Lm 5.11 com Dt 28.30;
j. Lm 5.18 com Dt 28.26.
O livro de Lamentações deixa três lições muito claras: a) Deus
abomina o pecado (se for necessário, castigará até o seu próprio
povo); b) não importa o tamanho do problema, quando há humildade,
arrependimento e busca a Ele, o Senhor pode reverter qualquer situação;
c) não importa quantos deuses o povo tenha ou cultue, quando o problema
é grave, ele sempre recorria a Javé. Não deixe o problema chegar em tua
vida, para daí recorrer a Deus e suas infinitas bênçãos. Seja sábio e poeta.
Aprenda a compartilhar seus sentimentos com Deus e, acima de tudo,
procure sempre aplicar seus conhecimentos em busca pelo bem viver.

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Síntese do Capítulo
Neste capítulo você aprendeu a importância de ser honesto com
Deus, principalmente no que dizem respeito às coisas do coração. Viu
também que alguns Salmos foram bem pontuais e que para serem
utilizados hoje, precisa passar por uma revisão teológica. Afinal, seus
autores estavam num patamar menor de revelação do que os cristãos nos
dias de hoje. Outra lição importante foi perceber que além das palavras,
o que determina muito a qualidade de um adorador é seu espírito manso
com o intuito de nunca perder de vista quem é Deus.

A partir de cada um dos livros analisados neste capítulo, você


aprendeu que Davi não escreveu todos os salmos e mesmo os 73 que
aparecem com o nome dele, pode ser que ele não os tenha escrito; pois
a expressão “Salmo de Fulano” pode significar tanto a autoria, como uma
homenagem, um patrocínio ou uma inspiração. Sobre o livro de Cantares,
por mais que existam tantas formas de se realizar sua leitura interpretativa,
ao que parece a mais indicada seria entender que são poemas de amor
porque Deus também se interessaria pela vida sexual saudável de seu
povo. Por fim, com Lamentações, embora não se tenha consenso de que
tenha sido de Jeremias de fato, duas certezas são bem evidentes: Deus é
o Senhor de tudo, inclusive das tragédias, e sua misericórdia não tem fim.

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