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Capitulo VIII – Quimbanda – X

Muito se especula acerca do lado direito e esquerdo nas práticas ocultistas. Acredi-
tamos ser interessante entender algumas razões dessa dualidade e a inoperância
desse sistema. Não adentraremos de forma aprofundada na linguagem científica, até
pelo fato de não ser esse o foco a ser desenvolvido, apenas usaremos algumas
informações para elucidar o lado racional e irracional contido em todos os seres
humanos.
O cérebro humano é dividido em duas partes, ou melhor, dois hemisférios que in-
teragem através de muitos feixes de “fibras” que são as pontes entre os lados, onde o
corpo caloso é a principal via de comunicação. Ressaltamos que o lado direito do
cérebro comanda o lado esquerdo do corpo e, consequentemente, o esquerdo age
sobre o lado direito.
Filósofos e cientistas defendem que no lado esquerdo do cérebro está retida grande
parte da lógica dos seres humanos, nessa linha de pensamento encontra-se a fala, a
leitura, a matemática (raciocínio lógico), a análise e alguns tipos de memória. No
hemisfério direito estão armazenadas a imaginação, a fantasia, a intuição e a síntese.
Seguindo essa linha de raciocínio, o lado esquerdo do cérebro ao identificar uma
figura, automaticamente define sua forma, nomeia-a e determina sua função. O lado
direito do cérebro, por não estar associado à lógica, entende a figura de forma mais
ampla e não determina uma função específica. Talvez o uso de um exemplo possa
corroborar com essa divisão. Um adulto ao visualizar um prato, entende que é uma
forma circular, nomeia como prato e sabe que é um utensílio onde se serve a comida.
Uma criança pode enxergar o prato da mesma forma, porém, pode entender que o
prato é uma forma de volante e sair “dirigindo” um carro imaginário pela casa, como
se estivesse numa rua movimentada. O prato deixou de ser uma forma definida e
limitada e passou a ser apenas uma forma circular.
Quando praticamos a Quimbanda Brasileira, o lado direito do nosso cérebro faz um
papel fundamental, pois quebra muitas formas definidas e lógicas para dar vazão à
imaginação e abrir as “portas” que nos conectam aos mundos astrais. As “Ferramen-
tas”, “Pontos Riscados” dentre muitos elementos só podem ser devidamente com-
preendidos quando os enxergamos de forma ampla e suas qualidades ocultas dão
novas perspectivas a nossa gnose. Além disso, determinados dons artísticos, assim
como a música e a meditação, que proporcionam aos seres uma maior “liberdade
mental” também se relacionam com o lado direito do cérebro.
Partindo de tais informações, a correlação entre as práticas magísticas/ocultas de mão
direita e esquerda fica mais evidente, assim como o lado mais obscuro e in-
compreendido da psique humana. Isso causa uma espécie de levofobia no ocultismo,
onde o lado “sombrio e intuitivo” é tido como malévolo e diabólico. Inclusive, a palavra
que define a pessoa canhota em latim é ‘sinister’, mesma palavra usada para
denominar o demônio.
Sinistro/Sinistra hoje é uma palavra que carrega a história da incompreensão sócio-
religiosa de eras. De forma funesta, tal palavra é a síntese da desgraça, dano e medo.
Talvez tenha sido justamente essa a ideia dos sacerdotes das religiões estagnadas:
Decretarem a extinção da imaginação, limitar o poder de concentração e adestrar para
a máxima obediência.
A absorção mesclada de culturas e tradições fez com que o lado esquerdo se tornasse
um tabu, algo que provocasse a repudia e o medo nos seres humanos. Obviamente
colocaram os anjos, deuses, santos e profetas como expoentes da mão direita e o
diabo como responsável pela mão esquerda. Entendam que a palavra ‘mão’ simboliza
caminho, via evolucionista espiritual. Portanto, a direita é o bem e a esquerda é o mal.
Esse conceito é tão enraizado que até na forma comportamental da sociedade foi
refletido. Um exemplo clássico são os árabes que não usam sua mão esquerda para se
alimentar, afinal usam a mesma para fazer sua higiene após defecar. A história
também demonstra que o lado esquerdo está reservado para aqueles de menor
importância. O clero e a nobreza francesa do Antigo Regime sentavam-se a direita do
Rei, enquanto todos os demais profissionais sentavam-se a esquerda, inclusive a
burguesia. Esses exemplos são apenas uma das inúmeras formas que demonstram a
separação e a limitação imposta conscientemente ou não.
A Quimbanda Brasileira não é uma religião limitadora. Entendemos que não existam
barreiras externas para a ascensão dos adeptos. Para nossa evolução, o primeiro
conceito que devemos entender é que não existe ‘Direita e Esquerda’ e sim uma única
via de polaridades distintas que precisa equalizar os espíritos enquanto no plano
cósmico estiverem retidos. Os Exus e Pombagiras não estão à esquerda nem a direita
de ninguém, pois são uma armada, uma forma de embate à inércia e comodismo
energético imposto pelo Falso Deus. Mesmo que o cérebro se divida, seria impossível
que trabalhasse de forma independente, pois todo descobrimento é fruto do
pensamento e da imaginação. Quando uma pessoa encontra na Quimbanda o brilho
de sua jornada, deixa de lado todos os conceitos estagnados e parte para o abismo do
desconhecido, onde a expressão máxima denomina-se Maioral e sua essência possui
as duas polaridades unificadas, sem divisões, tabus ou fobias históricas. Se tivéssemos
de separar, ao invés de direita e esquerda, seria Liberdade e Cativeiro.
Dentro da Quimbanda, como dito em textos anteriores, a Arte desenvolve-se através
da gnose encontrada no culto de Exu e Pombagira. Assim como em todas as vertentes
religiosas, existe a concepção de um Ser Supremo, algo que está além de
compreensões exotéricas e banalizadas. Tal Ser é chamado de Maioral, ou ainda, o
Grande Dragão Negro.
Como dito anteriormente, a Quimbanda Brasileira foi fruto da junção de três vertentes
principais: Africana, Europeia e Indígena Nativa e, tais pilares construtivos,
encontraram similaridades que possibilitaram a junção e criação de novos seres.
Antigos livros de Quimbanda associam-na como lado reverso da Umbanda (outra
religião tipicamente Brasileira), alegando que os Exus são seres em via evolucionista
que policiam as Leis Universais aplicando as ditas Leis Maiores sem parâmetros morais
de bem ou mal. Sob uma classificação jocosa é classificado como “lixeiro da imundície
humana”, cuja função é recolher o excremento energético humano. Outros alegam
que Exu, por ser um espírito admitido nas Trevas, deve ser desperto e trabalhar pelo
bem da humanidade, caso contrário é apenas um ser atrasado. Essa concepção de que
a Quimbanda nasceu nas sombras da Umbanda foi uma forma de segregar o trabalho
desenvolvido pelos Exus e Pombagiras institucionalizando-os como personificações do
“mal” e demonstrando claramente a nítida divisão cristã entre o “bem e o mal”,
“Direita e Esquerda”, entre seres bons e curadores e os maléficos Exus-Diabos.
“Há que se lembrar que desde a idade média escolheu-se o Diabo como significante
do mal e o signo que possibilitaria a interdição a partir do universo cultural e
religioso. No universo simbólico, imaginário e cultural dos negros e dos índios não
havia uma entidade que representasse o mal em sua totalidade. Essa aculturação só
foi possível pelas adaptações e distorções ocorridas no arcabouço original (FERRO,
Marc - História das Colonizações. Companhia das letras, São Paulo, 1996.).”
Entre os séculos XIV e XVIII a Igreja Católica (que assemelhava-se ao próprio Estado),
no afã de destruir todas as manifestações religiosas hereges contrárias ao cristianismo,
instituíram uma intensa perseguição denominada “Santa Inquisição”. Esse período foi
uma “terra fértil” para o aparecimento de livros e manuscritos descrevendo
minuciosamente o “Reino de Satanás”. Tais livros, denominados “Grimórios” (livros de
encantamentos) exibiam uma rica hierarquia dos demônios, além das transcrições de
seus poderes, legiões e amplitude de ação. Podemos citar o “Grimorium Verum”
(Grimório da Verdade), o “Clavícula de Salomão”, o “Grand Grimorium”, o “Manual do
Papa Leão” (“Enchiridion Leonis Papae”), entre outras obras que ilustravam pactos
demoníacos e missas diabólicas.
Toda essa carga literária aportou nas terras brasileiras em meados do século XVI.
Vindos através dos padres catequizadores e senhores da alta classe Portuguesa (e Es-
panhola), tais “livros inquisitórios” foram instrumentos de catequização e punição. Os
povos nativos, os negros escravizados e os colonizadores receberam até o fim do
século XVIII a educação religiosa que abordava as facetas do “Diabo Cristão e suas
Hostes” provindas de tais obras de demonologia. Dessa forma, assentaram-se no
inconsciente e consciente coletivo (através das piores maneiras) essas informações,
além das já enraizadas como a luxúria, a maldade, a danação e o sexo.
A formação do conceito Maioral deu-se pelo sincretismo ocorrido entre os “Exus-
Eguns” e os demônios listados como subalternos dos Maiorais do inferno. Esse
sincretismo provavelmente foi iniciado pelos próprios padres católicos, haja vista que
um dos métodos mais eficazes de destruírem o sagrado é a distorção do significado
original do culto. Ao longo dos anos, ao invés dessa distorção ser sanada, foi absorvida
e aplicada dentro do âmago do culto da Umbanda, que foi “um lago de águas
paradas”, habitat perfeito para alguns descreverem as legiões de Exu as sincretizando
com divindades pagãs demonizadas.
Muitas contradições ainda ocorrem dentro da Quimbanda Brasileira pelo fato de
confundirem-na com o culto de “Kimbanda” e pelo processo de formação ainda ser
recente e não existir um consenso entre os adeptos. As distorções fizeram do Exu um
ser demonizado e classificado por analogia aos demônios descritos segundo os
grimórios medievais.
Maioral aparece como um termo usado para designar Seres Espirituais que regem as
legiões de Exus e Pombagiras. Dentro do processo de cristianização de Oxalá e os
demais orixás africanos, a dualidade existente no cristianismo, entendida como o “Bem
e o Mal” fez com que Exu assumisse o “Trono das Trevas” e fosse corre-lacionado à
tríade maligna descrita nos antigos Grimórios composta por Lúcifer, Beelzebuth e
Astaroth.
O primeiro passo desse sincretismo umbandista foi classificar três Exus que assumiriam
os “Tronos Maiorais”. Lúcifer foi correlacionado com “Exu Lúcifer”, Beelzebuth
(Beelzebub) com “Exu Mor” e Astaroth (Ashtaroth) com “Exu Rei das Sete
Encruzilhadas”. A partir dessa tríade, os demais Exus foram classificados e renomeados
segundo a demonologia dos antigos grimórios.
“Diabo Maioral, ou Exu Sombra, que só raramente se manifesta no transe ritual. Ele
tem como generais:
Exu Marabô ou diabo Put Satanaika, Exu Mangueira ou diabo Agalieraps, Exu-Mor
ou diabo Belzebu, Exu Rei das Sete Encruzilhadas ou diabo Astaroth, Exu Tranca Rua
ou diabo Tarchimache, Exu Veludo ou diabo Sagathana, Exu Tiriri ou diabo Fleuruty,
Exu dos Rios ou diabo Nesbiros e Exu Calunga ou diabo Syrach. Sob as ordens destes
e comandando outros mais estão: Exu Ventania ou diabo Baechard, Exu Quebra
Galho ou diabo Frismost, Exu das Sete Cruzes ou diabo Merifild, Exu Tronqueira ou
diabo Clistheret, Exu das Sete Poeiras ou diabo Silcharde, Exu Gira Mundo ou diabo
Segal, Exu das Matas ou diabo Hicpacth, Exu das Pedras ou diabo Humots, Exu dos
Cemitérios ou diabo Frucissière, Exu Morcego ou diabo Guland, Exu das Sete Portas
ou diabo Sugat, Exu da Pedra Negra ou diabo Claunech, Exu da Capa Preta ou diabo
Musigin, Exu Marabá ou diabo Huictogaras, e Exu-Mulher, Exu Pombagira, simples-
mente Pombagira ou diabo Klepoth. Mas há também os exus que trabalham sob as
ordens do orixá Omulu, o senhor dos cemitérios, e seus ajudantes Exu Caveira ou
diabo Sergulath e Exu da Meia-Noite ou diabo Hael, cujos nomes mais conhecidos
são Exu Tata Caveira (Proculo), Exu Brasa (Haristum) Exu Mirim (Serguth), Exu Pemba
(Brulefer) e Exu Pagão ou diabo Bucons.” (Exú, Aluizio Fontennelle, editora
espiritualista, 1952.)
Após essa descrição demoníaca, tudo que foi publicado posteriormente absorveu esse
contexto. Muitos livros foram colocados no mercado corroborando cada vez mais com
essas associações. Com o movimento “Neo-Umbanda” e “Umbanda Esotérica”, essas
classificações deixaram de ser aplicadas e aos poucos Exu deixou de ser demonizado e
acabou sendo humanizado.
A “Quimbanda Brasileira” é uma forma de culto diferenciada. Primeiramente, essa
classificação demoníaca baseada em grimórios medievais não é base doutrinária
adequada para nosso culto de Exu. Sob nosso entendimento, Maioral é um grande
Portal composto por forças que estão além da compreensão profana. Maioral é a
expressão máxima da unificação de todas as culturas e de todos os Reinos, Legiões e
Povos da Quimbanda. Maioral, ou o Grande Dragão Negro, é a antítese de todas as
religiões que acorrentam e submetem os seres humanos aos dogmas com-
portamentais, ou seja, tudo que é tido como tabu ou pecado não faz parte dessa
energia. Maioral é o buraco negro que suga as lágrimas do medo e transforma-as em
energia e vitalidade. Maioral é o grande trono que está na escuridão de nossos
subconscientes, habitando nas nossas “feridas” e traumas. Maioral acorrenta e liberta
segundo nossa força de buscar o que está além dos nossos sentidos, Maioral é o Reino
dos antigos deuses demonizados e vencidos pela cegueira humana, cuja principal
função é iluminar a jornada daqueles que se atrevem ajoelhar-se diante sua Luz.
Maioral é a força que se rebelou quando o homem foi preso nos invólucros materiais
(corpo físico), aquele que deu ao homem o direito de aprender e apreciar as artes,
literatura, ciência, dança, como também, a guerra e a destruição. Maioral é a
quintessência de muitos seres unificados que lutam para extinguir as formas de
aprisionamento da psique humana dos que o buscam, como o ódio, a paixão, a ilusão,
a soberba material, a cobiça desenfreada e a luxúria, todavia, alimenta as fornalhas
qliphóticas que incendeiam a alma dos moribundos cegos e limitados. De tal forma,
não podemos limitar Maioral apenas a Lúcifer, Beelzebuth e Astaroth como fazem os
profanos. Maioral são todos os antigos deuses fundidos na chama de Lúcifer!

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