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Didática e

Formação Docente
Autor: Prof. Adalberto Vitor Raiol Pinheiro
Colaboradoras: Profa. Silmara Maria Machado
Profa. Christiane Mazur Doi
Professor conteudista: Adalberto Vitor Raiol Pinheiro

Doutor em Educação pela Universidade de São Paulo – USP (2020), mestre em Letras pela mesma instituição (2014),
especialista em Docência do Ensino Superior pela Universidade Candido Mendes do Rio de Janeiro – Ucam (2010),
graduado em Pedagogia pela Universidade de Uberaba – Uniube (2011) e em Letras Licenciatura pela Universidade
Estadual Paulista Júlio de Mesquita Filho – Unesp (1999). Atua como consultor de linguagens e suas tecnologias
para MEC-COGEAM e Banco Mundial, além de ser coordenador do curso de Pedagogia da UNIP de São José do Rio
Preto. Desenvolve pesquisas principalmente nos seguintes temas: formação de professores, processos de aquisição de
linguagem, psicologia histórico-crítica, educação infantil, pedagogia do teatro e BNCC.

Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP)

P654d Pinheiro, Adalberto Vitor Raiol.

Didática e Formação Docente / Adalberto Vitor Raiol Pinheiro. –


São Paulo: Editora Sol, 2023.

144 p., il.

Nota: este volume está publicado nos Cadernos de Estudos e


Pesquisas da UNIP, Série Didática, ISSN 1517-9230.

1. Docente. 2. Didática. 3. BNCC. I. Título.

CDU 371.13

U518.05 – 23

© Todos os direitos reservados. Nenhuma parte desta obra pode ser reproduzida ou transmitida por qualquer forma e/ou
quaisquer meios (eletrônico, incluindo fotocópia e gravação) ou arquivada em qualquer sistema ou banco de dados sem
permissão escrita da Universidade Paulista.
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Vice-Reitor de Assuntos da Comunidade Universitária

UNIP EaD
Profa. Elisabete Brihy
Profa. M. Isabel Cristina Satie Yoshida Tonetto
Prof. M. Ivan Daliberto Frugoli
Prof. Dr. Luiz Felipe Scabar

Material Didático
Comissão editorial:
Profa. Dra. Christiane Mazur Doi
Profa. Dra. Ronilda Ribeiro

Apoio:
Profa. Cláudia Regina Baptista
Profa. M. Deise Alcantara Carreiro
Profa. Ana Paula Tôrres de Novaes Menezes

Projeto gráfico: Revisão:


Prof. Alexandre Ponzetto Kleber Souza
Vera Saad
Sumário
Didática e Formação Docente

APRESENTAÇÃO.......................................................................................................................................................7
INTRODUÇÃO............................................................................................................................................................9

Unidade I
1 SABERES DOCENTES E SUAS RELAÇÕES SOCIOCULTURAIS COM O MUNDO
CONTEMPORÂNEO............................................................................................................................................... 11
2 OS TIPOS DE SABERES DOS PROFESSORES........................................................................................... 17
3 PEDAGOGIA E A ARTE DE ENSINAR NA CONTEMPORANEIDADE................................................. 25
4 FORMAÇÃO DE PROFESSORES: DILEMAS E IMPASSES DE POLÍTICAS PÚBLICAS
EDUCACIONAIS..................................................................................................................................................... 33

Unidade II
5 A ORGANIZAÇÃO DIDÁTICA DA AULA: PRÁTICAS E PROCEDIMENTOS...................................... 52
6 ESPAÇOS INOVADORES EM SALA DE AULA: CRIATIVIDADE E
AMBIENTES DIGITAIS.......................................................................................................................................... 68

Unidade III
7 ENSINAR POR COMPETÊNCIAS E A INTEGRALIDADE DO PROCESSO DE ENSINO
E APRENDIZAGEM............................................................................................................................................... 91
8 PRÁTICAS PEDAGÓGICAS E BNCC...........................................................................................................113
APRESENTAÇÃO

Os temas abordados neste livro‑texto são de fundamental importância para você, futuro profissional
da Educação Básica, uma vez que contemplam o professor não apenas como profissional, mas como
indivíduo que se constitui por aspectos pessoais, formativos, particulares, culturais e sociais.

Para Tardif (2014), os saberes dos professores articulam‑se com suas próprias identidades,
experiências de vida e percurso profissional junto aos atores escolares. Em outras palavras, o
desafio é colocar‑se como mediador das aprendizagens dos alunos, conduzindo necessidades
específicas demandadas pelos diversos perfis discentes e as necessidades socioculturais impostas
pela sociedade contemporânea.

Segundo Imbernón (2011), a formação de professores transcende o ensino, isto é, vai além da
capacitação científica e didática, apresentando‑se como possibilidade para que os profissionais
da educação estejam preparados a adaptações da convivência com o outro, além das mudanças e
incertezas que permeiam a vida social e, consequentemente, a escolar.

Nesta perspectiva, é importante preparar professores para atuação sob uma base sólida de
conhecimento, que propicie, tanto a quem ensina quanto a quem aprende, habilidades e competências
para agir frente aos diferentes movimentos produzidos pela sociedade e nas diversas demandas que
emergem a todo o tempo. Compreendendo ainda que existam muitas dimensões que perpassam os
sujeitos, deve a didática abranger as características e configurações dos novos tempos e as novas
práticas que se instauram no contexto atual.

Consequentemente, a didática e a prática docente consideradas para este livro‑texto estão em


consonância com as ideias de Marin, Penna e Rodrigues (2012), que compreendem a didática como
área de conhecimento que transcende mero caráter de receituário e prescritivo da prática, mas
como ferramenta que amplia os conhecimentos e contribui para processos de percepção à vida humana.

Pretendemos, com o desenvolvimento das unidades, formar professores que saibam lidar com
subjetividades, identidades e diferentes discursos que permeiam o processo de ensino e aprendizagem;
em que a teoria e a prática pedagógica sejam concretizadas por situações de diálogo, troca de experiências
e socialização dos diversos campos/componentes curriculares presentes nos espaços escolares e na
própria vida dos indivíduos.

A esse respeito, Piletti (2010, p. 29) sinaliza que:

[...] não é somente um processo de aquisição de conhecimentos, conteúdos


ou informações. As informações são importantes, mas precisam passar por
um processamento muito complexo, a fim de se tornarem significativos para
a vida das pessoas.

A partir de Piletti, é possível compreender que o trabalho docente não se restringe à formação
acadêmica, depende também da visibilidade social que cada profissional assume ao promover nas escolas
7
momentos de intervenção e de debate, o que, segundo Nóvoa (2011), significa um trabalho político
para conscientização da relevância da educação na contemporaneidade, combatendo a premissa de que
ensinar é fácil e de que o ensino é uma atividade natural e ao alcance de qualquer pessoa.

Segundo Roldão (2007), o ato de ensinar é caracterizado ao longo do tempo, com constantes
mudanças e evoluções; podendo ser compreendido como “professar um saber”, ou seja, exige uma postura
que envolva pluralidade de saberes, marcada pela transitividade do conhecimento e pela mediação.

Diante de tais reflexões sobre a formação de professores em um estágio inicial, é necessário considerar
metodologias que contemplem a aprendizagem ativa e significativa, compreendida por Bacich e Moran
(2018, p. 3):

[...] quando avançamos em espiral, de níveis mais simples para mais


complexos de conhecimento e competência em todas as dimensões da vida.
Esses avanços realizam‑se por diversas trilhas com movimentos, tempos
e desenhos diferentes, que se integram como mosaicos dinâmicos, com
diversas ênfases, cores e sínteses, frutos das interações pessoais, sociais e
culturais em que estamos inseridos. [...]. As pesquisas atuais da neurociência
comprovam que o processo de aprendizagem é único e diferente para cada
ser humano, e que cada pessoa aprende o que é mais relevante e o que faz
sentido para si, o que gera conexões cognitivas e emocionais.

A partir dos apontamentos dos autores, a disciplina Didática e Formação Docente terá como
objetivo contemplar estratégias e práticas que considerem o processo de aprendizagem com respeito
na singularidade do ser; reafirmando que um profissional de educação deve ser um indivíduo apto em
“habitar e construir seu espaço pedagógico de trabalho de acordo com limitações complexas que só ele
pode assumir e resolver de maneira cotidiana”, e apoiado necessariamente em uma visão de mundo, do
homem e da sociedade (TARDIF, 2014, p. 149).

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INTRODUÇÃO

Na disciplina Didática e Formação Docente, você terá a possibilidade de ampliar seus conhecimentos
sobre os elementos que constituem a organização do processo de ensino e aprendizagem no contexto
escolar contemporâneo, além de compreender e analisar o desenvolvimento integral dos estudantes
durante a prática pedagógica. Serão discutidas também as políticas públicas vigentes, em especial a Base
Nacional Comum Curricular (BNCC), que propõe, para a Educação Infantil, os campos de experiências
e, para o Ensino Fundamental I, componentes curriculares com base nas competências e habilidades.

Pretende‑se, ainda, que você compreenda a didática e sua relação direta com a formação
docente pré‑serviço, pautada no sujeito/objeto; teoria/prática; plano de aula/sequência didática;
transmissão/transposição didática; competências/habilidades; tradicional/tecnológico; e procedimentos,
abordagens e técnicas de ensino pautados na contextualização dos objetos de conhecimento e na
resolução de problemas.

Para isso, você será convidado a articular os princípios teórico‑metodológicos das áreas de
conhecimento que se constituem objeto da prática didática do professor com as premissas para a
Educação Básica propostas pela BNCC; aprimorando procedimentos didáticos com base nas competências
e habilidades. E, por fim, analisar os desafios na formação docente em relação às Tecnologias Digitais de
Comunicação e Informação (TDCI).

Pensando nessas questões e buscando oferecer conhecimentos e subsídios para a atuação profissional,
o presente material é composto da seguinte estrutura:

• Unidade I: dedicada aos “saberes docentes”, terá como início a reflexão das relações entre esses
saberes e o contexto sociocultural em que está inserida a escola. Para tanto, discutiremos os tipos
de conhecimentos que constituem a formação de professores, assim como as fases que permeiam
sua carreira. Em seguida, estudaremos as estratégias de ensino relacionadas com o contexto
contemporâneo, os impasses e dilemas das políticas públicas que impactam nas instituições
de formação docente e nos ambientes escolares. Ainda, apresentaremos e trataremos acerca
do programa residência pedagógica, com intenção de estabelecer características e momentos
importantes para a formação e prática docente; contemplando, por fim, as várias narrativas e
subjetividades que constituem a identidade docente.

• Unidade II: seu tema geral será “a organização didática da aula: práticas e procedimentos”,
começando por reflexões e apontamentos de como se organiza uma didática da aula, assim como
ocorrem as diversas configurações da aula. Em seguida, falaremos sobre a importância da ética
durante as intervenções e práticas pedagógicas, contempladas por um processo colaborativo e
dialógico. Buscaremos, ainda, identificar espaços inovadores para a sala de aula; nestes ambientes,
refletiremos e analisaremos a importância da criatividade e do uso das tecnologias da comunicação
e da informação para constituir práticas docentes no mundo digital.

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• Unidade III: sua centralidade estará nas “práticas pedagógicas e BNCC”, iniciando‑se por
discussões acerca das competências e a integralidade do processo de ensino e aprendizagem,
passando para sistematização e definições das competências e suas diversas dimensões. Na
sequência, compreenderemos as principais diferenças entre disciplinas – habilidades – objetos
de conhecimento; passando para discussão e análise de como avaliar os alunos por meio das
competências. Apresentaremos, ainda, características essenciais que permeiam a formação
do professor e suas práticas, com foco na Base Nacional Comum Curricular (BNCC). Por fim,
refletiremos sobre a importância da formação continuada dos professores para uma atuação cada
vez mais engajada com o mundo contemporâneo.

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DIDÁTICA E FORMAÇÃO DOCENTE

Unidade I
Nossa discussão terá início sobre as formas que permeiam a formação e atuação dos professores.
Para isso, verificaremos os tipos de saberes que constituem a profissão, assim como as fases da carreira
constantes durante todo o percurso de formação inicial e em serviço.

Após refletirmos sobre esses elementos, os quais constituem as várias identidades e práticas
do professor, abordaremos quais os caminhos mais recorrentes na inserção dos profissionais de
educação nas escolas e, consequentemente, os dilemas e impasses das políticas públicas frente à
atuação docente.

Diante disso, convidamos você a aprofundar seus conhecimentos sobre essa temática e conduzir
sua formação de maneira consciente, crítica, reflexiva e engajada sobre o trabalho docente e
seus desdobramentos.

1 SABERES DOCENTES E SUAS RELAÇÕES SOCIOCULTURAIS COM O MUNDO


CONTEMPORÂNEO

Segundo Nóvoa,

Ser professor obriga a opções constantes, que cruzam à nossa maneira


de ser com a nossa maneira de ensinar, e que desvendam na nossa
maneira de ensinar à nossa maneira de ser (1992, p. 9).

A mensagem inicial sinaliza que, para ser um professor, é necessário considerar, além dos saberes
acadêmicos e metodologias de ensino, que o saber docente deve ser compreendido como formado pela
associação das subjetividades dos indivíduos e a objetividade de textos acadêmicos e vivências nos
cursos de formação de professores.

Por isso, é preciso quebrarmos estereótipos e paradigmas que cercam o ofício, isto é, acredita‑se que,
para ser professor, basta o conhecimento do conteúdo, ter talento, bom senso, ser culto, ter paciência
e experiência (GAUTHIER, 1998).

Você deve estar se perguntando: quais os saberes necessários para ser um profissional da educação?

11
Unidade I

Figura 1

Disponível em: https://bit.ly/2Eu6KRZ. Acesso em: 27 fev. 2023.

Calma, esses elementos, os quais apresentamos há pouco, são necessários; no entanto, precisamos
ampliar nossa compreensão acerca dos saberes inerentes à formação docente.

Para Calixto (2003, p. 7), o saber do professor emerge da relação tempo e atuação:

[...] o saber dos professores possui como fundamentos condicionantes o


tempo e o próprio trabalho. O tempo que se alonga desde a experiência
pessoal e escolar anterior à formação inicial (familiares ligados ao ensino,
relação afetiva com crianças, experiências docentes bem‑sucedidas, relações
afetivas com certos professores, como alguns exemplos) até o percurso
da carreira entendida como o resultado do diálogo entre o trabalho
e o trabalhador, num processo de interação e transformação mútuas
(reconhecimento de seu papel, de seus limites, aumento da confiança,
domínio dos diversos aspectos do trabalho como liderança, gerenciamento).

Conseguimos perceber que o saber dos professores é uma conexão entre o tempo e as experiências
pessoais, de estudo e de trabalho. Dito de outra forma, a formação do novo docente se dá pelos
referenciais afetivos e modelos de professores anteriores, que são transformados pelas novas vivências
e percepções ao longo do percurso acadêmico e pela própria interação com o ofício.

Lembrete

Conforme Tardif (2014, p. 33), “o saber docente se compõe, na verdade,


de vários saberes provenientes de diferentes fontes”.

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DIDÁTICA E FORMAÇÃO DOCENTE

No Brasil, a discussão sobre os saberes docentes é instaurada na década de 1990, a partir da


publicação datada de 1991, na Revista Teoria & Educação, n. 4, do artigo de Tardif, Lessard e Lahaye
intitulado “Os professores face ao saber: esboço de uma problemática do saber docente”. Trabalhos como
os de Gauthier (1998); Tardif e Raymond (2000); Borges (2001); Tardif e Gauthier (2001), entre outros,
passaram a contribuir com essa discussão.

Comecemos a discutir as várias fontes dos saberes docentes, sendo o primeiro deles a
temporalidade, isto é, os saberes profissionais dos professores são temporais e ao mesmo tempo
atemporais (TARDIF, 2014):

• Temporais: os alunos passam pelos cursos de formação de professores sem ressignificar suas
crenças a respeito do processo de ensino e aprendizagem e, somente quando docentes, reativam
as experiências anteriores para solucionar problemas de sala de aula. Raymond, Butt e Yamagishi
(1993 apud TARDIF, 2014, p. 260) observaram que, “quando ocorriam problemas de disciplina em
sala de aula, a tendência dos professores era reativar modelos de solução de conflitos que vinham
de sua história familiar e escolar”.

• Atemporais: os anos iniciais da prática docente são importantes a fim de que o indivíduo se
aproprie das habilidades e competências para estabelecer rotinas de trabalho, é a chamada “fase
de exploração” (HUBERMAN; GROUNAUER; MARTI, 1989), caracterizada pelo momento em que o
professor iniciante atua de forma intensa, a fim de provar suas capacidades profissionais, realizar
a gestão de sala de aula e dos objetos de conhecimento para seus aprendizes.

Além disso, os saberes profissionais são variados e heterogêneos, uma vez que não são
unificados e padronizados, isto é, constituem um único caminho ou estratégia, eles são variados
e integrais. Por exemplo, um professor possui em seu repertório de práticas pedagógicas várias
teorias, concepções e técnicas, as quais se alternam para atender às múltiplas demandas de sala
de aula. Sua relação com os saberes está mais voltada à integração do trabalho e pragmatismo do
que à coerência teórica.

Dito de outra forma, os professores não buscam uma unidade teórica ou conceitual, mas, como
um artesão, carregam uma caixa de ferramentas para exercitar suas atividades, ou seja, assim como os
docentes, o artesão possui diversos instrumentos (teorias, técnicas, procedimentos, dinâmicas) para
servir ao seu processo de trabalho e atender a contextos específicos para cada tarefa executada
(TARDIF, 2014).

Como podemos perceber, a formação de um profissional da educação requer a integração de vários


saberes que não se limitam ao cognitivo e acadêmico, uma vez que este sujeito se constitui por vivências
sociais, históricas, culturais e, principalmente, escolares.

A fim de dar conta dos diversos conhecimentos que constituem a formação docente, considerando
assim o pluralismo do saber profissional, Tardif (2014) propõe um quadro com modelo tipológico, com
o propósito de identificar e classificar tais saberes.

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Unidade I

Quadro 1 – Os saberes dos professores

Saberes Fontes sociais Modos de integração


dos professores de aquisição no trabalho docente
Saberes pessoais dos A família, o ambiente Pela história de vida e
professores de vida, a educação no pela socialização primária
sentido lato etc.
Saberes provenientes da A escola primária e Pela formação e
formação escolar anterior secundária, os estudos pela socialização
pós‑secundários não pré‑profissionais
especializados etc.
Saberes provenientes da Os estabelecimentos de Pela formação e pela
formação profissional formação de professores, socialização profissionais
para o magistério os estágios, os cursos de nas instituições de
reciclagem etc. formação de professores
Saberes provenientes A utilização das Pela utilização das
dos programas e livros “ferramentas” dos “ferramentas” de
didáticos usados no professores: programas, trabalho, sua adaptação
trabalho livros didáticos, cadernos às tarefas
de exercícios, fichas etc.
Saberes provenientes de A prática do ofício na Pela prática do trabalho
sua própria experiência escola e na sala de aula, a e pela socialização
na profissão, na sala de experiência dos pares etc. profissional
aula e na escola

Fonte: Tardif (2014, p. 64)

Observe que o quadro possui três colunas, sendo a terceira a integração dos vários saberes (coluna 1)
e das experiências sociais (coluna 2).

Exemplo de aplicação

A partir do quadro de saberes apresentado, elabore o seu (com suas vivências formativas e sociais).
Procure listar exemplos concretos de suas experiências.

Segundo Tardif e Lessard (2000), as profissões que envolvem a interação dialógica dos sujeitos têm,
como principal característica, uma formação consolidada durante o processo de trabalho, contando
com suas vivências, recursos socioculturais e estratégias que atendam ao contexto dinâmico das
relações humanas.

Desse modo, é possível afirmar que os saberes profissionais do professor são fortemente
personalizados, isto é, não atendem à formalidade de conteúdos revelados por pesquisas ou temas
arrolados pela academia. Pelo contrário, são “saberes apropriados, incorporados, subjetivados, saberes
que são difíceis dissociar das pessoas, de sua experiência e situação de trabalho. Essa característica é um
resultado do trabalho docente” (CARTER apud TARDIF, 2014, p. 265).

Em consonância com a ideia de professores como detentores de saberes sociais, Perrenoud et al.
(2002) sinalizam que os saberes docentes transcendem o conhecimento das pesquisas, o qual é codificado
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DIDÁTICA E FORMAÇÃO DOCENTE

em soluções prontas e padronizadas, sendo construídos a partir de problemas que emergem das salas
de aulas, das incertezas geradas pelo processo ensino‑aprendizagem e negociações de significados que
surgem das relações aluno‑professor e aluno‑aluno.

Consequentemente, a formação de professores exige definição de “estilos de negociação frente


às múltiplas e contraditórias formas identitárias aceitáveis para si e para os outros” (DUBAR apud
TARDIF 2014, p. 68).

Figura 2

Disponível em: https://bit.ly/3ID7Jzf. Acesso em: 27 fev. 2023.

Durante a formação de professores, há de se considerar os seres humanos com suas


particularidades e experiências intrapessoais; mesmo pertencentes à sociedade, estes indivíduos
possuem individualidades, certezas, que são validadas ou reconstruídas no cerne do trabalho, isto
é, ao entrarem em contato com grupos de alunos que, por sua vez, trazem crenças, expectativas e
ritmos de aprendizagem diversos.

Estar sensível à condição humana é uma das características principais do trabalho docente e exige
respeito, ética, percepção, altruísmo e disposição de estar constantemente revisando o repertório de
saberes adquiridos durante as práticas pedagógicas.

Segundo Fenstermacher (1994), o trabalho diário em sala de aula desperta no professor seu
autoconhecimento, de suas próprias emoções, valores, ações, reflexões e posicionamentos de como vai
ensinar a seus estudantes. Desse modo, os docentes consideram as especificidades dos alunos como seres
integrais, que devem, sempre que possível, aprender em um contexto de multiculturalidade, respeito,
tolerância, histórias de vida, cooperação e momentos de interpessoalidade.

15
Unidade I

Portanto, a socialização é um processo que forma indivíduos e, consequentemente, professores,


uma vez que se estende por toda a história de vida e carrega rupturas, continuidades, significações
e encaminhamentos.

Em outras palavras, os saberes, representados por esquemas, regras, hábitos, procedimentos,


categorizações, posicionamentos e escolhas, não são inatos, mas produzidos pela socialização, ou seja,
na imersão dos “indivíduos nos diversos mundos socializados (famílias, grupos escolas etc.), nos quais
eles constroem, em interação com os outros, sua identidade pessoal e social” (TARDIF, 2014, p. 71).

Como vimos, a formação de professores e o fundamento de ensino possuem um viés social, pois os
saberes profissionais são plurais, isto é, provenientes de fontes sociais diversas e que são incorporadas
pelos indivíduos em tempos sociais diferentes (infância, escola, adolescência, universidade, carreira
etc.). “São sociais também porque, em muitos casos, são explicitamente produzidos e legitimados por
grupos sociais, como os pesquisadores universitários, por exemplo, as autoridades curriculares etc.”
(TARDIF, 2014, p. 105).

Saiba mais

Leia mais sobre formação de professores e humana no artigo a seguir:

NICOLODI, S. C. F.; SILVA, V. Formação de professores e formação


humana: não é só necessária, mas possível. Educar em Revista, Curitiba,
n. 61, p. 107‑125, jul./set. 2016. Disponível em: https://bit.ly/3Is1GNS.
Acesso em: 27 fev. 2023.

Tais reflexões nos levam à percepção de que ser professor demanda uma formação que contemple
o ato de ensinar como um processo de interação social, mediada por vários canais: discursos,
comportamentos, projetos de vida, formas de expressão e negociações de significados; exigindo dos
futuros docentes a capacidade de ir além dos objetos de conhecimento, destinando sua prática à
valorização das individualidades dos estudantes, do contexto sociocultural, com possibilidades reais de
adaptação e integração ao universo do conhecimento.

Assim, podemos afirmar que a atribuição de saber ensinar não é algo natural e inata, mas construída
e modelada ao longo da própria história de vida dos professores e do processo de socialização.

Dito de outra forma, os saberes relacionados à prática dos docentes podem ser compreendidos
como replicabilidade de sua formação e adaptação à profissão, em que são eliminados elementos que
lhes parecem abstratos ou sem relação com a realidade e conservados os que podem servir para fluidez
do processo ensino‑aprendizagem. Segundo Tardif (2014, p. 53), tal experiência “provoca um efeito de
retomada crítica (retroalimentação) dos saberes adquiridos antes ou fora da prática profissional”.

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DIDÁTICA E FORMAÇÃO DOCENTE

2 OS TIPOS DE SABERES DOS PROFESSORES

Anteriormente, refletimos, de maneira breve, como são articulados os aspectos cognitivos, sociais,
históricos, sociais e vivenciais na formação de professores. Neste tópico, sistematizaremos os tipos de
saberes docentes segundo Tardif (2014).

É importante termos em mente que a presente disciplina relaciona‑se diretamente com os saberes
dos professores, uma vez que o ato de ensinar movimenta práticas sociais e educativas a fim de garantir
o acesso sistemático e contínuo ao conhecimento.

O esquema a seguir apresenta os saberes inerentes à formação de professores, de acordo com os


pressupostos de Tardif (2014):

SABERES
1 Produzidos por teóricos
PROFISSIONAIS

SABERES
EXPERENCIAIS
Relacionados à formação em
pares ou coletividade 2
SABERES
3 Representados por concepção
da prática pedagógica PEDAGÓGICOS

SABERES
4 Categorizados por campos ou
áreas de conhecimento DISCIPLINARES

Sistematizados em
SABERES
CURRICULARES
objetivos, conteúdos
e métodos
5

Figura 3 – Cinco saberes docentes segundo Tardif

Os saberes profissionais são compreendidos pelo “conjunto de saberes transmitidos pelas instituições
de formação de professores (escolas normais ou faculdades de ciência da educação)” (TARDIF, 2014,
p. 36). O professor e o ensino constituem objetos de saber para as ciências humanas e as ciências da
educação. Em outras palavras, os docentes e suas formas de ensinar são pesquisados e retratados via
artigos e livros científicos, os quais irão balizar o processo de formação de professores.

Os saberes experenciais são entendidos como adquiridos e necessários no âmbito da prática da


profissão docente, funcionam como uma espécie de atualização de saberes que não são provenientes
de textos acadêmicos e nem de currículos. São itens que se integram à prática pedagógica, com o
objetivo de desenvolver o ensino em um contexto de múltiplas interações. Segundo Tardif (2014,
p. 52, grifo nosso):

17
Unidade I

É através das relações com os pares e, portanto, através do confronto


entre os saberes produzidos pela experiência coletiva dos professores, que
os saberes experienciais adquirem uma certa objetividade: as certezas
subjetivas devem ser, então, sistematizadas a fim de se transformarem num
discurso de experiência capaz de informar ou de informar outros docentes
e de fornecer uma resposta aos seus problemas. O relacionamento dos
jovens professores com os professores experientes, os colegas com os
quais trabalhamos diariamente ou no contexto dos projetos pedagógicos
de duração mais longa, o treinamento e a formação de estagiários e de
professores iniciantes, todas essas são situações que permitem objetivar
os saberes da experiência.

As situações destacadas na citação contribuem para que os professores conscientizem‑se de seus


saberes experienciais, que se incorporam às experiências individuais e coletivas sob a forma de “habitus
e de habilidades, de saber‑fazer e de saber ser” (TARDIF, 2014, p. 39).

Os saberes pedagógicos são aqueles que mobilizam a atividade pedagógica, não se restringindo
somente a serem objetos de saber das ciências da educação. São representados por doutrinas ou
concepções provenientes de “reflexões sobre a prática educativa no sentido amplo do termo, reflexões
racionais e normativas que conduzem a sistemas mais ou menos coerentes de representação e de
orientação da atividade educativa” (TARDIF, 2014, p. 37).

Os saberes disciplinares correspondem aos diversos campos do conhecimento, “aos saberes que
se dispõem à nossa sociedade, tais como se encontram hoje integrados nas universidades, sob a forma
de disciplinas, no interior da faculdade e de cursos distintos” (TARDIF, 2014, p. 38). Eles, representados
pelas disciplinas curriculares (português, matemática, ciências etc.), são trabalhados por meio de
cursos e universidades, independentemente se de faculdades de educação ou de cursos de formação
de professores; emergem, portanto, da tradição cultural dos currículos e são praticados pelos grupos
sociais que produzem o saber.

Os saberes curriculares são compreendidos pelos objetivos de aprendizagem, objetos de


conhecimento (conteúdos) e metodologia, pelos quais as instituições escolares apresentam os saberes
sociais. É importante ressaltar que esta configuração de elementos está pautada, predominantemente,
na cultura erudita e de formação para a cultura erudita.

Observação

Para nossa disciplina, cultura erudita refere‑se à construção de uma


identidade nacional e recursos pedagógicos intelectualmente sofisticados,
os quais conduzam à formação integral dos cidadãos e ao progresso
da sociedade.

18
DIDÁTICA E FORMAÇÃO DOCENTE

Saiba mais

A fim de melhor entender os saberes docentes, acesse:

SABERES docentes e formação profissional – Maurice Tardif. 2019.


1 vídeo (30 min). Publicado pelo canal Felipe Aragão. Disponível em:
https://bit.ly/3mdUoGo. Acesso em: 27 fev. 2023.

Além dos saberes sistematizados anteriormente citados por Tardif (2014), o autor complementa a
questão, classificando‑os em três categorias:

Primeira categoria – o sujeito e a representação

De acordo com a filosofia cartesiana de René Descartes, é o saber que expressa as certezas subjetivas
racionalizadas pelo pensamento racional.

Esta categoria está ligada à subjetividade; pertence à corrente de pesquisa da América do Norte cujo
representante é Chomsky, e, na Europa, está associada ao neokantismo de Piaget. Assim, Tardif (2014, p. 193)
sinaliza que:

Em ambos os casos, o saber é abordado em termos de representações


mentais que se referem seja à gênese (Piaget), seja à estrutura inata
(Chomsky) do pensamento, com seu equipamento próprio, seus mecanismos
e seus procedimentos, suas regras e seus esquemas.

A partir da citação, percebemos que as ciências cognitivas, representadas por Chomsky e Piaget, se
interessam pelo estudo de processos cognitivos, entre eles: memória, aprendizagem, compreensão, linguagem
e percepção. Esses processos possuem função referencial ou intencional, sendo saberes subjetivos construídos
a partir da atividade do indivíduo e processados pela informação, segundo modelo biológico de equilibração.

Dito de outra forma, o saber representativo é construído a partir da interação entre símbolos e
referenciais que, em contato com situações de aprendizagem, passam por um processo de acomodação
e, posteriormente, equilibração.

Observação

São processos criados por Piaget: acomodação, correspondente à etapa


em que o organismo se ajusta a um novo objeto; equilibração, etapa de
maturação, após certo tempo, o novo objeto é assimilado e acomodado.

19
Unidade I

Segunda categoria – o juízo, o discurso assertórico

Para esta categoria, o saber é muito mais que o resultado de atividade intelectual, isto é, está além
do julgamento pela representação da subjetividade ou pela intuição.

Segundo Popper (1972), as formas de juízo nem sempre estão associadas aos saberes, ou seja, ao que
denomina conhecimento objetivo; uma vez que os juízos de referência – por exemplo, a vida pessoal e
os valores inerentes à vida – não integram uma ordem positiva do saber.

Observe que esta categoria exclui as influências subjetivas e valoriza o positivismo associado ao
saber, a partir de uma perspectiva empírica, ou seja, dos saberes práticos, populares e baseados nos
hábitos cotidianos.

Terceira categoria – o argumento, a discussão

Esta categoria tem como premissa a argumentação como sinônimo de saber, uma vez que conhecer
alguma coisa é ir além do simples juízo de valor de determinado fato ou ação, é ser capaz de argumentar
sobre as razões e pontos de vista que tornam tal juízo válido e verdadeiro.

A abordagem argumentativa de comunicação discursiva do saber foi amplamente definida por


autores como Gadamer, Ricoeur, Habermas, entre outros. Cabe ressaltar que, para nosso contexto
educacional contemporâneo, o enfoque na argumentação comunicacional é bastante relevante para
integrar o rol de saberes na formação de professores.

Saiba mais

Para conhecer sobre a abordagem argumentativa e as estratégias


hermenêuticas de Gadamer e Ricoeur, leia o seguinte artigo:

ALCÂNTARA, V. C.; PAIVA, A. L.; BRITO, M. J. Desvelando “caixas‑pretas”


dos textos de estratégia: uma abordagem baseada na hermenêutica
crítica. O&S, Salvador, v. 25, n. 84, p. 30‑49, jan./mar. 2018. Disponível
em: https://bit.ly/3Is5lv6. Acesso em: 27 fev. 2023.

Quando propomos a discussão das várias categorias do saber, estamos sinalizando para a importância
de associar os diversos saberes docentes ao contexto global do mundo contemporâneo, porém com
exigências de racionalidade e sistematização dos conhecimentos que se encadeiam durante as vivências
e processos intelectuais dos indivíduos.

Deste modo, podemos dizer que a relevância dos discursos, declarações, procedimentos, argumentos
e questionamentos do outro e do mundo são constantemente revisáveis e criticáveis, pois possuímos a
competência de analisar nossos próprios atos e pensamentos.

20
DIDÁTICA E FORMAÇÃO DOCENTE

Diante das reflexões sobre as categorias de saberes que circundam o ofício de professor, é possível
afirmar que a prática docente não é somente um lugar de aplicação de saberes produzidos, mas de
criações, transformações e mobilização de habilidades, competências e conhecimentos.

Ao conceber a formação e o trabalho docente como espaço privilegiado para articulação dos
múltiplos saberes, será possível romper com o estigma de conteúdos ligados à segmentação do trabalho
(especialização, objetivos predeterminados e programas de controle da prática pedagógica) e dizer que
o trabalho dos professores está integrado em um ambiente sociocultural, de escolhas negociadas, de
saberes compartilhados e de autonomia.

As fases da carreira docente estão ligadas à formação e atuação docente, isto é, ao trabalho
pré‑serviço (em que os futuros professores preparam‑se em instituições de ensino para exercer o ofício
de docente) e ao trabalho em serviço (período mais longo da carreira, em que eles atuam nas áreas de
ensino para as quais se prepararam durante o curso de formação).

Figura 4

Disponível em: https://bit.ly/3EFc5Fa. Acesso em: 27 fev. 2023.

O conceito de carreira apresenta várias definições – e não é nosso objetivo discuti‑las nesta
disciplina –, mas pode ser compreendido, de forma geral, como processo em que os professores
aperfeiçoam seus conhecimentos e competências, por meio de vivências de práticas pedagógicas ou
como pesquisadores da própria prática, e que buscam, por meio de questionamentos, soluções para
seus problemas.

No entanto, é necessário destacar que a dinâmica da carreira de professores, ao longo de sua atuação
docente, apresenta um caminho duplo: o primeiro refere‑se ao sucesso atingido por este profissional,
caracterizado pela busca constante de desenvolvimento de seus conhecimentos; enquanto o segundo
refere‑se à frustração em relação à profissão ou mesmo sua situação de inércia frente aos compromissos
com a educação (ARRUDA, 2001).

21
Unidade I

Com o propósito de visualizar as fases da carreira docente, recorremos a Huberman (2000), que
apresenta cinco momentos do processo de evolução da profissão docente, sendo eles: a entrada na
carreira (de 1 a 3 anos de profissão), a estabilização (de 4 a 6 anos), a experimentação ou diversificação
(de 7 a 25 anos), a serenidade e o afastamento afetivo (de 25 a 35 anos), e a preparação para a
aposentadoria (35 a 40 anos de profissão). A seguir, apresentamos um quadro com uma síntese das
fases da carreira dos professores e suas principais características:

Quadro 2 – Ciclo da vida profissional docente

Classificação Tempo Principais características


‑ Entusiasmo
Entrada ‑ Confronto com disciplina do aluno
1 a 3 anos
na carreira ‑ Descobertas
‑ Choque de realidades
‑ Estabilização profissional
Estabilização 4 a 6 anos ‑ Emancipação docente
‑ Interesse pela aprendizagem dos estudantes
‑ Competência pedagógica
Experimentação ‑ Autonomia e prestígio
7 a 25 anos
ou diversificação ‑ Motivação
‑ Valorização da formação continuada
‑ Calmaria em relação ao trabalho
Serenidade e 25 a 35 anos ‑ Menos importância aos julgamentos alheios
afastamento afetivo
‑ Estabilidade no fazer pedagógico
‑ Libertação progressiva dos atributos docentes
Preparação para 35 a 40 anos ‑ Desmotivação
a aposentadoria
‑ Reflexões sobre pressões sociais durante a carreira

Adaptado de: Huberman (2000).

O quadro exibido, na perspectiva de Huberman (2000), consiste em uma apresentação geral e


cronológica do ciclo de desenvolvimento da carreira do professor, no entanto, é preciso ter claro que
isso não deve limitar nossa compreensão a respeito das fases da evolução dos professores; uma vez
que o contexto social e histórico muda constantemente e, por isso, é necessário parcimônia em relação
às configurações que a carreira docente pode sofrer.

Em outras palavras, a apresentação dos pressupostos teóricos do referido autor tem a função de
estabelecer um ponto de partida para reflexões e encaminhamentos sobre a atuação docente nos vários
contextos educacionais.

Diante disso, passamos a discutir, um pouco mais, sobre cada fase elencada no quadro apresentado:

• Entrada na carreira (1 a 3 anos): os professores são convidados a experimentar e explorar


metodologias e posturas provisórias, com questionamento de seu desempenho frente ao processo
ensino‑aprendizagem.

22
DIDÁTICA E FORMAÇÃO DOCENTE

Nesta fase, o docente encontra‑se motivado e entusiasmado para movimentar os saberes


adquiridos durante sua formação, no entanto, tal período é marcado por dois momentos, a
sobrevivência e a descoberta, em que há o confronto entre a formação inicial e a complexidade
da situação profissional, além da oposição entre ideal e real, isto é, a proposta de metodologias
padronizadas e sua efetiva implementação durante a prática pedagógica.

• Estabilização (4 a 6 anos): caracterizada como momento de busca de identidade do ser professor,


isto é, constitui uma etapa decisiva no desenvolvimento da carreira, em que há adaptações
profissionais, busca de autonomia frente à equipe educacional, comparações com colegas mais
experientes e comprometimento consigo próprio.

Ela pode ser compreendida como emancipação do docente, ou seja, fase em que suas concepções
e práticas estão mais consistentes, sendo o objetivo maior a busca constante por metodologias
que atendam ao interesse e aprendizagem dos estudantes.

• Experimentação ou diversificação (7 a 25 anos): após a fase da estabilização e aprimoramento


de seus percursos individuais e profissionais, os professores apresentam maior motivação
e dinamicidade em suas atribuições nas equipes pedagógicas e, em alguns casos, o acesso
a pontos de gestão, como consequência de buscarem aprimoramento e novos desafios.
Considerada a fase mais longa, pode ser subdividida em três perfis de profissionais da educação:

— perfil 1 – potencial docente: com investimento na carreira e potencial docente o profissional


busca a diversificação de métodos e práticas para aplicação, cada vez mais coerente, no
contexto educacional;

— perfil 2 – administrativo: envolvimento com sistemas de gestão e/ou administrativos, com


vistas à promoção profissional;

— perfil 3 – desinteresse pela docência: os compromissos com o ofício docente são reduzidos,
podendo o profissional abandonar a carreira ou exercê‑la de forma secundária.

• Serenidade e afastamento afetivo (25 a 35 anos): nesta fase, os professores estão mais
tranquilos em relação à sua prática e ao juízo de valores dos outros, uma vez que já alcançaram,
de certa forma, os objetivos da prática pedagógica e, também, a consolidação de suas concepções
sobre a profissão.

• Preparação para aposentadoria (35 a 40 anos): momento em que o professor possui um


momento de introspecção, isto é, recuo intrapessoal e tempo maior dedicado a si próprio.
Essa espécie de desapego pode ser caracterizada como forma de manifestar libertação da carreira
e das pressões sociais e históricas impostas durante toda a atuação docente.

23
Unidade I

Tardif (2014), ao adotar o ponto de vista de seus estudos com a escola de Chicago, define o termo
carreira como trajetória dos sujeitos através da realidade social e organizacional. Em consonância com
Huberman (2000), cujas etapas foram descritas anteriormente, aponta outras três etapas para o percurso
dos profissionais de educação, as quais são integradas por meio de contextos de socialização e de várias
formas de cultura inerentes às relações humanas.

Na primeira etapa, referente ao início da carreira, caracterizada pela socialização e formação,


podemos considerar autores como Lortie (1975); Gold (1996), além de Zeichner e Gore (1990), os quais
apresentam uma subdivisão em duas fases:

• 1ª fase – exploração (de 1 a 3 anos): momento em que os professores escolhem, de maneira


provisória, sua profissão; cuja trajetória é permeada por tentativas, erros e acertos. Neste período,
existe uma busca pela aceitação no meio profissional e o reconhecimento de figuras, como alunos,
colegas, coordenadores, comunidade escolar etc.

• 2ª fase – estabilização e consolidação (de 3 a 7 anos): período em que o professor investe


no desenvolvimento de sua carreira, além de esboçar maior confiança em si mesmo, uma vez
que apresenta maior domínio de diversos aspectos do trabalho, principalmente os pedagógicos
(gestão de sala de aula, metodologias de ensino, análise de materiais etc.).

Na segunda etapa, referente à iniciação no sistema normativo e à hierarquia escolar, um grupo


informal de professores acompanha e integra os docentes iniciantes na cultura escolar. Neste período,
os novatos inteiram‑se de suas atribuições frente às práticas e demandas do ambiente escolar,
compreendendo um certo desnível hierárquico, ou seja, estão na parte mais baixa da hierarquia escolar
e, portanto, devem adaptar‑se às novas situações profissionais, assim como apropriações de conversas,
vestimentas e comportamentos.

Já a terceira etapa refere‑se à descoberta das necessidades reais dos alunos e professores que
atuam nas várias configurações de escola. Segundo Eddy (1971, p. 186), “Os alunos não correspondem à
imagem esperada ou desejada: estudiosos, dependentes, sensíveis às recompensas e punições, desejosos
de aprender”.

Lembrete

A carreira de professor apresenta as seguintes fases:

Entrada na carreira (exploração) → Iniciação (estabilização) →


Experimentação (integração à escola) → Descobertas (experimentação e
diversificação) → Necessidades reais (afastamento afetivo).

24
DIDÁTICA E FORMAÇÃO DOCENTE

3 PEDAGOGIA E A ARTE DE ENSINAR NA CONTEMPORANEIDADE

O professor deve refletir permanentemente sobre as suas práticas e


transformar‑se num constante experimentador [...]. Por outro lado, existem
problemas recorrentes e urgentes, que apresentam regularidades, e os
professores não precisam, a todo momento, de “reinventar a roda”.

John Elliot

A epígrafe traz uma reflexão bastante coerente para iniciarmos nossas discussões sobre a arte
de ensinar, isto é, a necessidade de sempre nos mantermos atualizados frente às novas demandas
socioculturais; assim como termos coerência com o desenvolvimento profissional, ou seja, não reinventar
bases já consolidadas no contexto de formação de professores.

A formação de professores exige sujeitos que relacionam o conhecimento profissional com


constantes pesquisas e percepções sobre a atuação docente, assim, os professores não apenas
possuem a missão de formar pessoas competentes em atuação integral frente à sociedade, como
têm a preocupação com a autogestão de sua progressão de carreira e o uso de metodologias e
práticas engajadas com contextos educacionais, culturais e cognitivos que constituem os profissionais
da educação.

Nesta perspectiva, o trabalho docente exige conhecimentos específicos de sua profissão, representados
por conteúdos, articulações curriculares e aspectos interpessoais no trato com o ofício de ensinar.
Em outras palavras, ser professor é trabalhar constantemente com teorias sociológicas, psicológicas,
didáticas, filosóficas, artísticas, históricas e pedagógicas; todas inter‑relacionadas e que devem, sempre
que possível, estar associadas às realidades cotidianas do ofício de docente.

Figura 5

Disponível em: https://bit.ly/3IBUNK3. Acesso em: 27 fev. 2023.

Além disso, a arte de ensinar está associada às práticas e vivências nos vários ambientes escolares,
que sinalizam para aprimoramento das ações e conhecimentos epistemológicos. Desse modo, nossa
disciplina tem como objetivo organizar, de maneira mais lógica possível, como funcionam a integração
25
Unidade I

de conhecimentos específicos da educação, as técnicas inerentes à prática pedagógica e as várias


vivências que emergem das relações entre professor‑aluno, professor‑professor, professor‑gestores,
professor‑comunidade, professor‑conteúdos etc.

É preciso relacionar programas de formação de professores com as necessidades e expectativas


dos alunos, reconhecendo estes últimos como sujeitos do conhecimento, em transformação, e que, ao
aprender, consideram aspectos cognitivos, sociais e afetivos.

Observação

Em conformidade com Tardif (2014, p. 117), pedagogia é o conjunto de


meios empregados pelo professor para atingir seus objetivos no âmbito das
interações educativas com os alunos.

O curso de Pedagogia fornece diversos elementos para estreitar cada vez mais a formação docente e
seu maior objetivo, o êxito de práticas pedagógicas que preparem alunos competentes para realizarem seus
projetos de vida, com respeito às histórias de cada um deles e às necessidades locais das unidades escolares.

Assim, os modelos de práticas educativas são representações “elaboradas e veiculadas pelos


professores a respeito da natureza de sua prática, representações essas que servem para defini‑la,
estruturá‑la e orientá‑la em situações de ação” (TARDIF, 2014, p. 150).

Em outras palavras, o curso de Pedagogia, especificamente em nossa disciplina, deve estar apto a
proporcionar momentos de formação e práticas pedagógicas que confiram inteligibilidade e sentido
ao fazer do professor, oferecendo a ele pontos de referência, redes de significações e orientações para
aprimorar as diversas ações da profissão.

Diante disso, podemos dizer que o curso que você está realizando é formado por um repertório de
conhecimentos pedagógicos, próprios da profissão, que proporciona não somente técnicas de base para
o trabalho, mas um conjunto de elementos teórico‑práticos para exercer a profissão como uma arte,
que ora fornece momentos de sensibilização e propostas de improvisação humana, ora fundamenta e
organiza as várias estratégias didático‑pedagógicas.

Saiba mais

Conheça mais sobre a arte de ensinar e aprender no artigo a seguir:

RODRIGUES, T. S.; RODRIGUES, E. R. Docência e discência: a arte de ensinar


e de aprender. Revista Científica Semana Acadêmica, Fortaleza, ano MMXIII,
n. 37, 2013. Disponível em: https://bit.ly/41walI8. Acesso em: 27 fev. 2023.

26
DIDÁTICA E FORMAÇÃO DOCENTE

A partir desta discussão inicial sobre as várias formas de ensinar que estão relacionadas com a
formação docente, nota‑se que os professores podem valer‑se dos mais variados modelos e práticas
no decurso de sua atividade. Para isso, Tardif (2014) aponta para a necessidade de categorizar três
concepções prevalentes durante a prática educativa. São elas:

• A educação como arte.

• A educação como arte guiada por valores.

• A educação como interação.

Vamos conhecê‑las:

A educação como arte

Esta concepção associa a atividade do educador à arte, ou seja, o termo grego téchne é traduzido
pelas palavras técnica ou arte. Ela é fundamentada na cultura filosófica, em especial nas obras de Platão
e Aristóteles, que distinguem a arte (téchne) da ciência (epistéme), isto é, as técnicas de ensino são vistas
como estratégias que utilizamos para acessar o conhecimento, enquanto a epistemologia refere‑se às
reflexões sobre a natureza, as etapas e os limites do conhecimento, o que requer estruturas mais rígidas
de análise (TARDIF, 2014).

Neste contexto, de distinções entre as ações que corroboram o conhecimento, Tardif (2014) apresenta
um quadro que sintetiza as principais caraterísticas e objetivos das ações práticas (práxis), técnicas
(téchne) e epistêmicas (epistéme), como podemos visualizar a seguir:

Quadro 3 – A educação enquanto arte

Ação (Práxis) Ação (Téchne) Ciência (Epistéme)


Fabricação de uma obra e
Atividade Atividade imanente produção de algo (efeito, Contemplação e
típica ao agente, ação moral conhecimento rigoroso
resultado etc.)
O homem prudente,
Ator O artesão, o sofista, o
o homem político, médico, o educador O sábio, o filósofo, o cientista
típico o guerreiro, o gozador
Natureza Orientada por fins imanentes Orientada por resultados Orientada por um interesse
das atividades ou naturais ao agente exteriores ao agente relativo ao puro conhecimento
Objeto típico O homem e a As coisas, os homens e As realidades puramente
das atividades existência humana os acontecimentos intelectuais
As técnicas e as artes; o
Saber típico Antropologia, ética, política As ciências puras, a filosofia
saber‑fazer
Natureza Erudito, mas não Saber que trata do
do saber rigoroso e necessário contingente e do particular Rigoroso e necessário
Objeto Os seres contingentes Os seres necessários
Os fins e as normas
do saber e individuais (os números, o divino)

Fonte: Tardif (2014, p. 154, grifos nossos).

27
Unidade I

O quadro anterior nos faz refletir que, embora as três ações sejam associadas durante a formação e
atuação docente, algumas delas se sobressaem, como a questão de os profissionais da educação darem
mais ênfase na práxis e téchne do que na epistéme.

Para isso, convidamos você a analisar as palavras em destaque no quadro, que formam o grande
quebra‑cabeças da arte de ensinar, ou seja, como já anunciamos, ser professor é transcender o caráter
prático e prescritivo de técnicas, e conceber a prática docente como ação que necessita de pesquisas,
intelectualidade, adequações, projeções, planejamentos e, sobretudo, considerar a condição humana
com suas buscas, imperfeições, especificidades e instabilidades.

Portanto, é preciso considerar a formação de professores e sua atuação no decurso do ofício como
articulação entre os três eixos mencionados: a prática, a técnica e a ciência.

Lembrete

Formação e atuação docente são construções realizadas a partir das


ações: práxis, téchne e epistéme. Elas devem ser complementares na
trajetória do professor.

Cabe ressaltar que, segundo o filósofo Platão, a arte de ensinar, tradução de téchne, está associada
à ideia de representar, de maneira geral, as competências e habilidades que se pretende atingir para que
a aquisição do conhecimento seja concretizada por meio de experiências, fontes seguras de informação,
ética nas variadas formas de estudo e nas relações interpessoais que ocorrem durante o processo
ensino‑aprendizagem.

Assim, ela, para este ponto de vista, possui três fundamentos essenciais: a educação em si mesma, a
educação aprimorada no convívio com os pares e as finalidades intrínsecas a cada educando, isto é, seus
valores e expectativas frente às demandas educacionais.

Observação

O termo sofista, principalmente na cidade de Atenas, passou a denotar


uma classe de intelectuais, em especial itinerantes, que ministravam cursos
em várias disciplinas, além de estudos sobre língua e cultura.

A educação como arte guiada por valores

Concepção que surge a partir dos tempos modernos, embora muitos de seus fundamentos estejam
alicerçados em alguns sofistas e na teoria das paixões de Aristóteles.

28
DIDÁTICA E FORMAÇÃO DOCENTE

Assim, em seu texto O estatuto das paixões, Aristóteles define paixão (páthos) como o sentimento
que move, impulsiona determinada ação (práxis). Em nosso contexto, podemos inferir que a atuação
docente e suas técnicas são geridas pela vontade de transformar o mundo por meio do agir humano,
suas virtudes, medos, audácia, desejos e compaixão.

A partir daí, Tardif (2014) exibe o quadro a seguir, que representa de forma didática as relações que
os elementos epistêmicos possuem com a práxis e sentimentos humanos.

Quadro 4 – A educação enquanto técnica:


subjetividade e objetividade

Esfera de subjetividade Esfera de objetividade


As atividades morais‑legais, pessoais, As técnicas, as atividades
Atividades passionais, as condutas baseadas nos instrumentais e estratégicas, a
típicas interesses dos atores pesquisa científica
Atores Todo ator que age baseando‑se em seu O tecnólogo, o científico, o
típicos interesse ou em regras subjetivas calculador, o estrategista
Natureza da Guiada por objetivos
Guiada por fins, por normas
atividade axiologicamente neutros
Objeto típico A conformidade às normas, regras e O domínio e o controle dos
da atividade interesses fenômenos
Saber O ético, o jurídico, o estético, o senso As ciências e as técnicas
típico comum etc.
Natureza do Subjetivo ou subjetivo‑coletivo (social) Rigoroso e necessário
saber
Objeto do As regras, as normas, Todos os fenômenos naturais e o ser
saber o interesse subjetivo humano como fenômeno natural

Fonte: Tardif (2014, p. 161, grifos nossos).

Novamente, destacamos os termos das colunas da subjetividade e da objetividade que, embora


estejam separadas, sinalizam para a necessidade de serem consideradas durante a formação e atuação
docente, visto que somos seres que carregam valores e posicionamentos histórico‑culturais distintos,
mas que, quando assumimos o papel de professor em determinada instituição, precisamos atentar para
regras mais objetivas, ações pautadas no cientificismo e estratégias que possam validar os conhecimentos
empíricos e epistemológicos dos sujeitos.

Deste modo, o docente é um ser constituído de subjetividades, as quais se mobilizam em um processo


de conhecimentos que articulam aspectos objetivos, tais como raciocínio lógico e, ao mesmo tempo,
pensamento abstrato, essencial para o desenvolvimento das subjetividades.

O que queremos dizer é que a intersecção objetividade e subjetividade é essencial para formar e/ou
revigorar o percurso docente, suas práticas, tomadas de decisão e explicitação de valores.

Segundo Facci (2004), para se humanizar, é preciso superar o reino biológico, de forma analógica à
objetividade, pela apropriação da cultura, compreendida como valores éticos, estéticos e políticos, que
emergem das relações sociais instauradas nas várias instituições educacionais.
29
Unidade I

Consequentemente, a formação do indivíduo acontece, sempre, em um processo educativo, por isso


os sujeitos apropriam‑se dos conhecimentos científicos, formam conceitos, ampliam seus conhecimentos
de mundo e promovem novas objetividades e subjetividades no movimento dialógico que é viver.

Em última instância, a formação e a atuação de professores mobilizam essas duas formas inerentes
aos seres humanos: a objetividade e a subjetividade. A primeira auxilia na execução e instrumentalização
do conhecimento objetivo, enquanto a segunda guia ações normatizadas por interesses e motivações
pessoais, que impulsionam o trabalho dos profissionais da educação.

Saiba mais

Com o objetivo de conhecer o “Novo propósito da educação”, assista à


entrevista a seguir com Leandro Karnal.

LEANDRO Karnal – Novo propósito da educação. 2018. 1 vídeo


(6 min). Publicado pelo canal Leandro Karnal – Admiradores. Disponível
em: https://bit.ly/3me6EXq. Acesso em: 27 fev. 2023.

A educação como interação

Figura 6

Disponível em: https://bit.ly/3Z5UjTG. Acesso em: 27 fev. 2023.

30
DIDÁTICA E FORMAÇÃO DOCENTE

A partir da imagem anterior, esta concepção refere‑se à interação, concebida por muitas teorias
como interacionismo, etnometodologia, teoria da comunicação etc. No entanto, cabe destacar que,
independentemente de arcabouços teóricos, todas elas admitem a prática educativa como lugar de
interações culturais, discursivas, em que a dialogicidade está presente e contribui para a formação
profissional e humana.

De acordo com Tardif (2014, p. 167):

Quando aplicada à educação, essa ideia de interação nos leva a captar


a natureza profundamente social ao agir educativo. Na educação,
não lidamos com coisas ou objetos, nem mesmo com animais como os
famosos pombos de Skinner: lidamos com os nossos semelhantes, com
os quais interagimos.

Para o autor, estando em um ambiente escolar, cuja representação máxima é a sala de aula, o professor
relaciona‑se com o grupo de estudantes, em um esforço para estabelecer relações e desencadear, por
meio de um processo dialógico, ideias e conhecimentos mediados pela linguagem e pelas múltiplas
formas de interação que emergem das relações humanas.

Nesta perspectiva, tanto o ato de ensinar quanto as interações advindas dos espaços escolares
possuem finalidades, consideradas, segundo Tardif (2014), em três momentos:

• Primeiro momento: os objetivos dos professores estão associados à tarefa coletiva e atemporal
das incertezas geradas pelo processo dialógico, isto é, eles agem em um contexto de divergências
e convergências socioculturais, para atingir objetivos preestabelecidos.

• Segundo momento: o caráter complexo e não operatório dos objetivos de ensino exige dos
professores adaptação constante frente às diversas circunstâncias inerentes às situações de
trabalho, especialmente nas interações com os estudantes, preparação de aulas e elaboração
de avaliações.

• Terceiro momento: a heterogeneidade dos objetos e objetivos escolares provoca a necessidade da


atualização constante do professor quanto à sua atuação, aos esquemas curriculares e à própria
demanda da disciplina curricular; sem falar a respeito da multiplicidade de objetivos dos próprios
docentes e seus aspectos subjetivos.

Diante dessas reflexões, deve-se compreender a relação pedagogia e formação/atuação docente como
um processo complexo que exige contemplar a multidimensionalidade humana, a intersubjetividade, a
vida social e cultural dos sujeitos e, sobretudo, a articulação do conhecimento à heterogeneidade humana.

A fim de visualizar as principais distinções entre o trabalho docente centrado em objetos e matérias
e aquele focado na diversidade humana, apresentamos o seguinte quadro:

31
Unidade I

Quadro 5 – O trabalho industrial versus o trabalho docente

Trabalho na indústria Trabalho na escola


com objetos materiais com seres humanos
‑ Precisos ‑ Ambíguos
Objetivos ‑ Operatórios e delimitados ‑ Gerais e ambiciosos
do trabalho ‑ Coerentes ‑ Heterogêneos
‑ Em curto prazo ‑ Em longo prazo
‑ Material ‑ Humano
‑ Seriado ‑ Individual e social
‑ Homogêneo ‑ Heterogêneo
Natureza do objeto ‑ Passivo ‑ Ativo e capaz de oferecer resistência
do trabalho ‑ Determinado ‑ Comporta uma parcela de indeterminação e
‑ Simples (pode ser analisado e reduzido aos de autodeterminação (liberdade)
seus componentes funcionais) ‑ Complexo (não pode ser analisado nem
reduzido aos seus componentes funcionais)
‑ Relação técnica com o objeto: manipulação, ‑ Relação multidimensional com o objeto:
Natureza e controle de produção profissional, pessoal, intersubjetiva, jurídica,
componentes ‑ O trabalhador controla diretamente o objeto emocional normativa etc.
típicos da relação ‑ O trabalhador controla totalmente o objeto ‑ O trabalhador precisa da colaboração
do trabalhador do objeto
com o objeto ‑ O trabalhador nunca pode controlar
totalmente o objeto
‑ O produto do trabalho é material e pode, ‑ O produto do trabalho é atingível e imaterial;
assim, ser observado, medido, avaliado dificilmente pode ser observado, medido
Produto ‑ O consumo do produto do trabalho ‑ O consumo do produto do trabalho
do trabalho é totalmente separável da atividade dificilmente pode ser separado da atividade
do trabalhador do trabalhador e do espaço de trabalho
‑ Independente do trabalhador ‑ Dependente do trabalhador

Adaptado de: Tardif (2014, p. 125).

A partir das categorias criadas por Tardif (2014), é possível elencar algumas palavras‑chave que
estão associadas ao trabalho docente humanizado e alicerçado na valorização da educação integral dos
principais atores do processo ensino‑aprendizagem. São elas:

• trabalho colaborativo;

• relações intersubjetivas e emocionais;

• autonomia de posicionamento;

• trabalho em longo prazo;

• confronto de ideias;

• protagonismo no fazer e conviver.

32
DIDÁTICA E FORMAÇÃO DOCENTE

Então, muita atenção, pois o ato de ensinar é constituído por uma pluralidade de saberes, que
funcionam como “reservatório onde o professor vai buscar suas certezas, modelos simplificados de
realidade, razões, argumentos, motivos, para validar seus próprios julgamentos em função de sua ação”
(TARDIF, 2014, p. 210).

O que estamos querendo dizer é que, em sua formação e/ou atuação, o professor utiliza intuição
intelectual, bases teóricas, vivências pessoais e coletivas, raciocínio lógico, para, enfim, contextualizar e
significar suas práticas e estratégias de ensino.

Ainda, conforme o autor (2014, p. 2029), a ação educativa é definida por oito elementos:

• Possuir um saber específico, assim como vivencial.

• Manter regularmente a interação e diálogo.

• Atuar individualmente e coletivamente.

• Ter como foco os estudantes e seus interesses.

• Estar disposto a participar do processo ensino‑aprendizagem.

• Saber ensinar.

• Determinar conteúdo associado às demandas históricas, sociais e culturais.

• Propiciar tomada de decisões e vivências diversas.

Diante do exposto, que sintetiza elementos necessários para a prática educativa, podemos
parafrasear Shavelson e Stern (1981), que compreendem a prática docente como aquela que busca,
conscientemente, objetivos intencionais para organizar meios e situações para efetivar, de forma
contextualizada e dialógica, o conhecimento.

4 FORMAÇÃO DE PROFESSORES: DILEMAS E IMPASSES DE POLÍTICAS


PÚBLICAS EDUCACIONAIS

Antes o papel do professor era repartir informações segundo o critério lógico


do conhecimento, independente de sua contextualização, hoje se requer
uma construção ativa, com conexões complexas e situadas temporalmente.

Maria Isabel da Cunha

Para começar, faremos uma proposição provocativa, isto é, será que realmente a formação
de professores tem saído, gradativamente, da condição descontextualizada de ensino rumo ao
estabelecimento de construções ativas e complexas?
33
Unidade I

A resposta certamente é incerta, pois muito ainda temos que avançar em relação às novas demandas
da formação inicial de docentes.

Sabemos que a Lei de Diretrizes e Bases da Educação, n. 9.394/1996, e as Diretrizes Curriculares


para Cursos de Licenciaturas e Pedagogia sinalizam para maior ênfase aos espaços que contemplem a
prática nos currículos. No entanto, é preciso superar a cultura tradicional, compreendida como aquela
que privilegia conhecimentos teóricos em detrimento da prática pedagógica.

Desse modo, é necessário alinhar e integrar tais elementos em processos formativos mais integrados
e integradores, uma vez que a formação inicial, além de alicerçar a trajetória do futuro docente, deve
favorecer momentos em que se possa reconstruir e ampliar horizontes a partir de uma aprendizagem
de base; em outras palavras, mais do que conteúdos acadêmicos, a formação inicial precisa propiciar
vivências de aprendizagens que consolidem o conhecimento atrelado com a responsabilidade social.

Figura 7

Disponível em: https://bit.ly/3IEsZF2. Acesso em: 27 fev. 2023.

De acordo a Resolução CNE/CP n. 2/2019 – que define as Diretrizes Curriculares Nacionais para a
Formação Inicial de Professores para a Educação Básica e institui a Base Nacional Comum para a Formação
Inicial de Professores da Educação Básica (BNC‑Formação) –, em seu artigo 5º, são apresentados os
fundamentos para a formação inicial dos docentes:

I – a sólida formação básica, com conhecimento dos fundamentos científicos


e sociais de suas competências de trabalho;

II – a associação entre as teorias e as práticas pedagógicas; e

III – o aproveitamento da formação e das experiências anteriores,


desenvolvidas em instituições de ensino, em outras atividades docentes ou
na área da Educação (BRASIL, 2019b, p. 3).
34
DIDÁTICA E FORMAÇÃO DOCENTE

Os fundamentos explicitados pela referida Resolução confirmam nossas reflexões iniciais, isto é, para
a atuação docente, é necessário articular conhecimentos científicos teóricos e práticos e privilegiar as
experiências educacionais de forma ampla.

O documento sinaliza que tem como premissa e referência a implantação da Base Nacional Comum
Curricular da Educação Básica (BNCC), instituída pelas Resoluções CNE/CP n. 2/2017 e n. 4/2018. Neste
contexto, apresenta, para a formação inicial de profissionais da educação, competências gerais e
específicas ao exercício da função, as quais podem ser visualizadas a seguir:

Quadro 6

BNC-Formação: competências gerais docentes


1. Compreender e utilizar os conhecimentos historicamente construídos para poder ensinar a realidade com
engajamento na aprendizagem do estudante e na sua própria aprendizagem, colaborando para a construção
de uma sociedade livre, justa, democrática e inclusiva
2. Pesquisar, investigar, refletir, realizar a análise crítica, usar a criatividade e buscar soluções tecnológicas
para selecionar, organizar e planejar práticas pedagógicas desafiadoras, coerentes e significativas
3. Valorizar e incentivar as diversas manifestações artísticas e culturais, tanto locais quanto mundiais, e a
participação em práticas diversificadas da produção artístico‑cultural para que o estudante possa ampliar
seu repertório cultural
4. Utilizar diferentes linguagens – verbal, corporal, visual, sonora e digital – para se expressar e fazer
com que o estudante amplie seu modelo de expressão ao partilhar informações, experiências, ideias e
sentimentos em diferentes contextos, produzindo sentidos que levem ao entendimento mútuo

5. Compreender, utilizar e criar tecnologias digitais de informação e comunicação de forma crítica,


significativa, reflexiva e ética, nas diversas práticas docentes, como recurso pedagógico e como ferramenta
de formação, para comunicar, acessar e disseminar informações, produzir conhecimentos, resolver problemas
e potencializar as aprendizagens

6. Valorizar a formação permanente para o exercício profissional, buscar atualização na sua área e afins,
apropriar‑se de novos conhecimentos e experiências que lhe possibilitem aperfeiçoamento profissional
e eficácia e fazer escolhas alinhadas ao exercício da cidadania, ao seu projeto de vida, com liberdade,
autonomia, consciência crítica e responsabilidade
7. Desenvolver argumentos com base em fatos, dados e informações científicas para formular, negociar
e defender ideias, pontos de vista e decisões comuns, que respeitem e promovam os direitos humanos, a
consciência socioambiental, o consumo responsável em âmbito local, regional e global, com posicionamento
ético em relação ao cuidado de si mesmo, dos outros e do planeta
8. Conhecer‑se, apreciar‑se e cuidar de sua saúde física e emocional, compreendendo‑se na diversidade
humana, reconhecendo suas emoções e as dos outros, com autocrítica e capacidade para lidar com elas,
desenvolver o autoconhecimento e o autocuidado nos estudantes
9. Exercitar a empatia, o diálogo, a resolução de conflitos e a cooperação, fazendo‑se respeitar e
promovendo o respeito ao outro e aos direitos humanos, com acolhimento e valorização da diversidade
de indivíduos e de grupos sociais, seus saberes, identidades, culturas e potencialidades, sem preconceitos de
qualquer natureza, para promover ambiente colaborativo nos locais de aprendizagem
10. Agir e incentivar, pessoal e coletivamente, com autonomia, responsabilidade, flexibilidade, resiliência,
a abertura a diferentes opiniões e concepções pedagógicas, tomando decisões com base em princípios éticos,
democráticos, inclusivos, sustentáveis e solidários, para que o ambiente de aprendizagem possa refletir
esses valores

Adaptado de: Brasil (2019b, p. 13).

35
Unidade I

Quadro 7 – Competências específicas da formação docente

1 Conhecimento profissional 2 Prática profissional 3 Engajamento profissional


1.1 Dominar os objetos de 2.1 Planejar as ações de ensino 3.1 Comprometer‑se com o
conhecimento e saber como que resultem em efetivas próprio desenvolvimento
ensiná‑los aprendizagens profissional
3.2 Comprometer‑se com a
1.2 Demonstrar conhecimento aprendizagem dos estudantes
2.2 Criar e saber gerir ambientes
sobre os estudantes e como e colocar em prática o
de aprendizagem
eles aprendem princípio de que todos são
capazes de aprender
3.3 Participar do Projeto
2.3 Avaliar o desenvolvimento do Pedagógico da escola
1.3 Reconhecer os contextos educando, a aprendizagem e e da construção dos
o ensino valores democráticos
2.4 Conduzir as práticas
1.4 Conhecer a estrutura e a 3.4 Engajar‑se, profissionalmente,
pedagógicas dos objetos
governança dos sistemas com as famílias e com a
conhecimento, competências
educacionais e habilidades comunidade

Fonte: Brasil (2019b, p. 14).

Lembrete

A CNE/CP n. 2/2019 sinaliza para a formação inicial: competências gerais,


conhecimento profissional, prática profissional e engajamento profissional.

Assim, para as licenciaturas, é necessário conhecer as competências esperadas dos estudantes da


Educação Básica, ter o domínio de conhecimentos que constituem a formação profissional, utilizar
práticas pedagógicas que contemplem os vários espaços e ritmos de aprendizagem e, por fim, possuir
uma relação com a comunidade escolar e as famílias, a fim de autenticar as aprendizagens praticadas
nas escolas. Toda essa movimentação pode ser acompanhada na figura a seguir:

Competências
gerais docentes

Conhecimento Prática
profissional profissional

Engajamento
profissional

Figura 8 – Movimentos da formação inicial docente

36
DIDÁTICA E FORMAÇÃO DOCENTE

A partir dos elementos considerados específicos para a formação de professores, identificamos uma
tripla dimensão de saberes: o saber do conhecimento, o saber do ativar as capacidades de fazer e o saber
de concretizar as atitudes. Nesta perspectiva, “a formação faz‑se na produção e não no consumo do
saber” (NÓVOA, 2004, p. 129).

Segundo Charlot (2008), a formação é um processo permanente e inacabado em que os futuros


docentes aprendem se construir como indivíduos e profissionais, reafirmam a participação como
membros de uma comunidade, socializando e partilhando valores, e, por fim, instruem‑se para a
vida contemporânea.

Em consonância com a relação “formação e caráter inacabado humano”, Ferry (2004) sinaliza que se
formar nada mais é do que um trabalho sobre si mesmo, livremente imaginado, desejado e procurado,
realizado através de meios oferecidos ou procurados.

Exemplo de aplicação

Pense nos quatro movimentos da formação inicial do professor e, em seguida, procure responder
quais deles você já realizou no curso.

Neste percurso, e com experiências, cenários, alternativas, transitoriedades e descontinuidades, fica


cada vez mais clara a ideia de Freire (1996, p. 25) ao dizer que “desde o começo do processo, vai
ficando cada vez mais claro que, embora diferentes entre si, quem forma se forma e reforma e quem é
formado forma‑se e forma ao ser formado”.

Consequentemente, podemos dizer que a formação de professores traz consigo um ambiente de


constantes tensões que contrapõem movimentos distintos, em que ora se sentem heróis, ora vítimas,
ora tradicionais, ora construtivistas; enfim, vivenciam dilemas para os quais nem sempre há respostas
(CHARLOT, 2008).

Dessa forma, caro estudante, é preciso observar com muita atenção as dicotomias, sabendo que
elas existem, mas que uma não sobrepõe a outra, isto é, a prática não se restringe à mera aplicação da
teoria, pelo contrário, ambas caminham juntas para propiciarem experiências que nascem da relação
conhecimento e vida humana (BONDÍA, 2002).

Como último ponto de nossa discussão acerca dos dilemas na formação de professores, gostaríamos
de destacar três principais fatores que corroboram transformações e repercussões, conforme Tedesco e
Fanfani (2004):

A extração social dos professores

Questões como origem social e posição na estrutura de renda dos professores atuam, fortemente,
na formação e aperfeiçoamento profissional, bem como nos aspectos culturais e na autopercepção
desses profissionais.

37
Unidade I

A exclusão social e as condições de educabilidade na escola que se universaliza

Observar que o contexto contemporâneo da cultura digital traz consigo redução de postos de
trabalhos, o que não gera somente desemprego de grande parcela da população, mas conduz à ampliação
de exclusão social na população.

Mudanças na clientela escolar e novos padrões nas relações professor versus aluno

Entre os vários novos perfis e configurações na relação ensino‑aprendizagem, podemos observar:

• Diversidade: entendida, neste contexto, pelas diferenças étnicas, sociais e culturais que permeiam
a população brasileira que cursa a Educação Básica. Esta situação sinaliza para a necessidade de
superação de condutas e práticas homogeneizantes, a fim de receber a clientela diversificada que
passou a ser atendida pela escola.

• Legitimação da autoridade pedagógica: compreendida por Tedesco e Fanfani (2004) por


considerar os estudantes como sujeitos protagonistas de suas trajetórias, que devem, cada vez
mais, ser atendidos em suas expectativas, por meio de tempos e espaços que possibilitem convívio,
engajamento social e movimento dialógico na construção do conhecimento.

• Diferentes formas de apropriação da cultura no ambiente escolar: interpretada como


a coexistência de modos diferentes de percepção e prática da cultura; nesta perspectiva, a
formação deve contemplar a capacidade de refletir sobre aspectos culturais e argumentar, de
forma analítica e contextualizada, como estão associados ao processo de ensinar e aprender
dos indivíduos.

Como pudemos observar, a formação inicial deve estar associada à escola, pois é nela que são
levantadas e concretizadas as mudanças inerentes às temáticas educacionais; dito de outra forma, é
preciso nos preparar para não apenas pensar na educação e falar sobre ela, mas, sobretudo, fazer educação.

Outro elemento importante para formação inicial é a residência pedagógica, compreendida como
um meio que visa:

Possibilitar a aprendizagem prática “em situação”, ou seja, a partir da


realidade, tomando os eventos e aspectos dificultados para a prática
pedagógica do professor e da escola como fontes de aprendizado, uma vez
que esses aspectos e eventos são tomados como objeto de estudo e reflexão
pelos residentes (UNIFESP, 2006, p. 31).

O trecho pertencente ao projeto pedagógico da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp) traz uma
síntese da importância da Residência Pedagógica, cujo principal objetivo é estreitar o conhecimento
produzido nos bancos universitários à realidade prática nas demandas da Educação Básica.

38
DIDÁTICA E FORMAÇÃO DOCENTE

Dito de outra forma, a Residência Pedagógica é uma das ações que integra a Política Nacional de
Formação de Professores, com vistas à qualificação prática nos cursos de Pedagogia, em que a proposta
central é promover a inserção do licenciado na escola de Educação Básica.

Figura 9

Disponível em: https://bit.ly/3ELEcT8. Acesso em: 27 fev. 2023.

Como é possível perceber, por meio da imagem, a Residência Pedagógica tem o objetivo de
propiciar ao licenciando oportunidade de regência e intervenções pedagógicas em sala de aula.
Porém, é oportuno ressaltar que essas ações são orientadas pelo professor da escola; assim, este
movimento entre graduando, conhecimento científico e realidade das escolas contribui para que o
licenciando construa seus próprios planos de aula e articule os conhecimentos adquiridos durante
o Ensino Superior.

Convidamos você a compreender a origem e trajetória da Residência Pedagógica, implementada


em 2006, com iniciativa da Unifesp, a qual articulou a residência ao curso de Pedagogia e cujo maior
propósito é interligar universidade, escolas e sistemas de ensino na formação de novos profissionais
da educação.

Antes da implementação, o Programa de Residência Pedagógica teve ampla divulgação e consulta de


gestores e docentes das redes públicas do município de Guarulhos, cidade sede do curso de Pedagogia da
referida universidade. Tal consulta pública foi elaborada por meio de uma construção coletiva, realizada
em 2008, no âmbito do programa Pró‑docência do Ministério da Educação, cuja centralidade estava
pautada no estudo de condições de implementação do programa e levantamento de apontamentos dos
educadores a respeito da proposta.

39
Unidade I

Entre os principais objetivos desta consulta pública, é possível apontar:

• Identificação, por meio de gestores dos sistemas e de escolas públicas (secretários, supervisores,
diretores e coordenadores), das demandas relativas à formação inicial.

• Compreensão, entre os docentes, dos temas mais recorrentes em relação à formação continuada.

• Levantamento das opiniões e sugestões sobre a operacionalização do programa.

Como podemos observar, o programa visa contemplar as práticas oriundas das escolas das redes
públicas, a fim de evidenciar ao licenciando experiências sobre políticas governamentais em curso,
práticas instituídas nas organizações, quebrando a dicotomia teoria e prática, em que a sala de aula
apresenta‑se como ambiente profícuo de aprendizagens, de multiplicidade de práticas, o que, de certa
forma, contribui para a qualificação dos estudantes que convivem com os professores mais experientes,
em um diálogo permanente entre instituições formadoras de docentes e escolas.

De acordo com Papi e Martins (2010), o Programa de Residência Pedagógica (PRP) tem como objetivo
aproximar o professor experiente daquele iniciante, em um contexto que privilegie propostas de práticas
pedagógicas em sala de aula.

Em consonância com os autores, Panizzolo et al. (2012) classificam a Residência Pedagógica como
inovadora, uma vez que ela propicia a experiência no ambiente escolar, onde o licenciando enriquecerá
sua formação teórica e prática e terá noções contextualizadas de sua futura profissão.

De modo geral, podemos dizer que o PRP tem proposta de associar teoria e prática, promovendo
aos bolsistas oportunidades de vivenciar conhecimentos teóricos a partir do funcionamento da sala
de aula, que, conforme Giglio (2010), se condensam em vivências de formação conectadas com as
demandas atuais e com a articulação entre conhecimentos sistemáticos e temporários que permeiam a
prática pedagógica.

Segundo Silva e Cruz (2018), em um primeiro momento, a Residência Pedagógica tinha como
propósito o aperfeiçoamento de professores em serviço, no entanto, esta ideia não foi aprovada,
passando por várias reformulações até a chegada da Portaria n. 259, de 17 dezembro de 2019, que
dispõe sobre o regulamento do Programa de Residência Pedagógica e do Programa Institucional de
Bolsa de Iniciação à Docência (PIBID), a qual foi revogada pela Portaria n. 82, de 26 de abril de 2022.

Entre os objetivos específicos do Programa de Residência Pedagógica estão:

I – fortalecer e aprofundar a formação teórico‑prática de estudantes de


cursos de licenciatura;

II – contribuir para a construção da identidade profissional docente dos


licenciandos;

40
DIDÁTICA E FORMAÇÃO DOCENTE

III – estabelecer corresponsabilidade entre IES, redes de ensino e escolas na


formação inicial de professores;

IV – valorizar a experiência dos professores da educação básica na preparação


dos licenciandos para a sua futura atuação profissional; e

V – induzir a pesquisa colaborativa e a produção acadêmica com base nas


experiências vivenciadas em sala de aula (BRASIL, 2022, p. 1).

Diante dos objetivos da legislação da Residência Pedagógica, vislumbramos a busca do estabelecimento


de relações de confiança e respeito entre instituições de formação de professores e escola, cujo diálogo
deve ser permanente, a partir de uma escuta generosa das verdadeiras necessidades das redes de ensino
e do reconhecimento da diversidade de práticas pedagógicas que emergem dos mais variados contextos
do território nacional.

Dito de outra forma, o PRP tem como premissa promover imersão do licenciando no campo
educacional, para que ele possa conhecer e saber o que pensam e como agem os profissionais da educação
em seu cotidiano profissional.

A partir das reflexões do referido programa, é possível sintetizá‑lo na seguinte figura:

Formação teórico-prático

Identidade profissional

Valorização de experiências
de professores de educação básica

Vivências em sala de aula


e pesquisa colaborativa

Figura 10 – Objetivos da Residência Pedagógica

41
Unidade I

Saiba mais

Confira um edital da Residência Pedagógica e veja as principais


características do programa (requisitos, período, valores etc.).

CAPES. Programa de residência pedagógica. SEI/Capes, 2020. Disponível


em: https://bit.ly/3SCkIG3. Acesso em: 27 fev. 2023.

De acordo com Pimenta e Lima (2011), a Residência Pedagógica é um espaço a mais na formação
inicial de professores, que possibilita atividades de ampliação do conhecimento, análise do percurso
docente e reflexão sobre a historicidade da profissão.

As autoras enfatizam que o referido programa aproxima os futuros professores de atividades


pedagógicas alicerçadas na Base Nacional Comum Curricular (BNCC), uma vez que a vivência em sala de
aula propicia associação com o conhecimento curricular e seus projetos de desdobramento, objetivos
de conhecimento requeridos pela Base Nacional e o contexto das áreas do conhecimento, sequências
didáticas e as habilidades e competências requeridas para a Educação Básica.

Lembrete

Residência Pedagógica tem entre seus objetivos propiciar vivências e


práticas a partir da Base Nacional Comum Curricular (BNCC), aproximando
universidades, escolas e currículo.

Residência Pedagógica é um caminho que visa valorizar a relação teoria e prática, assim, propomos
compreender três esquemas dessa associação, a partir dos pressupostos de Candau e Lelis (1999), que
classificam três momentos:

• Visão dicotômica: separa a teoria da prática, dando ênfase à autonomia total de uma em
relação à outra. Consiste em uma perspectiva polarizada, que concebe a teoria e a prática como
componentes isolados e opostos. Esta concepção reserva aos teóricos o papel de elaborar, refletir
e planejar; enquanto, aos práticos, a missão de executar, agir e fazer.

• Visão associativa: tem caráter aplicacionista, isto é, acredita que a prática consiste na aplicação
da teoria e que somente terá êxito se seguir os parâmetros teóricos; ou mesmo a relação inversa,
em que, na prática, há validação da teoria e seus pressupostos.

• Visão de unidade: compreendida como a visão dialética, ou seja, uma relação que expressa
um movimento de interdependência. Neste caso, não há oposição, mas a teoria complementa a
prática e vice‑versa.

42
DIDÁTICA E FORMAÇÃO DOCENTE

A partir das três visões propostas por Candau e Lelis (1999), podemos anunciar que o princípio
da Residência Pedagógica está pautado na visão de unidade, em que teoria e prática são elementos
indissociáveis da prática pedagógica, formando uma síntese no processo de ensinar e aprender.

Nesta perspectiva, toda práxis, compreendida como atividade teórico‑prática, tem uma ideia e um
pressuposto (teoria) que serão viabilizados pela ação de procedimentos pedagógicos (prática), assim,
ambos possuem a mesma importância para o ato pedagógico, o qual possui uma intenção de ensino e
uma ação educativa que buscam, constantemente, a transformação e a emancipação dos indivíduos.

Observação

Teoria e prática são indissociáveis. A teoria é o conhecimento


sistematizado em gruas e especificidades; a prática corresponde a
ações concretas, modificadas e efetivadas, na relação entre os sujeitos e
o conhecimento.

Por fim, o processo dialético proposto pela Residência Pedagógica pode trazer, cada vez mais, a
unidade entre a teoria e a prática, pois, neste ambiente de experiências, o licenciando tem oportunidade
de refletir, amadurecer e aperfeiçoar as teorias estudadas no contexto acadêmico, a partir da imersão
nas escolas e as demandas da Educação Básica.

Como vimos, na intersecção entre prática docente e formação inicial, a profissão docente tem um
amplo aporte na relação teoria e prática. Mas, apenas isso basta?

A resposta é não. E, para justificar, nos apoiamos na citação de Pimenta (2002, p. 19), que aponta a
identidade do professor da seguinte forma:

[...] pelo significado que cada professor, enquanto ator e autor confere à
atividade docente no seu cotidiano a partir de seus valores, de seu modo de
situar‑se no mundo, de sua história de vida, de suas representações, de seus
saberes, de suas angústias e seus anseios, no sentido que tem em sua vida
o ser professor.

A construção ou reconstrução da identidade de professor durante a formação inicial transcende


o caráter técnico e propedêutico dos cursos de licenciatura, uma vez que traz histórias de vida e
subjetividades que dão significados diversos para o ofício de ser professor.

Em consonância com tal reflexão, Nóvoa (2009) afirma não ser possível desmembrar as dimensões
pessoais das profissionais, apontando que a identidade de cada um tem como base um único equilíbrio
entre percursos e vivências pessoais e posturas profissionais.

43
Unidade I

Em outras palavras, os professores constroem sua identidade na associação entre saberes práticos
(relacionados às vivências), saberes teóricos (relacionados aos conteúdos acadêmicos) e o conjunto de
princípios e valores (assimilados durante as experiências únicas vivenciadas).

Nesta perspectiva, nossas identidades possuem várias subjetividades, que, compreendidas na


perspectiva de González Rey (2008), são fenômenos complexos constituídos de processos simbólicos
e emocionais, os quais são remodelados, de forma permanente, durante toda a trajetória de vida dos
sujeitos. Utilizando, ainda, o referido autor, podemos dizer que a subjetividade é um conjunto de:

Sentidos subjetivos são verdadeiros sistemas motivacionais que – diferente


das teorias mais tradicionais da motivação – permitem‑nos representar o
envolvimento afetivo do sujeito em uma atividade, não apenas pelo seu
vínculo concreto nela, mas como produção de sentidos que implicam
em uma configuração única de sentidos subjetivos, emoções e processos
simbólicos resultantes de subjetivação que integram aspectos da história
individual, como os diferentes momentos atuais da vida de cada sujeito
concreto (GONZÁLEZ, 2008, p. 34).

A partir da citação, podemos inferir que a subjetividade é um elemento inerente à vida humana
e, consequentemente, à formação inicial dos professores, uma vez que, durante as experiências
teórico‑práticas, os licenciandos buscam dar sentido às várias configurações que constituem
a profissão.

No entanto, cabe ressaltar que as significações, embora possuam o mesmo ponto de partida, não
terão necessariamente o mesmo ponto de chegada, visto o envolvimento afetivo dos sujeitos com
a atividade. Dito de outra forma, tanto teorias quanto experiências práticas nas escolas, estágios
e/ou Residências Pedagógicas impactam de forma diferente na formação dos futuros profissionais
da educação.

Tal reflexão confirma o pensamento de Miller (1997), que sinaliza a possibilidade de contar
quantas pessoas existem em uma sala, mas a impossibilidade de se contar o sujeito, visto que ele não
se quantifica, pelo contrário, qualifica‑se em experiências durante sua interação com a sociedade e
consigo mesmo.

Diante de tantos apontamentos sobre a importância da subjetividade no processo de formação


de professores, cabe a você, caro estudante, não esgotar a discussão sobre o assunto, mas continuar
buscando autores e estudos que contemplem essa temática. Assim, compactuamos com a ideia de
Novaes (2015, p. 107), que concebe a subjetividade como “processo pelo qual a realidade se constrói e
os saberes se estruturam”.

Neste sentido, as narrativas criadas e vivenciadas pelos professores durante a formação inicial e
em serviço estruturam e sistematizam suas ações, de forma a dar sentido aos diversos contextos. Para
Bolívar (2002, p. 44):

44
DIDÁTICA E FORMAÇÃO DOCENTE

[...] Narrar a vida em um autorrelato é – como dizem Bruner ou Ricoeur – um


meio de inventar o próprio eu, de dar‑lhe uma identidade (narrativa). Em
sua expressão superior (autobiografia) é também elaborar o projeto ético do
que tem sido e será a vida.

A importância de autoanálise reforça a voz dos sujeitos, formadores e formandos, pois, segundo
Connely e Clandinin (1990, p. 5), encontrar palavras para expressar‑se e interagir com o outro faz parte
do processo dialógico, em que a voz sugere relacionamentos: “o relacionamento do indivíduo com o
significado da sua experiência, e assim, com a linguagem, e o relacionamento do indivíduo com o outro,
já que a compreensão é um processo social”.

Exemplo de aplicação

A partir do elemento subjetividade, liste os seguintes aspectos em sua formação:

Subjetividade anterior: como entendia a licenciatura?

Subjetividade atual: como compreende a licenciatura?

Lembrete

Subjetividades são as representações simbólicas presentes em cada


sujeito, que atuam na percepção e validação da realidade.

45
Unidade I

Resumo

Nesta unidade, vimos que os saberes docentes estão relacionados


diretamente com dois pilares: o tempo e a atuação, neles estão
representados esquemas, metodologias, posicionamentos e escolhas na
prática docente, que são moldados pelo contexto sociocultural, isto é, os
indivíduos “constroem, em interação com os outros, sua identidade pessoal
e social” (TARDIF, 2014, p. 71).

Os saberes profissionais estudados podem ser compreendidos pelas


experiências vivenciadas pelos docentes e o conjunto de saberes adquiridos
pelas instituições que formam professores, por outro lado, os saberes
experienciais são as experiências vivenciadas durante a atuação docente,
que funcionam como meio de atualização dos saberes e práticas deste
profissional.

Na sequência, apresentamos os saberes pedagógicos que são


entendidos como mobilizadores das atividades pedagógicas e vão além
do objeto de saber, ou seja, relacionam‑se diretamente com as demandas
da vida de quem ensina e de quem aprende. Como último elemento dos
saberes docentes, temos os saberes disciplinares, isto é, os diversos campos
de conhecimento que perpassam a sociedade.

Cabe destacar que a formação docente, segundo Huberman (2000), é


constituída de cinco fases: a entrada na carreira (1 a 3 anos de carreira), com
descobertas e choques de realidade; a estabilização (4 a 6 anos de carreira),
com predominância da emancipação e interesse pela aprendizagem
dos alunos; a experimentação (7 a 25 de carreira), com destaque para
motivação e valorização da formação continuada; a serenidade (25 a
35 anos de carreira), com estabilidade no fazer pedagógico e calmaria no
trabalho; e, por último, a preparação para aposentadoria (35 a 40 anos
de carreira), marcada pela desmotivação e por reflexões sobre as pressões
sociais sofridas pela carreira.

Diante dessas reflexões, observamos a necessidade de um novo olhar


em relação ao ensinar e ao aprender, com atenção especial aos cursos de
licenciatura, os quais devem propiciar momentos de formação e práticas que
tornem os profissionais da educação aptos à atuação docente, oferecendo
referenciais consistentes, significação do papel dos professores e contextos
que proporcionem o aprimoramento de ações exigidas pela profissão.

46
DIDÁTICA E FORMAÇÃO DOCENTE

Deste modo, a formação e o trabalho docente devem estar pautados


no ofício humanizado e colaborativo, nas relações socioemocionais, no
confronto de ideias e em premissas do fazer e conviver. Para isso, devemos
considerar a Resolução CNE/CP n. 2/2019, que define as Diretrizes Curriculares
Nacionais para a formação inicial de professores para a Educação Básica
e institui a Base Nacional Comum para a formação inicial de professores
da Educação Básica (BNC-Formação) e as competências específicas para
a formação docente: conhecimento profissional, prática profissional e
engajamento profissional.

Por fim, tratamos acerca de residência pedagógica, que consiste em


uma das ações que integram a política nacional de formação de professores,
cujo objetivo é promover aos licenciandos contextos de imersão, nos quais
possam conhecer e engajar‑se no cotidiano dos profissionais da educação.

47
Unidade I

Exercícios

Questão 1. No livro‑texto, vimos que “o saber docente se compõe, na verdade, de vários saberes
provenientes de diferentes fontes” (TARDIF, 2014, p. 33).

Em relação aos saberes dos professores, avalie as asserções e a relação proposta entre elas.

I – O saber docente é plural, mas deve restringir‑se aos conhecimentos oriundos de instituições
acadêmicas, sem incluir as experiências da prática cotidiana.

porque

II – Os saberes oriundos da formação profissional especificamente voltada ao exercício do magistério


são desenvolvidos nos estabelecimentos de formação de professores, nos estágios e nos cursos de
reciclagem, por exemplo.

Assinale a alternativa correta.

A) As asserções I e II são verdadeiras, e a asserção II justifica a I.

B) As asserções I e II são verdadeiras, e a asserção II não justifica a I.

C) A asserção I é verdadeira, e a asserção II é falsa.

D) A asserção I é falsa, e a asserção II é verdadeira.

E) As asserções I e II são falsas.

Resposta correta: alternativa D.

Análise das asserções

I – Asserção falsa.

Justificativa: o saber docente é um “saber plural, formado de diversos saberes, provenientes das
instituições de formação, da formação profissional, dos currículos e da prática cotidiana” (TARDIF,
2014, p. 54).

II – Asserção verdadeira.

Justificativa: veja, no quadro a seguir, um excerto do que é apresentado por Tardif (2014).

48
DIDÁTICA E FORMAÇÃO DOCENTE

Quadro 8 – Os saberes dos professores

Saberes Fontes sociais Modos de integração


dos professores de aquisição no trabalho docente
Saberes provenientes da Os estabelecimentos de formação Pela formação e pela socialização
formação profissional para o de professores, os estágios, os profissionais nas instituições de
magistério cursos de reciclagem etc. formação de professores

Adaptado de: Tardif (2014, p. 64).

Questão 2. Vimos, no livro‑texto, que Tardif (2014) aponta para a necessidade de categorizarmos as
três concepções apresentadas a seguir durante a prática educativa.

• Educação como arte.

• Educação como arte guiada por valores.

• Educação como interação.

Em relação à concepção de educação como arte, avalie as asserções e a relação proposta entre elas.

I – Na concepção de educação como arte, a epistemologia corresponde às estratégias utilizadas para


acessarmos o conhecimento, enquanto as técnicas de ensino são empregadas para compreendermos os
vários conhecimentos por meio de estruturas mais rígidas de análise.

porque

II – A concepção de educação como arte fundamenta‑se na cultura filosófica, em especial nas obras
de Platão e Aristóteles, em que a arte (téchne) e a ciência (epistéme) são tratadas de modo indistinto.

Assinale a alternativa correta.

A) As asserções I e II são verdadeiras, e a asserção II justifica a I.

B) As asserções I e II são verdadeiras, e a asserção II não justifica a I.

C) A asserção I é verdadeira, e a asserção II é falsa.

D) A asserção I é falsa, e a asserção II é verdadeira.

E) As asserções I e II são falsas.

Resposta correta: alternativa E.

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Unidade I

Análise das asserções

I – Asserção falsa.

Justificativa: segundo Tardif (2014), na concepção de educação como arte, as técnicas de ensino
são vistas como estratégias que utilizamos para acessar o conhecimento, enquanto a epistemologia
refere‑se às reflexões sobre a natureza, as etapas e os limites do conhecimento, o que requer estruturas
mais rígidas de análise.

Em relação ao conceito de epistemologia, sugerimos a leitura do texto a seguir.

O que é epistemologia

Epistemologia, também conhecida como a Teoria do Conhecimento, é o ramo da filosofia que


estuda como o ser humano ou a própria ciência adquire e justifica seus conhecimentos.

Ou seja, é o estudo que procura encontrar quais as condições necessárias e suficientes para o
resultado de uma afirmação específica.

A palavra epistemologia vem dos termos gregos episteme, que significa conhecimento, e logia,
que significa estudo e é também conhecida como a filosofia da ciência.

A epistemologia está preocupada em responder questões como as apresentadas a seguir.

• Como sabemos a verdade?

• Como separamos as ideias verdadeiras das ideias falsas?

• Como adquirimos este conhecimento ou esta afirmação?

Para o filósofo grego Platão, a epistemologia opõe‑se à crença, pois ela é um estudo justificado (a
crença é apenas um ponto de vista subjetivo).

Na Filosofia Moderna, a epistemologia é levada em discussão pelos racionalistas empiristas,


provocando duas posições diferentes:

• o ponto de vista empirista, que afirma que o conhecimento deve ser baseado na experiência, ou
seja, no que for apreendido durante a vida;

• a posição racionalista, que afirma que a fonte do conhecimento se encontra na razão, e não
na experiência.

Adaptado de: https://bit.ly/2JltBA1. Acesso em: 24 jan. 2023.

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DIDÁTICA E FORMAÇÃO DOCENTE

II – Asserção falsa.

Justificativa: segundo Tardif (2014), a concepção de educação como arte fundamenta‑se na cultura
filosófica, em especial nas obras de Platão e Aristóteles, em que temos a distinção entre a arte (téchne)
e ciência (epistéme).

Vale destacar que Aristóteles foi um pensador que detinha a clássica diferenciação ontológica entre o
contingente e o necessário para o Ser, e essa relação antagônica exprime‑se em uma relação hierárquica
entre a techné e a epistéme. Segundo ele, a episteme é o conhecimento racional do Ser necessário,
visto que só pode ter ciência daquilo que é imutável, a techné localiza‑se na esfera do conhecimento
prático, que resulta como consequência das modificações das atividades humanas, cujo fim é o Bem
ético‑político, da ordem da contingência. A natureza da episteme baseia‑se em um conhecimento que
pode ser demonstrado racionalmente e, portanto, apreende o que é por necessidade. Já a natureza da
techné é dependente das interações humanas, motivo pelo qual lidamos com a mutabilidade em tudo
que produzimos.

Adaptado de: https://bit.ly/3zP3Gfi. Acesso em: 27 fev. 2023.

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