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Organizacao do Estado Aqui, no estudo da organizacio do Estado, abordaremos mais do que simples- mente o federalismo brasileiro, ACE/88, como documento maior de nossa ordem juridica e politica, organiza 0 Estado brasileiro, Na verdade, tudo que a Constituigdo faz é organizar 0 Estado bra- sileiro. Dentre as tarefas atinentes & organizagio do Estado brasileiro, a Constituicao ‘estabeleceu 0s princ{pios fundamentais do Brasil na ordem interna e na ordem inter- nacional, os fundamentos da Republica Brasileira, os objetivos da Republica Brasileira, a forma de governo, o sistema de governo e a forma de Estado. A CF/88 organiza 0 Estado brasileiro em todos esses aspectos, néo se limitando & disciplina da forma fe- derativa de Estado, Normalmente, quando se fala em organizacio do Estado, aborda-se apenas a dis- cussio sobre a forma de Estado, mas, considerando que a Constituigao Brasileira, a0 organizar o Estado brasileiro, trata de todos os temas mencionados acima, também estudaremos aqui esses outros aspectos, e nao apertas o federalismo (que é a forma de Estado adotada pela CF/88). | TITULO1 DA CF/88 = FUNDAMENTOS DA REPUBLICA BRASILEIRA E PRINCIPIO DEMOCRATICO 0 caput do art: 1° da CF/88 elenca, em seus incisos, os fundamentos da Republica Brasileira, que sio os seguintes: Na soberania; MW) acidadania; IM) a dignidade da pessoa humana; WV) 0 valores sociais do trabalho e da livre iniciativa; Vo pluralismo politico, Quanto a dignidade da pessoa humana, ela tem especial relevancia, por ser con- siderada o fundamento tiltimo da Constituigao, do poder constituinte e de todo o Digitalizado com CamScanner B92 DIREITO CONSTITUCIONAL FELIDLLLN « Francisco Braga direito, Enfim, a dignidade humana ¢ 0 valor supremo do nosso ordenamento juridico, tal qual ocorre nos paises de cultura ocidental de forma geral. Além de elencar os fundamentos da Repiiblica Brasileira, o caput do art. 1° da CE/88, ao estabelecer que o Estado brasileiro é formado “pela unido indissolivel dos Estados ¢ Municipios ¢ do Distrito Federal”, consagra o principio da indissolubilidade da uniio ou principio da indissolubilidade do pacto federativo. E prevé, também, que o Brasil é um Estado Democritico de Direito. © que é um Estado democritico de direito? OEstado de direito é aquele que é regido pelo império da lei, isto é, é 0 Estado em que as ages dos governantes ¢ dos particulares se balizam pelas leis postas, de modo quea vontade do governante fica submetida 4 lei, sé podendo ele fazer aquilo que a lei autoriza (iio se admite que ele imponha sua vontade de forma absoluta), assim como 0s particulares nao podem fazer o que for proibido pela lei, Eo Estado democratico é aquele que adota um regime democratico, ou seja, que observa os procedimentos estabelecidos para a gestio da coisa publica, assegura a par- ticipagio das pessoas no debate piiblico e na definigdo dos rumos politicos do pais, respeita direitos fundamentais ndo apenas dos grupos majoritdrios, mas também dos grupos minoritarios ete. Logo, o Estado democratico de direito é aquele em que os governantes ¢ os parti- culares devem obediéncia as leis e que respeita as normas de gestéo da coisa publica, assegura a participa¢ao das pessoas na vida politica e no debate publico, respeita direi- tos fundamentais de todos os segmentos da sociedade etc. “Art. 1s, CF/B8. A Republica Federativa do Brasil, formada pela unido indisso- live dos Estados e Municipio e do Distrito Federal, constitute em Estado Democratico de Direito e tem como fundamentos: | -asoberania; I-acidadania; Iil-a dignidade da pessoa humana; IV- 05 valores sociais do trabalho e da livre iniciativa; V-opluralismo politico” Ort, 1° da CF/88 prevé, ainda, em seu parigrafo Ginico, o principio democriti- co. Vejamos: "AR (4) Parégrafo Unico, Todo o poder emana do povo, que o exerce por meio de fepresentantes eleltos ou diretamente, nos termos desta Constituicdo.” Nos termos desse dispositivo, o poder pode ser exercido de forma indireta ou de forma direta, O exercicio do poder de forma indireta é feito por meio de uma de- mocracia representativa, que é aquela em que o poder é exercido por meio de repre sentantes, Jé o exercicio direto do poder ¢ feito, por exemplo, através do voto, da agio Popular, da iniciativa legislativa popular ete, Digitalizado com CamScanner [ETINED onGANizagAo 00 Estao0 093 segundo a doutrina e a jurisprudéncia, 0 parigrafo tinico do art. 1° da CF/88, ao esubelecer que “todo 0 poder emana do povo”, consagra o principio democratico, que videntemente) esté ligado ao Estado democratico de direito, referido no caput do mesmo artigo, Na verdade, o que 0 pardgrafo tinico faz 6 reforgar o caput, que ja estabelece @ adogio do principio democratico na Repiiblica Brasileira. = SEPARACAO DOS PODERES Oart, 2° da CF/88 traz o cléssico principio da separagao de Poderes, nos seguin- tes ermos: “Art. 2°, CF/BB. Sio Poderes da Unio, independentes e harménicos entre si,0 Legislativo, 0 Executivo e 0 Judicidrio.” Esse principio tem como grande fildsofo idealizador Montesquieu, que fez uma correlagio entre as trés fungées clissicas do Estado (fungées legislativa, executiva e judiciéria), conhecidas desde a Antiguidade Classica através das ideias de Aristételes, com trés Orgios distintos, quais sejam, os Poderes Legislativo, Executivo e Judiciario. Foi estabelecida, portanto, uma correspondéncia orginica, no sentido de que a cada funcio corresponderia um érgio distinto. Essa ideia de Montesquieu consta de sua obra “O Espirito das Leis” Montesquieu desenvolveu seu trabalho ja conhecendo o pensamento de John Locke, que havia previsto uma biparticao organica das funcdes do Estado, atribuindo 20 Legislativo a funco de elaborar leis e ao Executivo a fungao de zelar pelo cum- primento das leis, 0 que envolvia tanto a prépria execugio delas quanto, como uma decorréncia disso, as atribuicées de julgador. Na teoria de Locke, portanto, nio houve 2 atribuicéo da fungao jurisdicional a um terceiro érgio independente. Por sua vez, Montesquieu, como vimos acima, propés uma triparticdo orginica, com 0 estabelecimento de trés drgios (Legislativo, Executivo e Judiciario), cada um correspondente a uma das trés fungdes do Estado, de forma bem delimitada. O objetivo primordial da separacao dos Poderes é resguardar as liberdades indivi- duais, pois, a partir do momento em que as fungdes estatais sdo atribuidas a drgios di- ferentes, evita-se (ou, ao menos, abranda-se) a possibilidade de cometimento de abu- sos pelo Estado, jé que cada drgio vé o seu ambito de atuacdo limitado pela atribuigio das demais fungées estatais a outros érgios. Além disso, 0 proprio esquema organizatorio da separagio dos Poderes prevé me- canismos de fiscalizagio e responsabilizagdo rec{proca dos Poderes, de modo que um exerca controle sobre os outros, evitando-se, com isso, 0 cometimento de abusos, Esse controle reciproco dos Poderes é o que se chama de sistema de frelos e contrapesos (ou checks and balances). A separagio de Poderes adotada na Constituigdo brasileira (e na maioria dos Es- tados modernos) nao é absoluta, pois cada um dos Poderes exerce fungdes tipicas dos ‘outros Poderes, Ou seja, cada Poder tem fungdes tipicas e fungdes atipicas, que nada mais sio do que as fungdes que sio tipicamente atribuidas a outro Poder, Assim, por exemplo, o Judicidrio, além de julgar (isto 6, de exercer a fungio jurisdicional, que ¢ a sua funcdo tipica), redige o regimento interno dos ‘Tribunais (fungao atipica legislati- va) € administra os seus membros e servidores (fungio atipica executiva). Da mesma Digitalizado com CamScanner 894 DIREITO CONSTITUCIONAL FILED + Francisco Braga forma, o Legislativo, além de legislar ¢ exercer a fiscalizagio contabil, or¢amentaria, fi- nanceira e patrimonial do Executivo (fungdes tipicas suas), julga agentes pablicos pelo cometimento de crimes de responsabilidade (fungao atipica jurisdicional) e organiza sua propria estrutura administrativa (fungao atipica executiva). Igualmente, o Poder ecutivo, além de exercer a Administragio do ente federativo (fungio tipica sua), pode editar medidas provisorias ¢ leis delegadas (fungao atipica legislativa) e julgar pedidos e recursos administrativos (fungio atpica jurisdicional). Como se percebe, o formato moderno da separagao de Poderes (que é 0 adotado na CF/88) nio observa a triparticdo pura das fungées estatais sugerida por Montes- quieu, pois ha a atribuigéo, a cada um dos Poderes, de fungées que, a principio, nao Ihes sio prdprias. Mas ¢ importante notar que, mesmo quando exercem fungées atipicas, os Po- deres atuam no exercicio de fungées que sio suas, pois sio sempre atribuig6es dadas acada um deles pela Constituigio, notadamente, pelo poder constituinte originario, Em outras palavras, nenhum Poder pode praticar atos que a Constituicao nao tenha inserido dentre suas atribuigdes (ainda que atipicas), sob pena de ofensa 4 separagao dos Poderes. A separacio dos Poderes na CF/88, portanto, nao é absoluta, tendo cada um dos trés Poderes funges precipuas e funcGes atipicas, além de serem regidos por um siste- ma de freios e contrapesos (checks and balances), para que tenham uma autoconten- ‘¢a0 reciproca (um Poder limitando 0 outro) e, a0 mesmo tempo, sejam harménicos e independentes entre si. E, assim como foi registrado acima em relacio ao exercicio de funées atipicas por cada érgio estatal, os mecanismos de fiscalizagao rec{proca dos Poderes (conhecidos como freios ¢ contrapesos) dependem de previsio constitucional, isto é, para que um Poder controle o outro, é necessario que se valha de instrumentos previstos na propria Constitui¢ao, nao podendo atuar fora das hipéteses constitucionalmente previstas, sob pena de ferir a separacio de Poderes. Podemos citar os seguintes exemplos de mecanismos de freios e contrapesos pre- vistos na Constituicao Brasileira de 1988: 1) Ainafastabilidade jurisdicional (prevista no art. 5%, XXXV), que permite que 0 Poder Judicidrio controle atos praticados pelo Legislativo e pelo Executivo. M) A competéncia dada ao Senado Federal (Poder Legislativo) para julgar auto- ridades dos demais Poderes pela pritica de crimes de responsabilidade (art. 52,1ell). WM) A atribuigio dada ao Chefe do Poder Executivo para sancionar ou vetar pro- jetos de lei aprovados pelo Poder Legislativo (art, 66, § 1°). WV) A competéncia dada ao Supremo ‘Tribunal Federal para declarar a inconsti- tucionalidade de leis ¢ atos normativos (editados por outros drgios da Repi- blica) em sede de ADI (art 102, 1, “a”). > Indelegabilidade de atribulcdes entre os poderes Além de impedir que um Poder usurpe atribuigdes de outro, a separagaio dos Po- deres impede que um Poder delegue suas atribuigdes a outro, Isso porque a separacio Digitalizado com CamScanner [TIRED oncanzagto 00 esta00 895 natant do art. 2° da CF/88 preve que os Poderes sio independentes ¢ harmonics de modo que cada um deles deve atuuar dentro da parcela de competéncia que ihe waiconferida pela Constituigao, notadamente, pelo poder constituinte origindrio. Cuida-se do principio da indelegabilidade de atribuigdes, Por forga desse principio, cada Poder apenas pode exercer as atribuigdes que a Constituigho, por meio do poder constituinte origindrio, tenha Previsto para ele ou tenha petmitido que thes fossem delegadas por outro Poder (como & 0 caso das leis delegas. que, nos termos do art. 68 da CF/88, podem ser elaboradas pelo Poder Exe- cutive. s¢ 0 Legislativo assim delegar). = _OBJETIVOS FUNDAMENTAIS DA REPUBLICA BRASILEIRA E PRINCIPIOS QUE REGEM O BRASIL NAS RELACOES INTERNACIONAIS art, 3° da CF/88 traz os objetivos fundamentais da Republica Federativa do Brasil, que sio os seguintes: 1 construir uma sociedade livre, justae solidéria; W) garantir o desenvolvimento nacional; Iu) erradicar a pobreza e a marginalizagio; WW) reduzir as desigualdades sociais e regionais; ¢ V)_promover o bem de todos, sem qualquer forma de discriminagio. “Art. 3°, CF/88, Constituem objetivos fundamentals da Repiiblica Federativa do Brasil | -construir uma sociedade livre, justa esolidéra, Il-garantir o desenvolvimento nacional; Il erradicar a pobreza e 2 marginalizagdo e reduzir as desiqualdades sociais eregionais; IV- promover 0 bem de todos, sem preconceitos de origem, raga, sexo, cor, idade e qualsquer outras formas de discriminacéo” Por sua vez, 0s principios do Brasil nas relagées internacionais, que estio pre- vistos no art. 4° da CF/88, sio os seguintes: 1) independéncia nacional; )_prevaléncia dos direitos humanos; IM) autodeterminagao dos povos; W) nio-intervengio; V) igualdade entre os Estados; Wi) defesa da paz; VII) solugao pacifica dos conflitos; Vill)repidio ao terrorismo e ao racismo; 1X) cooperacio entre os povos para o progresso da humanidade; ¥) concessao de asilo politico, Digitalizado com CamScanner 896 DIREITO CONSTITUCIONAL [EIIIZOLN * Francisco Braga “Art, 4%, CF/B8, A Repilblica Federativa do Brasil rege-se nas suas relaoes Internactonals {com os demals Estados e com os organismos Internacionals} pelos sequintes principlos | independéncla nacional; {N= prevaléncia dos direltos humanos; M-autodeterminagdo dos povos; W- ndo-intervengio; V=igualdade entre os Estados; Vi- defesa da paz; Vit-solugio pactfica dos conflitos; Vil repuidio ao terrorismo e ao racismo; 1X cooperagao entre os povos para o progresso da humanidade; X-concesséo de aslo politic. Pargrafo unico. A Republica Federativa do Brasil buscaré a integragao eco- ‘ndmica, politica, social e cultural dos povos da América Latina, visando & formacéo de uma comunidade latino-americana de nagées,” As provas objetivas costumam cobrar os objetivos fundamentais (art. 3°, CF/88) tentam confundi-los com os fundamentos (art. 1°, CF/88) e com os principios nas relagdes internacionais (art. 4°, CF/88) da Reptiblica Brasileira. Para nao confundir os objetivos fundamentais com os fundamentos da Republica Brasileira ou com os principios que a regem nas relagdes internacionais, basta ter em mente 0 seguinte: a CF/88 expressa os objetivos sempre por meio de verbos, o que nao poderia ser diferente, pois um objetivo traz, subjacente a si, uma ideia de agao. Jé os fundamentos da Repiiblica do Brasil sio elencados sob a forma de substantivos, o que também se verifica em relacao aos principios orientadores das relagdes internacionais da Repiblica Brasileira, mas estes tiltimos tém a especificidade de sempre dizerem Fespeito a temas atinentes a ordem internacional. Esse tema foi cobrado, por exemplo, no concurso de Juiz de Direito do TJMG realizado em 2014, no qual se considerou correta a assertiva que dizia ser objetivo fundamental da Repiblica Federativa do Brasil ‘construir uma sociedade livre, justa ¢ solidaria, garantindo o desenvolvimento nacional com erradicagdo da pobreza e da marginalizagdo, reduzindo as desigualdades sociais e regionais, promovendo o bem de todos, sem preconceitos de origem, raga, cor, idade e quaisquer outras formas de discri- ‘minagio”. Como se pode perceber, a questio cobrou a integralidade do rol de objetivos cons- tante do art. 3° da CF/88 quase em sua literalidade, FORMAS DE ESTADO Agora, estudaremos a organizagio do Estado sob o ponto de vista da compreen- sio tradicional dessa expressio, que diz respeito a organizagao politico-administrativa. Cuida-se de um tema intimamente ligado d questio da forma de Estado, haja vista que a organizagao do Estado é tragada a partir da definigao da forma de Estado adotada, Digitalizado com CamScanner [ETRE oncanizacdo 00 estav0 997 Mas, antes de estudarmos as principais formas de Estado, ¢ necessdrio sabermos ‘© queéuma forma de Estado, A forma adotada por um Estado nada mais é do que a maneira como os seus elementos Constitutivos se relacionam entre si (especialmente, os elementos poder ¢ territério). Como assim? No estudo da teoria geral do Estado, é tranquilo 0 entendimento de que sio ele- mentos constitutivos do Estado os seguintes: 1) ELEMENTOS OBJETIVOS; & Povo (é 0 elemento humano); ¢ b, Territério (é o elemento fisico ou material), 2) ELEMENTO SUBJETIVO: a. Poder, no qual est4 compreendida a soberania ou Governo soberano (é 0 elemento politico). Como se pode perceber do esquema acima, 0 povo € 0 territério sio os elementos objetivos do Estado, enquanto o poder ¢ o seu elemento subjetivo. Ha quem afirme, ainda, a existéncia de outros elementos constitutivos do Estado, podendo ser citada como exemplo a finalidade, que seria o elemento social (sendo a finalidade de todo Estado a persecugo do bem comum). Hé quem diga, por outro lado, que a finalidade jé se encontra inserida no elemento poder (soberania), E assim por diante. Maso que & certo é que os trés elementos listados acima (Povo, territério e poder) 20 tranquilamente admitidos como elementos constitutivos do Estado, ou seja, ele- mentos sem os quais nao se pode falar na existéncia de um Estado. Em outras palavras: para que um Estado exista, é necessario que retina esses trés elementos, que sio verda- deiros pressupostos de sua existéncia, Tudo que se expés acima pode se ver concentrado nas definigdes de Estado en- contradas na doutrina, como a de Valerio Mazzuoli, para quem “pode-se definir 0 Estado (do latim status = estar firme), em sua concepgio juridica moderna, como um ente juridico, dotado de personalidade internacional, formado de uma reuniio (comunidade) de individuos estabelecidos de maneira permanente em um territério determinado, sob a autoridade de um governo independente ¢ com a finalidade pre- cipua de zelar pelo bem comum daqueles que o habitam. Assim, pode-se dizer que os Estados nascem a partir do momento em que ele retine os elementos essenciais & sua constituigio” Em idéntico sentido, mas com outras palavras, como bem lembra Pedro Lenza, Dalmo de Abreu Dallari define o Estado como “a ordem juridica soberana que tem por fim o bem comum de um povo situado em determinado territério” £ possivel perceber que nas definigdes doutrinarias dle Estado transcritas acima, esto presentes os seus elementos constitutivos (inclusive, o elemento finalidade), a essas nogées fundamentais, podemos passar ao estudo das formas de Es- ta Digitalizado com CamScanner 898 ‘incito constirucionAt [EIEZEE + Franctsco Braga AS PRINCIPAIS FORMAS DE ESTADO EXISTENTES NO MUNDO As formas de Estado existentes sio, basicamente, duas: 0 Estado unitario € 0 Estado federal. As caracteristicas de cada uma delas sao as seguintes: 1) Estado unitdrio: também chamado de forma singular de Estado, é aquele em que ha concentragio do poder politico, que ¢ uno (tinico) em relagao ao territério. Portanto, no Estado unitario, tem-se 0 territério do Estado € uma linica fonte de poder politico (isto é, uma tinica fonte normativa, uma Gnica fonte legislativa), que se irradia sobre o todo o territério, Estado federal: também chamado de forma plural de Estado, é aquele em que ha divisio do poder politico em relagdo ao territério, hé mais de uma fonte de poder politico (mais de uma fonte normativa, mais de uma fonte legislativa), Aqui, continua havendo uma fonte de poder politico central (que se irradia sobre todas as partes do territério), mas, além dessa fonte central, ha outras fontes de poder politico, pois 0 territério ¢ subdividido em partes regionais e, em cada uma dessas partes regionais, hd a incidéncia de uma outra fonte de poder politico (isto ¢, de poder normativo) propria. A fonte de poder politico regional incide apenas na parcela do territério que lhe é prépria, e nao em todo o territério. Nas partes regionais do territério, portan- to, ha uma sobreposigao de fontes de poder, pois nelas incide tanto 0 poder central quanto o poder regional respectivo. Essas, entdo, so as diferencas basicas entre o Estado federal e o Estado unitario: no Estado unitério, uma tinica fonte de poder politico incide em todo o territério, enquanto, no Estado federal, subdivide-se 0 territério, havendo uma fonte central de poder politico (que incide sobre todo o territério) e fontes regionais de poder politico (que incidem sobre cada regio delimitada do territério), ocorrendo a incidéncia de mais de uma fonte de poder politico sobre uma mesma porcio territorial. A partir disso fica bem mais ficil visualizar 0 que foi dito acima: a forma de Estado nada mais é do que a maneira como os elementos constitutivos do Estado se relacio- nam, principalmente, os elementos poder territrio. Isso fica bastante claro ao se com- preender que, no Estado unitério, ha uma tinica fonte de poder atuando em todo o ter- rit6rio e, no Estado federal, hé diferentes fontes de poder atuando no mesmo territéria, E € por isso que, ao definir forma de Estado, Bernardo Goncalves Fernandes diz que “a forma de Estado deve ser entendida como a distribuigao do poder politico em fungao de um territério, ou seja, como o poder politico ¢ exercido (desenvolvido) den- tro de um territério” > CUIDADO! Nao se pode confundir forma de Estado (Estado unitétio ou Estado federal) com forma de Governo (Repiblica ou Monarqula) nem com sistema de Governo (sis | tema presidenclal, sistema parlamentar, sistema de assembleia) Conforme visto, o Estado unitério é a forma de Estado em que se encontra ape- nas uma tnica fonte de poder politico incidindo em todo o territério do Estado. Hi, portanto, uma centralizagao politica, 0 que, porém, nao impede que haja uma des- centralizagao de natureza meramente administrativa (isto é, de natureza autdrquica). Digitalizado com CamScanner [ETIET - oncanizacAo 00 estav0 899 AsiM, No Estado unitério pode haver descentralizagio administrativa, mas uma unica fonte de poder politico, No Estado federal, por sua vez, hi mais de uma fonte de poder politico incidin- dio no mesmo territério, sendo uma fonte de poder politico central (a da Unido, que incide em todo 0 tertitério nacional) ¢ uma fonte de poder politico regional (a do Estado-membro). E, no caso do Brasil, hd ainda uma terceira fonte de poder politico, que ¢a municipal, Portanto, no Estado federal hé descentralizagio nio apenas administrativa, mas também (¢ principalmente, sendo isso o que caracteriza o Estado federal) politica. ‘Mas, entre essas duas formas de Estado (0 Estado unitdrio ¢ o Estado federal), ha formas de Estado intermedirias, mais precisamente, variagdes do Estado unitério que se aproximam do Estado federal. Raul Machado Horta, por exemplo, observa que o Estado unitério tem sofrido uma espécie de renovagio estrutural nos seus conceitos, 0 que tem dado ensejo a for- magio do regionalismo (ou de Estados regionais). Nesse modelo, ha Estados unitérios com alguma descentralizagéo também politica, ou seja, Estados unitérios que, além de uma descentralizacio meramente administrativa, também tém, em alguma medida, uma descentralizagio de natureza politica. Isso seria 0 que se chama de Estado unité- rio regional. Outros autores falam, ainda, em um outro modelo de Estado intermedirio, qual seja, 0 Estado unitdrio autondmico (referido, por exemplo, por Bernardo Guima- ries). No Estado autonémico também hé descentralizagao administrativa e, em algu- ma medida, politica, apesar de ser um Estado unitario. Qual éa diferenca entre o Estado unitério regional e 0 Estado unitério autond- mico? Segundo Bernardo Guimaries, a diferenca seria a seguinte: no Estado regional, 2 descentralizacio politica ¢ administrativa é de cima para baixo, isto é, 0 ente central do Estado unitario (o seu poder central) concede ou retira competéncias de certas regides, quando entende ser conveniente, J4 no Estado autonémico, a descentralizagaio politica e administrativa ¢ de baixo para cima, pois as provincias podem formar regi- Ges ¢ elas mesmas, de baixo para cima, podem avocar competéncias constitucionais produzindo seus préprios estatutos, Podemos citar como exemplo de Estado unitario regional a Itilia e como exemplo de Estado unitario autondmico a Espanha, Portanto, atualmente, entende-se, em relagdo ao Estado unitirio, que ele nio se manifesta apenas de uma Unica forma. £ possivel haver: 1) Estado unitdrio puro, no qual hd centralizagao plena ¢ absoluta tanto do pon- to de vista politico quanto do ponto de vista administrativo (¢ isso é mais tebrico do que real), . 2) Estado unitdrio em que hd centralizagio politica, mas com alguma descentra- lizagdo somente administrativa, 3) Estado unitério com descentralizagio administrativa e também politica. Aqui, enquadram-se 0s: modelos intermediarios entre o Estado unitdrio ¢ © Estado federal, que sio, como visto acima, o Estado regional.¢.0 Estado Digitalizado com CamScanner 900 DIREITO CONSTITUCIONAL FATED + Francisco Braga autondmico, Conforme ligio de Pedro Lenza, “no Estado unitério descen. tralizado administrativa e politicamente, diga-se de passagem, a forma de Estado mais comum hoje em dia, sobretudo nos paises europeus, ocorre Nao 86 a descentralizagio administrativa mas também a politica, pois, no mo- mento da execugio de decisdes jd tomadas pelo Governo Central, as “pes- soas” passam a ter, também, certa autonomia politica para decidir no caso concreto o methor procedimento a ser empregado na execugio daquele comando central.” (ORIGENS DA FEDERACAO Aqui, estudaremos as origens da federagio nos EUA ¢ no Brasil, A palavra “federagio" vem do latim foedus, foederis, significando alianga, pacto, unio, Isso porque é da unio ow alianga entre Estados que nasce a federacao. Ainda que alguns autores mencionem formas remotas de federagio (na Grécia Antiga, na Antiguidade Clissica, na [dade Média etc.), a federagio em sentido moder- no tem data de nascimento, Ela nasceu nos EUA, com a Constitui¢éo Americana de 1787. Foi com essa Constituicio (que foi a primeira Constituicao escrita em sentido moderno) que a federagao moderna nasceu. = AORIGEM DA FEDERACAO NORTE-AMERICANA E AS CARACTERISTICAS DA CONFEDERACAO Qual foi o caminho percorrido até se chegar & federacéo norte-americana? Havia 13 (treze) colonias inglesas na América do Norte, que se tornaram indepen- dentes em 1776 e, com isso, tornaram-se Estados soberanos (soberania ¢ a capacidade que um Estado tem de decidir em iltima andlise os assuntos de seu interesse, somente com base em sua propria ordem juridica, sem nada ser imposto por ordem juridica de outro Estado). Esses 13 Estados soberanos tornaram-se independentes, mas houve ‘uma guerra com a Inglaterra (a chamada Guerra de Independéncia), o que fez com que eles sentissem necessidade de estreitar ainda mais os seus lagos politicos para en- frentar essa guerra, Nesse contexto, em 1781, os 13 Estados soberanos da América do Norte ado- taram um tratado (escrito um pouco antes, mas ratificado e colocado em vigor em 01/03/1781), adotando uma forma de unio especifica, que foi a confederagado, Hou- ve, portanto, um tratado confederativo (chamado de Artigos da Confederagio), tir- mado entre esses Estados como instrumento de sua uniio, e nio uma Constituigaio, Referido tratado, entio, previa a uniio politica de Estados soberanos, fundando uma confederagio, As caracteristicas de uma confederagio sio as seguintes: 1) Héa reuniio de Estados soberanos (todos os Estados confederados sio so- beranos); 2) Adota-se um tratado para disciplinar a reuniio dos Estados soberanos, e nio uma Constituigio; Digitalizado com CamScanner [ETIRED - onGanizacAo 00 estaoo 901 3) Como os Estados confederados sio soberanos, ha a possibilidade de cada Estado se retirar da confederacio ou revogar, a qualquer momento, a de- legagiio de poderes para a entidade central; 4) Por ser a confederacio uma reuniio de Estados soberanios, hd a necessidade de unanimidade para alteragio do tratado; ¢ 5) Também por se tratar de uma reuinido de Estados soberanos, hd necessidade de concordancia de cada Estado para as decisées centrais valerem interna- mente em cada um deles, Ap6so final da Guerra de Independencia, os Estados independentes rediscutiram © modelo de sua unio, havendo quem defendesse apenas a mudanga dos Artigos da Confederagio (mantendo-se, assim, a confederagio) e quem propusesse a adocao de um novo modelo, sendo estes os federalistas. Os federalistas defendiam a ideia de que a confederacio nao seria suficiente para o bem comum, sendo necessirio adotar um outro modelo, qual seja, a federagao (no sentido moderno que conhecemos hoje), mo- delo esse que decorreria de uma Constituicéo, e nao de um simples tratado, 0 federalismo, como se sabe, venceu, e isso ocorreu com a Constituigéo Norte- ~americana de 1787, que adotou a forma federativa de Estado em sentido moderno. Como um “bénus’, essa Constituigdo legou o sistema presidencial, a forma republi- cana de governo e 0 préprio sentido de Constituigao escrita (pois ela foi a primeira constitui¢ao escrita em sentido moderno). Para tanto, os Estados, que eram Estados soberanos, abriram mio de sua sobera- nia, entregando-a a uma entidade central, qual seja, a Unido, ¢ esses antigos Estados soberanos passaram a ser apenas Estados auténomos, isto é, passaram a ter apenas au- tonomia. A Constituigao Norte-americana de 1787, portanto, recebeu a soberania dos Estados e, em troca, deu a eles autonomia para agir dentro das competéncias definidas em seu texto. Houve resisténcia a criagao da federa¢ao, e, para tentar vencer essas resisténcias, algumas medidas simbélicas foram adotadas em relacao aos antigos Estados soberanos, (que, com a adogao da federacdo, tornaram-se apenas aut6nomos), como as seguintes: 1) eles continuaram sendo chamados de Estados; e M) eles foram autorizados a ter “Constitui duais). yes” proprias (as Constituigdes esta- ‘Além disso, a unio de Estados na América do Norte deu nome ao priprio Estado federal que dai surgiu: Estados Unidos da América, Como vimos, no processo de formagio da federagio norte-americana, havia Bs- tados soberanos pré-existentes que se uniram, surgindo dat a chamada federagio por agregagio, que recebe esse nome por ser aquela que se origina dle Estados soberanos que decidem se unir na forma federal, isto é, que decidem se agregar, = AORIGEM DAFEDERACAO BRASILEIRA A forma federativa de Estado adotada no Brasil tem uma historia diferente da federagao norte-americana, Digitalizado com CamScanner 902 DIREITO CONSTITUCIONAL [ATIZNLN + Francisco Braga Nos BUA, conforme vimos, havia 13 colénias inglesas que se tornaram Estados soberanos, os quais, inicialmente, reuniram-se na forma de uma confederagao ¢, de- pois, na forma de uma federagio. Havia, nos EUA, portanto, Estados soberanos pré- -existentes que se agregaram, Jao Brasil era um Estado unitatio que, com a proclamagio da repiblica, trans- formou-se em um Estado federal, 0 que ocorreu, principalmente, por meio de trés documentos: 1 oDecreto n° 1, de 1889, que proclamou a Republica Federativa Brasileira; 2) oDecreto n° 510, de 1890, que estabeleceu uma Constituigao proviséria; e 3) a Constituigio de 1891. Portanto, o Brasil era um Estado unitario e mondrquico que se transformou em um Estado federal, republicano e presidencialista dividido em Estados autonomos. Logo, processo do federalismo brasileiro nao foi um processo de agregagao de Estados soberanos, mas sim um processo de desagregagao de'um Estado unitario, pois, no nosso processo, um Estado unitario se desagregou e deu origem a Estados au- ténomos internos. Por conta disso, diz-se que a formacao do Estado federal brasileiro deu origem ao que se chama de federacao por desagregaco (ao contririo da federa- ao norte-americana, que se formou pela agregacio de Estados soberanos). CARACTERISTICAS DA FEDERAGAO A partir do conhecimento do processo de formagao e das caracteristicas das fe- deragées norte-americana e brasileira, é possivel tracar as caracteristicas da forma de Estado federal, inclusive, & luz da Constituigdo Brasileira de 1988. Essas caracteristicas sio as seguintes: 1) Héareuniio de coletividades regionais auténomas (os Estados que se reti- nem nao sio soberanos, mas apenas auténomos). Adota-se uma Constituicao para tratar do pacto federativo, isto é, para tratar da reuniao dos entes regionais. Vigora o principio da indissolubilidade (ou indissociabilidade), nao sendo possivel o Estado se retirar da federacao (nao ha mais o chamado direito de secessao, que existe na confederagao, mas nao na federagao). Na federagio brasileira, esse principio encontra-se previsto no art. 1° da CF/88, ja referido anteriormente, Nao ha, no Brasil, portanto, o direito de secessio dos Estados- -membros, os quais, por conseguinte, naio podem ter pretensdes separatistas, isto 6, pretensdes de se tornarem soberanos (pois eles sio apenas auténomos a sua uniio é indissohivel), 3) “Art. 12, CF/88, A Republica Federativa do Brasil, formada pela unio indisso- ldvel dos Estados e Municiplos e do Distrito Federal, constitui-se em Esta- do Democratico de Direlto e tem como fundamentos: a" Digitalizado com CamScanner [ETINED - oncanizacdo 00 estan 903 4) Nao hi necessidade de unanimidade para a alteragio da Constituigio, embo- ra. alteragao se sujeite a um processo (por meio emendas) mais dificil do que 0 da claboragio das leis comuns; Nao ha necessidade de concordancia de cada Estado para as decisées cen- trais valerem internamente (como os Estados nao so soberanos, mas apenas auténomos, as decisdes centrais valem no ambito interno de cada um deles, ainda que haja alguma discordancia), 6) Ha descentralizagio politico-administrativa constitucional, Portanto, ha uma descentralizacio na capacidade de fazer leis (que ¢ a descentralizagio politica) ¢ na capacidade de definir as estruturas ¢ as rotinas administrati- vas (que &a descentralizagao administrativa), Essa descentralizacio tem sede constitucional, ou seja, ¢ a Constituigao que a implementa. Cuida-se do que se conhece por reparti¢ao constitucional de competéncias (tanto compe- téncias legislativas quanto competéncias administrativas), que, na Constitui- io Brasileira de 1988, é encontrada, principalmente, nos arts. 21, 22, 23 ¢ 24. A Constituigao deve ser rigida, pois a reparti¢ao constitucional de compe- téncias nao deve poder ser alterada por uma lei infraconstitucional, mas ape- nas por forga de emenda a propria Constituigao. 8) Deve haver controle’de constitucionalidade, de modo que, se uma lei co- mum alterar a reparticdo de competéncias, o controle de constitucionalidade a fulminaré. Fica claro que, sem o controle de constitucionalidade, o pacto federativo fica ameagado, pois a propria reparticao de competéncias ea auto- nomia das entidades federadas ficam em xeque. Deve haver tim érgio que manifeste a vontade dos membros da federacio. No Brasil, esse érgio é 0 Senado Federal, que é a Casa dos representantes dos Estados. 3 7 10) Hé auto-organizacao dos Estados, a qual ¢ exercida por meio da adogio de Constituigdes Estaduais, conforme autorizado pela Constituicao Federal. 11) Vigora o principio da autonomia reciproca, no sentido de que as entidades federadas se encontram no mesmo grau de autonomia, nao havendo hierarquia entre elas (Unido, Estados, DF e Municipios tém a mesma hierarquia, inexistin- do subordinagao de uma entidade federada a outra no ambito interno). 12) Existéncia de mecanismos de seguranga em face de ameacas sistémicas, Cuida-se da intervengao de uma entidade federada em outra, que pode ser efetivada caso haja uma ameaga a federagio, isto é, ao pacto federativo, 13) Existéncia de um érgio neutro para dirimir conflitos entre as unidades federadas, No Brasil, esse érgio é 0 Supremo ‘Tribunal Federal, E a compe- téncia do STF ligada a essa caracteristica ¢ a prevista no art. 102, I, “f", da CF/88, que prevé a competéncia da Suprema Corte para processar ¢ julgar originariamente “as causas ¢ os conflitos entre a Unido ¢ os Estados, a Unido e 0 Distrito Federal, ou entre uns e outros, inclusive as respectivas entidades da administragdo indireta”, Esta previsto nesse dispositive da CF/88, portanto, 0 papel do STF como Tribunal da Federagao. Conforme vimos anteriormente, Digitalizado com CamScanner 904 DbIREITO CONSTITUCIONAL [TIEN + Francisco Braga essa hipétese de competéncia do Supremo ‘Tribunal Federal apenas fica caracterizada se a causa entre os entes federados (incluindo suas entidades da Administragio indireta) puder impactar no pacto federativo, nao fican- do atraida a competéncia do STF se se tratar de questio menor, como uma disputa meramente patrimonial, Por exemplo, se um veiculo do Estado de Roraima se chocar com um carro do IBAMA (gerando, portanto, uma lide entre um Estado ¢ uma autarquia da Unido), a competéncia para dirimir essa questo (meramente patrimonial) nao seré do Supremo Tribunal Federal, por nao haver, nessa hipdtese, ameaga ao pacto federativo. Nesse sentido, decidiu STF ao julgar, por exemplo, o AgRg na ACO 1802 .¢ a AC 3389 MC-Ref. ® DIFERENCAS ENTRE SOBERANIA E AUTONOMIA A partir da anilise da origem histérica dos federalismos norte-americano e bra- sileiro (especialmente, do norte-americano), ¢ possivel perceber que ha grandes dife- rengas entre soberania ¢ autonomia. Em primeiro lugar, Bstados soberanos podem formar uma confederacao, enquan- to na federacao, por outro lado, a reuniao é de Estados meramente auténomos, e nao soberanos. Mas qual é a diferenga entre soberania e autonomia, do ponto de vista con- ceitual? José Afonso da Silva diz que soberania é o “poder supremo consistente na capacidade de autodeterminagao’, enquanto autonomia ¢ 0 “governo préprio dentro do circulo de competéncias tracado pela Constituigao federal” Soberania, portanto, esta ligada a autodeterminagio, cuidando-se de uma ideia maior, pois o Estado soberano se autodetermina, ele diz por si mesmo, a luz de sua propria ordem juridica, aquilo que ele é ¢ aquilo que ele quer ser. Ja autonomia ¢ algo que se projeta apenas internamente no préprio Estado, pois se trata do mero exercicio de competéncias delimitadas pela Constituicio Federal. A caracterizagao da autonomia depende da existéncia de determinados elemen- tos. Em outras palavras, existem certos elementos que devem estar presentes para que um Estado fique caracterizado como auténomo. Esses elementos sio os se- guintes: 1) A existéncia de competéncias préprias do Estado auténomo tracadas na Constituigio, A Constituigao realiza uma descentralizagao politico-adminis trativa, isto é, entrega aos Estados capacidade politica e capacidade adminis- trativa, conferindo-Ihes competéncias para editar leis (capacidade politica) ¢ praticar atos atinentes as suas proprias administragdes publicas (capacidade administrativa), dentro dos limites previstos no texto constitucional, Essa en trega de competéncias éfeita por meio da chamada repartigao de competan- cias, A existéncia de drgios préprios de cada entidade federada (isto &, de cada Estado auténomo). Além desses dois elementos, a autonomia também ¢ caracterizada pela existéncia de determinadas capacidades das entidades federadas. Cuida-se de capacidades que Digitalizado com CamScanner [ETINED - oncanizacio 00 estao0 905 sao exercidas dentro das competéncias delimitadas pela Constituigio Federal. Essas capacidades sio as seguintes: 1 Capacidade de autogoverno, que consiste na existéncia de Poderes proprios, dentro dos limites constitucionais; Capacidade de auto-organizagio, que ¢ a capacidade de adotar Constitui- des ¢ Leis Orginicas préprias; Capacidade de autolegislagio, que ¢ a capacidade de produzir normas e leis priprias; 4) Capacidade de autoadministragao, que ¢ a capacidade de se auto adminis- trar, definindo suas proprias estruturas ¢ rotinas administrativas; e Autonomia tributdria, financeira e orgamentéria, que é a capacidade de instituir e arrecadar seus prdprios tributos, de ter seus préprios recursos fi- nanceiros (isto é, seu proprio dinheiro em caixa) ¢ de definir seu proprio orgamento, tudo, evidentemente, dentro dos limites tragados na Constituigao Federal (e nas Constituigdes Estaduais e Leis Organicas, que devem observar a Constituicao Federal). 2 3 Quando uma entidade retine as capacidades referidas acima, é possivel dizer que se trata de uma entidade politica que possui autonomia. No caso da federagio bra- sileira, existem trés espécies de entidades federativas, todas autonomas (e, portanto, dotadas das capacidades elencadas acima), quais sejam, a Unido, os Estados e os Muni- cipios. Quanto ao Distrito Federal, como veremos, hé quem 0 inclua entre os Estados ha quem firme ser ele uma quarta espécie de ente federado. | ESPECIES DE FEDERACAO A doutrina costuma classificar a federagao em determinadas espécies, apontando, resumidamente, as que veremos a seguir. = FEDERACAO POR AGREGACAO E FEDERACAO POR DESAGREGACAO Conforme ja estudamos, a federagio por agregagao ¢ aquela em que Estados so- beranos pré-existentes se agregam, como no caso dos BUA, enquanto a federagio por desagregacdo é aquela em que um Estado unitario pré-existente se desagrega, como ‘no caso do Brasil. © FEDERACAO CENTRIPETA E FEDERACAO CENTRIFUGA A divisio em federagio centripeta e federagio centrifuga leva em consideragio duas conhecidas forgas da fisica, « forga centripeta (que é a que ver de fora para den- tro, convergindo para o centro) ¢ a forga centrifuga (que & a que foge do centro para a periferia, vai de dentro para fora), Partindo da premissa da existéncia de uma forga centripeta ¢ de uma forga cen- trifuga, hd duas formas de classificar as federagdes (A luz dessas forgas da fisica), considerando dois critérios (ou prismas de andlise) diferentes: Digitalizado com CamScanner 906 DIREITO CONSTITUCIONAL [AITTUL * Francisco Braga 1 O processo histérico de formagio do Estado, Considerando esse critério, tem-se o seguinte: a. Federagio centripeta ¢ a federagio por agregagao, que é aquela em que ha Estados soberanos pré-existentes que se agregam, formando um novo ado Federal, ou seja, ha Estados pré-existentes que convergem para o centro, seguindo o vetor de uma forga centripeta. O exemplo classico s40 os BUA, b. Federagio centrifuga ¢ a federagao por desagregagio, que é aquela em que um Estado unitério pré-existente se transforma em um Estado Fede- ral, havendo uma forga que foge do centro (uma forca centrifuga), expan- dindo um Estado inicialmente unitario, O exemplo classi¢o € 0 Brasil. 2) O resultado da concentragio do poder. Considerando ésse critério, temn-se ‘0 seguinte; a. Federacio centripeta é aquela em que o poder fica concentrado na Uniao, no centro, Aqui, a forca converge para centro, sendo o poder central maior do que os poderes regionais, Essa 6a tendéncia das federagdes por desagregagio, pois, na desagregacio, um Estado central se dissolve, de modo que a tendéncia é que esse Estado central mantenha a maior parte dos poderes que tinha, cedendo poucos poderes aos Estados auténomos integrantes da federacio. Um exemplo disso é 0 Brasil. b. Federagao centrifuga éaquela em que o poder fica concentrado nos Es- tados-membros, fora do centro. £ a tendéncia das federagées por agre- gacao, porque, na agregacio, hd Estados soberanos pré-existentes que se unem para formar um novo Estado, passando para a Unido, geralmente, uma parcela menor do poder e permanecendo mais fortes do que a en- tidade central. E justamente por isso que, nos EUA, os Estados possuem um poder mais acentuado, podendo, por exemplo, elaborar sua legisla- g4o penal prépria, 0 que nao se verifica no Brasil. Portanto, na federagio centrifuga, o poder se manifesta mais fortemente nas mios dos Estados. O melhor exemplo’dessa'espécie de federacdo sio os BUA: Como se pode perceber, o Brasil é uma federacao centrifuga quanto ao processo de formagao, mas centripeta quanto a concentragio do poder, enquanto os EUA sio uma federacio centripeta quanto ao processo de formagao, mas centrifuga quanto 4 concentracio do poder, t FEDERAGAO CLASSICA E FEDERAGAO ATIPICA A federagao classica (também chamada de federagio dual ou, diplice) ¢ aquela que possui duas espécies de entidades federadas: a Unido ¢ os Estados-membros. Ja federagao atipica (também chamada de tricotdmica, ou triplice, ou de terceito grau) €.a federagao brasileira atual, que inclul os Municipios (c também o Distrito Federal) entre as entidades federadas, Digitalizado com CamScanner [RTINED - onGANizacho 00 Esta 907 Portanto, no federalismo brasileiro (que é tricotomico), as entidades federadas sio as seguintes: 1) A Unio, que exerce, ao mesmo tempo, dois papéis, a saber: 8 Opapel de pessoa juridica de direito internacional (praticando atos sobe- ranos em nome do Estado brasileiro); e b, O papel de pessoa juridica de direito piblico interno (praticando atos autdnomos como entidade federada). W) Os Estados (arts. 25 a 28, CF/88); 1M) Os Municipios (arts. 29 a 31, CF/88); € W) 0 Distrito Federal (art. 32, CF/88). i CUIDADO! Os Territérios (art. 33, CF/88) ndo sdo entidades federadas, mas, sim, entes de na- tureza autérquica integrantes da Unigo, conforme estabelece o art. 18, § 2, da | F788 (‘Os Territrios Federais integra a Unido, e sua criagdo, transformagdo em | Estado ou reintegracdo ao Estado de origem serdo reguladas em leicomplementar."). | Por esse motivo, eles também so chamados de autarquias territoriais. Em resumo, no federalismo tricotémico, nao existem apenas duas esferas de en- tidades federadas (como ocorre no federalismo clissico), havendo a incluso de uma terceiraesfera, qual seja, a dos Municipios (e por isso é chamado de federalismo tri- cotémico ou triplice). Além disso, no Brasil, temos a incluso do, Distrito Federal no rol de entes federativos, o que, segundo alguns, permitiria, até mesmo, afirmar que se trata de um federalismo quédruplo. No Brasil, portanto, a federagao ¢ formada pela Unido, pelos Estados, pelo DF e pelos Municipios. Essas sio as entidades federadas no Estado Brasileiro, e elas, para serem consideradas entidades autonomas, possuem determinadas capacidades que re- velam (caracterizam) essa autonomia. As capacidades que caracterizam a autonomia dos Estados € dos Municipios, conforme ja estudamos, sio as seguintes: 1 Capacidades estaduais: a. Capacidade de autogoverno (pois possui Poderes Executivo, Legislativo ¢ Judiciério proprios); Capacidade de auto-organizagaio (que ¢ a capacidade de elaborar suas prdprias Constituigdes estaduais e, no caso do Distrito Federal, sua pré- pria Lei Organica); ©. Capacidade de autolegistagio (que é a capacidade de criar suas proprias leis e normas estaduais e distritais); b. Digitalizado com CamScanner 908 DIREITO CONSTITUCIONAL FETIZULN + Francisco Braga 4, Capacidade de autoadministragio (que é capacidade de administrar os seus interesses préprios dentro da esfera constitucional de competéncia estadual ¢ de estruturar seus drgios ¢ rotinas administrativos); € e. Autonomia tributdria, financeira e orgamentaria (dentro das compe- téncias estaduais estabelecidas na Constituigio Federal), W) Capacidades municipais: Capacidade de autogoverno (pois ha Poderes Executivo e Legislativo municipais, nio havendo, porém, Poder Judiciério municipal); b. Capacidade de auto-organizagio (que é a capacidade de elaborar a pré- pria Lei Orginica municipal); Capacidade de autolegislagio (que é a capacidade de criar as proprias leis e normas municipais); d. Capacidade de autoadministragao (que é capacidade de administrar os seus interesses préprios dentro da esfera constitucional de competéncia municipal e de estruturar seus érgdos ¢ rotinas administrativos); € « e. Autonomia tributéria, financeira e orgamentéria (dentro das compe- téncias municipais estabelecidas na Constituicdo Federal). ‘Como se pode perceber, os Municipios detém as mesmas capacidades dos Es- tados, com uma tinica diferenca: sua capacidade de autogoverno nao compreende o icidrio (municipal), mas apenas os Poderes Executivo e Legislativo. ‘A Unido, por sua vez, na qualidade de pessoa jurfdica de direito piblico interno, possui as mesmas capacidades dos Estados, com a’peculiaridade de que a stia auto-or- ganizacao é feita pela propria Constituigao Federal, A Constituicao Federal, portanto, além de estruturar 0 Estado Federal brasileiro, funciona como instrumento de auto-organizagio da Unido enquanto pessoa juridica de direito pablico interno, Em relagio ao Distrito Federal, embora seja uma entidade federada aproximada dos Estados-membros, ele exerce nao apenas as competéncias de natureza estadual, mas também as de caréter municipal, pois é vedada a sua divisio em Municipios, tudo nos termos do art. 32, caput ¢ § 1°, da CF/88. Portanto, ao exercer sua autonomia, © Distrito Federal atua nio somente dentro das competéncias estabelecidas pela Consti- tuigdo Federal para os Estados, mas também dentro das competéncias constitucionais municipais, “Ast, 32, CF/88. O Distrito Federal, vedada sua divisto em Municipios, re~ {ger-se-d por lel organica, votada em dois turnos com intersticio minimo de ddez dias, ¢ aprovada por dois tergos da Camara Legislativa, ue a promulgaré, atendidos 05 principlos estabelecidos nesta Constitulgdo, § 1° Ao Distrito Federal s8o atributdas as competéncias legislativas reser- vadas aos Estados e Munlciplos, yr Digitalizado com CamScanner [RINT] - oncanizacho 00 estaoo 909 > Outra abordagem classificatéria envolvendo a federacio dual Vimos acima que a federagio classica é aquela que possui duas esferas de entida- des federadas, sendo, por esse motivo, também chamada de federacio dual. Ocorre que & possivel encontrar na doutrina outra abordagem classificatéria quanto A federagio dual. Cuida-se da classificagio que contrapde 0 federalismo dual a0 federalismo de cooperagio. Segundo essa visio doutrindria, a federacio dual seria aquela em que as entidades federadas tém suas competéncias e seus ambitos de atuagio muito bem delimitados na Constituigao, de modo que uma esfera federativa néo atua em matérias que sio atribuidas a outra esfera da federagio. E essa definicio de federacio dual se contrapde 4 de federagio cooperativa, que seria aquela em que as entidades federativas atuam, muitas vezes, nas mesmas matérias, umas cooperando com as outras no tratamento dos diversos temas e na execugio das tarefas constitucionais, Um exemplo de federacio dual sob esse ponto de vista seriam os EUA, enquanto ‘um exemplo de federagao cooperativa seria o Brasil, j4 que, na realidade brasileira, hi competéncias administrativas comuns e competéncias legislativas concorrentes pre- vistas na Constituigdo Federal, de modo que mais de uma esfera federativa executa tarefas materiais e legisla a respeito de uma mesma matéria, conforme estudaremos ‘em momento oportuno. Hi, ainda, quem afirme que, na verdade, a federacao brasileira adota um modelo misto, isto é uma mistura entre o federalismo dual eo federalismo de cooperacao, ja que a CF/88, ao lado das competéncias comuns ¢ concorrentes, prevé competén- ccias privativas e exclusivas das entidades federativas. Nao houve, portanto, no Brasil, a adogio (pela CF/88) de um modelo unitario ou tinico (isto é, exclusivamente dual ou exclusivamente cooperativo), mas, sim, de um modelo misto. No histérico do constitucionalismo brasileiro, apenas a Constituigao de 1891 ado- tou o modelo dual puro, Em sede jurisprudencial, 0 Supremo Tribunal Federal reconhece que o modelo adotado pela CF/88 é de um federalismo de cooperago, havendo um verdadeiro en- trelacamento das competéncias das diversas esferas federativas, em vez de uma deli- mitacao estanque e precisa das atribuigdes de cada ente federado. Confira os seguintes precedentes nesse sentido: | Ementar(..)5. urantea evolucéo do federalismo, passou-se da dela de trés ‘campos de poder mutuamente exclusivos e limitadores, segundo a qual a Unido, os Estados e os Municipios teriam suas dreas exclusivas de autorida- de, para um novo modelo federal baseado, principalmente, na cooperacéo, ‘como salientado por KARL LOEWESTEIN ( Teoria de la constitucién . Barcelona: ‘Niel, 1962. p. 362) 6, 0 legislador constituinte de 1988, atento a essa evolu- ‘¢ho, bem como sabedor da tradicdo centralizadora brasileira, tanto, obviamente, nas diversas ditaduras que sofremos, quanto nos momentos de normalidade de- ‘mocrética, Institulu novas regras descentralizadoras na distribuicao formal | decompeténclas legislativas, com base no principio da predomindncia do inte- resse, e ampliou as hipdteses de competénclas concorrentes, além de forta- | ecer o Munteiplo como polo gerador de normas de interesse local. (.) (RE 1181244 AgR/SP; Relator(a): Min, ALEXANDRE DE MORAES; Julgamento: 23/08/2019; OrgSo Julgador: Primelra Turma) Digitalizado com CamScanner 910 DIREITO CONSTITUCIONAL FTXIZEDN + Francisco Braga “(«) ALEGADA NULIDADE DA INVESTIGAGAO PENAL PELO FATO DE A POLICIA __ JUDICIARIA ESTADUAL HAVER RECEBIDO COOPERAGAO DA POLICIA FEDERAL - INOCORRENCIA - MOTUA ASSISTENCIA TECNICA ENTRE A POLICIA FEDERAL | EASPOLICIAS ESTADUAIS, ALEM 00 FORNECIMENTO RECIPROCO DE DADOS | INVESTIGATORIOS E O INTERCAMBIO DE INFORMAGOES ENTRE REFERIOOS | ORGANISMOS POLICIAIS: MEDIDAS QUE SE LEGITIMAM EM FACE DO MODELO | CONSTITUCIONAL DE FEDERALISMO COOPERATIVO {RHC 116000 AgR; Orgéo Jjulgador: Segunda Turma; Relator(a): Min. CELSO DE MELLO; Julgamento: 25/03/2014) EMENTA: Estado Federal discriminagéo de competéncias legislativas: lei esta- dual que obtiga 0s oficios do registro civil a enviar c6pias das certides de Obito (1) a0 Tribunal Regional Eleitoral e (2) a0 6rgdo responsavel pela emissdo da car- teira de identidade: ago direta de inconstitucionalidade por alegada usurpa- ‘gio da competéncia privativa da Unido para legislar sobre registros publicos (GF, art, 2, XXV}: medida cautelar indeferida por falta de plausibilidade dos fun- damentos, quanto & segunda parte da norma impugnada, por unanimidade de votos - pois impde cooperacio de um érgao da Administracdo estadual a outro; e, quanto & primeira parte, por maioria - por entender-se compreendida a hipé- tese na esfera constitucionalmente admitida do federalismo de cooperagao. (ADI 2254 MC/ES; Relator(a): Min. SEPULVEDA PERTENCE; Julgamento: 08/02/2001; Orgio julgador: Tribunal Pleno) Importante registrar que, tal qual ocorre com a classificaco do Estado federal como dual, o rétulo da federacéo como cooperativa também é abordado na doutrina a partir de uma segunda visio, de acordo com a qual, o federalismo cooperativo seria 0 modelo de federalismo que tem como finalidade eliminar (ou, ao menos, reduzir) as discrepancias faticas socioecondmicas verificadas entre as entidades integrantes da Federacio para, assim, atingir os objetivos do Estado, Trata-se de uma abordagem que, por envolver a atuagao conjunta das diversas esferas da federacao, tem intima relagao com a visio de federalismo cooperativo que acabamos de abordar no presente t6pico, mas que com ela nao se confunde integralmente, embora nao a exclua. Veremos isso no proximo t6pico. = FEDERACAO SIMETRICA E FEDERACAO ASSIMETRICA £ possivel encontrar na doutrina, ainda, a classificagdo da federagdo quanto a si- metria, segundo a qual, a federagio pode ser simétrica ou assimétrica, E essa classifi- cagao pode ser feita a partir de dois critérios diferentes. Vejamos, 1) O primeiro critério é uma comparagdo com o modelo clissico de federa- go, De acordo com esse critério, 0 federalismo simétrico ¢ aquele que se assemelha ao modelo clissico (dual), enquanto o federalismo assimétrico & aquele que se distancia desse modelo clissico, como é 0 caso do federalismo tricotémico, 2) O segundo critério é a consideragio de diferengas juridicas ou faticas entre as entidades federadas, analisando-se a simetria juridica ¢ a simetria faitica entre elas, da seguinte forma: Digitalizado com CamScanner [ENIRT - oncanizacAo 00 estaoo 911 @. Simettia juridica:a federagio é simétrica sob 0 ponto de vista juridico, quando as entidades federadas recebem tratamentos juridicos semelhan+ tes, isto ¢, siio regidas por normas jurfdicas semelhantes. Por outro lado, quando os entes federativos recebem tratamentos juridicos distintos, a federagio ¢ considerada assimétrica sob 0 prisma juridico, A federagio brasileira é juridicamente simétrica, pois as entidades federativas se sub- metem, grosso modo, a um mesmo tratamento juridico basico, tendo em vista, por exemplo, que todos os Estados brasileiros tem Governa- dor e Assembleia Legislativa, 0 mandato no Poder Executivo é sempre de quatro anos em todas os entes da Federacdo, as regras eleitorais so ‘as mesmas em todos os entes etc, Essa simetria, essa igualdade de trata- mento juridico entre as entidades federadas brasileiras decorre das nor- ‘mas centrais da Constituigio, que sio aquelas normas obrigatérias para todos os Estados e Municipios, dizem respeito a temas que foram previa- mente definidos pelo constituinte de 1988, garantindo uma igualdade de tratamento juridico em cada esfera da Federacdo. Dentre essas normas centrais da Constituicéo, que diminuem a autonomia juridica e politica dos Estados e Municipios, encontram-se os direitos e garantias funda- mentais, a reparticao de competéncias, as chamadas normas de preorde- nagio (que sio as normas que preordenam o Estado, que disciplinam as autoridades e drgaos estatais, como 0 Governador, o Prefeito, a Camara Municipal etc.), 0s principios constitucionais expressos e implicitos, os direitos politicos, as normas da Administragao Piiblica, as garantias do Judicidrio e da magistratura, os principios gerais do direito tributario, a ordem econdmica e social etc. Essas normas séo obrigatérias para as entidades federadas, nao podendo elas dispor em sentido contrario nas ConstituigGes estaduais ou nas Leis Organicas municipais. Sio normas que provocam uma uniformidade juridica. Sob esse ponto de vista, en- tio, o federalismo brasileiro é simétrico. b. Simetria fética: do ponto de vista nao da realidade juridica, mas, sim, da realidade fatica, 0 federalismo é simétrico quando as entidades fede- radas apresentam realidades faticas semelhantes'e ¢ assimétrico quando suas realidades faticas nao se assemelham, Sob o prisma fitico, a fede+ ragio brasileira ¢ assimétrica, pois as/entidades federadas tém, entre si, diferencas faticas gritantes, elas se encontram em diferentes niveis de de- senvolvimento econdmico e social, Portanto, como so entes federados com realidades faticas distintas, hé uma assimetria federativa, £ justamente no contexto da assimetria fatica na federagiio que tem lugar o fede- ralismo cooperativo em uma visio diversa daquela que 0 contrapde ao federalismo dual (que vimos anteriormente), O federalismo cooperativo, no bojo da anilise da realidade fitica das entidades federadas, consiste no modelo de Estado federal que se presta a reduzir a assimetria fatica existente entre os entes integrantes da federagio, pois o seu objetivo é reduzir as desigualdades sociais ¢ regionais, 0 que, inclusive, é um dos objetivos fundamentais Digitalizado com CamScanner

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