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Anotacoes Sobre Neoconstitucionalismo e
Anotacoes Sobre Neoconstitucionalismo e
Dimitri Dimoulis
(E SUA CRÍTICA)
working papers
mar 2008
17
ESTE É UM ARTIGO EM ELABORAÇÃO. PROIBIDO CITAR SEM AUTORIZAÇÃO DO AUTOR / WORKING PAPER. PLEASE DO NOT QUOTE
(E SUA CRÍTICA)
Dimitri Dimoulis
ANOTAÇÕES SOBRE O “NEOCONSTITUCIONALISMO”
working papers
mar 2008
17
ESTE É UM ARTIGO EM ELABORAÇÃO. PROIBIDO CITAR SEM AUTORIZAÇÃO DO AUTOR / WORKING PAPER. PLEASE DO NOT QUOTE
COLEÇÃO DE ARTIGOS DIREITO GV (WORKING PAPERS)
A Coleção de Artigos Direito GV (Working Papers) divulga textos em elaboração para debate, pois acredita que a
discussão pública de produtos parciais e inacabados, ainda durante o processo de pesquisa e escrita, contribui para
aumentar a qualidade do trabalho acadêmico.
A discussão nesta fase cria a oportunidade para a crítica e eventual alteração da abordagem adotada, além de permitir
a incorporação de dados e teorias das quais o autor não teve notícia. Considerando-se que, cada vez mais, o trabalho
de pesquisa é coletivo diante da amplitude da bibliografia, da proliferação de fontes de informação e da complexidade
dos temas, o debate torna-se condição necessária para a alta qualidade de um trabalho acadêmico.
O desenvolvimento e a consolidação de uma rede de interlocutores nacionais e internacionais é imprescindível para
evitar a repetição de fórmulas de pesquisa e o confinamento do pesquisador a apenas um conjunto de teorias e fontes.
Por isso, a publicação na Internet destes trabalhos é importante para facilitar o acesso público ao trabalho da Direito
GV, contribuindo para ampliar o círculo de interlocutores de nossos professores e pesquisadores.
Convidamos todos os interessados a lerem os textos aqui publicados e a enviarem seus comentários aos autores.
Lembramos a todos que, por se tratarem de textos inacabados, é proibido citá-los, exceto com a autorização
expressa do autor.
Artigo Direito GV (Working Paper) 17 Dimitri Dimoulis
Dimitri Dimoulis
características básicas: 8
5 Barroso, 2007.
6 O texto foi publicado em nove revistas jurídicas e em quatro volumes coletivos entre 2005 e 2007
(cf. os dados bibliográficos em: http://biblioteca.senado.gov.br:8991), além de sua publicação em
vários sites da internet.
7 Cf. a título indicativo, Bello, 2007, p. 11–14; Moreira, 2008.
8 Cf. o resumo feito pelo autor: “Em suma: o neoconstitucionalismo ou novo direito constitucional,
na acepção aqui desenvolvida, identifica um conjunto amplo de transformações ocorridas no
Estado e no direito constitucional, em meio às quais podem ser assinalados, (i) como marco
histórico, a formação do Estado constitucional de direito, cuja consolidação se deu ao longo das
décadas finais do século XX (...) (iii) como marco teórico, o conjunto de mudanças que incluem a
2 Não citar/Please do not quote
Artigo Direito GV (Working Paper) 17 Dimitri Dimoulis
político” 10 , sem força jurídica. Não havia um papel ativo para o Judiciário como
guardião da Constituição.
caso concreto”. 13
Em nosso entendimento, nenhum desses elementos permite definir de maneira
satisfatória o neoconstitucionalismo. Isso é devido às seguintes razões.
majestoso nome. Isso vale hoje com a mesma necessidade conceitual com a qual valia
(e era reivindicado) no século XVIII. Basta lembrar as famosas palavras de Sieyès,
pronunciadas em 1793: “uma Constituição é um corpo de leis obrigatórias ou não é
legislação”. 15
14 “Une Constitution est un corps de lois obligatoires, ou ce n’est rien” (Bastid, 1934, p. 32).
15 Texto citado por C. Bon–Compagni na introdução em: Rossi, 1866, p. V.
16 Ruffía, 1966, p. 7.
17 Zoller, 1999, p. 36–40, 105–131; Lunardi, 2006, cap. 3.1.
Isso não foi uma particularidade dos EUA. Uma simples pesquisa bibliográfica
indica que o controle judicial de constitucionalidade foi realizado de maneira
consolidada na Europa já no século XIX. A possibilidade de afastar leis
inconstitucionais foi afirmada na Grécia e na Noruega pelo Judiciário, tendo ocorrido
várias declarações de inconstitucionalidade, apesar da falta de explícita previsão
Constituição, cabendo ao Judiciário sua garantia. 22 Esse dado histórico indica que não
tem correspondência aos fatos normativos a suposta primeira característica do
neoconstitucionalismo.
Certamente, o controle judicial da constitucionalidade conheceu expansão
qualitativa e adquiriu popularidade após a Segunda Guerra Mundial. Mas essa
mudança quantitativa não permite alegar que a força jurídico–normativa da
Constituição só foi reconhecida a partir da Segunda Guerra Mundial.
A não previsão ou mesmo a vedação do controle judicial de constitucionalidade
em determinado ordenamento jurídico confere, de fato, ao legislador ordinário a
possibilidade de determinar o que deve “valer” como constitucional. Mas isso não
isenta o legislador do dever jurídico de respeitar a Constituição, nem afasta a
supremacia constitucional e a possibilidade de aplicar sanções contra legisladores que
violam mandamentos constitucionais. Cabe ao intérprete–aplicador identificar as
possíveis sanções em caso de produção normativa inconstitucional (cassação,
responsabilidade civil ou penal, não reeleição etc.). Mas não se pode afirmar que o
ordenamento jurídico tolera a violação da Constituição.
Um bom exemplo para tanto oferece a Constituição do Império no Brasil de
1824. Mesmso sem previsão de controle judicial de constitucionalidade, a Constituição
era vista como superior à legislação ordinária e o Poder Legislativo era obrigado a
respeitar e preservar a supremacia constitucional. O artigo 15, inciso IX da
Constituição de 1824 confirmava a instauração de um Estado constitucional ao
estabelecer:
“E' da attribuição da Assembléa Geral (...) IX. Velar na guarda da Constituição, e promover o
bem geral da Nação.”
poderia?” 23
Mesmo se alguém estiver disposto a aceitar as referidas premissas e
considerar, “realisticamente”, que um legislador com o poder de pronunciar a última
palavra em temas de interpretação constitucional instaura um “Estado legal” cabe a
indagação: Por que o ordenamento jurídico que instauraria o controle judicial, dando o
mesmo poder de última palavra ao Poder Judiciário seria um Estado constitucional, e
não deveria ser denominado, “realisticamente”, “Estado judicial”? Porque o Judiciário
seria uma espécie de “verdadeiro espírito” da Constituição, a ponto de ser tido como
único guardião da autenticidade constitucional e não simplesmente um entre os vários
aplicadores da Constituição?
A contraposição entre Estado legal e Estado constitucional faz sentido quando
se usa como critério a rigidez constitucional, sendo “constitucionais” os Estados nos
quais vigora uma Constituição formalmente superior às demais normas. Mas essa
contraposição não convence quando é utilizado como critério de classificação o
controle judicial de constitucionalidade. Nesse último caso, temos simplesmente um
mito veiculado com o propósito de conferir legitimidade ao ativismo constitucional do
Poder Judiciário (e, em particular, da Corte constitucional), apresentando esse
ativismo como sinônimo da tutela da Constituição.
Essas considerações indicam que se a reivindicação–afirmação da força
normativa suprema da Constituição está presente nos discursos constitucionais e na
prática institucional desde o início do constitucionalismo no século XVII, não é possível
colisões. 25
Historicamente muitos são os exemplos de Cortes constitucionais “dóceis” ao
poder político (em particular nos regimes autoritários), assim como há importantes
oscilações na jurisprudência dessas Cortes, como indicam, por exemplo, as
periodizações históricas da atuação da Supreme court de acordo com seus
Presidentes.
Por fim, se o reconhecimento do papel de quase exclusivo guardião da
Constituição ao Legislativo pode causar abusos, o super–fortalecimento do Judiciário
também pode acarretar abusos e desequilíbrios. Tivemos um exemplo recente no
Brasil após a adoção pelo STF das teorias do efeito transcendental e da mutação
constitucional em relação à força vinculante das decisões do Tribunal no controle
incidental. Essas teorias permitem que o STF aproprie–se indevidamente de
competências que a Constituição reconheceu ao Senado Federal, aos legisladores dos
vários entes federativos e aos tribunais que realizam o controle incidental, sendo as
referidas opções teóricas expressão da tentativa de monopolizar o controle de
25 Isso é um dos principais argumentos da crítica de Marc Tushnet ao controle judicial, cf. Tushnet,
1999, p. 154–176.
26 Cf. a crítica em Streck et al. 2007; Lunardi, Dimoulis, 2007; Leite, 2008.
27 Perry, 2006, p. 115.
28 Um conjunto de estudos que demonstra o forte interesse dos doutrinadores brasileiros para a
análise da estrutura e do papel dos princípios encontra–se em: Leite (org.), 2003. Uma pesquisa
em site de livraria jurídica mostrou que se encontram à venda aproximadamente 300 livros
jurídicos com a palavra “princípio(s)” em seu título.
11 Não citar/Please do not quote
Artigo Direito GV (Working Paper) 17 Dimitri Dimoulis
Eugen Ehrlich 32 (1862–1922) na Áustria para entender que não há a menor novidade
na interpretação aberta e principiológica da Constituição.
Devemos lembrar também que a proposta apresentada como “nova
interpretação constitucional” não destoa da opinião do mais célebre juspositivista,
Hans Kelsen. Na primeira edição da “Teoria pura do direito” em 1934, Kelsen utilizava
os seguintes termos:
“A interpretação da lei não leva necessariamente a uma única decisão como a única
correta, porém pode levar a várias, todas de igual valor (...), mesmo se uma só entre elas se
tornará direito positivo através da decisão judicial (...). A criação de uma norma individual
mediante execução da lei é, na medida em que preenche o quadro da norma geral, uma
29 Cf. a apresentação detalhada das teorias de interpretação na história do direito ocidental desde
1500 em Schröder, 2001.
30 Bülow, 2003 (1ª edição de 1885).
31 Gény, 1899.
32 Ehrlich, 1987 (1ª edição de 1903).
33 Kelsen, 1994, p. 95, 98.
34 Kelsen, 1994, p. 99.
Nenhum dos elementos que são apresentados pelo Prof. Barroso como
próprios do neoconstitucionalismo pode ser considerado satisfatório. O principal
problema encontra–se na falta de especificidade. Todos esses elementos estão
presentes desde o início do constitucionalismo na produção normativa e na doutrina.
Mesmo se não considerarmos esses elementos como requisitos necessários para o
surgimento do constitucionalismo, sua presença é documentalmente comprovada
tanto nos EUA como em países europeus e latino–americanos desde o século XIX.
Recorrendo a uma comparação, pretender definir o neoconstitucionalismo com
base nesses elementos é tão insatisfatório como definir o futebol como um jogo de
equipe que utiliza bola, ignorando que há muitas modalidades esportivas que podem
ser descritas com a mesma definição. O futebol seguramente é um jogo de equipe que
utiliza bola, mas isso não oferece uma definição satisfatória, pois indica o gênero e não
a espécie.
Isso permite concluir que ainda que o neoconstitucionalismo exista como
movimento de idéias ou como teoria constitucional, seguramente não pode ser
definido da forma acima exposta. Isso torna necessário examinar definições
alternativas do neoconstitucionalismo.
como deve ser configurado o ordenamento jurídico, 35 por exemplo, dando prioridade à
dignidade humana ou a qualquer outro princípio–valor. Pode finalmente ser
considerado como opção ideológica que consiste em apresentar e aceitar como
neoconstitucionalistas. 36
Isso significa que o neoconstitucionalismo não exprime a configuração de um
ordenamento jurídico–constitucional, isto é, não descreve determinados
mediante ponderação. 40
Observe–se também que o primeiro estudo monográfico exclusivamente
dedicado ao neoconstitucionalismo no Brasil, apesar de sua extensão, riqueza e
vastíssima informação bibliográfica não oferece uma definição precisa do
trabalho 42 é bastante heterogênea, sendo que muitos entre eles não são mencionados
36 Esses três possíveis significados seguem a sugestão de Comanducci (2002) de diferenciar entre
neoconstitucionalismo metodológico, teórico e ideológico. Mas o significado dado por
Comanducci a esses termos não se identifica com a tripartição aqui proposta.
37 Cf. Pozzolo, 2003, p. 57–58.
38 Schiavello, 2003, p. 48.
39 Pozzolo, 2006a, p. 77. A autora alerta que o termo não é utilizado por todos os autores nesse
sentido; cf. também Pozzolo, 2003.
40 Figueroa, 2007, p. 5; cf. Bongiovanni, 2005.
41 Moreira, 2008.
42 Moreira, 2008, p. 71–72.
movimento constitucionalista. 44
Ora, a opção de considerar o neoconstitucionalismo como sinônimo do
(verdadeiro, autêntico, moderno etc.) constitucionalismo torna o primeiro termo
Zagrebelsky e (com certas dúvidas) Luigi Ferrajoli na Itália e Carlos Santiago Nino na
Argentina. 46
Tendo identificado os representantes da tendência fica claro que o elemento
central e comum da abordagem desses autores se encontra em sua postura
antipositivista. A jusfilósofa italiana Susanna Pozzolo que cunhou o termo
“neoconstitucionalismo” em estudo publicado em 1998, 47 destaca o fato que o
antipositivismo desses autores baseia–se na afirmação da influência da moral na
interpretação do texto constitucional, dando particular importância aos princípios
jurídicos aplicáveis mediante ponderação e reconhecendo a centralidade do Poder
indicando sua especificidade. 49 Essa opção foi endossada com clareza, na doutrina
46 Pozzolo 1998, p. 339; cf. Bongiovanni, 2005; Barberis, 2006, p. 19–21; Comanducci, 2002, p. 100–
101.
47 Sobre a maternidade do termo, cf. Barberis, 2006, p. 19.
48 Pozzolo, 1998.
49 Barberis, 2006, p. 20; Figueroa, 2007, p. 5, 28–29. Comanducci (2002, p. 100–101) considera que a
conexão entre o direito e a moral é central para a versão de neoconstitucionalismo que
denomina “metodológico”.
50 Duarte, 2006, p. 64–73.
51 Moreira, 2008, p. 45.
52 Dimoulis, 2006.
53 Figueiroa, 2007.