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ANOTAÇÕES SOBRE O “NEOCONSTITUCIONALISMO”

Dimitri Dimoulis

(E SUA CRÍTICA)

working papers

mar 2008
17

ESTE É UM ARTIGO EM ELABORAÇÃO. PROIBIDO CITAR SEM AUTORIZAÇÃO DO AUTOR / WORKING PAPER. PLEASE DO NOT QUOTE
(E SUA CRÍTICA)

Dimitri Dimoulis
ANOTAÇÕES SOBRE O “NEOCONSTITUCIONALISMO”
working papers
mar 2008

17

ESTE É UM ARTIGO EM ELABORAÇÃO. PROIBIDO CITAR SEM AUTORIZAÇÃO DO AUTOR / WORKING PAPER. PLEASE DO NOT QUOTE
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expressa do autor.
Artigo Direito GV (Working Paper) 17 Dimitri Dimoulis

Anotações sobre o “neoconstitucionalismo” (e sua crítica)

Dimitri Dimoulis

DIREITO GV, São Paulo – Brazil

Envie seus comentários para Dimitri.Dimoulis@fgv.br

O texto se baseia na leitura de recentes referências da doutrina constitucional


ao denominado neoconstitucionalismo. Nosso objetivo é avaliar os possíveis conteúdos
do neoconstitucionalismo de maneira crítica e apresentar nosso posicionamento sobre
sua função no âmbito da teoria da Constituição.
O rótulo “neoconstitucionalismo” gera controvérsias. Há adeptos incondicionais

dessa corrente, 1 críticos que reconhecem certas vantagens cognitivas ao

neoconstitucionalismo 2 e autores que consideram a proposta neoconstitucionalista

como “desastrosamente errada”. 3


De todas as formas, parece haver consenso doutrinário em torno do fato que a
atual conjuntura da teoria do direito poderia ser descrita como “neoconstitucionalista”.
Isso ocorre por duas razões. Primeiro, em razão da opinião geral de que os
ordenamentos jurídicos modernos não podem ser corretamente entendidos e
operacionalizados sem constante referência aos mandamentos constitucionais. A
atualidade e onipresença da Constituição (e dos constitucionalistas) nos debates
modernos, muitas vezes indicada como “constitucionalização do ordenamento

jurídico” 4 , indica que o movimento do constitucionalismo adquiriu nova força que


muitos descrevem como surgimento de um “neonstitucionalismo”.
Segundo, há também acordo sobre o fato que a Constituição não pode ser
corretamente interpretada sem atribuir centralidade aos seus princípios, sendo que

1 Figueiroa, 2007; Barroso, 2007; Bello, 2007; Moreira, 2008.


2 Schiavello, 2003.
3 Barberis, 2006, p. 24.
4 Cf. a apresentação em Guastini, 2007 e a maioria dos estudos publicados em Souza e Sarmento
(orgs.), 2007.
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muitos partidários da visão principiológica se apresentam como


“neoconstitucionalistas”.
Fazer essas afirmações iniciais reconhecendo a importância do debate sobre o
neoconstitucionalismo na atualidade não significa, evidentemente, aceitar o
neoconstitucionalismo como orientação teórica. Muito menos significa silenciar os
problemas e as incertezas relacionadas à sua definição. Ao contrário do termo
“constitucionalismo” cujo significado é assentado, o conteúdo semântico do
neoconstitucionalismo não é claro.
Isso indica que, antes de qualquer posicionamento pessoal sobre o tema, é
necessário um trabalho de análise (e de crítica conceitual) que propiciará um melhor
entendimento do debate moderno, oferecendo uma base sólida para a ulterior
discussão.

1. Uma problemática tentativa de definição

Entre os estudos brasileiros sobre o neoconstitucionalismo apresenta particular


relevância o trabalho “Neoconstitucionalismo e a constitucionalização do direito” de

autoria do Professor Luís Roberto Barroso. 5 Isso se dá em razão de sua ampla

divulgação editorial 6 e do fato de ter se tornado referência básica para o debate

nacional, sendo citado em praticamente todos os posteriores trabalhos sobre o tema. 7


Partiremos da reconstrução dos elementos de definição indicados nesse texto no
intuito de apresentar o conteúdo semântico do neoconstitucionalismo.
Segundo o Prof. Barroso, o neoconstitucionalismo apresenta três

características básicas: 8

5 Barroso, 2007.
6 O texto foi publicado em nove revistas jurídicas e em quatro volumes coletivos entre 2005 e 2007
(cf. os dados bibliográficos em: http://biblioteca.senado.gov.br:8991), além de sua publicação em
vários sites da internet.
7 Cf. a título indicativo, Bello, 2007, p. 11–14; Moreira, 2008.
8 Cf. o resumo feito pelo autor: “Em suma: o neoconstitucionalismo ou novo direito constitucional,
na acepção aqui desenvolvida, identifica um conjunto amplo de transformações ocorridas no
Estado e no direito constitucional, em meio às quais podem ser assinalados, (i) como marco
histórico, a formação do Estado constitucional de direito, cuja consolidação se deu ao longo das
décadas finais do século XX (...) (iii) como marco teórico, o conjunto de mudanças que incluem a
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– Reconhecimento da força normativa da Constituição. 9 Até a Segunda Guerra


Mundial, a Constituição era tida, na Europa, como “documento essencialmente

político” 10 , sem força jurídica. Não havia um papel ativo para o Judiciário como
guardião da Constituição.

– Expansão da jurisdição constitucional. 11 A partir da Segunda Guerra Mundial


foram criadas em vários países europeus Cortes Constitucionais, propiciando uma
tutela mais adequada dos direitos fundamentais.

– Nova interpretação constitucional. 12 A interpretação constitucional utiliza


elementos normativos caracterizados pela abstração, tais como os princípios e as
cláusulas gerais e emprega as técnicas da ponderação entre direitos e interesses,
rejeitando a tese, positivista e/ou legalista, segundo a qual o sistema jurídico é
composto de regras (concretas), cabendo ao aplicador tão somente subsumir os casos
concretos sob essas regras. Segundo a abordagem neoconstitucional, em casos de
colisão entre princípios abstratos, “a atuação do intérprete criará o Direito aplicável ao

caso concreto”. 13
Em nosso entendimento, nenhum desses elementos permite definir de maneira
satisfatória o neoconstitucionalismo. Isso é devido às seguintes razões.

1.1. O problema da força normativa da Constituição.

As Constituições escritas–instrumentais que proliferaram na Europa e na


América Latina desde o início do século XIX, seguindo o exemplo dos EUA e da França,
foram sempre e necessariamente vistas como superiores à legislação ordinária. Sem
caráter jurídico–normativo–vinculante e sem superioridade em relação às demais
fontes do direito, a Constituição perde seu sentido: torna–se uma simples lei com

força normativa da Constituição, a expansão da jurisdição constitucional e o desenvolvimento de


uma nova dogmática da interpretação constitucional. Desse conjunto de fenômenos resultou um
processo extenso e profundo de constitucionalização do Direito” (Barroso, 2007, p. 216).
9 Barroso, 2007, p. 209–210.
10 Barroso, 2007, p. 209.
11 Barroso, 2007, p. 210–212.
12 Barroso, 2007, p. 212–216.
13 Barroso, 2007, p. 215.

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majestoso nome. Isso vale hoje com a mesma necessidade conceitual com a qual valia
(e era reivindicado) no século XVIII. Basta lembrar as famosas palavras de Sieyès,
pronunciadas em 1793: “uma Constituição é um corpo de leis obrigatórias ou não é

nada”. 14 E se a Constituição, devemos completar, for uma simples lei obrigatória,


semelhante às demais, o termo “Constituição” perde seu significado jurídico.
Três décadas mais tarde, em 1833, o ministro de Educação de França François
Guizot promulgou um decreto que instituía a primeira cátedra de Direito
Constitucional na Faculdade de Direito de Paris. O Ministro acompanhou o decreto de
uma exposição de motivos que determinava o objeto de ensino da seguinte maneira:

“Exposição da Carta constitucional e das garantias individuais, assim como das


instituições políticas que a Carta consagra. Não se trata mais de um simples sistema filosófico
entregue às disputas pessoais. É uma lei escrita, reconhecida que pode e deve ser explicada,
comentada, da mesma maneira como a lei civil ou qualquer outra parte de nossa

legislação”. 15

Podemos dizer que Sieyès (1748–1836) e Guizot (1787–1874), ambos nascidos no


século XVIII e partidários da supremacia e plena juridicidade da Constituição, seriam
adeptos de um neoconstitucionalismo avant la lettre?
Em paralelo, as Constituições rígidas nunca foram pensadas como simples
repositórios de dispositivos formalmente superiores, como acreditam os partidários do
neoconstitucionalismo, alegando que só tivemos a “materialização” das Constituições
e a introdução de valores em seu texto após a Segunda Guerra Mundial.
A Constituição sempre foi pensada como decorrência e expressão de um projeto
político que objetivava garantir, na maioria dos casos, sistemas capitalistas em sua
versão liberal e instaurando a democracia representativa. Nesse sentido, as
Constituições sempre foram materiais e carregadas de valores (wertgeladen).
Justamente por isso, os projetos constitucionais nascem no seio de movimentos
políticos – e não em gabinetes de burocratas e formalistas.

14 “Une Constitution est un corps de lois obligatoires, ou ce n’est rien” (Bastid, 1934, p. 32).
15 Texto citado por C. Bon–Compagni na introdução em: Rossi, 1866, p. V.

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Referindo–se ao constitucionalismo italiano do século XIX, Biscaretti di Ruffía


observa:

“Quando os patriotas dos diferentes Estados italianos reivindicavam, nas primeiras


décadas do século XIX, uma Constituição junto aos seus Soberanos, até então absolutos, não
pediam simplesmente uma Constituição escrita (ou instrumental), nem somente uma
Constituição no sentido formal, mas um documento solene que introduzisse as doutrinas
liberais do período, que instituísse órgãos parlamentares representativos e garantisse um

mínimo de direitos públicos subjetivos aos cidadãos”. 16

Dependendo do país e do período histórico encontramos conteúdos


constitucionais e reivindicações políticas diversas e conflitantes. Mas não conhecemos
Constituição que desminta a regra da superioridade jurídica e do caráter material,
valorativo e claramente político de seu conteúdo.
Alguém poderia dizer que a afirmação do caráter jurídico e supremo da
Constituição nos séculos XVIII e XIX não passava de um artifício retórico, havendo, na
realidade institucional, predominância absoluta do Poder Legislativo (e/ou dos
monarcas) e sendo a submissão aos mandamentos do texto constitucional uma ficção
despida de garantias efetivas.
Ora, para afirmar isso, devemos ignorar (ou silenciar) o fato histórico que o
Poder Judiciário assumiu, desde o início do constitucionalismo, um papel
particularmente ativo em defesa da supremacia constitucional e da tutela dos direitos
fundamentais, fiscalizando, contrariando e mesmo anulando decisões dos demais
poderes.
Referimo–nos, evidentemente, à tradição estadunidense que adquiriu contornos
claros já em 1803. A decisão Marbury vs. Madison da Suprema Corte completou o
sistema de controle judicial de constitucionalidade. Com essa decisão acrescentou–se
à anterior prática judicial – e previsão normativa – de controle de constitucionalidade
de leis estaduais e das Constituições estaduais em face da Constituição Federal, a

possibilidade de controle judicial a constitucionalidade das leis federais. 17

16 Ruffía, 1966, p. 7.
17 Zoller, 1999, p. 36–40, 105–131; Lunardi, 2006, cap. 3.1.

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Isso não foi uma particularidade dos EUA. Uma simples pesquisa bibliográfica
indica que o controle judicial de constitucionalidade foi realizado de maneira
consolidada na Europa já no século XIX. A possibilidade de afastar leis
inconstitucionais foi afirmada na Grécia e na Noruega pelo Judiciário, tendo ocorrido
várias declarações de inconstitucionalidade, apesar da falta de explícita previsão

constitucional nesse sentido. 18 Na Suíça a Constituição Federal de 1874 previa


explicitamente o controle de constitucionalidade das leis estaduais (cantonais) pelo
Tribunal Federal, mas não autorizava o controle de leis federais, introduzindo um

controle judicial de constitucionalidade de alcance limitado. 19


Se a tradição judicial de fiscalização e de efetivo afastamento de leis
inconstitucionais se verificou no século XIX não só nos EUA, mas também em vários
países europeus, como se pode afirmar que a Constituição era, naquele período, um
simples documento político à mercê da boa (ou má) vontade dos legisladores?
Diante disso, carecem de justificativa, cronológica e teórica, algumas
afirmações peremptórias que encontramos no texto do Prof. Barroso: “Hans Kelsen foi
o introdutor do controle de constitucionalidade na Europa, na Constituição da Áustria

de 1920” 20 ou ainda: “o Estado constitucional de direito desenvolve–se a partir do

término da 2ª Guerra Mundial e se aprofunda no último quarto do século XX”. 21


Não podemos esquecer que, no Brasil, o controle de constitucionalidade foi
introduzido na modalidade difusa e incidental desde a proclamação da República.
Mesmo ignorando anteriores experiências de fiscalização do Poder Legislativo e a
atuação fiscalizadora do Poder Moderador, tivemos no ordenamento brasileiro, no final

18 Sobre a Grécia, Dimoulis, 2003. Sobre a Noruega, Deener, 1952, p. 1083.


19 „Art. 113. Das Bundesgericht urteilt ferner: (...) 3. über Beschwerden betreffend Verletzung
verfassungsmäßiger Rechte der Bürger sowie über solche von Privaten wegen Verletzung von
Konkordaten und Staatsverträgen. (...). In allen diesen Fällen sind jedoch die von der
Bundesversammlung erlassenen Gesetze und allgemein verbindlichen Beschlüsse sowie die von
ihr genehmigten Staatsverträge für das Bundesgericht maßgebend.“ (disponível na internet em:
http://www.verfassungen.de/ch/index74.htm).
“Art. 113. O Tribunal Federal decide também sobre: (...) 3. Reclamações relacionadas à violação de
direitos constitucionais dos cidadãos ou reclamações de particulares sobre violações de
concordatos ou tratados internacionais (...). Em todos esses casos, são, porém, vinculantes para o
Tribunal Federal as leis e resoluções geralmente obrigatórias editadas pelo Congresso Federal,
assim como os tratados internacionais por ele admitidos”.
20 Barroso, 2007, p. 210, nota 20.
21 Barroso, 2007, p. 205.

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do século XIX, o mais solene reconhecimento institucional da supremacia jurídica da

Constituição, cabendo ao Judiciário sua garantia. 22 Esse dado histórico indica que não
tem correspondência aos fatos normativos a suposta primeira característica do
neoconstitucionalismo.
Certamente, o controle judicial da constitucionalidade conheceu expansão
qualitativa e adquiriu popularidade após a Segunda Guerra Mundial. Mas essa
mudança quantitativa não permite alegar que a força jurídico–normativa da
Constituição só foi reconhecida a partir da Segunda Guerra Mundial.
A não previsão ou mesmo a vedação do controle judicial de constitucionalidade
em determinado ordenamento jurídico confere, de fato, ao legislador ordinário a
possibilidade de determinar o que deve “valer” como constitucional. Mas isso não
isenta o legislador do dever jurídico de respeitar a Constituição, nem afasta a
supremacia constitucional e a possibilidade de aplicar sanções contra legisladores que
violam mandamentos constitucionais. Cabe ao intérprete–aplicador identificar as
possíveis sanções em caso de produção normativa inconstitucional (cassação,
responsabilidade civil ou penal, não reeleição etc.). Mas não se pode afirmar que o
ordenamento jurídico tolera a violação da Constituição.
Um bom exemplo para tanto oferece a Constituição do Império no Brasil de
1824. Mesmso sem previsão de controle judicial de constitucionalidade, a Constituição
era vista como superior à legislação ordinária e o Poder Legislativo era obrigado a
respeitar e preservar a supremacia constitucional. O artigo 15, inciso IX da
Constituição de 1824 confirmava a instauração de um Estado constitucional ao
estabelecer:

“E' da attribuição da Assembléa Geral (...) IX. Velar na guarda da Constituição, e promover o
bem geral da Nação.”

A afirmação que a ausência ou a atrofia do controle judicial da


constitucionalidade cria um Estado legal em contraposição ao Estado constitucional se
baseia em duas suposições inaceitáveis.

22 Palu, 2001, p. 121–122.

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Primeiro, que a falta de previsão de sanção direta e “fulminante” equivale à


autorização de uma conduta. Segundo, que os representantes eleitos pelo povo
soberano são a priori suspeitos de violar a Constituição e só a presença de um juiz
com poderes de afastamento da lei pode impedir a inconstitucionalidade.
Na verdade, nada indica que a Constituição corre maior risco de ser
descumprida mediante ato do Legislativo, que será baseado em determinada
interpretação da Constituição, do que mediante decisão do Judiciário que será
baseada em uma interpretação da Constituição eventualmente divergente. Como foi
observado, “se o legislador não pode fugir à tentação do arbítrio, por que o juiz

poderia?” 23
Mesmo se alguém estiver disposto a aceitar as referidas premissas e
considerar, “realisticamente”, que um legislador com o poder de pronunciar a última
palavra em temas de interpretação constitucional instaura um “Estado legal” cabe a
indagação: Por que o ordenamento jurídico que instauraria o controle judicial, dando o
mesmo poder de última palavra ao Poder Judiciário seria um Estado constitucional, e
não deveria ser denominado, “realisticamente”, “Estado judicial”? Porque o Judiciário
seria uma espécie de “verdadeiro espírito” da Constituição, a ponto de ser tido como
único guardião da autenticidade constitucional e não simplesmente um entre os vários
aplicadores da Constituição?
A contraposição entre Estado legal e Estado constitucional faz sentido quando
se usa como critério a rigidez constitucional, sendo “constitucionais” os Estados nos
quais vigora uma Constituição formalmente superior às demais normas. Mas essa
contraposição não convence quando é utilizado como critério de classificação o
controle judicial de constitucionalidade. Nesse último caso, temos simplesmente um
mito veiculado com o propósito de conferir legitimidade ao ativismo constitucional do
Poder Judiciário (e, em particular, da Corte constitucional), apresentando esse
ativismo como sinônimo da tutela da Constituição.
Essas considerações indicam que se a reivindicação–afirmação da força
normativa suprema da Constituição está presente nos discursos constitucionais e na
prática institucional desde o início do constitucionalismo no século XVII, não é possível

23 Bercovici, 2003, p. 125; cf. Pozzolo, 1998, p. 349.

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denominar essa tendência de “neoconstitucionalismo”, pois não se verifica nenhuma


inovação.

1.2. Expansão da jurisdição constitucional e tutela dos direitos fundamentais

Como dissemos, não há dúvidas sobre a expansão do controle judicial após a


Segunda Guerra Mundial. Mas isso não permite esquecer que nos EUA houve, desde o
início do constitucionalismo, um sistema de controle de constitucionalidade que,
apesar de seu caráter difuso, desenvolvia efeitos erga omnes em razão do sistema dos

precedentes vinculantes. 24 Caso contrário não se explicaria porque os doutrinadores


que se referem ao controle de constitucionalidade nos EUA citam quase
exclusivamente decisões da Supreme Court.
Assim sendo, a suposta invenção kelseniana do sistema concentrado não
constitui novidade no direito comparado. Os mesmos resultados tinham sido
alcançados, bem antes de Kelsen, combinando os efeitos do controle difuso com o
stare decisis ou com a atuação de um órgão de unificação da jurisprudência em
matéria constitucional.
Além disso, a atuação de uma Corte constitucional não se relaciona
causalmente com a mais ampla e efetiva tutela dos direitos fundamentais. Sua
criação, por um lado, retira poder dos demais tribunais, que não possuem, em muitos
ordenamentos, a competência de declarar a inconstitucionalidade de atos normativos,
e, por outro lado, limita o poder dos legisladores. Essa modificação das relações entre
os Poderes, assim como a mudança na correlação de forças no âmbito do Judiciário
pode ter as mais variadas conseqüências políticas que somente uma pesquisa
concreta da história constitucional e da jurisprudência pode identificar.
É impossível saber de antemão se a Corte constitucional será mais ou menos
liberal e sensível aos direitos fundamentais do que os tribunais das instâncias
inferiores ou o próprio legislador. Tampouco é possível prever quais direitos

24 Lunardi, 2006, cap. 3.1.3.

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fundamentais terão a preferência de cada tribunal em casos concretos de conflitos e

colisões. 25
Historicamente muitos são os exemplos de Cortes constitucionais “dóceis” ao
poder político (em particular nos regimes autoritários), assim como há importantes
oscilações na jurisprudência dessas Cortes, como indicam, por exemplo, as
periodizações históricas da atuação da Supreme court de acordo com seus
Presidentes.
Por fim, se o reconhecimento do papel de quase exclusivo guardião da
Constituição ao Legislativo pode causar abusos, o super–fortalecimento do Judiciário
também pode acarretar abusos e desequilíbrios. Tivemos um exemplo recente no
Brasil após a adoção pelo STF das teorias do efeito transcendental e da mutação
constitucional em relação à força vinculante das decisões do Tribunal no controle
incidental. Essas teorias permitem que o STF aproprie–se indevidamente de
competências que a Constituição reconheceu ao Senado Federal, aos legisladores dos
vários entes federativos e aos tribunais que realizam o controle incidental, sendo as
referidas opções teóricas expressão da tentativa de monopolizar o controle de

constitucionalidade, 26 sucumbindo à ambição que a doutrina estadunidense critica

como exclusivismo judicial. 27


Isso indica que, do ponto de vista histórico–cronológico, não há rupturas na
realização do controle de constitucionalidade nos Estados constitucionais modernos.
Verifica–se tão somente a tendência quantitativa de fortalecimento do controle judicial
concentrado em detrimento do controle difuso e diminuindo o espaço reservado ao
legislador. Podemos assim concluir que nem o controle judicial concentrado nem a
maior tutela dos direitos fundamentais (e muito menos a conexão causal desses dois
elementos) podem ser vistos como traços peculiares do neoconstitucionalismo.

25 Isso é um dos principais argumentos da crítica de Marc Tushnet ao controle judicial, cf. Tushnet,
1999, p. 154–176.
26 Cf. a crítica em Streck et al. 2007; Lunardi, Dimoulis, 2007; Leite, 2008.
27 Perry, 2006, p. 115.

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1.3. A problemática da “nova” interpretação constitucional com base em princípios,


cláusulas gerais e ponderação

O terceiro elemento de definição do neoconstitucionalismo que encontramos no


texto do Prof. Barroso se baseia também em um fato incontestável. Há miríades de
doutrinadores e aplicadores que utilizam, em suas interpretações acadêmicas ou
oficiais, as técnicas de ponderação e concretização de cláusulas gerais e princípios
jurídicos. Também são incontáveis aqueles que afirmam o poder criativo dos
aplicadores do direito.
Uma pesquisa documental muito provavelmente confirmaria a hipótese que a
doutrina jurídica nas últimas décadas estuda com predileção a estrutura dos
princípios de direito, seu conteúdo e a possibilidade de aplicação direta em casos

concretos, multiplicando–se as publicações sobre o assunto. 28 Também parece ser


facilmente confirmável a hipótese que o Poder Judiciário em vários países e,
seguramente, no Brasil utiliza nas últimas décadas com maior freqüência os
princípios jurídicos como elemento normativo que lhe permite modificar ou mesmo
reverter decisões da administração pública baseadas na aplicação de normas de maior
densidade (“regras”), e também utiliza os princípios para mudar ou anular
determinações contratuais.
Mas tais tendências são de cunho qualitativo e não indicam uma ruptura, no
sentido de início de uma nova era na interpretação constitucional. Com efeito, a opção
metodológica e a prática de recurso a princípios e outros elementos normativos
caracterizados pela vagueza não apresentam o menor traço de inovação. Na história
do direito ocidental, muitas são as referências teóricas e as práticas de interpretação
flexível, casuística, criativa e até mesmo livre do direito. Basta pensar em termos tais
como direito pretoriano, equidade, espírito da lei, analogia, direito livre para entender

28 Um conjunto de estudos que demonstra o forte interesse dos doutrinadores brasileiros para a
análise da estrutura e do papel dos princípios encontra–se em: Leite (org.), 2003. Uma pesquisa
em site de livraria jurídica mostrou que se encontram à venda aproximadamente 300 livros
jurídicos com a palavra “princípio(s)” em seu título.
11 Não citar/Please do not quote
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que a importância dada aos princípios jurídicos e ao papel–poder criativo do aplicador

não constitui novidade. 29


Mais especificamente, no período do constitucionalismo, encontramos no
século XIX críticas contra a aplicação mecânica, literal, automática ou “subsuntiva” de
leis supostamente claras, e muitos juristas insistem no papel criativo do aplicador e,
particularmente, do juiz. Basta pensar nas notórias publicações de autores como

Oskar Bülow 30 (1837–1907) na Alemanha, François Gény 31 (1861–1959) na França ou

Eugen Ehrlich 32 (1862–1922) na Áustria para entender que não há a menor novidade
na interpretação aberta e principiológica da Constituição.
Devemos lembrar também que a proposta apresentada como “nova
interpretação constitucional” não destoa da opinião do mais célebre juspositivista,
Hans Kelsen. Na primeira edição da “Teoria pura do direito” em 1934, Kelsen utilizava
os seguintes termos:

“A interpretação da lei não leva necessariamente a uma única decisão como a única
correta, porém pode levar a várias, todas de igual valor (...), mesmo se uma só entre elas se
tornará direito positivo através da decisão judicial (...). A criação de uma norma individual
mediante execução da lei é, na medida em que preenche o quadro da norma geral, uma

função de vontade (Willensfunktion)”. 33

Seria Kelsen também um neoconstitucionalista por ter afirmado o papel criativo

do juiz e criticado a “ilusão da segurança jurídica”? 34

29 Cf. a apresentação detalhada das teorias de interpretação na história do direito ocidental desde
1500 em Schröder, 2001.
30 Bülow, 2003 (1ª edição de 1885).
31 Gény, 1899.
32 Ehrlich, 1987 (1ª edição de 1903).
33 Kelsen, 1994, p. 95, 98.
34 Kelsen, 1994, p. 99.

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1.4. Insuficiências da definição

Nenhum dos elementos que são apresentados pelo Prof. Barroso como
próprios do neoconstitucionalismo pode ser considerado satisfatório. O principal
problema encontra–se na falta de especificidade. Todos esses elementos estão
presentes desde o início do constitucionalismo na produção normativa e na doutrina.
Mesmo se não considerarmos esses elementos como requisitos necessários para o
surgimento do constitucionalismo, sua presença é documentalmente comprovada
tanto nos EUA como em países europeus e latino–americanos desde o século XIX.
Recorrendo a uma comparação, pretender definir o neoconstitucionalismo com
base nesses elementos é tão insatisfatório como definir o futebol como um jogo de
equipe que utiliza bola, ignorando que há muitas modalidades esportivas que podem
ser descritas com a mesma definição. O futebol seguramente é um jogo de equipe que
utiliza bola, mas isso não oferece uma definição satisfatória, pois indica o gênero e não
a espécie.
Isso permite concluir que ainda que o neoconstitucionalismo exista como
movimento de idéias ou como teoria constitucional, seguramente não pode ser
definido da forma acima exposta. Isso torna necessário examinar definições
alternativas do neoconstitucionalismo.

2. O neoconstitucionalismo como constitucionalismo?

Inicialmente cabe um esclarecimento. O neoconstitucionalismo pode ser


entendido como uma abordagem teórica, tanto no âmbito da teoria do direito
(estrutura e interpretação de normas) como no âmbito da doutrina constitucional (e,
indiretamente, dos demais ramos do direito no âmbito de sua “constitucionalização”).
Pode também ser considerado como uma opção de política constitucional, que indica

como deve ser configurado o ordenamento jurídico, 35 por exemplo, dando prioridade à
dignidade humana ou a qualquer outro princípio–valor. Pode finalmente ser
considerado como opção ideológica que consiste em apresentar e aceitar como

35 Pozzolo, 2006a, p. 78.

13 Não citar/Please do not quote


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legítimos os ordenamentos jurídicos que corresponde aos ensinamentos

neoconstitucionalistas. 36
Isso significa que o neoconstitucionalismo não exprime a configuração de um
ordenamento jurídico–constitucional, isto é, não descreve determinados

ordenamentos em contraposição a outros. 37 Não há Constituições ou países


“neoconstitucionalistas”, mas tão somente autores e escolas jurídicas que aplicam a
visão neoconstitucionalista em certa Constituição, independentemente de suas
características, extensão ou tempo de promulgação.
Os autores classificados sob o rótulo do neoconstitucionalismo adotam
diferentes perspectivas teóricas. Essa heterogeneidade impede considerar o
neoconstitucionalismo como abordagem teórica unitária. Trata–se de um “ambiente

cultural”, cujo elemento básico é o distanciamento do positivismo jurídico. 38


Isso é evidenciado no fato que a maioria dos estudiosos não oferece uma
definição “fechada” do neoconstitucionalismo, optando por utilizar descrições amplas

do tipo: “certo modo antipositivista de se aproximar do direito”; 39 ou ainda: “um


paradigma jurídico em formação”, baseado na rejeição do positivismo jurídico e na
relevância dos princípios jurídicos e dos direitos fundamentais, ambos aplicáveis

mediante ponderação. 40
Observe–se também que o primeiro estudo monográfico exclusivamente
dedicado ao neoconstitucionalismo no Brasil, apesar de sua extensão, riqueza e
vastíssima informação bibliográfica não oferece uma definição precisa do

neoconstitucionalismo. 41 . A lista de elementos de definição indicados nesse

trabalho 42 é bastante heterogênea, sendo que muitos entre eles não são mencionados

36 Esses três possíveis significados seguem a sugestão de Comanducci (2002) de diferenciar entre
neoconstitucionalismo metodológico, teórico e ideológico. Mas o significado dado por
Comanducci a esses termos não se identifica com a tripartição aqui proposta.
37 Cf. Pozzolo, 2003, p. 57–58.
38 Schiavello, 2003, p. 48.
39 Pozzolo, 2006a, p. 77. A autora alerta que o termo não é utilizado por todos os autores nesse
sentido; cf. também Pozzolo, 2003.
40 Figueroa, 2007, p. 5; cf. Bongiovanni, 2005.
41 Moreira, 2008.
42 Moreira, 2008, p. 71–72.

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em trabalhos dos neoconstitucionalistas (por exemplo, a eficácia “horizontal” dos


direitos fundamentais nas relações entre particulares) e outros são aceitos mesmo
por autores positivistas da mais estrita obediência (por exemplo, o reconhecimento da
primazia normativa da Constituição).
A dificuldade em delinear conceitualmente o neoconstitucionalismo se exprime
no fato que muitos estudiosos optam por utilizar os termos constitucionalismo e
neoconstitucionalismo como sinônimos. Ao contrário do posicionamento que prevalece
no Brasil, afirmando a existência de uma ruptura entre um antigo e um novo

constitucionalismo, 43 grande parte da doutrina estrangeira considera que o


importante é a afirmação da relevância da Constituição, de seus princípios e direitos
fundamentais na aplicação do direito, não havendo, nesse sentido, novidade, mas tão
somente insistência da doutrina à necessidade de realizar as reivindicações do

movimento constitucionalista. 44
Ora, a opção de considerar o neoconstitucionalismo como sinônimo do
(verdadeiro, autêntico, moderno etc.) constitucionalismo torna o primeiro termo

redundante. 45 Em paralelo essa opção encerra praticamente o debate. A prevalência


da Constituição e a necessidade de levar a sério, isto é, de implementar seus
mandamentos, reconhecendo, em particular, a relevância normativa de seus princípios
é uma obviedade, da qual nenhum jurista moderno discordaria. Se é (só) isso que o
neoconstitucionalismo deseja, não temos novidade nem necessidade de debater.

3. O neoconstitucionalismo como moralismo jurídico

Em razão disso, alguns autores fazem um esforço de concretização e


especificação do termo neoconstitucionalismo. O primeiro passo consiste em
identificar os autores “neoconstitucionalistas”. Costumam ser indicados como
pertencentes a essa tendência filósofos do direito especializados no direito público tais
como Ralf Dreier e Robert Alexy na Alemanha, Ronald Dworkin nos EUA, Gustavo

43 Barroso, 2007; Bello, 2007, p. 11–16.


44 Bongiovanni, 2005, p. 60–61; Barberis, 2006, p. 20; Moreso, 2003, p. 271.
45 Cf. Pozzolo, 2006, p. 232.

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Zagrebelsky e (com certas dúvidas) Luigi Ferrajoli na Itália e Carlos Santiago Nino na

Argentina. 46
Tendo identificado os representantes da tendência fica claro que o elemento
central e comum da abordagem desses autores se encontra em sua postura
antipositivista. A jusfilósofa italiana Susanna Pozzolo que cunhou o termo
“neoconstitucionalismo” em estudo publicado em 1998, 47 destaca o fato que o
antipositivismo desses autores baseia–se na afirmação da influência da moral na
interpretação do texto constitucional, dando particular importância aos princípios
jurídicos aplicáveis mediante ponderação e reconhecendo a centralidade do Poder

Judiciário em detrimento do legislador. 48


Nessa perspectiva, os neoconstitucionalistas seriam juristas que reconhecem,
como todos os demais, a supremacia constitucional e a necessidade de criar
mecanismos para a sua preservação e acrescentam que a moral desempenha um
papel fundamental na identificação e interpretação do direito positivo.
Temos aqui uma opção de definição que concretiza o neoconstitucionalismo,

indicando sua especificidade. 49 Essa opção foi endossada com clareza, na doutrina

nacional, por Écio Duarte 50 e, mais recentemente, por Eduardo Moreira. 51


Isso indica que o neoconstitucionalismo é, para muitos pensadores, uma
designação alternativa da corrente de teoria do direito conhecida como moralismo
jurídico em razão de sua adesão à tese da vinculação (ou junção) entre direito e moral.
Para o moralismo jurídico, a conformidade com a moral (que pode vista como
universal ou indicar o sistema moral que predomina em certa sociedade) é um
requisito para reconhecer a validade de um ordenamento jurídico (e, eventualmente,
de determinada norma). Em paralelo, os moralistas consideram que a moral deve ser

46 Pozzolo 1998, p. 339; cf. Bongiovanni, 2005; Barberis, 2006, p. 19–21; Comanducci, 2002, p. 100–
101.
47 Sobre a maternidade do termo, cf. Barberis, 2006, p. 19.
48 Pozzolo, 1998.
49 Barberis, 2006, p. 20; Figueroa, 2007, p. 5, 28–29. Comanducci (2002, p. 100–101) considera que a
conexão entre o direito e a moral é central para a versão de neoconstitucionalismo que
denomina “metodológico”.
50 Duarte, 2006, p. 64–73.
51 Moreira, 2008, p. 45.

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utilizada como ponto de referência para a interpretação das normas jurídicas,


permitindo ao intérprete encontrar a resposta “correta” no sentido axiológico do
termo. Essa tese se contrapõe à tese da separação entre o direito e a moral que

constitui elemento comum das várias versões do positivismo jurídico. 52


Há incessantes controvérsias sobre a pertinência do moralismo jurídico. Muitos
autores consideram que a leitura moral da Constituição e do ordenamento jurídico em
geral é promissora porque permite superar as ficções idealistas do jusnaturalismo e

as insuficiências do formalismo. 53 Outros autores, em particular os adeptos do


positivismo jurídico, indicam os problemas do moralismo jurídico, insistindo nos riscos
de insegurança e arbitrariedade das decisões jurídicas influenciadas por
considerações moralistas.
Mas independentemente da opção teórica que será feita por cada autor, é
importante entender que a abordagem que parece se cristalizar em torno do termo
neoconstitucionalismo deve escolher entre dois caminhos.
Primeiro, considerar o termo como sinônimo do constitucionalismo, insistindo
na necessidade de levar (finalmente) a sério a normatividade constitucional, tendo–se
assim simplesmente uma nova geração de partidários do bicentenário movimento
constitucionalista.
Segundo, considerar que o neoconstitucionalismo aplica os ensinamentos do
moralismo jurídico no campo do direito constitucional, formulando uma proposta
teórica baseada em análises das últimas décadas que modernizam o jusnaturalismo.
Isso permite duvidar da utilidade de manter no vocabulário justeórico o termo
neoconstitucionalismo que, na primeira hipótese, seria sinônimo do
constitucionalismo tradicional, e na segunda hipótese sinônimo (ou aplicação
concreta) do moralismo jurídico. Mas em nenhuma hipótese o neoconstitucionalismo
teria um significado próprio e original. A regra da parcimônia, conhecida como
“navalha de Ockham”, diz que os conceitos não devem se multiplicar além do
necessário. E a redundância dificilmente pode ser considerada correspondente a uma
necessidade real.

52 Dimoulis, 2006.
53 Figueiroa, 2007.

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