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4.3. Interlingua LEIKO MATSUBARA MORALES Palavras-chave: interlingua, transferéncia, generalizacio, estratégias de comunicacao, estratégias de aprendizagem, erro de cardter pragmatico 4.3.1. A concepeao de interlingua Pot volta dos anos de 1950, o estruturalismo era a corrente principal na area da Linguistica e a andlise contrastiva estava no auge das pesqui- sas. Na area de ensino de lingua estrangeira (Lx), havia um forte pen- samento de que os erros surgiam pela interferéncia da lingua materna. Observando historicamente, a visdo sobre os erros como “uso incorreto da lingua” era comum, sendo rotulados como algo negativo, ndo sen- do consideradas questdes como o processo para a producao do erro, ou ainda, o seu significado no processo de aprendizagem, como também as razGes que poderiam desencadear tais erros. Em outras palavras, os er- Tos eram vistos estritamente como um produto final e nfo como parte de um processo de producio. Entretanto, na pratica, a transferéncia da primeira lingua para a se- gunda corresponde apenas a uma parte dos diversos tipos de erros exis- tentes. O aprendiz, através de um longo processo de aprendizagem, de- senvolve seu conhecimento falando e escrevendo ao passo que formula hipéteses sobre a nova lingua em aquisicdo. Dessa forma, os erros va- riam de acordo com o aprendiz, podendo surgir ocorréncias inespera- das, sendo um fendmeno bem dinamico. Nas pesquisas atuais sobre os erros, professores e pesquisadores nao realizam julgamentos a partir de uma anilise unilateral sobre eles, mas buscam compreender fazendo perguntas diretas aos aprendizes e usam suas respostas como formas de entendimento dos erros. Pesquisas sobre erros tornaram-se abundantes na década de 1970 quando surgiu o conceito de interlingua cunhado por Selinker (1972). Ele fixou sua atencao nos mesmos tipos de erros produzidos por apren- dizes de diferentes linguas maternas, concluindo haver nos aprendizes a presenca de um sistema linguistico em comum que nao necessaria- mente sofre as interferéncias da primeira lingua. Essa pesquisa ressalta que os aprendizes possuem um sistema linguistico peculiar e proprio (nterlingua ~ 1) e que pode variar de acordo com o estagio de aquisi- cao da lingua-alvo. 4.3.2. Como nasceu 0 conceito de interlingua Selinker, considerando parte das pesquisas feitas sobre os erros, acres- centou a esse novas explicaces, apontando cinco fatores principais ao surgimento da interlingua. Emprego da lingua materna (transferéncia positiva e negativa) . Generalizacao das regras linguisticas ‘Transferéncia de treinamento (0 método de ensino torna-se uma barreira) 4. Uso de estratégias de comunicacao (parafrase, gestos) Estratégias de aprendizagem (hipéteses pessoais das regras) Primeiramente, sobre a transferéncia mencionada no item 1, esta se refere a transferéncia da lingua materna para lingua-alvo em estagio de aprendizagem. No caso de transferéncia aplicavel a lingua-alvo, denomi- na-se transferéncia positiva e, contrariamente, quando no hé essa possi- bilidade, denomina-se transferéncia negativa. Por exemplo, quando um falante da lingua portuguesa estuda o espanhol que, comparativamen- te possui um sistema linguistico semelhante, a transferéncia positiva € bastante observada, porém na aprendizagem de linguas muito distantes 4.3. Interlingua como no caso do japonés e do portugués, a transferéncia negativa é mais facil de ocorrer. O fato de os japoneses acharem dificil a conjugacdo dos verbos do portugués ocorre porque na lingua japonesa nao existe a mu- danca das desinéncias verbais de acordo com a pessoa. Em contrapartida, a aprendizagem do japonés pelos brasileiros pode ser onerosa por conta da grande quantidade dos sufixos quantificadores. Nao hé como afirmar que nao existam sufixos de contagem no portugués, visto que encontra- mos expresses como “dois pares de sapato”, mas numericamente nao chega a ser tanto como no japonés que possui diversos sufixos, como mai (papel e folhas), dai (maquinas), hon (lépis e canetas), entre outros, de- pendendo do objeto que este agregar, além de haver mudancas fonéticas como ippon, nihon e sanbon, de acordo com o niimero. A generalizacio das regras linguisticas do item 2, refere-se a aplica- co das regras aprendidas em situac6es as quais essas nao se aplicam. Por exemplo, 0 uso da forma “kirekatta” ao invés de “kireideshita” ou “iida to omoimasu” no lugar de “ii to omoimasu”, sio erros comuns que podem ser observados em aprendizes do mundo inteiro sem ter nenhuma re- lacdo com sua lingua materna. Como kirei termina em “i”, o aprendiz tende a aplicar a regra do adjetivo cuja terminacio é em -i e nao a do adjetivo na. Também acabam por construir sentencas como [vWYCo- TEBVET AW EERE (i desutto omoimasuii da to omoi- ‘masu) porque adotam a regra “forma comum + to omoimasu” nas ora- ‘ces adjetivas. E sabido que tais tipos de erros nascem de generalizacdes das regras linguisticas, Reproduzimos um fato narrado no Meerumagajin da Fundacao Japio em Sao Paulo. Certa vez um brasileiro foi comprar uma passagem de trem-bala durante um feriado prolongado no Japao, e ao ouvir do aten- dente “sumimasen ga, manseki nan desu kedo” (Desculpe-nos, mas todos 0 assentos estdo lotados), respondeu: sim, est4 tudo bem, eu aceito. No curso de japonés, ele tinha aprendido palavras como kin‘enseki (assentos em que nao é permitido fumar), jiyiiseki (assento livre) e shiteiseki (assen- to reservado), pressupés que manseki (todos os assentos esto lotados) tratava-se de uma palavra da mesma categoria semAntica. Pode-se dizer que esse também é um erro ocasionado pela generalizacao. O item 3 se refere aos casos em que hé algum problema no método do ensino. Certamente é um fator com 0 qual os professores devem to- Leto Matsubara Morales 147 mar muito cuidado. Por exemplo, no japonés, os adjetivos que expres- sam sensacSes como itai e kayui (estar com dor e estar com coceira, res- pectivamente) assim como aqueles que expressam voli¢o como hoshii (estado de querer) possuem a restrico de uso, podendo ser usados ape- nas para si proprio (eu). Adjetivos que expressam sentimentos como ka- nashii e ureshii (estar triste e estar alegre, respectivamente), bem como auxiliares verbais que denotam intengo como 0 -u e aqueles que deno- tam desejo como o -tai também apresentam essas mesmas restricdes. x BIAELV, > O PIGARL E57. x Ela esta triste O Ele parece estar triste BILOBA, > O RIEYVATR REV LB OTN) Be Ele quer comer uma maca—* © Ele est dizendo que quer comer uma magi BIZFRATII. > O RILPRAGTICILB OCS, Ele vamos 4 escola © Ele esta dizendo para irmos a escola Ao ensinar t6picos como esses com exercicios de repeticao sem ex: plicacdes gramaticais apropriadas, pode-se induzir o aprendiz a produ- zir erros. No que diz respeito as estratégias de comunicagio citadas no item 4, trata-se também de um tipo de erro que mereceré atencio do professor. Isso porque se 0 professor nfo conseguir reconhecer as estratégias usa- das poder4 deixar passar e levar & fossilizacio dos erros. O aprendiz, ao tornar-se capaz de se comunicar mais, entre os tilti- mos estégios do nivel bésico e ao longo do nivel intermediario, com a in- tencdo de manter a troca de mensagens na conversacdo, poderé usar es- tratégias, como pardfrase, perguntas de esclarecimento, gestos, uso da lingua de intermediacao ou evitamento em situacées nas quais ele quer expressar algo que est além da sua capacidade linguistica ou quando precisar compensar a falta de palavras. A parafrase é utilizada quando o aprendiz realiza explicacées ou usa palavras semelhantes quando nao disp6e de uma palavra adequada para se expressar. Por exemplo, ao desconhecer a palavra kyékasho (li- yro didético), acaba por dizer hon (livro), ou ento, por nao conseguir 4.3, Itertngua dizer [OTN 4 HERES HIBLTV S| (Aquele trabalhador temporirio esta estudando arquitetura), acaba por parafrasear THESE ROP) (Ble frequenta uma escola de arquiteto). Des- sa forma, ha casos em que mesmo estando no nivel intermediério, 0 aprendiz ndo consegue se comunicar de forma condizente ao nivel em que se encontra. A pergunta de esclarecimento é usada quando 0 aprendiz no con- segue entender o que o interlocutor diz, mas também é usada quando nfo se consegue entender o contetido da mensagem, ou quando se quer ganhar mais tempo para poder pensar. O uso incessante dessa estraté- gia pode cansar o interlocutor, tornando-se um fator de estresse numa comunicacdo. Se 0 professor costuma realizar muitas explicagSes com © intuito de ser gentil ou entdo ajudé-lo de forma excessiva, corre-se 0 risco de se tornar um mau hébito, Em determinados momentos é im- portante ser mais exigente com o aluno, fazendo com que ele perceba a falta de uma palavra. Os gestos também so utilizados quando nao se consegue comuni- car algo. Além disso, quando 0 uso de gestos possui um significado na comunicacao na lingua materna do aprendiz, esses gestos podem ser transferidos na lingua alvo. Gestos como balancar a cabeca para o lado ao indicar negacdo ou fazer indicagdes com os dedos das maos podem set vistos como uma descortesia para um japonés. O uso da lingua de intermediacao diz respeito a lingua materna do aluno, ou a lingua em comum do aluno com o professor. Por exemplo, a0 conversar com um professor bilingue, este ao julgar que o seu in- terlocutor é mais hébil em portugués, pode deixar de usar o japonés e priorizar o portugués. Se no houver controle sobre o uso das linguas, corre-se 0 risco de essa estratégia tornar-se um habito. O evitamento ocorre quando o aprendiz evita temas ou 0 uso de itens gramaticais em que ele se considera inabil. Assim, o aprendiz intencio- nalmente nao usa formas lingufsticas que ele julga que pode errar, com- pensando com outras formas para poder se expressar. Por exemplo, no caso dos brasileiros, pode ser dificil elaborar sentencas com voz passi- va, Cuja ideia seja de sofrimento ou prejuizo, como em “Ame ni furareta” €, portanto, podem acabar produzindo sentencas na forma ativa como Lika Matsubara Morales TRASK THR O7e) (Ame ga futte, komatta= Choveu e sofri conse- quéncias), que sao estranhas na lingua-alvo. A estratégia de aprendizagem do item 5 est relacionada aos proble- mas sobre a maneira de estudar do aprendiz. O aluno tenta aplicar o que aprendeu em diversas situacdes. Em outras palavras, ele est aplicando as hipéteses que ele mesmo formulou a partir do que aprendeu, O as- ecto que difere esse tipo de erro com o da generalizacio citada no item 2 € que o primeiro nfo se trata de um fendmeno universal, mas sim, algo provocado pela formulacdo de hipétese individual de cada apren- diz, podendo, desta forma, variar de individuo para individuo Por exemplo, ao pedir para um aluno do nivel intermediario ou avangado escrever uma redacio, ha casos em que 0 texto produzido nGo corresponde a ideia por conta do uso de expresses prolixas, poden- do dificultar as corregdes, Por elaborar o texto baseado em raciocinios complexos, o aprendiz acaba por produzir expressdes muito dificeis de serem entendidas. Tais erros revelam a peculiaridade de cada aluno, por isso, é de muita utilidade o professor atentar para as estratégias de aprendiza- gem nfo somente na producio textual escrita, como também na con- versagao. Conhecendo algumas.estratégias que o aprendiz adota com frequéncia, ha como intervir no momento certo e orienté-lo de manei- ra apropriada. 4.3.3, Erro de natureza pragmatica Os erros podem ser divididos em grandes grupos como os gramaticais, semianticos e pragmiticos. Os erros mais faiceis de serem percebidos pe- los falantes da lingua-materna, mesmo que nao sejam professores, se- riam os de natureza gramatical e semantica. Os erros gramaticais cor- respondem aqueles relacionados as flexes dos verbos, ao uso de parti- culas, entre outros. O erro seméntico também é facilmente identificado, pois a palavra no faz sentido no curso da conversac&o. Entretanto, os erros pragmiticos, ou seja, os erros relacionados ao emprego das pala- vras, so mais complexos pois, mesmo percebendo haver alguma coisa estranha, é dificil saber como e onde realizar a correcio 43. Iertingua Por exemplo, quando o brasileiro faz um pedido, pode usar a expres- so “Vocé nfo quer....2”, tal como “Vocé nfo quer trazer o livro para mimt”, Esse tipo de estrutura frasal nao ¢ usada com pessoas de posi¢o hierarquica superior, mas pode ser usado entre amigos, por ser uma ex: pressio de informalidade. Se a expresséo chegar aos ouvidos do inter- locutor japonés, este poderd interpretar literalmente ¢ pensar “Mas eu no quero trazer nada..”. O ideal é reformular para '~UC HDX W214 (Voce nao poderia fazer o favor de...). O episédio que descreveremos a seguir ocorreu numa certa entre- vista de emprego. Apesar de o candidato ter se formado em Letras — Ja- ponés em um curso de nivel superior, e ter realizado um programa de intercimbio de um ano no Japio, este chegou cerca de trinta minutos atrasado para a entrevista. Ao entrar na sala ofegante, parecia conside- rar que tudo estava perdido e deu um grande suspiro. Ao observar 0 estado do candidato, um dos entrevistadores perguntou se estava tudo bem ¢ 0 candidato Ihe respondeu: “Estou muito cansado”. Depois, ele complementou: “por causa de um dilivio, todos os seméforos estavam quebrados”. Os moradores de Sao Paulo sabem que a cidade sofre inten- sa variago climética ao ponto de afirmar que em um sé dia pode-se ver as quatro estagdes do ano. Dependendo do horrio, pode cair uma tem- pestade repentina e a cidade ficar totalmente congestionada. uma si- tuagao compreenstvel para o morador paulistano, mas hé de ser lembrar que tais atitudes e palavras nao causaram boa impressdo. O atraso nos compromissos nao deve ser visto como algo positivo em nenhum pafs, mas creio que os brasileiros tendem normalmente a se justificar logo no inicio sobre o motivo do atraso. Apesar de nessa justificativa poder estar implicito o sentimento de pedido de desculpas ao interlocutor, para os japoneses pode parecer uma explicacéo pouco convincente, correndo-se o risco de causar incémodo ao interlocutor. Na cultura japonesa, espera-se que quem est atrasado peca apenas des- culpas para expressar consideragio pelo incémodo causado. Erros como esses relacionados ao emprego da lingua, isto é, os erros pragmaticos, possuem uma estreita ligacdo com as diferencas nos mo- delos socioculturais (expectativa) e devem ser usadas formas linguisti- cas adequadas, ja que somente o conhecimento gramatical nao é sufi- ciente para o éxito da boa comunicacdo. Esse tipo de erro nao é visto Leiko Matsubara Morales 152 como um lapso momentaneo e pode comprometer um bom relaciona- mento humano, devendo merecer atencio, Haver mais detalhes sobre 0 assunto no préximo capitulo chamado “Erros de risco”. Bibliografia @ Funpagao Japio Em Sio Pavto. Meru Magajin, no. 32. Disponivel em: @) Spinks, L. (1972). “Interlanguage”” mat, vol.to, no. 3, pp. 209-231. 43. Inertingua

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