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Psicologia Clínica

O ENCONTRO ENTRE PACIENTE E TERAPEUTA: AGLUTINAÇÃO E MODIFICAÇÃO MÚTUA

Braz Dario Werneck Filho

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Mestre em Psicologia
Terapeuta Familiar
Terapeuta Cognitivo-Comportamental

Resumo

Este trabalho tem como objetivo principal discutir o encontro entre paciente e terapeuta e
propor que seja um encontro modificador para ambos os elementos envolvidos. Outro
objetivo é propor a fenomenologia como uma atitude adequada para que se conduza a terapia
com tal ideia. A fenomenologia aparece como referencial teórico neste caso por conta de sua
característica essencial de fazer com que o indivíduo se empreste à compreensão, não à
explicação do que se lhe apresente. Questiona-se aqui a ideia da neutralidade do terapeuta, a
partir da ideia de modificação mútua e da proposta de que tal modificação seja um fator de
aceleração no processo terapêutico. Em vez de simplesmente se colocarem próximos no
consultório, sem que o terapeuta saia modificado, ou afetado, proponho que o terapeuta se
abra subjetivamente para vivenciar os afetos que o paciente lhe cause e para agir norteado por
isso, o que seria uma ação autêntica.

Descritores: terapia, fenomenologia, autenticidade.

Introdução

Parece lógico e obvio dizer que o principal elemento constitutivo de uma psicoterapia
seja o encontro entre paciente e terapeuta. No entanto, podemos lançar um olhar mais
exigente sobre o que entendemos quando falamos sobre encontros.

Em primeiro lugar, a discussão do tema “encontro” em psicoterapia não é uma


discussão original. Entretanto, é uma discussão que nos parece muito importante, posto que
ainda haja várias formas diferentes de se trabalhar em psicoterapia.

Uma questão importante e sempre presente diz respeito à abordagem efetuada pelo
profissional. Cada abordagem irá promover um tipo de encontro diferente. No caso deste
trabalho, venho falar sobre uma abordagem específica, que promove um comportamento
específico do terapeuta na preparação de seus atendimentos.
Pretendo trazer para discussão, neste trabalho, uma abordagem pautada na atitude
fenomenológica, que promove o comportamento de acordo com o tipo de pessoa atendida
pelo profissional.

Alguns temas secundários surgem a partir da nossa reflexão inicial, como a relação de
neutralidade da qual ainda se fala na clínica psicológica; o caminho para que o terapeuta
acesse a realidade vivenciada pelo seu paciente etc.

A essência de uma proposta fenomenológica é a pluralidade. É preciso não ser um


terapeuta que trabalhe da mesma forma com todos os pacientes, com uma teoria embaixo do
braço, para adequar o seu paciente à sua teoria. É preciso trabalhar pelo paciente e não pela
teoria. É preciso questionar e não reverenciar a teoria. É preciso dar valor à prática clínica
como construtora e reconstrutora da teoria.

Alguns desses pontos estarão presentes como pano de fundo da discussão proposta
aqui. Todos eles se voltam para questões relativas à pessoa do terapeuta e ao modo como ele
se coloca na relação cm o seu paciente.

O objetivo principal deste trabalho é demonstrar a relação terapêutica como uma


relação que promove modificações tanto no paciente quanto no terapeuta, enfatizando o
encontro entre duas pessoas como o elemento fundamental para que tais modificações
ocorram.

Além disso, interessa discutir o que o profissional costuma fazer quando se depara com uma
relação de maior demanda pessoal. Defendo que a relação terapêutica deva ser mais uma
relação de aglutinação do que de simples acompanhamento (justaposição).

Referencial Teórico

A Fenomenologia é o referencial teórico norteador deste trabalho. As ideias de


Husserl, Heidegger e seus seguidores compõem o que penso ser uma base filosófica para o
trabalho psicoterapêutico voltado para o paciente e para as interações (todas elas) vivenciadas
no contexto da psicoterapia.

A fenomenologia se apresenta como uma forma de ser e de estar no mundo, como uma
visão de mundo, como uma atitude. Há algum tempo participo de alguns debates informais
com colegas de profissão que tratam a fenomenologia como uma das abordagens teóricas da
psicologia. Deixando de lado o engano filosófico, temos o problema de chegarmos a pensar a
fenomenologia como referência obrigatoriamente para uma terapia fenomenlógico-
existencial e nada mais.

Em minha prática clínica venho observando e experimentando a fenomenologia como


algo muito anterior a isso; como visão de mundo, que pode ser a visão de mundo de um
psicanalista ou de um terapeuta comportamental, como é o meu caso.

Entretanto, é necessário reconhecer que se torna muito mais simples acessar e estudar
o que chamo aqui de atitude fenomenológica, se olharmos para as teorias que embasam a
terapia fenomenológico-existencial ou a Gestalt terapia. Nas palavras da Psicóloga Teresinha
Perez, encontramos uma boa introdução para o assunto do encontro e da relação interpessoal
e intersubjetiva em psicoterapia:
A existência humana é, em seu nível mais fundamental, inerentemente relacional. Por
isso, a psicoterapia fenomenológica existencial enfatiza a relação inter-humana, de pessoa a
pessoa, um ser frente a outro ser, o encontro. Encontramos referência sobre o encontro na
obra de Binswanger através de um dos modos de ser a partir dos quais o Dasein se revela e
que se exprimem, para ele, através da dualidade, pluralidade e singularidade. O modo dual
"existe no ser-em-relação-de-reciprocidade, tanto no amor como na amizade, uma penetração
de um no outro e não somente uma postura de um ao lado do outro. Essa unidade na
dualidade é possível porque o princípio organizador que rege a relação entre um e outro é o
encontro" (Giovanetti - 1989). Também Medard Boss, ao rejeitar o conceito de transferência,
insiste na necessidade da existência de uma relação inter-humana autêntica entre o
psicoterapeuta e seu cliente. (Perez, T. – Jornal online existencial).

Outro ponto importante tem a ver com o que se propaga como necessidade de uma
postura neutra do terapeuta diante de seu paciente. De acordo com as ideias de Husserl, com
a redução fenomenológica, colocamos os nossos julgamentos ente parêntesis, para que
possamos nos abrir ao que o outro nos conta e, sem deixarmos de ser nós mesmos, sem
interpretar um papel de terapeuta, podemos vivenciar em alguma dimensão o que se
apresenta como fenômeno. Feito isso, pode ser possível apreender a essência do que acontece
com aquela pessoa.

Tal postura se baseia no método fenomenológico, proposto por Husserl e que tem
inúmeras implicações na prática clínica. Nas palavras de Sampaio (2004):

Para tanto, Husserl (1947/2000) elaborou o método fenomenológico, que buscava dar
exatidão à descrição da realidade. Em vez de buscar explicar a realidade, a fenomenologia
procura simplesmente descrevê-la. A atitude fenomenológica consiste em indagar o que é
percebido, abstendo-se dos conhecimentos a priori; consiste em questionar o que se
apresenta no mundo como natural, um mundo que não tem sentido sem uma consciência para
lhe dar sentido (RIBEIRO, 1999). (...) No método fenomenológico, mesmo fazendo parte da
vivência, o "eu" fica suspenso, colocado entre parênteses, em um processo chamado de
redução fenomenológica. As influências de tudo o que existe a priori na consciência são
minimizadas para que o fenômeno que aparece seja compreendido. Para que uma pessoa
possa compreender a vivência de uma outra, precisa deixar de lado seus próprios valores e
tentar entender como a outra pessoa, com suas próprias experiências, enxerga o mundo, um
mundo que não é absoluto, mas resultado das vivências desta pessoa, filtrado pela sua
consciência. O mundo deixa de ser existente para ser fenômeno da existência (GILES,
1937/1975). (2004; p. 03).

Em minha prática clínica, venho observando as portas que se abrem quando a


abordagem do terapeuta se orienta por uma atitude fenomenológica. O problema da
modificação mútua pode ser aventado quando nos deparamos com um referencial que propõe
que o terapeuta deixe o seu ‘eu’ entre parênteses, no encontro terapêutico. Esta é uma
questão que merece atenção especial neste estudo.

A fenomenologia como referencial teórico-prático para qualquer tipo de terapia irá


proporcionar um encontro produtivo para o paciente, pois ele experimentará uma companhia
menos técnica do que humana, apesar de ainda voltada para o tratamento. Para o terapeuta, a
abertura que se pode realizar a novas convivências poderá enriquecer o seu trabalho e, por
que não dizer, suas vivências pessoais.

A questão clínica
Na prática clínica, a utilização do método fenomenológico como orientação para a
psicoterapia, nos leva ao entendimento existencial do paciente. A compreensão
fenomenológica se une à uma tentativa de se relacionar com o paciente que se relaciona com
o mundo. A partir desse encontro é possível a construção de uma nova convivência, de um
novo modo de estar no mundo por parte do paciente.

Fenomenologia e Existencialismo podem figurar como as duas grandes escolas


filosóficas orientadoras deste trabalho. Além disso, são as escolas orientadoras de uma
psicopatologia voltada para a compreensão psicológica do ser humano em sofrimento ou em
desordem. Mais uma vez, a tentativa de compreender como cerne do ato terapêutico da
clínica fenomenológica.

A Fenomenologia desponta, também, como demonstrado na prática de Jaspers, como


referência para a psiquiatria, tornando a terapêutica psiquiátrica um tratamento que vai além
do diagnóstico científico, característico da medicina como ciência natural. A orientação
fenomenológica vem então, ampliar o sentido e o alcance da psicopatologia. Nas palavras de
Oliveira:

A psicopatologia como prática psiquiátrica deve se ocupar sempre do indivíduo como


um todo em sua enfermidade e deste como um caso em particular. O psiquiatra lança mão da
psicopatologia para conhecer, reconhecer, caracterizar e analisar não só o sintoma, mas sim o
homem e o âmbito em que se inscreve. Em psicopatologia, a dimensão clínica, intuitiva e
prática, tida como “habilidades”, é de valor reconhecido em sua aplicação, mesmo que, por
vezes, inacessível à metodologia da ciência. (2013; p. 24).

Dessa forma, vai se construindo a maneira de trabalhar do psicoterapeuta existencial


ou fenomenológico-existencial. A questão de uma atenção maior à complexidade humana está
sempre presente. O tratamento deixa de ser voltado para a classificação do indvíduo. Até
porque, aqueles indivíduos que não se encaixavam em nenhuma classificação psicopatológica
também apresentavam, na maioria das vezes, grandes questões existenciais, passíveis de
trabalho psicoterapêutico. Nas palavras de Lessa e Sá:

A grande preocupação deles era saber como se pode ter acesso à realidade existencial
do paciente, já que as teorias eram muito ricas em dizer como era a sua realidade essencial,
mas antes dele existir concreta e temporalmente como ser-no-mundo. Os psicoterapeutas de
orientação científico-naturalista procuravam, muitas vezes, encaixar as pessoas na teoria, ao
invés de voltar-se para uma descrição fenomenológica da existência singular. Essas tentativas
de enquadrar os pacientes nos modelos teóricos eram pródigas em explicações do sofrimento,
mas quase sempre estéreis no sentido de propiciar relações terapêuticas que promovessem
transformações existenciais efetivas. (2006; p. 324).

O encontro em psicoterapia

Uma das ideias mais sustentadas no meio clínico, principalmente da clínica psicológica,
gira em torna da imparcialidade. A própria abordagem gestáltica, que se orienta pela
fenomenologia, ainda dá sinais de manter uma postura rígida em relação ao modo de se
apresentar do terapeuta, diante de seu paciente. A clínica gestáltica se preocupa, sim, com a
consideração humana do paciente como um todo. Nas palavras de Sampaio:

A Gestalt-terapia vai permear as reflexões sobre o tema escolhido. Ela utiliza a


fenomenologia como visão de homem e como metodologia, levando seus conceitos para a
prática clínica. Desta forma, o Gestalt-terapeuta busca que o cliente amplie seu nível de
consciência sobre seus comportamentos, atitudes e sentimentos, possibilitando um maior
contato (RODRIGUES, 2000) com eles, a fim de que possa estar no mundo de uma forma mais
satisfatória. Neste contexto, a fenomenologia, com sua proposta de descrição de fatos, que
acontecem não somente fora ou dentro da pessoa, mas na relação entre eles, mostrou-se
bastante útil para a psicoterapia, bem como com a proposta do conceito de intencionalidade,
que, segundo Forghieri (1993), seria a capacidade inerente ao ser humano de dar sentido aos
fatos do mundo de maneira singular. Mas como, na sessão terapêutica, o psicólogo deve
atuar? Ele é igualmente provido de intencionalidade, assim como o cliente. No entanto, o
cliente é quem vai direcionar o processo terapêutico, devendo o terapeuta apenas
acompanhar as possibilidades do cliente, facilitando o processo deste em direção a uma
ampliação de sua consciência. É essa a discussão que será abordada ao longo do trabalho.
(2004; p. 51).

As considerações sobre a relação entre paciente e terapeuta formam um dos


pressupostos básicos da Gestalt terapia. No entanto, a neutralidade parece também uma
preocupação dos terapeutas da Gestalt. Como não compartilho esse pensamento, penso que
valha a pena visitar a ideia proposta pela Gestalt sobre este tema. Ainda nas palavras de
Sampaio:

O objetivo do presente trabalho é estabelecer uma reflexão acerca da atuação do


psicólogo como terapeuta e como ser humano na prática psicoterápica. Se, por um lado, a
neutralidade tão falada se mostra muito distante e inatingível, por outro, um psicólogo que
esteja na sessão terapêutica falando de sua vida, tomando o espaço da sessão com seus
problemas, sentimentos e opiniões próprios também é igualmente inoportuno. (Ibidem; p. 51).

Como dito acima, acredito que a neutralidade relativa que parece sugerir a autora, pode
trazer mais prejuízos que benefícios ao processo terapêutico. Exploraremos esse tema adiante.

O encontro em psicoterapia

Para quem se preocupa em ser um coadjuvante que possa contribuir para novas
construções na vida dos pacientes, a ideia de um encontro é mais profunda do que
simplesmente estarem paciente e terapeuta juntos em uma mesma sala.

De acordo com o que tenho observado, o encontro entre paciente e terapeuta é o mais
importante elemento integrante da psicoterapia. Talvez por isso mesmo seja um ponto tão
discutido e repleto de divergências. As ideias acima expostas refletem a preocupação com o
posicionamento subjetivo algo distanciado do encontro com o paciente.

O que me parece mais importante discutir é a natureza de tal distanciamento. Quando o


terapeuta evita contar suas histórias, quando evita que o paciente saiba de coisas sobre sua
vida, está obviamente estabelecendo um limite. Acontece que muitas vezes o terapeuta
estabelece tal limite não por uma questão que observou no paciente, ou por uma preocupação
técnica com o processo terapêutico. Muitas vezes o terapeuta tem esse comportamento para
proteger a si mesmo de uma relação mais profunda.

Não haveria problema em tal procedimento, caso o terapeuta não corresse o grave risco
de evitar justamente aquilo que o paciente mais precisa, quando essa necessidade for de uma
vinculação mais profunda para que os seus limites existenciais sejam ampliados.
A economia de gestos e de informações na vinculação deve ser administrada pelo
terapeuta. Para que o resultado seja promissor, o profissional deve avaliar cuidadosamente a
postura mais adequada ao paciente e à terapia desse paciente.

Defendo a ideia de encontro como um processo vivenciado por paciente e terapeuta.


Esse processo pode ser tão mais contundente quanto for autêntico, de ambos os lados. O
terapeuta tem muito mais motivos para conter o seu próprio Eu, suas vontades, suas opiniões
pessoais. Por outro lado, o paciente está em ampla desvantagem, já que é sempre cobrado
como paciente a ‘falar tudo na terapia’.

Ora, penso que nem o terapeuta precise se preservar tanto, nem o paciente precise
falar tudo. A questão da obrigatoriedade, ou necessidade de que tais coisas aconteçam
reprime a autenticidade e faz com que o encontro terapêutico se torne limitado.

Minha ideia de encontro realmente promissor em terapia toma emprestado o conceito


de aglutinação, já discutido por mim em trabalhos anteriores. Na minha experiência clínica, o
paciente geralmente tem contas a acertar consigo mesmo, quando procura um profissional.
Acontece que o próprio profissional vai se deparar com suas próprias questões. Ele pode,
nesse momento, seguir em frente, como se nada tivesse acontecido. Pode também, parar,
refletir e fazer esse momento se tornar o melhor momento do início da terapia.

Sobre o conceito de aglutinação, temos a união de palavras que se modificam para


formar uma terceira. A palavra aguardente por exemplo. As duas palavras fundadoras da
terceira se emprestaram para a modificação, para que uma terceira fosse obtida. No caso do
encontro terapêutico, penso que o terapeuta e o paciente devam se emprestar ao momento,
de forma autêntica, para que outra forma de estar no mundo possa ser descoberta ou
construída pelo paciente.

O que observamos na maior parte das vezes é uma simples justaposição, quando dois
elementos se juntam, mas não sofrem mudanças. Ainda é possível e talvez até mais comum,
encontrarmos quem trabalhe com uma aglutinação unilateral, onde somente o paciente se
modifique com a terapia.

Defendo a fenomenologia como abordagem inicial e como atitude para qualquer


processo terapêutico, por causa do caráter principal de curiosidade simples diante do
fenômeno. O profissional se preocupando mais em compreender adotará fatalmente uma
postura compreensiva e não definidora, não determinista. Ele acompanha a existência do
paciente e vai vivendo durante os encontros, a realidade apresentada pelo paciente. Quanto
mais autêntico e disponível for o terapeuta, mais ele vai conseguir abrir as portas que o
separam de caminhos diferentes; caminhos ainda não trilhados, nem por ele, nem pelo
paciente. Por isso, caminhos válidos.
Referências Bibliográficas

LESSA, J. M. e NOVAES DE SÁ, R. A relação psicoterapêutica na abordagem fenomenológico-


existencial in Análise Psicológica (2006), 3 (XXIV): 393-397.

OLIVEIRA, R. M.(org.) Seminários em psicopatologia: da psiquiatria clássica à


contemporaneidade. COOPMED; Belo Horizonte, 2013.

PEREZ, T. Reflexões Sobre o Encontro na Relação Psicoterapêutica Fenomenológica Existencial.

SAMPAIO, M. M. A. Neutralidade na relação terapêutica - reflexões a partir da abordagem


gestáltica. Arquivos Brasileiros de Psicologia, v. 56, n. 1, p. 49-56, 2004.

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