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Capitulo 1 O que éa sociologia? A imaginacao sociolégica Estudaras pessoas ea sociedade O desenvolvimento do pensamento sociolégico Teorias e perspectivas tedricas Os fundadores da sociologia “Abordagens teéricas modernas O pensamento teérico em sociologia Niveis de andlise: microssociologia e mactossociologia Porqué estudar Sociologia? Sumirio Leituras adicionais Ligagées & Internet 21 25 26 27 30 31 31 y vault 4 . iv Capitulo 1; O que é a sociologia? Vivemos hoje ~ na primeira década do século vinte € um ~ num mundo catregado de inquieragées, mas que, no entanto, também se encontra replero das maioses promessas pata o futuro, £ um mundo marcado por mudangas répidas, conflitos profun- dos, divisées e tens6es sociais, bem como pelo cresc- mento das preocupagées com o impacto destrutivo das sociedades humanas sobre 0 meio ambiente. Nio obstante, dispomos igualmente de novas opor- tunidades para controlar o nosso destino e melhorer anossa vida, de uma forma que seriaimpensdvel para as geragbes anteriores ‘Como se desenvolveu este mundo? Porque é que as nossas condigdes de vida sio tio diferentes das dos nossos pais ¢ avés? Que rumo iio tomar Tomar caftcom amigos pare de um real social as sociedades no futuro? Se alguma vez se colocou estas questées, entio considere-se um aprendiz de socidlogo. Estas questées so de interesse crucial para a sociologia, um campo de estudos que tem, por conseguinte, um papel fundamental na vida intelectual moderna. ‘A sociologia ¢ 0 estudo da vida social humana, dos grupos sociais e das sociedades. E uma tarcfa fascinante e constrangedora, na medida em que © tema de estudo ¢ 0 nosso préprio comportamento enquanto seres sociais. A esfera de acgao do estudo sociolégico ¢ extremamente abrangente, podendo ir da anilise de encontros casuais entre individuos que se cruzam na rua até A investigagao das relagdes internacionaise das formas globais de terrorismo. cat algo mst do que ums bebidaagradive! para ets el ‘A maioria de nds vé 0 mundo em fungio das caracteriticas das nosas proprias vidas - fam{- lia, amizades e emprego. No entanto, a Sociologia _mostra ser necessrio adoptat uma perspectiva mais abrangente das nossas propras vidas para expicar as razbes que nos levam a agit como agimos. Ensina- nos que 0 que consideramos ser natural, inevité- vel, bom ou verdadeiro pode nio o se, e que 0 que tomamos como assente nas nossas vidas & forte- mente influenciado por acontecimentos histricos ¢ processs socias. A compreensio dos modos subtis, complexos ¢ profundos através dos quais as nossas vidas enquanto individuos teflectem os contextos da nossa expertncia social é um elemento bisico da perspectiva socioldgica. Aimaginaco sociolégica Aprender a pensar sociologicamente ~ por outras palavras,olhar mais além ~ significa cultivar aimagi- OQUEEASOCIOLOGIA? 3 bulhadores, uj ubisctncia depend desta planta, nagio, O estudo da sociologia nfo consiste propria mente num processo rotineito de zcumulagio de conhecimentos. Um socidlogo ¢ alguém capaz de se lbertr do seu quadro de refertncias pesoais ¢ de pensar as coisas num contexto mais abrangente. (O trabalho sociolégico depende do que oautorameri- cano C, Weight Mills designoa, numa frase famosa, ‘como a imaginagio socioldgica (Mills, 1970), ‘A imaginasio socilégica implica, acima de tudo, «abstrait-nos» das rotinas familiares da vida aquotidiana de maneira a poder olhi-las de forma diferente. Tenha-se em consideragio o simples acto de beber uma chivena de café. O que hd a dizer, do ponto de vista socilégico, acerca de um comporta- smento aparentemente to desinteressante? Imenso, Podemas comesar por notar que 0 café ndo ¢ 6 ‘uma bebida, Poss um valor simbdlico por ser parte das nossas actividades sociais quotidianas. O ritual associado 20 acto de tomar café é frequentemente ‘muio mais importante do que o consumo dabebida 4 0 QUE EASOCIOLOGIA? propriamente dito, © primeico café da manhé é wm elemento fuleral na rotina didvia de muitos ociden- tais. E um passo essencial para comegar o dia. Ao café tomado pela manha seguemse_ geralmente ‘outros, a0 longo do dia, tomados na companhia de ‘outras pessoas ~ 0 que constitui a base de wm ritual social, € no apenas individual. Duas pessoas que combinam encontrar-se para tomar café cstario provavelmente mais interessadas em estarem jantas ce -conversarem do que em beber, de facto, café. Na realidade, em todas as sociedades, bebet € comet proporcionam ocasides para a interacgio social ¢ 0 desenvolvimento de rituais, os quais proporcionam temitica ricas parao estudo sociol6gico. Em segundo lugar, o café & uma droga, pois contém cafeina, ue exerce um efeir estimlante no cérebio, Muita gente bebe café por causa da «ener gia extra» que propicia. Longos dias no escritério ‘ou noitadas de estado tomam-se mais tolerveis se houver intervalos regulares para tomar café. Esta substincia cria dependéncia, mas, de uma forma geral, os adictos em café nao sio vistos pela maio- ria das pessoas no Ocidente como consumidores de droga. Tal como o dleool, o café & uma droga social: mente aceite, enquanto & matijuana, por exemplo, noo é, No entanto, hi sociedades que permitem 0 ‘consumo de marijuana e mesmo de cocaina, mas que desaprovam tanto o café como 0 alcool, Os socié- logos preocupam-se com estas diferengas com as razbes que estiveram na sua génese. Em terceito lugar, quem bebe uma chavena de café esti envolvido numa rede complicada de rela {Ges sociais e econémicas de dimensio mundial (© café é um produto que liga as pessoas de algunas das parces mais ticas As mais pobres do planeta: ¢ consumido em grande quantidade nos pases ticos, mas cultivado fundamentalmente nos paises pobres. café é a mercadoria mais yaliosa do comércio internacional depois do petréleo, representando 4 mais importante exportagio de muitos paises ‘A produgio, o transporte € 2 distibuigéo do café implicam transacgées constantes que. envolvem pessoas a milhares de quilémetros dos consumido- res, Estudar estas transaogdes globais é uma tarefa importante da sociologia,na medida em que muitos aspectos das nossas vidas so hoje afectados por influgnciassociais e comanicagées a nivel mundial. (Oscafts do sculo XVII ram cents de bibihorceeintriga police pac at eles soca britinies. Em quarto lugar, 0 acto de beber uma chévena de café pressupse um longo processo de desenvol vimento social ¢ econémico. Como outros artigos hoje familiares nas diets ocidentais ~ como o chi, as bananas, as batatas €0 agicar branco =, 0 cafe 56 setornou um produto de consumo generalizado nos finais do steulo XIX, embora antes disso Fosse jé popular entre as elites, No obstante ser uma bebids originria do Médio Orient, o sex consumo macigo remonta a0 petiodo da expansio colonial ocidental, hd cerca de dois séculos. Praticamente todo 0 café {que se bebe nos paises ocidentais provém de drcas colenizadas pelos europeus, como a Amética do Sule a Africas nio é de modo algum, um elemento cenatutal» da dita ocidental. O legado colonial teve um impacto enorme no desenvolvimento do comércio mundial de café. Em quinto luge, o café & um produco que esté no centro do debate actual em torno da globaliza- ‘0, do comérci justo mundial, dos direitos huma- nos e da destruigéo ambiental. A medida que foi ganhando popularidade,o café fo-serornando um assunto politizado: as decisées dos consumidores acerea do tipo de café que bebem e onde compram tomaram-se opgées de estilo de vida, As pessoas podem escolher entre beber apenas café orginico, café descafeinado ou café transaccionado a pregos ‘, que deveria abandonar a & ¢ ‘6 dogma em favor de um fundamento cientifio, A sociologia estaria no centro desta nova regis. Comte estava perfeitamente consciente do estado da sociedade em que viveu: estava preocupado com as desigualdades queaindustcalzagio produzia ¢com a ameaga qu elas constivulam para 2 coesio social. Deacordo com a sua perspectva, a solugio a longo prazo residia na produgéo de um novo consenso amoral que ajudaria a regolar, ou a unit, a sociedade, apesat clos novos padrdes de designaldade, Embora.a visio de Comte da reconstrugio da sociedade nunca se tivesse coneretizado, a sua contribuigio para a siseematnagio ea unificagio da ciéncia da sociedade foj importante paraa posterior profssionaizagao da Sociologia enguanto disciplina académica, Emile Durkheim A obra de outro autor francés, Emile Durkheim (1858-1917), eeve umm impacto mais duradouro na Sociologia moderna do que a de Comte, Embora se apoiasse em determinados aspectos da obra de Comte, Durkheim pensava que muitas das ideias do seu predecessor cram demasiado especulati vas € vagas, © que ele nio realizara com stcess0 0 seu programa ~ dar 8 sociologia um carfeter cien tifico, Durkheim via a sociologia como uma nova «incia que podia ser sada para lucidar questies itl file Dkheim (1858-1917), filosificas tradicionais, examinando-as de modo ‘empitico, Durkheim, como anteriormente Comte, defendia que devemos eseudar a vida social com a mesma objectividade com que os cientstasestudam ‘© mundo natural, © seu famoso prinespio bisico da sociologia era «estudar os factos socias como coisas». Queria dizer com esta afirmagio que a vida social podia ser analisada com © mesmo rigor com «que seanalsarn objectos ou fendmenos da nacurez. (Os textos de Durkheim abrangem um vasto spectro. de tépicos. ‘Trés dos principais cemas {que abordou foram: a importincia da sociologia ‘enquanto cigncia empirica; a emergéncia do indivk duo ea formagio de uma ordem social € as fontes «0 caricter da autoridade moral na sociedade. Iremos encontrar de novo as ideas de Durkheim na nossas discussdes acerca das seorias sociolégicas, da eli — sito, do desvioe do crime, ¢ do trabalho ¢ da vida econémica ‘A principal preocupacio inteleewal da socio- Jogia, para Durkheim, reside no estudo dos faetos sociis, Fm ver de apicar métodos soinlgicos ao cstudo de individuos, os sociblogos deviam antes analisa factos sciais ~ aspectos da vida social que moldam a nossa accio enquanto individuos, tas como o estado da economia ou a influéncia da reli- sido. Datkheim defendia que as sociedades eém tum realidade propria ~ ou seja, que a sociedade io se resume A simples aegbes einteresses dos seus ‘membros individuais, De acordo com este autor, 05 factas sociais sio formas de agit, pensar ou sentir ‘externas 40s individuos que possuem uma realidade propria exterior & vida ¢ As peccepgdes das pessoas individvalmente consideradas. Outra caracterstica dos factos sociais éexercerem um poder coercivo sobre os individuos. No entanto, a natureza conseran- gedora dos factos sociaisraramente & reconhecida pelas pessoas como algo coercivo, pois de uma forma geval clas actuam de livre vontade de acordo com os seus ditames, creditando que estio a agir segundo as suas opgées. Na verdade, afirma Durkheim, as pessoas frequentemente seguer simplesmente padres que sio comuns na sociedade onde se inse- tem, Os factos socais podem condicionar a acgéo humana de virias formas, que vio do castigo puro ¢ simples (no caso de um crime, por exemplo)&reji- ‘50 social (no caso de um comportamento inaceité- vel) ou a um simples mal-encendido (no caso do uso incorrecto da linguagem), Durkheim reconhecia que os factos socais so difleis de estudar. Os factossociis nfo podem ser observados de forma directa, dado serem invisves « intangieis. Pelo contririo, as suas propriedades 86 podem scr reveladas indirectamente, através da andlise dos seus efeitos ou tendo em consideragio as tentativa fetas paraasexpressattaiscomo kis, textos relgiosos ou regras de condita esritas. Durkheim sublinhava a importancia de por de lado os precon- ccitos ¢ a ideologia a0 estudar facts socias. Uma atitude cenefcaexige uma mente abertaevidencia OQUEEASOCIOLOGIA? 11 dos senidos e iberta de ideas preconcebids oxiun- das do exterior. O autor defendia que os concsitos cientiicos apenas podiam ser gerados pela pritica cientiica. Desfiou os socislogos a estudar as coisas tal como elas sio € a construir novos conceitos que reflectissem a verdadcira natureza das coisas socais, Tal como os outros fundadores da sociologi Durkheim estava preocupado com as mudangas que transformavam a sociedade do seu tempo. Estava particulaemente interessado na solidariedade social « moral ~ por outras palavras, nagilo que mantém 4 sociedade unida e impede a sua queda no cxos ‘A solidatiedade € mantida quando os individuos se integram com sucesso em grupos sociais ese regem ‘por um conjunto de valores e costumes partilhados. Na sua primeira grande obra, A Diviséo Social do Trabalho (1893), Durkheim expés uma andlise da udanga social, defendendo que o advento da era industrial repeesentava a emergéncia de um novo tipo de solidariedade (Durkheim, [1893])- Ao desen volver este argumento, 0 autor contrastou dois tipos de solidariedade ~ mecinica e orginiea -, relacio- rnando-os com a divisio do trabalho ¢ o aumento de distingbes enere ocupagées diferentes, Segundo Durkheim, asculeuras tradicionais com tum nivel reduzido de divisio do trabalho caracteri- zamse pela solidaiedade mectnica, Em virtude de a maior parte dos membros da sociedade estar cnvolvids em ocupagbes similares, eles estio unidos ‘por uma experigncia comum e crengas partilhadas, ‘A forga desta ilkimas € de natureza represiva ~ a ‘comunidade castiga prontamente quem quer que ponha em causa os modos de vida convencionais. esta forma rsta pouco espago para disidéncias individuais. A solidaciedade mecinica baseia-se, por conseguinte, no consenso ¢ na similaridade da crenga, No entanto, as Forgas da industrializagio ¢ dda urbanizagio conduzicam 2 uma maior divisio do trabalho, o que contibuin para o colapso desta forma de solidaiedade. A especializagio de tae- fas ¢ a diferenciagio social ereseente nas socieda- des desenvolvidas haveria de conduair a uina nova cordem caracterzada pela solidariedade organic, segundo Durkheim. As sociedades bascadas neste tipo de solidariedade estio unidas pelos lasos da interdependéncia econdmica entre as pessoas ¢ pelo reconhecimento da importincia da contribuigio dos outros, A medida que a divisio do trabalho atumenta, as pessoas eornam-se cada vez mais depen- lentes umas das ouras, dado que cada uima necesita dos bens servigos que 6 outras pessoas com ocupa es diferentes podem fornecer, As telagdes de ceci- procidade econémica e de dependéncia mua vém substieuir as cengas partlhadas na fungio de erat 0 consenso social No entanto, os processos de mudanga no mundo moderno sio de tal maneira répidos intensos que do origens a problemas sociis importantes, Poder ter efeitos dissolventes nos esilos de vida tradicio- ‘rengasreligiosas € nos padebes do quotidiano, sem no entanco fornecerem novos valores de forma clara. Durkheim relacionou este contexto conturbadlo com a anomia, um sentimento deauséncia de objectivos ou de desespeto provocado pela vida social moderna. Os padroes ¢ meios de controlo tradicionais, fornecidos anteriormente pela teligito,sio deseruidos em larga medida pelo desea volvimento social modemo, o que deixa em muitos individuos das sociedades modernas um sentimento de auséncia de sentido na sua vida quotidiana, ‘Um dos estudos mais famosos de Durkheim (ver Estudos Clssicos 1.1) diaia respeito 4 andlise do suiefdio. O suicidio parece ser uma acgio puramente pessoal, 0 resultado de uma infélicidade pessoal ‘excreia, © autor mostrou, contudo, que os facto- res sociais exercem uma influgneia fundamental no comportamento suicidério ~ sendo a anomia wna desss influéncias, As taxas de suicidio mostram padres cegulares de ano para ano, « esses padres clove ser explicados sociologicamente Feacos Ee assicos estudo de Durkheim sobre as taxas de suicidio A problematica da investigacio ‘Um dos aspectos mais perturbadores das nossas vidis € 0 fenémeno do. suicidio, que fiequentemente mais perguntas do que respos- tas a quem lida com ele. Porque € que algu- mas pessoas decidem acabar com a sua propria vida? De onde vim de facto as presses que elas sentem? Um dos estudos elisscos da sociologia ‘gue explora a relagéo entre o individuo ea socie- dadeéaanilise de Dutkheim das taxas de suicidio (Durkheim, oxiginalmente publicado em 1897). Embora os sees humanos se vejam a si préprios como individwos lives na sua vontade € nas suas ‘opg6es, 08 seus comportamentos so muitas vezes padronizados ¢ moldados pelo mundo social © estudo de Durkheim demonstrou que mesmo dio € influen uum aeto tio pessoal como 0 «iado pelo mundo social ‘Tinha havido antes pesquisas sobre o suic- dio, mas Durkheim foi o primeico autora insistir numa explicagio socioldgica para o fendmeno. ‘As obras anteriores tinham reconhecido a infla- Ancia de alguns facores socisis no suicidio, mas geralmente destacavam factores como a raga, 0 lima ou as percarbagbes mentas, para expli- car a probabilidade de alguém cometersuicldio. Contudo, segundo Durkheim, o suicidio era um facto socal que apenas podia ser explicado por outros factos sociais. O suicidio era algo ‘mais do que tim simples eonjunto de actos indi- viduais ~ era um fendmeno com caracteristicas padronizadas. As taxas de suicidio, porexemplo, variam muizo em fungéo da regito do mundo (er Figura 1.1) ‘Aocxaminarasesttistcasoficiaissobreosuic- dio em France, Durkheim descobriu que determi- inadas categorias de pessoas eram mais propensas ‘a cometer suicidio do que ovtras. Descobrix, por exemplo, que se verifcavam mais sucidios entre coshomens do que entre as mulheres, mais entre os protestantes do que entre os catéicos, mais entre (0s ricos do que entre os pobres, € mais entre 0s soktciros do que entre os casados. Durkheim ass- nalou também que as taxas de suiidio tendiam a ser menores durante épocas de guerra © mais clevadasem alturas de mudanca econémica ou de insabilidade. Que razdes haveria para tudo ito? ‘A explicagéo de Durkheim Estes achados levaram Durkheim a concluit que cexistem forgas sociis externas ao individuo que influnciam as texas de suiidio. O autor relacio- ‘now a sua explicago com a ideia de solidariedade social ¢ com dois tipos de lagos na sociedade = insegragéo social ¢ a regulagéo social. Dutkheim defendew que as pessoas que estavam solida- ‘mente integradas em grupos socials, €cujos dese- jos e aspiragdes se regiam pelas normas sociais, tinham uma menor probabilidade de se suicida ‘entificou quatro tipos de suicidio,em fungio da presenga ow austncia da integragio eda regulagio, 1, Os suildios egostas eatacterizam-se por uma fraca integragio na sociedade € ocorrem ‘quando o individuo est sozinho, ov quando ‘8 lagos que © prendem a um grupo estio enfiaquecidos ou quebrados. As baixas taxas de suicidio entee os carélicos, por exemplo, podiam ser explicadas pela sua forte nogio de comanidide social, enquanto a liberdade moral ¢ pessoal dos protestantes significa {que «estio sozinhos» perante Deus. O casa- ‘mento funciona como uma protecsio em rela- 0 20 suildio, 20 intepraro individuo nam relacionamento social estével, 20 contrério das pessoas soltciras, que permanecem mais isoladas no scio da sociedade. A menor taxa de suicldios em tempo de guerra, segundo Durkheim, pode ser vista como um sinal de uma maior integragio social, face a um inimigo externo. 2. O suictdio andmico écausado por uma austncia de fegulagio social. Durkheim queria assim refcrirsc as condigoes sociais da anomi, em que as pessoas se véem «sem normas> em contextos de mudanga sibita ou de insabili- dade na sociedade. A. perda de um ponto de referencia fixo no que diz respeito &s normas « a0s desejos ~ como sucede em tempos de ‘convuls6es econémicas ou de confitos pesso- ais como o divércio pode perturbar o equili- brio entreas cireunstincias de vida das pessoas os seus desejos. 3. © swicldio altratata tem hugae quando um individuo se encontra «excessvamente inte grado» - os vinculos socais sio demasiado fortes ~ ¢ valoriza mais 2 sociedade do que a si proprio, Neste caso, o suiidio transforma- -se nua espécie de sacrifcio por um «bem maior». Os plotos kamikaze japoneses ou os -«bombista sucidas> islimicos sio exemplos de suicidas alteustas, Para Duckheim, este tipo de sueidio €caractrlstico das ociedades tradicionais, onde prevalece a solidaredade mecinica. 4, O timo tipo de suicidio € 0 suelo faalist. -Embora para Durkheim este tipo de sucidio fosse pouco relevante na sociedade contem- porinea, o autor acreditava que ele se veri cava quando um individuo era excesivamente regulado pela sociedade. A opressio do indiv- duo traduz-se num sentimento de impoténcia pperante 0 destino ou a sociedade, Emboravatiem de sociedad para sociedade, as taxas de suicidio apresentam padrbes regula- ores em cada sociedade ao longo dos anos. Para Darkheim, tl provava que exstem forgas sociais consistntes que influenciam © comportamento suicidario. Uma analise das taxas de suicidio revela and que ponto podem sex identificados padroes sociais gerais em acgdes individuats. Pontos criticos Desde a publicagéo de O Suicdi, foram levanta- das muita objeegbes a este estudo de Durkheim, especialmente acerca da sua utilizagaoacrtica das ‘tatitcasoficiis, da sua rejeigdo de influéncias de carkcter nio-social sobre o suicidio, e da sua insistencia em classfcar em conjunto todos os tipos de suicidio, Alguns exticos demonstraram serextremamente importante petceber o processo social envolvido na recolha de dados sobre o suic- dio, ado o facto de os ritérioseconceitos usados Figura 1 Taxas de ico nivel mundial 2002, Fonte:Organiagio Mandal de Sate, 2002 plas entidades de medicina legal infuenciarem ‘0 nimeco de mortes oficialmente consideradas -«suicldios». As esaiticas dos suildios podiam variar muitssimo por este motivo de sociedade para sociedade, e no necessariamente por dife- rengas nos padrbessuicidérios, Importancia actual Seja como for, apesar de tais erlticas legitimas, o estudo de Durkheim permanece um cléssico. Ajudou a esabelecer 2 sociologia como uma disciplina com um objecto proprio ~ 0 estudo ds factos socais -, ¢ 2 assergio fundamental desta obra sobre 0 suiidio permanecevilida: 0 ‘entendimento cabal de um acto aparentemente do maior catkcter pessoal como 0 suicidio exige tuma explicagio socioldgica, ¢ nao uma explicagio simplesmente enrazada na exploragdo da motiva- gio pessoal Karl Marx [As ideias de Katl Mare (1881-83) contrastam radi- ‘almente com as de Comte € Durkheim, embora, tal como eles, também Marx tena tentado explicar as mudangas que ocortiam na época da Revolugio Industrial. Asactividadespolitcasde Marxenguanto jovem levaram-no a entrar em conte com a auto ridadesalemisc,apés uma breve stadia em Franga, fous, para sempre, no exilio na Gri-Bretanha Matx assist ao crescimento do nimero de fabricas ‘eda produgio industrial, bem como &s desigualda- des dai resultantes. O seu interesse pelo movimento operitio europen ¢ pelas ideias socialistasreflectu- vse a sua obra, que abrange uma grande diversidade de assuntos. A maior parte dos seus esritos centra- seem questGes cconémicas, mas, como sempre teve ‘como preocupagio relacionar os problemas econé- rmicos com as instituigdes socials, a sua obra era, € 6 rica em reflexdes sociolégicas. Mesmo os seus criticos mas implacdveis consideram a sua obra de {mportincia para o desenvolvimento da sociologia. Capitalismo e luta de classes Embora escrevesse acerca de viriasfases da histé- ria, Marx concentrou-se na madangs nos tempos rodernos, Para ele, as mudangas mais importantes «stavam ligadas a0 desenvolvimento do capitalismo ~ um sistema de produgio que contrasta de forma radical com todos os sistemas econdmicos anterio res, implicando a produgéo de bens e servigos para serem vendidos a uma grande massa de consumi- dotes. © autor identificou dois elementos crucial nas empresas capitalistas. © primeiro € 0 capital ~ qualquer activ, incluindo dinheiro, miquinas, ‘ou mesmo fabricas, que poss ser usado ou investido para produzir bens fururos. A acumulagéo do capi tal estéintimamente ligada ao segundo elemento, ‘© trabalho assalatiado ~ que se tefere a0 conjunto de trabalhadores que nio tém meios préptios para viver de modo auténomo, mas que tem de proct rar emprego fomecido pelos que detém 0 capital OQUEEASOCIOLOGIA? 15 Karl Mar (1818-1883). Marx acreditava que aqueles que detém o capital, ‘ou capitalistas, constituem uma classe dominante, ‘enquanto a grande massa da populagio constitui uma classe de trabalhadores asalaiados, ou classe operiia, A medida que a industrializagio se propa- gou, um grande mimero de camponeses que ante- riormente viviam do trabalho agticola madou-se para as cidades em expansio, ajudando a formar uma clase operdra industrial urbana, Esta classe de trabalhadores é também chamada proletariado. Segundo Marx, 0 capitalismo & inerentemente tum sistema de classes, sendo as relagées entre a clas- ses catacterizadas pelo confi. Embora os proprieté trios do capital eos tabalhadores dependam uns dos ‘outros ~ 0s caitalistas necessitam da méo-de-obrae ‘ostrabalhadores dos salérios-,adependénciaéextre- smamente desequilibrada, O relacionamento entre as classes assenta na exploragio, na medida em que os 16 O QUE E ASOCIOLOGIA? trabalhadores ttm pouco ou nenhum controlo sobre co seu trabalho © os patrées tm a possibilidade de erat lucro apropriando-se do produto do esforgo dos trabalhadores. Marx acreditava que 0 confito de classes em tomo dos recursos econémicos se iria acentuar com a passagem do tempo. Mudanga social: a concepgo materialista da historia ‘Apperspectiva de Marxassentava no que denominava ‘concepgio materialista da historia. De acordo com cesta perspectiva, as principais fontes de mudana social nao se encontram nas ideias ou nos valores dos seres humanos. Pelo contrtio, a mudanga social promovida acima de tudo por factores econdmi- os. Os conflits entre classes fornecem a motivagio para desenvolvimento histérico ~sio 0 «motor da historia». Como escreveu no infcio de O Manifesto Comunista, «toda a historia humana ¢, aré A data, a histdria da Iota de classes» (Marx & Engels, [1848]. Embora Marx centrasse a maior parte da sua atengio no capitalismo ¢ na sociedade moderna, analisou igualmente a forma como as sociedades se desenvolveram ao longo da historia. Segundo ele, os sistemas socaistranstam de um modo de produ- io para outro ~ is vezes de forma gradual, outras vezes pot via de uma revolugio ~ em resultado das contradig6es nos seus sistemas econdmicos. O autor delineou uma evolugio progresiva da humanidade aavés de etapas hstbricas, colocando o seu inicio ras sociedades comunistas dos cagadores-ecolecto- res, € passando pelos sistemas esclavagistas antigos « pelos sistemas feudais baseados na distingio entre scnhores das terrae servos. A emergencia de comer- ciantes ¢ artesios marcou 0 inicio de uma classe comercial ou captalsta que acabaria por substtair a nobreza fundidria. De acordo com esta perspec- tiva da histbria, Marx defendeu que, tal como os capitalistas se haviam unido para derrabar a ordem feudal, também os capitalistas seriam suplantados € uma nova ordem vitia ser instalada: 0 comunismo. ‘Marx tcorizou inevitabilidede de uma revolu- ‘io da classe trabalhadora que derrubara sistema capitalista ¢ abvitia portas a uma nova sociedade conde nio existssem classes ~ sem grandes divides centre ticos ¢ pobres. Marx nio queria dizer que todas as desigualdades entre os individuos iriam desapare cet, mas que as sociedades deixariam de estar di didas entre uma pequena classe que monopoliza 0 poder politico e econémico ¢ uma grande massa de individuos que pouco beneficio retiram da riqueza getada pelo seu trabalho. sistema econdmico assentaria na posse comum, estabelecendo-se uma. forma de sociedad mais justa do que a que conhe- cemos hoje. Marx acreditava que na sociedade do futuro aprodugio seria mas evolulda e eficaz do que na sociedade capitalista, A obra de Marx teve um efeito de enorme rele- vncia no mundo do século XX, Até muito recen- temente (hé uma geragio), mais de um texyo da populagio mundial vivia em paises cujos governos reivindicavam serem inspirados elas idetas de Marx, como a Unio Sovitica¢ os patses da Europa de Leste, Max Weber ‘Tal como Mars, Max Weber (1864-1920) nlo pode set simplesmente rotulado como um sociblogo, pois os seus interestes¢ preocupagdes abrangem mi dreas, Nascido na Alemanka, onde passou a maior parte da sua carrera académica, Weber era uma figura de grande erudigéo. As suas obras cobrem os campos da economia, do dicito, da flosofa ¢ da histéria comparada, bem como da sociologia. Grande parce da sua obra dava também particu- lar atengio 0 desenvolvimento do capitalismo moderne e & forma como a sociedade moderna era diferente de outtos tipos anteriores de organizagéo Max Weber (1864-1920). social. Através de um conjunto de estudos empiri cos, Weber expliccon algumas das caracterstcas sicas das sociedades industriais modernas identi- ficou debates socioligicos fundamentais, que ainda hoje pecmanecem centrais para os sociblogos. Asemelhangade outros pensadoresdo seu tempo, Weber tentou compreender a natureza ¢ as causas dda mudanga social, Foi influenciado por Marx, mas ‘mostrou-se também fortemente crtico em relagio 4 alguns dos seus prineipais pontos de vista, Weber Ixjeitou a concepgio materalsta da histria e dew 20 conflto de classes um significado menor do que Marx, Na sua perspectiva, os faetores econémicos bo O QUE EASOCIOLOGIA? 17 ‘ram importantes, mas a ideas os valores tinham ‘6 mesmo impacto na madanga social. Em A Erica Protestante eo Espirito do Capitalimo (|1904-5)), a sua obra famosa e muito discutida, Weber defende a ideia de que os valores religiosos ~ em particular 0s associados ao puritanismo ~ tiveram uma imporein- cia Fandamental na criagio de uma visio capitalista ‘Ao contritio de pensadores sociolégicos anteriores, Weber defendeu que a sociologia devia centrarse na acgio social, ¢ nio nas estruturas, Defendia que 4s ideas ¢ as motivagées humanas eram as Forgas subjacentes & nmudanga ~ as ideas, os valores & as crengas tinham um poder transformador. Segundo Weber, os individuos dispéem da capacidade para agirliveemente e configura o futuro, Ao contririo cde Durkheim ou Marx, Weber nio acreditava que as cestruturas existissem externamente aos individuos ‘ou que fossem independentes dees. Pelo contriio, as estruturas da sociedade eram formadas por uma complesa rede de acgdes recfprocas. Constitula tarefa da sociologia procurar entender o sentido subjacente a essasacges Algurmas dos textos mais infentes de Weber reflectiam esta preocupagio com a acglo social na anilise das caractristicas distintivas da sociedade cocidental, em comparagio com outras grandes civi- liaagées, Estudou as religibes da China, da India ¢ do Préximo Oriente, ¢ no decurso dessas pesguisas dea contribuiges maiores para a sociologia dare ido. Ao comparar os principais sistemas religiosos da China e da India com os do Ocidente, Weber concluiu que alguns aspectos das ctengas crstis influenciaram forcemente a ascensio do capitalism, A visio do mundo capitalista nao emergira apenas, ‘como Mars supunha, devido a mudangas econdmi- «as, Segundo Weber, os valores e 2 ideas cultura contribuem para moldar a sociedade € as nossas acgées individuas 18 O.QUEEA SOCIOLOGIA? (Um elemento importante da perspective socio- Logica de Weber era aideia de tipos ideals - modelos conceptuais ou analiticas que podem ser usados para compreender o mundo. Na vida real, éraro exist- rem, se € que existem, tipos ideis ~ muitas vezes 96 algumas das suas caractersticas estio presentes. Estas ‘construgées hipotéteas podem, no entanto revelar -se muito siteis, na medida em que se pode compre- ender qualquer sitwagio do mundo real através da sua comparagio com um tipo ideal, Desta forma, os tipos ideaisservem como pontos de referénciafixos. £ importante sublinhar que Weber nio entendia por tipo «ideal» algo de perfeito ou desejvel, mas uma forina «pura» de determinado fendnieno. Weber utilizoutipos ideais nas suas obras sobre a burocta- cia € 08 mercados econémicos. Racionalizagao Segundo Webes, a emergtncia da sociedade moderna foi acompanhada por mudangas impor tantes a0 nivel dos padrées de acgéo social, O autor acreditava gue as pessoas estavam a afastar-se das crengas tadicionais baseadas na supertigio,na rel sido, no costume ¢ em habitos enraizados, Em vez disso, os ndividuos envolviamse de modo crescente em céleulos racionais ¢ instrumentais que tinham em considerasio a eficitncia e as consequeéncias fucuras das suas acg6es. Na sociedade industsial havia pouco espago para os sentimentos e pata fazer certas coisas 6 porque sempre tinham sido fetas assim desde hd muitas geragdes. O desenvolvimento da ciéncia, da tecnologia moderna ¢ da burocracia foi denominado colectivamente por Weber como racionalizasio ~ a organizagio da vida econémica « social segundo princlpios de eficiéncia ¢ tendo por base o conhecimento téenico, Se nas sociedades tradicionais « religito e os costumes antigos defi iam os valores as atitudes das pesoas a sociedade ‘moderna caracterizava-se pela racionalizagio de um rnimero cada vez maior de éeas da vida, da polltica& rcligito, passando pela actvidade econdmica Deacordo com este autor,a Revolugao Industrial a emergéncia do captalismo eram provas de ama tendéncia maior no sentido da racionaizagio, © capitalismo nio era dominado pelo confito de classes, como Marx defendia, mas pelo avango da citncia ¢ da burocracia, organizagées de grande dimensio, Para Weber, o cardcter cientlico era um dos agos mais caractriticos do Ocidente, A buro- craca, 0 nico modo de orgunizareficientemente tum grande nimero de pessoas, expa ‘rescimento econémico ¢ politico, O autor utilizow o termo «desencantamento» para descreveraforma como o pensamento cienifico no mundo moderno varreu as forgas sentimentas do pasado, ‘Weber nio cra, noentanto, totalmente optimista cm relagéo 85 consequéncias da racionalizagio, “Temia que a disseminagéo da burocracia moderna cm todos os dominios da vide nos encerrasse noma jula de ago, de onde haveria poucas hipéteses de escapar, Embora assente em principios racionais dominio da burocracia poderiadestruir o espitito shumano, ao tentar regular todas as esferas da vida social, Receava, em particular, os eftcos potencial- mente sufocantes ¢ desumanizantes da burocracia as suas implicagbes no destino da democracia. ‘A agenda aparentemente progressiva do Tluminismo do século XVIII, de promogio do progresso, da riqueza ¢ da felicidade produzidos pela rejeigio da «da superstigio, também possula um lado sombrio dotado de novos perigos. se com 0 i 3 3 3 a a E Ey Embora Comte, Durkheim, Marx ¢ Weber sejam, sem margem para dvidas, igoras funda- doras da sociologia, houve outros pensadores importantes do mesmo periodo histérico ¢ de tempos anteriores cuja contribuicio deve também ser tida em conta. A sociologia, como muitas outcas 4reas de estudo, nem sempre reconheceu a importincia de todos os auto- res cuja obra possui um mérito intrinseco. No perlodo «clissico» do fim do século XIX € prinelpios do século XX, muito poucss mulhe- res ou membros de minorias raciais tiveram a possibildade de e tornarem socilogos profs- sionais a tempo intero, Além disso, os poucos ‘que tiveram a oportunidade de conduair ‘pesquisas sociolégicas de importincia dura- ddoura foram frequentemente neligenciados. ‘Harriet Martineau (1802-1876), OQUEEAS 1.1 Os fundadores esquecidos da sociologia? ‘Autores importantes como Hiarsiet Martineau ‘oo estudioso mugulmano Ib Khaldun tém recentementeatraldo a atencio dos sociogos. Harriet Martineau (1802-1876) Harviet Martinean fof chamada a «primeica mulher sociloga>, mas, tal como Marx ou ‘Weber, nio pode ser vista apenas como uma socidloga. Nasceu e foi educada em Inglaterra, ‘tendocscritomaisde 5Olivrs,bemcomo nume- 030s ensaios. Martineau & hoje considerada 2 introdutora da sociologia na Gré-Breranha, auravés da sua tradugio da Filosofia Positive de ‘Comte, o tratado fundador da discipina (ver Rossi, 1973). Além disso, Martineau conduzin, ‘um estudo sistemético em primeira mio sobre a sociedade americana no decurso das suas exten- ss vagens pelo interior dos Estados Unidos da América, na década de 30 do steulo XIX, das ‘quais resultou o seu livro Society in América (Martineau, 1962 (1837). A obra desta aurore relevante para 0s socidlogos dos nossos dias pordiversasrazses, Em primeiro lugar, ela defendia que quando alguém estuda uma sociedade deve centrar-se ‘em todos os seus aspectos,incluindo as princ- pais instituig6es politica, religiosas ou sociais. Em segundo lugar, insistia em que a anlise de uma sociedade deve inca a vida das mulhe- res, Em tereit, foi a primeira aolhar de uma forma socioldgica para assuncos até af igno- rados, como o casamento, as eriangas, a vida domésticae religiosa eas elagées raciais. Como ‘escreveu uma vez, « 1962 [1837]), Por Glkimo, a autora defen dia que 0s soctdlogos nio podiam limitar-se a observat, devendo igualimente agit de modo boerfico para a sociedade, Conseqi Maceinea foi uma figura activa canco nadefesa dos direitos das snulheres como na lita pela emaneipagio dos eseravos, Ibn Khaldun (1332-1406) © erudito mugulmano Tha Khalen nascew ‘onde & hoje a Tanisia e € famoso pelos ses estudos de hist6ria, sociologin © politica, Ibn Khaldun eserevew mnitos livros, © mais conhecido dos quais € 0 Mugaddinah («Introdugio»), uma obsa.em seis voluines terininads em 1378, Alguns autores conten princes consideram-na una obra esencil Fandadora da sociologia (ver Alatas, 2006). Em Mugaddinah, Khaldun critica as abordagens histéricas eos métodos entio existences, cons erando-os exclosivamente descritivos. Ao invés, o autor reivindiea a descoberra dle uma a cigncta da organizagio social ov «cincia da sociedides, expaa de aleangaro significado subjacente dosacontecimentos Tha Khaldun coneebes uma teoria do confio social baseada na analise das princi pis caraceriticas da sociedad «némacas» € ascdentirias» do seu tempo, O conceita dle «sentimento de grupo on solidariedade (asabiyyab) & essencial na sua tear. Os grupos teas sociddes com forte senimenro de gupo conseguiiam domninaee controlar os que possi faun formas mas fracas de solidaiedade ines, Ibn Khaldun avangou com esas. ieias para centar explicar a emergéncia ¢ o declinio be, Neste sentido, dos staios magrebino pode dizer-se que estava a estar 0 processo de Formagio dos estados ~ uma preoeupagio fulerl di moderna sociologia historiea ociden ‘tha Khan (1932-1406), tal, As eribos némadas de beduinos tendiam a postr un sentimento de grupo muito forte, 1 que thes permitia derotar & dominar os urbanos ¢ sedenciios mais fiaeos © exe cet novas dinasias, No encanto, os beduinos acabavam também por assentar¢ abragar es losdlevida mais urbanizidos, diminuindo ose forte sentimento de grupo eforga militar, 0 que cos deixava, por sua vex, expostos a ataques de inimigos externos. Complerava-se, a8 longo ciclo decmergénciae dedinio de estan, Embora socidlogos e historiadores ocident Ae ina clo séeulo XIX e inieios do séeulo XX se referissem ja obra de Ibn Khaldun, so muito recentemente ca volton a set vista coino poten cialmente rlevante Pensar de um modo critico Que lictores podem explcaraneglgtnciado trabalho socioligico de Harriet Martineau sobre o casamento, a infinca ea vida domés- das mulheres no século XIX? Por que tazio as ideias de Ibn Khaldun, datadas do séeulo XIY, encontram hoje em dia, em pleno século XI, um novo piblico? Abordagens tedricas moderas Os primeiros sociélogos partilhavam o desejo de entender a sociedade em mudanga em que viviam. “Todavie, queriam fazer algo mais do que limita -se a descrever ¢ interpretar os eventos significati- vyos do seu tempo. Todos procuravam desenvolver formas de estudar © mundo social que pudesseim cxplicaro funcionamento das sociedades eas causas da mudanga social. No entanto, como jé pudemos observar, Durkheim, Marx ¢ Weber utilizaram abordagens muito diferentes nos seus estudos. Enquanto Durkheim ¢ Marx, por exemplo, centra- ram a sua atengio na intensidade de forgas exter- nas 20 individuo, Weber adoptou como ponto de partida a capacidade dos individuos para agir de modo criativo sobre 0 mundo exterior, Enquanto ‘Marx assinalava o predominio das questdes econé- micas, Weber considerava significante um leque muito mais vasto de factores. Tais diferengas de abordagem tm continvado a verificar-se ao longo da historia da sociologia. Mesmo quando os socié- logos estio de acordo em relario a0 objecto da andlise, esta ¢ muitas vezes conduzida a partic de ‘perspectivas tedricas diferentes. OQUE EASOCIOLOGIA? 21 ‘As trds abordagens tedricas recentes que iremos cxaminar em seguida ~ 0 funcionalismo, a perspec- tudo confito eo interaccionismo simblico ~eém ligagées a Durkheim, Marx ¢ Weber, espectiva: mente. Ao longo da presente obra tio encontra-se discusses ideas qu se apoiam nestas abordagens tebricas ¢ que sio exemplos delas. Funcionalismo © funcionalismo defende que a sociedade ¢ um sistema complexo cujas partes se conjagam para produit estabilidade esolidariedade. Segundo esta ‘perspectiva a sociologia deve investiga o relaciona- ‘mento dis partes da sociedade entre si ¢ para com ‘a sociedade como um todo. Podemos analisar as crengasceligiosas¢ os costumes de uma sociedade, por exemplo, mostrando como se relacionam com outrasinstituigées no seu Ambito, pois as diferentes partes de uma sociedade esti intimamenterelacio- nadas entre si. Estudar a fangio de uma institugo ou pritica socal ¢analisar a contibuigSo dessa insiuigio ou pritica para a continuidade da sociedade, Os funcio- nalistas, inelvindo Comte ¢ Durkheli, usaram ‘muitas vezes uma analogia orginica, comparando a actvidade da sociedade com a de um organismo vivo. Defendem que, & imagem dos virios compo- nentes do corpo humano, as partes da sociedade conjugam-se em beneficio da sociedade como um todo, Para estudar um érgio humano como 0 coragio € necessirio mostrar como ele se relaciona com outras partes do corpo. Ao bombear sangue ‘pelo corpo, 0 coragio desempenha um papel vital za perpetuagio da vida no organismo, Da mesma forma, analisar« fungéo de um item social significa ‘mostrar o papel que ele desempenha na perpetuagio dacniténcia ena side de uma sociedade, (© fncionalismo eoloca © acento na impor- tancia do consenso moral para a manutengio da ordem ¢ da estabilidade na sociedade. © consenso ‘moral ocorre quando a maioria das pessoas numa 22 0 QUE EA SOCIOLOGIA? sociedade partlha os mesmos valores. Os funcio nalistas concebem a ordem e 0 equilibrio como o ‘estado normal da sociedade esse equilirio social assenta na existéncia de um consenso moral entre 1s membros da sociedade, Durkheim, por exemplo, defendi que a religto reafitma aadesio das pessoas a valores sociais centrais, contribuindo assim para 2 smanutengio da coesio social. (© pensamenco funcionalista foi provavelmente 4 principal corrente teérica da sociologia, em part- cular nos Estados Unidos da América, até & década de 60 do século XX. Taleote Parsons (1902-1979) ¢ Robert K. Merton (1910-2003), ambos grande- inente infuenciados por Durkheim, foram duas das suas figuras mais proeminentes. A versio funciona: lista de Merton tem sido particularmente infuente, Este autor feza distin entre fangbes manifestas¢ fungdeslaences. As fungdes manifestas so aquelas ue sio do conhecimento dos sujeitos envolvidos num tipo especifco de actividade social ¢ em que ‘hd incencionalidade. As fungieslatentessio conse- _quéncias dessa actvidade desconhecidas dos partic antes Paailustrar esta distingio, Merton recorten a0 exemplo da danga-d-chuva realizada pelos Hopi, tums teibo do Arizona e do Novo México. Os Hopi acreditam que essa ceriméniatrazachuva necessiria 4s suas colheita (Fangio manifesta) por esa razi0 «gue a organizam e nel participam. Mas, na opiniao de Merton, que recorteteoria de Durkheim sobrea seligio, a danga-da-chuva tem também como efeito a promogio da coesio da sociedade hopi (Fangio {atente). De acordo com Merton, uma parte impor- tante da explicagio sociolégica consiste em revelar as figdes latentes das actividades « insiruigges Merton distinguia também entre fungdes © dlisfimngdes. Olhar para os aspectos disfuncionais do comportamento socal significa focar os aspectos da vida social que poem em causa aondem exstente das coisas, Eerrado pensar, por exemplo, que a religiio é sempre funcional, sto é, que contribui apenas para & cocsio social. Quando dois grupos professam religi- 6es diferentes, ov apoiam diferentes interpretagoes cda mesma religio, tal pode redundar em confiros socinis importantes, que causam uma desordem social genetalizada, Por isso tem havido frequente- tence guerras entre comunidades rligiosas dferen- ‘es ~ como as que houve entre protestants ¢catdli- cos no decurso da historia europe Nos ikimos anos a popularidade do funciona- lismo comegou a decrescer, A medida que as suas limitagBes se tomaram notérias. Embora tal nio se aplique a Merton, muitos pensadores funcionalistas (Talcott Parsons, por exemplo) realgaram indevida mente 0 papel dos factores que conduzem & cocsio socal, em detrimento dos que produzem conflito ¢ divisio. A énfase na estabilidade e na ordem signi- fica queas divisses ou as desigualdades sociais ~com base em faccores como a classe, a raga ou 0 género ~ sio minimizadas. O funcionalismo d também tuma énfase menor a0 papel da acgio social ctia tiva na sociedade, Para mnitos criticos, est tipo de anilise atrbui as sociedades aribucos que elas nio possuem. Os funcionalistas falaram muitas vezes das sociedades como se estas tivesem «necessidades» scobjectivos», apesar de estes conceitos s6 fazerem sentido quando aplicados aos seres humanos. Perspectivas do contlito “Tal como os funcionalistas, os socidlogos que adop- taram 35 teorias de conflito sublinham a import cia das estruturas na sociedade, Defendem também tum «modelo» abrangente para explicar a forma como a sociedade opera. Os tedricos do conflito rejcitam, no entanto, a énfase que os funcionalistas dio a0 consenso, preferindo, pelo conteitio, subl har a importincia das divisoes na sociedade. Ao faat-locentram aandliseem questées de poder, dest gualdade lua, Tendem a vera sociedade como algo composto por diferentes grupos que luram pelos jnteresses proprios. A existincia desta diferenga de ineeresses significa que 0 potencial para o conflito cst sempre presente que determinados grupos iréo benefciar disso mais do que outros. Os tedricos do — trabalho que implica que o sujeito faa 2 gestio das suas prSprias emogées, de manciraa conservar uma poscura corporal ¢ facial publicamente observével (¢ acite). Segundo a autora, as entidades patronais valorizam ndo apenas as acgbes flsicas dos seus traba- Iadores, mas também as suas emogbes. Enquanto ‘stiverem a trabalhar, so donas do seus sorrsos. A investigagio de Hochschild abriu uma janela sobre um aspecto da vida que a maior parte das pessoas pensa compreender, mas que era necessi- rio entender a um nivel mais profundo, A autora descobriu que, tal como os operdtios, quem trabalha na drea dos servicos experiencia muitas vezes uma sensagio de distincia em relagio ao aspecto de si proprio de que tem de abdicar enquanto tabalha Por exemplo, um operirio pode acabar por sentir © brago como uma parte da méquina que opera, ¢ 4 incidentalmente como parte da pesioa que 0 faz mexer. Da mesma forma, os trabalhadores dos servigos diziam frequentemente a Hochschild aque exibiam um sorvso, mas que esse néo era um sorriso deles. or outraspalavas esses trabalhadores sentiam-se dstanciados das suas proprias emogdes. O.QUE EASOCIOLOGIA? 25 Isso & deveras interessante se comarmos em conside- ragio o facto de as emogées serem tidas como uma parte profunda e pessoal de nds mesmos. O livro de Hochschild ¢ um marco da aplicagl0 do interacionismo simbélicoeinfluenciow 0 pensa- mento de muitos autores. Embora tenba conduaido aasua pesquisa numa das mais desenvolvdas «econo tmias de servos» do mundo ~ os Estados Unidos da América -, 08 achados de Hochschild podem aplicar-se a muitas sociedades contemporineas. ‘Area dos servgos esta expandi-se rapidamente por todo 0 mundo, obrigando a que um nimero cada ver maior de pessoas se envolva no «trabalho ‘emocional» no emprego. Em algumas cultura, tals como entre os Inuit (esquimés) da Gronelindia, onde néo existe a tadigio ocidental enrizada de sortrem piblico, a formacio.em trabalho emocional temse revelado uma taefa alg dif. Neses pases, pedese muitas vezes 20s trabalhadores do sector dos scrvigos que participem em sees especiais de «

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