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|ALIZAGAO E O MUNDO EM MUDANGA Sociedade global 4.2 Sociologia e globalizacao nesta edicdo O conceito de globalizagéo tem exercido um enorme impacto nas ciéncias so incluindo a socio- logia. De facto, nio ha praticamente nenhum tema socioldgico que nio tenha sofrido a influéncia do enquadramento global de referencia que estd aemergir. Por essa ra20, no é possivel abarcar o impacto da globalizagéo na Sociologia num iinico capitulo. Podemos, no entanto, oferecer um pequeno guia sobre a presenca de questoes globais e referentes a globalizasio nos virios capiculos que eonstitucm o presente livro, Capitulo 1 - Introdugio & globalizagao na sociologia, recorrendo ao exemplo do café. Capiulo 5 ~ A sociedade do risco global; questées ambientais intemnacionais (incluindo o aquec- mento global). Capitulo 6 — As cidades globais ¢ sua governasio. Capitulo 8 — A esperanca de vida global e questdes relacionadas com o envelhecimento em varios pontos do Mundo. Capitulo 9 — Familias num contexto mundial. Capitulo 10 ~ Globalizagio e deficigncia; 0 VIHY/sida num contexto mundial. Capitulo 11 — Impacto da globalizagio nos sistemas de estratificagio. Capitulo 13 ~ Globalizagio, desigualdades e circunstincias desiguais de vida em varios pontos do mundo. Capitulo 14 ~ Globalizagio e género; a industria global do sexo. Capitulo 15 ~ A «era das migragées» ca globalizagio, Capitulo 16 — Crengas religiosas ¢ respostas i globalizagio. Capitulo 17 ~ Os meios de comunicagao globais: o papel das novas tecnologias nos processos de globa- lizagio. Capitulo 18 ~ Organizagées internacionais ¢ redes mundiais, Capitulo 19 - A educagio mum contexto global; a globalizagao e as universidades vireuais. Capitulo 20 — Globalizagio, trabalho c tendéncias de emprego. Capitulo 21 - Globalizagao, crime organizado e cibercrime. Capitulo 22 ~ Expansio global da democracia: globalizacio e movimentos socias. Capitulo 23 ~ Terrorismo e globalizagios velhas e novas guerras. res lores que contribuem para a global agao A aceleragio da globalizagio deve-se sobretudo a0 desenvolvimento das tecnologias de informagio € comunicagio, que vieram intensificar a veloci- dade ¢ © ambito das inceracgées entre os povos do mundo inteiro. Tome-se como exemplo o iiltimo ‘Campeonato do Mundo de Futebol. Gragas as redes ‘mundiais de difuso celevisiva, alguns jogos sio hoje cm dia vistos por muitos milhares de milhées de pessoas em todo o mundo. 7 A emergéncia das tecnologias de informacéo € comunicagéo Acaplosio a que se assistiu nas comunicagdes a nivel global foi possivel gragas a avangos importantes na AGLOBALIZAGAO E O MUNDO EM MUDANGA 133 tecnologia ¢ nas infra-estrucuras das televomunic: ‘goes mundiais. No periodo que se seguiu & Segunda Guerra Mundial, deu-se uma profunda transforma- io no Ambit ¢ na intensidade do Aluxo de teleco municagées. O sistema tradicional de comunicagio telefénica, baseado em sinais analégicos enviados por fios ¢ cabos, foi substituido por sistemas inte- grados onde grandes quantidades de informagio si0 comprimidas e transferidas digitalmente. A tecno logia por cabo tornou-se mais eficiente ¢ menos dispendiosa; o desenvolvimento de cabos de fibra 6ptica aumentou dramaticamente 0 mimero de canais que podem suportar. Enquanto os primeiros A problematic da investigacdo Muitos alunos chegam 3 sociologia & procura de encontrar respostas a algumas questées maiores da vida social. Por exemplo, por que razd0 alguns paises sd0 ricos e outros tao miseravelmente pobres? De que forma alguns pafses que eram pobres conseguiram desenvolver-se ¢ atingir um nivel de riqueza razodvel, enquanto outros nao 0 conseguiram? Estas questées relativas a0 desen- volvimento econémico ¢ As desigualdades globais sio 0 objecto de trabalho do sociélogo histérico american Immanuel Wallerstein (1930-). tentar responder a estas perguntas, Wallerstein procurou também desenvolver eadaprar as reorias marxistas sobre a mudanga social 3 era global. Em 1976, Wallerstein ajudou a fundar o Centro Fernand Braudel para 0 Estudo das Economias, dos Sistemas Historicos ¢ das Civilizagoes na Universidade de Binghampton, em Nova lorque, {que se rornou. uma pega central na sua investiga ‘$20 acerca dos sistemas mundi. cabos transatlanticos instalados na década de 50 do século XX s6 tinham capacidade para transportar menos de 100 canais de voz, em 1997 a capacidade cde um tinico cabo transoceinico clevava-sejéa cerca de 600 000 (Held ef al, 1999). A banalizagio do recurso a satélites de comunicagio, fenémeno que teve inicio na década de 60, revelou-se também imporeante para a expansio das comunicagoes inter- nacionais. Hoje em dia, esta em funcionamento uma rede que compreende mais de 200 satélies, fac tando a transferéncia de informagio pelo mundo Immanuel Wallerstein e o sistema mundial moderno A explicacao de Wallerstein Antes da década de 70 do século XX, os cientistas sociais tendiam a discuti as sociedades mundiais, ‘em fungio do esquema dos Primeiro, Segundo & ‘Terceiro Mundos, bascado nos seus niveis de acti- vidade capitalise, de industralizagio e de urba- nizagio (ver Quadro 4.4, mais atris). De acordo com este modelo, pensava-se que a solugio para vencer 0 «subdesenvolvimento» do Terceiro Mundo passava, assim, por mais capitalismo, actividade industrial ou urbanizagio, Wallerstein rejeitou esta forma dominante de categorizar as sociedades, defendendo, por sua vez, que s6 hi tum mundo ¢ que todas as sociedades estio iga- das entre si através de relagGes econdmicas capi- talistas. O autor descreveu este complexo entre- lagado de economias como o «sistema mundial modemo>, que foi um conecito precursor das teorias da globalizagio. Os principais argumentos de Wallerstein acerca da forma como este sistema sundial emergiu foram apresentados na sua obra 134 AGLOBALIZAGAO E 0 MUNDO EM MUDANCA ‘em trés volumes The Modern World-System (1974s 1980; 1989), onde expoe a sua visio macrossocio- ‘As origens do sistema mundial modemo remontam & Europa dos séculos XVI ¢ XVIL quando 0 colonialismo possibilitou que paises como a Gri-Bretanha, a Holanda ¢ a Franga pudessem explorar os recursos das suas colénias. Tal veio permitir-lhesa acumulasio de capital, que cera depois injectado na economia, fazendo assim aumentar ainda mais a produgio, Esta divisio global do trabalho criou um grupo de paises ricos, ‘mas também empobreceu muitos outros, impe- dindo assim o seu desenvolvimento. Segundo © autor, este processo conduziu a um sistema mundial composto por um centro, uma semiperi- _foria © wana perifria (ver Figura 43). E, embora seja perfeitamente possivel um pais aproximar- “se = como acontecen com algumas sociedades recentemente industrializadas ~ ou afastarse do centro, a estrutura do sistema mundial moderno ‘permanece constante, A teoria de Wallerstein procura explicar porque é tio dificil para os paises em desenvolvi- mento melhorar a sua condicio, 0 mesmo tempo que amplia a teoria de Marx sobre o conflito de classes, adaptando-a a0 nivel global. Em rermos slobais, a periferia mundial passa a ser a clase trabalhadora, enquanto o centro forma a classe capitalista exploradora. De acordo com a teoria ‘marxista, iso significa que uma eventual revolu- ‘sao socialista ter lugar com maior probabilidade nos paises em desenvolvimento, ¢ nio no centro abastado, como previu Marx, Esta ¢ uma razio que levou as ideias de Wallerstein a screm bem recebidas por activistas politicos dos movimentos "Note do revisor cientifco: publicado em Portugal sob o titulo O Sixtema Mundial Moderna (Porto, Edigoes Afrontamento, 1990, 2 vols). anticapitalismo antiglobalizacio (estes tltimos sio objecto de andlise no Capitulo 22, «Politica, governo c movimentos sociais>). Pontos c1 icos Tendo a sua origem na obra de Karl Marx e no ‘marxismo, a teoria dos sistemas-mundo® foi alvo de criticas similares. Em primeiro lugar, esta teoria tende a enfatizar a dimensio econémica da vida social e a menosprezar o papel da cultura na explicagdo da mudanga social, Houve jé quem defendesse, por exemplo, que uma razio pela qual a Australia e a Nova Zelindia conseguiram. sair da periferia econémica mais facilmente do {que outros paises reside nos esteitos lagos com a industralizagio britinica, 0 que permitiu desen- volver uma cultura industrial mais rapidamente, Em segundo lugar, a teoria minimiza 0 papel da etnicidade, vista como um mera reacgao defensiva face as forgas globalizantes do sistema mundial. Consequentemente, também as grandes dife- rengas no que diz respeito 3 religito ¢ & lingua no sio vistas como especialmente importan- tes, Finalmente, foi também jé defendido que Wallerstein usa a sua perspectiva dos sistemas mundiais para explicar eventos contemporineos, mas que nunca est preparado para ter em consi- deragio que tais eventos podem refutarateoria ou ‘que outras teorias podem fornecer uma explica- gio melhor. Importancia actual ‘A importincia da obra de Wallerstein para a Sociologia reside no facto de alertar para 0 caréc- ter interligado da economia capitalista global * Nota do revisor cientifico: também designada por «, como podem também enviar documentos e imagens ‘um a0 outro com a ajuda da tecnologia de satélie. © so corrente da Internet e dos teleméveis apro- funda e acelera os processos de globalizagio. E cada vezmaioro ntimero de pessoas que ficam ligadasentre si gragas ao recurso a estas tecnologias, fazem-no.em Iugares anteriormente isolados ou deficientemente abrangidos pelo sistema tradicional de communica gbes. Embora as infraestruturas de telecomunicagdes nao se tenham desenvolvido de igual forma em todo ‘© mundo, um nimero cada vez maior de paises pode ter aceso is reds intemacionais de comunicagio, de um modo que anteriormente nao era possivel. Na tltima década,sensivelmente, a ligagio & Incernet tem crescido a um ritmo mais répido em pafses que esta- vvam atrasados nesse aspecto ~ na Africa e no Médio Oriente, por exemplo (ver Quadro 4.5), 136 AGLOBALIZAGAO E O MUNDO EM MUDANGA (© aceso Internet eres niim nimero cada vee maior de expasos pblicos 0 que permite que aqueles que ndo tim computador posal em eas eHiguer ao ciberespago, Fluxos de informagao Se, como jé vimos, a expansio da tecnologia da informagio fez aumentar as possibilidades de contacto entre pessoas de varios pontos do globo, veio também facilitar 0 fluxo de informagio acerca de pessoas ¢ eventos em locais distantes. Os meios de ‘comunicagio mundiais levam diariamente & casa das pessoas noticias, imagens e informagées, ligando- -as directa € permanentemente 20 mundo exterior. Alguns dos eventos mais dramaticos dos ileimos 15 ‘ou 20 anos ~ como a queda do Muro de Berlim, a repressio violenta dos manifestantes chineses pré~ -democracia na Praca Tiananmen ¢ 0s ataques terro- ristas de 1] de Setembro de 2001 - desenrolaram-se através dos meios de comunicagio perante uma audi- éncia verdadeiramente global. Gragas a estes acon- recimentos, a par de milhares de outros com muito menos carga dramética, assistiu-se a uma reorienta- «0 do modo de pensar das pessoas, passando-se do nivel nacional para um nivel global. Hoje em dia, as pessoas estio mais conscientes da sua ligagio sos outros e mais dispostas a identificar-se com questoes « processos globais do que antigamente AGLOBALIZAGAO E O MUNDO EM MUDANGA 137 Quadro 4.5 A expansio mundial do acesso a Internet Utilizagio da Regides do Populagio % da %da % da utiliza~ Aumentoda “Mundo (estimativa de 2007) populagio Internet (dads. populagio gio mundial utilizaco (%) ‘mundial mais recentes) _ (penetragio) (2000-2007), Africa 933448292142 3336480036 30 638.4 Asia 3712527624 565398709065 107358. 248.8 Europa 809624686 123314792225 389283, 1995 Médio Oriente 193452727 29 19424700 100 Ww 414 pee 334538018, 51 233188086 «637-209 1157 América eta/Cntos 2. 3300 627 85 96386009 17,3 87 B34 Ocednia ae 34.468 443 05 18439541535 Ww 1420 TOTAL MUNDIAL 574666417 1000 1114274426 169-1000 208.7 Fonte oieemerorscicom, 207. Esta evolugio para uma perspectiva global possui duas dimensoes importantes. Em primeiro lugar enquanto membros de uma comunidade global, os iade que a responsabilidade social nao acaba nas fronteiras nacionais, mas se estende para li delas. As calamida- des ¢ as injusticas de que sio alvo pessoas de outros individuos tomam cada vez mais consciés ppontos do globo nico sio simplesmente inforeinios aque se tem de aguentar, mas constituem causas leg timas para a accio ¢ a intervengio. Hi a nogio cres cente de que acomunidade internacional tem a obri- sgagio de agir perante situagdes de crise, de modo a proteger a integridade fisica ou os direitos humanos das pessoas cujas vidas se encontram ameagadas. No caso de eatistrofes natura, tais intervengbes ‘tomam a forma de ajuda humanitéria e de assistén- cia técnica. Nos tilkimos anos, tremores de terra na ‘Tarquia ¢ na China, o maremoro no oceano {ndico, a fome em Aftica eos efeitos de furacées na América Ceneral susciearam a ajuda mundial, Nos iiltimos anos houve também lugar para fortes apelos a favor de intervengdes em contex- tos de guerra, de conflito éxnico e de violagao dos direitos humanos, embora tais mobilizagdes sejam mais problemticas do que as ocortidas por causa de catisteofes naturais, No entanto, tanto no caso da Guerra do Golfo em 1991 como aquando dos violenos conflios na antiga Jugoskivia (Bésnia ¢ Kosovo), muita gente que acreditava que os direitos Jhumanos ea soberania nacional deviam ser defendi- dos considerou justificivel aintervengio militar. Em segundo lugar, uma perspectiva global significa que as pessoas, quando formulam a sua propria nogio de identidade, estdo a referir-se cada ver mais @ outros contextos que nio o do Estado- -nagio, Este fenémeno € um produto dos processos 138. A GLOBALIZAGAO E © MUNDO EM MUDANCA de globalizagio que, por sua ver, contribui para 0 acelerar, Numa época em que 0 controlo tradicio- nal do Estado-nacio softe profundas transforma- bes, as identidades culeurais locais em varias partes do Mundo estio a passar por fortes revivalismos. Na Europa, por exemplo, os habitantes da Escécia e da regtio basca de Espanha podem sentir-e mais inclinados a auto-identificarem-se como escoceses cou bascos — ou simplesmente como europeus ~ do gue como britinicos ot espanhis. O Estado-nacio, enquanco fonte geradora de idenvidade, estéa perder 4 sua imporsincia em muitas regides, & medida que ‘mudangas politicas nos planos regional ¢ global enfraquecem o sentimento de pertenga das pessoas aos Estados em que vive. Factores econémicos A integracio crescente da economia mundial esti também a fazer avangar a globalizagio. Ao contri rio de épocas anteriores, a economia global jé nao assenta primordialmente na agricultura, ou na industria. Ao invés, é cada vez mais dominada por actividades «leves» ¢ intangiveis (Quah, 1999). Esta economia leve define- {que 0s produtos se baseiam na informacio, como & 0 caso do sofiware informético, dos produtos mult média e de entretenimento ¢ dos servigos no mundo vireual da Internet. Este novo contexto econémico foi jd descrito de varias formas (0 assunto é discu sido com maior detalhe no Capitulo 20), sea como «sociedade pos-industrial», «era da informagion A. Coca-Cola ¢ uma empresa multinacional ue vende os seus producos no mundo intcto, Na foto, podem verse a ats de Diet Coke que esti 3 venda na Jordania, no Médio Oriente A GLOBALIZAGAO E O MUNDO EM MUDANGA 139 ‘ou «nova economia». A emergéncia da sociedade do conhecimento esti relacionada com o aparecimento de uma vasta gama de consumidores teenologica mente instruidos que integram avidamente nas suas vidas quotidianas os novos avangos nos campos da informatica, do especticulo e das telecomunicagdes. O proprio funcionamento da economia global reflecte as mudangas que ocorreram na era da infor- magio, Em muitos aspectos, a economia opera nos niossos dias através de redes intemacionais, nio ficando confinada is fronteiras de um pais (Castells, 1996). Para se tornarem competitivas nas condigées impostas pela globalizagio, as firmas ¢ as empresas tiveram de se reestrucurar, para se tornarem lexiveis ‘menos hierarquizadas. As priticas de produgio e os padres organizacionais tornaram-se mais flexiveis, as parcerias entre empresas tornaram-se comuns, ¢ 4 participagio em redes mundiais de distribuigio tomnou-se essencial para negociar neste mercado global em mudanga répida. ‘As empresas transnacionais Entre os muitos factores que fazem avangar a globalizagio, o papel das empresas transnacionais ~ empresas que produzem bens ou servigos comer- ciais em mais do que um pais ~ merece destaque pela sua importincia em particular. Estas podem ser firmas relativamente pequenas, com uma ou duas fibricas fora do pais onde estio sediadas, ou empre- ‘endimentos internacionais gigantescos, cujas opera- ‘goes abrangem todo o globo. Algumas das maiores transnacionais sio empresas bem conhecidas em todo o mundo: a Coca-Cola, a General Motors, a Colgate-Palmolive, 2 Kodak, a Mitsubishi e muieas ‘outras, Mesmo quando tém uma base nacional clara, Sica Sua Ragin Tangua Palins Norucg Arabia Sata Ieands Flinn Aca do Sa Portage Hong Kong, Exon Mobil Wallet Shell 8» General Moros Chevron Daimler Chrysler “Teyora Mocoe Ford Mocce Conoco Figura 44 Receitas das maiores empresas mundiais em comparagio com o PIB de alguns pases, 2005-2006, Fant: Datos compsladosa pari ds revista Fortune «Glob 500, de 4d uo de 2006) The Economie (2005) 140 AGLOBALIZAGAO E O MUNDO EM MUDANGA as transnacionais tém como objective conquistar mereadose hucros globais. [As empresas transnacionais esti no cerne da globalizagio econémica: sio responsiveis por dois tergos de todo o comércio mundial, sio cruciais para a difusio de novas tecnologias em todo o mundo, ¢ sio actores decisivos nos mercados financeitos inter- nacionais. Nas palavras de um observador atento, clas sio «o eixo da economia mundial contempo- rinea» (Held e¢ al, 1999). Enquanto cerca de 500 ‘empresas transnacionais realizaram em 2001 vendas anuais acima de 10 000 milhées de délares, apenas 75 patses tinham um produto nacional bruro de pelo menos esse valor. Por outras palavras, as prin- ipais empresas transnacionais tém uma dimensio econémica maior do que a maior parte dos paises do ‘Mundo (ver Figura 4.4). De acto, a soma das vendas ddas 500 maiores empresas transnacionais do mundo totaliza 14,1 wilides de délares ~ perto de metade do valor dos bens e servigos produzidos no mundo ‘As transnacionais vornaram-se um fenémeno global nos anos que se seguiram & Segunda Guerra Mundial. Asempresas com sede nos Estados Unidos dda América estiveram por detris da expansio que reve lugar nos anos imediatamente a seguir a0 pés- -guerra, mas por volta da década de 70 do século XX firmas europeias ¢ japonesas comegaram também a investir no escrangeiro, No final da década de 80, € durante a década seguinte, as empresas transna- cionais expandiram-se de forma impressionante com o estabelecimento de trés poderosos mercados regionais: Europa (0 Mercado Unico Europeu), Asia Pacifico (a Declaragio de Osaka assegurou ‘um comeércio livre € aberto até 2010) e América do Norte (0 Acordo de Comércio Livre na América do Norte). A partir do inicio da década de 90, paises de outras regides do Mundo comegaram também a liberalizar as restrigdes a0 investimento estrangeiro. No inicio do século XX1 sio jé poucas as economias do Mundo fora do alcance das empresas transnacio- nis. Na iltima década, as grandes empresas sedia- das em economias industrializadas tém estado parti- cularmente activas na expansio das suas operagoes, «em paises em desenvolvimento e em sociedades da antiga Unio Soviévica e da Europa de Leste Pensar de um modo critico Face ao que sabe acerca das empresas trans- nacionais, acha que elas detém realmente mais poder do que os governos nacionais? Como € que os governos nacionais poderiam aumentar a sua capacidade para influenciar o desenvolvimento dos seus préprios paises? Qual das teorias sociolégicas apresentadas rio Capieulo 1 € que acha que pode explicar melhor a ascensio ¢ 0 poder crescente das ‘empresas transnacionais? argumento que defende que a indiistria se eseé a tomar algo cada vez mais globalizado é cada vez ‘mais exemplificado pela referencia a cadeias globais de mercadorias, isto é is redes mundiais de proces- sos de trabalho ¢ de produgio envolvidos na eri de um produto final, Estas redes si0 constituidas ppor todas as actividades esseneiais de produgio que formam uma «cadeia» fortemente interligada, dos materiais em bruto necessérios & produgao do artigo até 20 seu consumidor final (Gereffi, 1995; Hopkins e Wallerscein, 1996; Appelbaum ¢ Christerson, 1997). Entre 1990 ¢ 1998, as indiistrias representaram, cerca de trés quartos do total do ereseimento cond: mico mundial, O maior aumento deu-se entre os paises que se situam num nivel intermédio de rendi- mento: em 1990, as indiistrias valiam apenas 54% das exportagdes desses paises, enquanto oito anos depois o seu peso relativo subiu para 719%. A China, AGLOBALIZAGAO E 0 MUNDO EM MUDANGA 141 cuja evolugio pesou muito neste sentido, passou de tum pais com um baixo rendimento médio para um pais com um rendimento médio intermédio, em ‘grande medida gragas ao su papel como exportador de bens manufacturados. No entanto, 0 mais provi- vel &as actividades mais lucrativas da eadeia global dde mercadorias ~ engenharia, design e publicidade ~ estarem sediadas nos paises do nicleo, enquanto as actividades menos lucrativas, como a produsio fabril, se encontram geralmente em paises perifé- rieos. A cadeia global de mereadorias envolvida na produgio da boneca Barbie é analisada em «Usar a imaginacio sociologica 4.1. Pensar de um modo critico Que grupos, organizagbes € sociedades lucram com 0 funcionamento das cadeias globais de mercadorias? Ha consequén- cias negativas de tal actividade econémica? Quem é prejudicado? A globalizacio da vida econémica ajuda ou atrasa 0 progresso dos paises em desenvolvimento? A economia electronica A scconomia clecerénica> sustenta a globaliza- gio econémica na actualidade, Bancos, empresas, gestores de eapitas investidores por conta propria podem fazer transferéncias internacionais de fandos com um simples clic do rato do computador. Contudo, esta nova capacidade de mover «dinheiro lectrénicom de forma instaneinea acarreta grandes riscos. A transferéncia de grandes somas de dinheiro pode desestabilizar as economias, fazendo desenca- dear crises financeiras intemnacionais, como as que alastraram das economias asidticas & Russia a outros paises em 1998, A medida que a economia mundial se comma cada vex mais integrada, um colapso finan- ceiro numa determinada zona do Mundo pode ter ‘enormes consequéncias em economias distantes.. Os factores politicos, econdmicos, sociais ¢ recnolégicos acima descritos conjugam-se aceual- mente para produzir um fenémeno tinico na histé- ria mundial em termos de intensidade e amplitude. Como veremos no final do capitulo, as consequen- cias da globalizagio sio muitase de grande aleance. Eneretanto, iremos analisar em primeiro lugar as principais incerpretagées da globalizagio que vieram a lume nos iltimos anos. a2 Aa OBALIZAGAO E 0 MUNDO EM M se praticavam salérios baixos. As suas milti- plas origens ensinam-nos muito acerca do modo de funcionamento das cadeias globais de mercadorias. A Barbie € concebida nos Estados Unidos da América, onde sao delineadas as estratégias cde marketing ¢ de publicidade do produto, onde se gera também a maior parte dos lucros. Maso tinico aspeeto fisico da Barbie realmente «produzido nos EUA» é a embalagem, ¢ também algumas tintas éleos usados na deco- ragio da boneca. © compo ¢ as roupas da Barbie vém de muitos pontos do globo: 1. A vida da Barbie comega na Ardbia Saudita, onde ¢ extraido o petrdleo que, depois de refinado, ¢ transformado em etileno que usado para criar 0 seu corpo de plistico. 2. Oimportador estatal de petrdleo de Taiwan, a Companhia Chinesa de Petrdleo, compra oetilenoevende-o a Companhia de Plistico da Formosa, a maior produtora mundial de plisticos de cloreto de poliviniico (PVC), de que sio feitos os brinquedos. Esta tiltima empresa converte © etileno em rolos de PVC, que serio depois moldados para criar © corpo da Barbie, 3. Os rolos sio enviados pata uma das quatro fabricas na Asia que produzem a Barbie ~ duas no sul da China, uma na Indonésia ¢ outra na Malisia. As miquinas de molde do plistico, que sio a parte mais dispendiosa de toda a producio da boncca, sio feitas nos Estados Unidos da América, de onde sio cnviadas para as fabricas. 4. Uma vez terminado © molde do corpo da Barbie, a boneca recebe 0 cabelo de nylon DANCA ee pa Thies (roca “bo plistca). «Barbie global» de origem japonesa, As roupas de algodio so feitas na China, com algodio chinés ~ a ‘nica matéria-prima da Barbie que provém realmente do pais onde a maior parte destas bonecas é produzida. 5. Hong Kong desempenha um papel crucial no processo de produgio das Barbies chinesas. Praticamente todos os materiais usados na produgio si enviados por barco para Hong Kong — um dos maiores portos comerciais mundiais - ¢ depois transportados em camides para as fibricas nna China. Depois de finalizada, a Barbie faz 0 caminho inverso. Cerca de 23 000 camibes fazem diariamente a viagem entre Hong Kong ¢ as fabrieas de brinquedos no Sul da China AGLOBALIZAGAO E O MUNDO EM MUDANGA 143 ‘Assim sendo, de onde vem realmente a Barbie? Aembalagem de determinado conjunto Barbie pode dizer «produzida naChina»,mas, ‘como sc viu, praticamente nenhum dos mate- riais usados tém realmente origem nesse pais. ‘Dos9,99 délares que constituio prego de venda 30 pliblico nos EUA, a China recebe apenas 35 ‘ntimos, principalmente sob a forma de salé- rios pagos &s cerca de 11 000 operarias chinesas que montam a boneca nas suas duas fbricas. ‘Nos Estados Unidos da América, por scu turno, a Mattel obtém cerca de um dolar de lucro. E quanto ao resto do dinheiro que sobra quando a Barbie é vendida por 9,99 délares? Bastam 65 céntimos para cobrir os custos dos plisticos, tecidos, nylon © outros materiais rusados na sua produgio. A maior parte do Mudangas politicas A globalizagio contemporanea também esti relacio- ‘nada com mudangas politicas de viria ordem, Em primero lugar, 0 colapso do comunismo de estilo soviético que teve lugar numa série de revolugoes dramiticas na Europa de Leste em 1989, culmi- nando na dissolucio da prépria Unido Soviética em 1991, Desde a queda do comunismo, os paises do antigo : Sugiro que substieuamos esta imagem pela do «carro de Jagrend» — um engenho descontrolado de enorme poténcia que, colee- tivamente, enuanto seres humanos, podemos conduzir até certo ponto, mas que também ameaga fugie 20 nosso controlo e despedacar- -nos, O carro de Jagrend esmaga aqueles que tentam ressticthe, ¢ embora algumas veres parega seguir um caminho estivel, hé ocasies tem que muda erraicamente de rumo em direc Ges que nao podemos preve. A viagem no é de maneira nenhuma desagradivel ou falha de ccompensagies: pode ser muita vezes dvertida ceimpregnada de uma antecipacio esperangoss. ‘Mas, enquanto as instiuigbes da modernidade dlurarem, nunca seremos capazes de controlar completamente caminho ou o andamento da viagem. Em consequéncia, nunca nos podere- ‘mos sentir inteiramente segures, por 0 terreno poronde corre estar cheio de riscos com conse- quéncias gravosas. Sentimentos de seguranga dontoldgicae de ansiedade existencil coexist io de forma ambivalence (1991b, p. 139). A forma globalizante de modernidade ¢ caracterizda por novas incertezas, novos riscos ® Publicado em Portugal sob tical ds Comeguénciarda Madernidade Ociras, Celta, 1992), MUDANGA 149 mudanga 20 nivel da confianga das pessoas noutros individuos ¢ nas instituigdes sociais. ‘As formas tradicionais de confianga dissolvem- -se num mundo em mudanga ripida. A nossa confianga nos outros baseava-se nas comunidades locais, mas, em sociedades mais globalizadas, as nossas vidas sio afectadas por pessoas que nunca encontrimos ou conhecemos, ¢ que podem viver rho cxtremo oposto do globo. Por causa destas relagées impessoais somos forgados a «confiar» ‘em «sistemas abstractos>, como as agéncias de regulagio ambiental ou de produgio alimentar, ‘ou os sistemas bancarios internacionais. Desta forma, a confianga e os rscos ficam estreitamente ligados. Se queremos enfrentar 0s riscos que nos rodeiam enfrenté-los de uma forma eficaz, & necessirio confiar nas autoridades, Mas ete tipo de confianga nao € habitualmente algo adquirido, mas algo sujeito a reflexio erevisio. Quando as sociedades dependiam mais do conhecimento proveniente dos habitos ¢ tradi- «cs, as pessoas podiam seguir formas estabeleci- das de fazer as coisas sem pensar muito nisso. Para as pessoas modemas, certos aspectos da vida que as geragdes anteriores puderam ter como assentes toraram-se questoes sujeitas a decisio, produ- zindo aquilo a que chamo «reRlexividade> reflexio continua sobre as nossas acgées quotidia- nas ¢ a reforma destas 4 luz de um novo conhe- cimento. Casar (ou divorciar-se), por exemplo, é uma decisio muito pessoal que pode ter em conta a opinio da familia e dos amigos. Mas as estatis- ticas oficiais ¢ a investigagio sociolégica sobre 0 casamento ¢ 0 divércio também se infltram na vvida social, tornando-se amplamente conhecidas « partilhadas, ¢ influenciando assim a tomada de decisio de um individuo, aramim, estas caracteristcas da modernidade fazem-me chegar & conclusio de que a moderni- dade global é uma forma de vida social que nao ‘esta em continuidade com formas anteriores. Em muitos aspectos, a globalizacéo da modernidade assinala ni o fim das sociedades modernas ou um movimento que vai além delas (como defende 0 1pés-modernismo - ver Capitulo 3), mas uma nova etapa de modernidade «tardia» ou «alta», que amplia as tendéncias inerentes & vida moderna, levando-as a uma fase global de maior alcance. Pontos criticos (Os meus crticos argumentam que provavelmente cexagerei a descontinuidade entre a modemidade «formas anteriores de sociedade e que a tradigio € 0 habito continuam a estruturar as actividades quotidianas das pessoas. O perfodo moderno no assim tdo diferente, dizem, ¢ as pessoas moder- nas niio sio tao distinas das de tempos anterio- res, Outros autores defendem que a minha visio da modernidade globalizante minimiza a questio sociol6gica faleral do poder: em especial, a capa- cidade das empresas transnacionais de influenciar governos e de promover uma forma de globali- zagio que privilegia as necessidades do negécio 2 custa dos mais pobres do mundo. O conceit de «modernidade» mascararia essencialmente 0 poder das empresas capitalistas. Por fim, segundo A medida que 0 mundo caminha rapidamence para uma economia tinica e unificada, ha cada vez mais empresas € pessoas por esse mundo fora & procura de novos mercados ¢ de oportunidades ‘econémicas. Em consequéncia disso, o mapacultural do mundo altera-se: as redes de pessoas espalham-se para léde fronteiras nacionais e mesmo de continen- tes, criando lagos culeurais entre os locais de nasci- mento €0s seus paises adoptivos (Appadurai, 1986). alguns, eu coneebo a reflexividade como um desenvolvimento intciramente positive, que reflecte a abertura da vida social a maiores possi- bilidades de escolha. No entanto, tal refexividade poderia também estar a levar a maiores niveis de «anomia», de acordo com 0 proposto por Durkheim, pelo que, nesse sentido, a reflexividade constituiria mais um problema a ser resolvido do ‘que um elemento positive a ser promovido. Importancia actual Emvirtudedeasteoriasdaglobalizacioserem rela- sivamente recentes ede eu continuaradesenvolver as minhas teorias sobre a vida moderna, estamos a lidar AAs ideias aqui expostas tém sido desenvolvidas fruuosamente por outros sociélogos em varias direcgdes. Nesse sentido, ¢ motivo de satisfagio tet proposto um enquadramento tedrico e algu- ‘mas ferramentas conceptuais queas geragées Futu- ras poderio desenvolver ¢ fazer evoluir. Como se pode constatar com as contribuigées criticas a0 meu trabalho sobre a modernidade, a refle- xividade e as relagdes de confianga, tal deu azo a ita discussio sociolégica. Espero que o mesmo se continue a passar no futuro ¢ estou certo de que 0s letores farZo a sua prdpriaavaliagao. jcamente com um «trabalho em curso». Embora sejam faladas no planeta entre 5000 a 6000 linguas, cerca de 98% sio usadas por apenas 10% da populacio mundial, Uma dizia de linguas apenas dominam hoje o sistema mundial de linguas, com mais de 100 milhoes de falantes cada uma: drabe, 0 chinés, o inglés, o francés, o alemio,o hindi, 0 japo- nés, 0 malaio, 0 portugués, 0 russo, o espanhol e o swahili, Desca linguas, apenas uma ~ 0 ingles ~ se central» como primeira escolha para AGLOBALIZAGAO E © MUNDO EM MUDANGA 151 ‘4 maioria dos falantesnativos de outras linguas. Sio ‘estes «bilingues» que unem todo o sistema global de linguas (de Swaan, 2001). E cada vez mais impossivel que culturas disere- tas existam como se fossem ilhas. Ha poucos lugares no planeta, se € que hi algum, que sejam tio remo- tos que escapem 4 ridio, 4 televisio, 20 transporte aéreo ~ ¢ as multiddes de turistas que trazem ~ ou a0 computador. Hi uma geragio, existiam ainda tribos com um modo de vida sem contacto algum com 0 resto do mundo. Actualmente, essas pessoas uusam machetes ¢ outras ferramentas feitas nos Estados Unidos da América ou no Japio, camisas ¢ calgcs produzidos em fibricas de téxteis locali- zadas na Repiblica Dominicana ou na Guatemala, e tomam medicamentos que vém da Alemanha ou dda Suiga para combater doengas contraidas através do contacto com os forasteiros. Estas pessoas véem cambém as suas histrias serem contadas 20 resto do mundo através da televisio por satéitee da Internet. Em uma geragio ou duas, no maximo, todas as culturas mundiais outroraisoladas serio afectadas ¢ transformadas pela cultura global, apesar dos esfor- «0s persistentes que possam fazer para preservar 0 seus antigos modos de vida. ‘As forcas que produzem uma cultura global serio alvo de discussio 20 longo deste livro,eineluem: 1. A televisio, que leva a cultura britinica ¢ ameri- ‘cana (através de canais como a BBC ou a MTV, de programas televisivos como Friends) a lares 5. espalhados pelo Mundo inteiro, ao mesmo tempo que adapta produtos culturais holande- ses (como 0 Big Brother) ou suecos (Expedigio: Robinson, que dew origem a Survivor) aos pil ‘cos britinico e americano: A cmergéncia de uma economia mundial unifi- cada, com negécios cujas fabricas, estruturas de gestio © mercados se espalham frequentemente por diferentes paises ¢ continentes: «

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