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Variedades dialectais do territério portugués A publicagao do primeiro Mapa Dialectolégico do Continente Portu- gués (Vasconcelos, 1893) marcou, ha cem anos, 0 nascimento da Geogra- fia Lingufstica em Portugal. Neste momento, apesar de ainda nao dispormos de um Atlas linguistico de Portugal, algo mais é conhecido das variedades dialectais existentes no pais. Passamos a apresentd-las, tendo como fonte principal a «Nova proposta de classificago dos dialectos galego-portugue- ses» de L. F. Lindley Cintra (1971). Apesar da relativa uniformidade e da reduzida diferenciagao dialectal que caracteriza a lingua portuguesa, quando comparada com outras linguas romanicas, ela apresenta contudo variacdes diatépicas sobretudo a nivel fonético mas também em todos os restantes niveis (fonolégico, morfold- gico, sintdctico, lexical, semantico). Nao é pois estranho que seja a nivel fonético que ela tenha sido mais estudada. Além disso, para ser possivel aprofundar os outros aspectos, seré necessdrio poder dispor de informagao comparavel proveniente de todo o territério portugués e de um Atlas Lin- guistico publicado. Os dialectos herdeiros do galego-portugués podem ser classificados, do ponto de vista fonético (segundo Lindley Cintra, 1971), em trés grandes grupos: — dialectos galegos — dialectos portugueses setentrionais — dialectos portugueses centro-meridionais Antes de passarmos a apresentar a diferenciacdo dialectal do territorio, parece-nos porém necessdrio esclarecer a actual situagdo do Galego frente ao Portugués. De lingua comum a Galiza e ao Norte de Portugal, 0 Galego- -Portugués foi-se progressivamente diferenciando em Galego e Portugués com o estabelecimento de fronteiras politicas entre Portugal e a Galiza (século XII) ¢ com a deslocagao da corte portuguesa para o Sul (a partir de meados do século XIII). Factores de ordem lingufstica, mas também his- t6rico-cultural, teréo contribuido para acentuar a diferenciagéo que, segun- do alguns autores, j4 era detectavel em época medieval entre dialectos de aquém e de além Minho. Entre os primeiros factores, deve mencionar-se © facto de que a norma padrao portuguesa se foi constituindo a partir da incorporagio no Galego-Portugués de inovagdes e de fendmenos linguisticos préprios do Sul. Entre os segundos, deve assinalar-se o facto de que, en- quanto o Portugués se transformava em lingua de um Estado soberano, o Galego conhecia outro destino: ficando a Galiza anexada a Castela, 0 Ga- lego passou a sofrer a influéncia crescente do Castelhano. Assim, 0 Gale- 491 go, que durante séculos foi ignorado e combatido pelo poder castelhano, embora continuasse a ser falado em familia e nas comunidades rurais, s6 em 1978 alcangou o estatuto de lingua oficial da Comunidade Auténoma da Galiza. O Galego apresenta-se hoje, pois, como um idioma de condigao dupla, consoante nos situemos num ponto de vista linguistico ou institucional. Do ponto de vista institucional, o galego, ao adquirir o estatuto de lingua ofi- cial, marcou a sua independéncia, passando a dispor dos seus proprios ins- trumentos de normalizagao, estudo e difusio. Do ponto de vista estritamente linguistico, o galego e 0 portugués constituem dois grandes grupos de dia- lectos de uma mesma lingua histérica — 0 Galego-Portugués — e é nessa medida que consideramos indispens4vel indicar aquilo que hoje os distin- gue. Antes, porém, importa dizer que, em Dialectologia, para delimitar dia- lectos ou grupos de dialectos, se parte tradicionalmente da observaciio de isoglossas correspondentes a diferentes fenédmenos lingufsticos. Como o tragado de diferentes isoglossas raramente € coincidente, o processo tradi- cional é seleccionar um trago ou um ntimero reduzido de tragos conside- rados muito relevantes e fortemente diferenciadores e que, de preferéncia, sejam sentidos como tal por grande ntimero de falantes. Desse processo se serviu Lindley Cintra (1971), que comegou por es- tabelecer os seguintes tragos diferenciadores (ver mapa 3 no final do capi- tulo): 1. Auséncia de distingdo fonolégica entre /v/ e /b/, em proveito de /b/, pronunciado quer oclusiva quer fricativamente ((b] e [8], res- pectivamente); é 0 chamado fendémeno da «troca do v pelo b»: baca € obo por vaca € ovo, prépria do Norte do pafs e do Galego, e que, sentido como fortemente dialectal, leva a hipercorrecgdes fazendo surgir v em palavras em que nao devia existir (como voi por boi). 2. Realizagdes 4pico-alveolares mais ou menos palatalizadas para os fonemas /s/ (surdo) e /z/ (sonoro) e que constituem a prontincia conhecida por s beirao: assa [ase|/asa [azp]. E um fenémeno pré- prio das Beiras e do Norte de Portugal. 3. Manutengao da oposigao fonoldégica entre o fonema /t{/ (represen- tado pelo grafema ch e pronunciado como africada palatal) e o fonema /§/ (representado pelo grafema x); € a oposigio entre a pro- ntincia do ch aproximadamente como tch em palavras como chave, chuva, bucho e a pronincia do x de xaile, enxada ou buxo; este fendémeno, mais ainda do que o precedente, é sentido como indicio de rusticidade e como tal estigmatizado, tendo sido eliminado do Portugués padrao. Conserva-se, contudo e ainda, na pronincia de 492 pessoas idosas das aldeias a norte e leste de uma linha que liga a parte mais oriental do Tejo ao curso inferior do Douro e exclui a maior parte da costa minhota. 4. Conservagao do ditongo /ow/ em diferentes realizacdes [ow], [ew], como em ouro, fenémeno sentido como caracteristico regionalisino nortenho e que ocorre a norte de uma linha que, partindo da regio de Aveiro, inflecte para sul até alturas de Viseu para depois se jun- tar ao curso do rio Douro, até a fronteira com Espanha. 5. Monotongagao do ditongo [ej] em [e] como em ribeiro [ribéru] sen- tido como regionalismo meridional, e tinico dos tragos até agora apontados que diverge da norma padrao (na qual o ditongo se man- tém). Para tomar em consideragéo o Galego, distinguindo-o dos dialectos portugueses, Lindley Cintra considera ainda: 6. Inexisténcia, no Galego, da oposigio entre fricativas palatais surdas € sonoras, ou seja, entré /{/ e /3/ e entre sibilantes surdas e sono- ras /s/ e /2/. 7. O menor fechamento e grau de redugio das vogais nao acentuadas do Galego relativamente 4s portuguesas correspondentes. Com base em alguns destes tragos, Lindley Cintra distingue trés grandes grupos de dialectos. Passemos a observar agora os fendémenos lingufsticos que os individualizam. A fronteira entre 0 conjunto dos dialectos galegos e 0 conjunto dos dia- lectos portugueses setentrionais segue, em linhas gerais, a fronteira politica e € marcada por um feixe de iséfonas (linhas imagindrias que tragam os limites geograficos de segmentos fénicos) quase coincidentes. Entre os fendé- menos lingufsticos que os distinguem contam-se a inexisténcia, no Galego, das oposigées entre fricativas palatais surdas e sonoras, /{/ e /3/, e entre sibilantes surdas e sonoras, /s/ e /z/, como ja se referiu. No Galego sé exis- tem as consoantes surdas, ou seja, palavras como janela e geral so escri- tas xanela e xeral e pronunciadas com o mesmo som inicial com que um falante portugués pronuncia xaile; palavras como asa e fazer séo pronun- ciadas com as mesmas sibilantes surdas com que um falante do Norte de Portugal pronuncia, respectivamente, passo e caga, ou seja, com [s] e [s]. Outro trago que opde o Galego e o Portugués (nao considerado por Lindley Cintra) é a inexisténcia no galego de vogais e ditongos nasais. Os galegos dizem mao, mai (ou nai), que correspondem as formas portu- guesas mdo e mde. Em palavras como can, ladrén (ou na 1." pessoa do pre- térito perfeito dos verbos em -er e -ir, por exemplo, eu escollin do verbo escoller), 0 -n final € pronunciado com nitida articulagéo consonantica (Fernandez Rei, 1991). 493 Grupo dos dialectos setentrionais A caracteristica fonética seleccionada por Lindley Cintra para distinguir © grupo dos dialectos setentrionais do grupo dos dialectos centro-meridio- nais portugueses € a que estabelece o limite das realizagdes pico-alveolares [s] e [2] para os fonemas /s/ e /z/, préprias do Norte, e que se contrapdem as realizagées predorsodentais [s] e [z] dos mesmos fonemas, a Sul. (Cf. mapa 3.) A fronteira entre os dois grandes grupos de dialectos segue uma linha que atravessa Portugal no sentido noroeste-sudeste, desde a regio de Aveiro (junto da costa) até uma regido préxima da fronteira politica com Espanha, na Beira Baixa. Dentro destes grupos de dialectos € ainda possivel encontrar varieda- des de menor extensao que se caracterizam por, pelo menos, um traco comum. (Ver mapa 4 no final do capitulo.) Assim, no Portugués setentrional, Lindley Cintra distingue dois grupos: — dialectos transmontanos e alto-minhotos — dialectos baixo-minhotos, durienses e beirdes O que individualiza 0 primeiro destes grupos é a existéncia de um sis- tema complexo de quatro sibilantes que conserva um estado de lingua ar- caico. Essas consoantes sio /s/, /z/, /s/, /z/ ou seja, duas consoantes com articulagio 4pico-alveolar — uma surda e outra sonora — e duas consoantes com articulagio predorsodental — também uma surda e outra sonora. Es- sas quatro consoantes correspondem a origens diferentes que a ortografia do Portugués representa por grafemas diferentes. No que diz respeito as Apico-alveolares, as correspondéncias com os grafemas sao as seguintes: o [s] corresponde a s- inicial de palavra e a -ss- grdficos; o [z] corresponde a -s- intervocdlico grafico. As predorsodentais tm as correspondéncias se- guintes: o [s] corresponde a c¢ *‘ea ¢; 0 [z] corresponde a z grafico em posigdo inicial ou medial. Assim, uma palavra como segar ‘cortar os cereais, a erva’ pronuncia-se com [s], diferentemente de cegar 'perder a vista’, pro- nunciado com [s]. Também coser é pronunciado com [z] diferentemente de cozer, pronunciado com [z]. O sistema conservador de quatro sibilantes sobrevive, como ja se disse, numa drea que abrange parte do Alto Minho, a maior parte de Trds-os- -Montes, uma pequena parte a norte do distrito da Guarda, junto da fron- teira com a Espanha, e ainda, segundo dados dos inquéritos ALEPG, nou- tros pontos dispersos da Beira Alta. Este sistema de quatro sibilantes simplifica-se nas duas sibilantes Apico- -alveolares, uma surda e uma sonora [s] e [2], que caracterizam os dialec- tos baixo-minhotos, durienses e beirdes (exceptuando a zona litoral). Nesta 494 rea passo e pago pronunciam-se da mesma maneira: [p'asul; coser e co- zer também coincidem na prontincia em [ku'zgr]. Estas realizagdes sao, evidentemente, diferentes das da norma. Ainda dentro do grupo baixo-minhoto-duriense-beirao destaca-se a re- giao do Baixo Minho e Douro Litoral com a cidade do Porto como centro urbano mais importante. Esta variedade é delimitada pelas iséfonas corres- pondentes a ditongacdo das vogais médias acentuadas [e] € [o] respecti- vamente em [je] e [wo] ou mesmo [we], como em ['pjezu] por peso ou [sipwore], [si!nwere] por senhora. Como o trago caracteristico desta zona podera também assinalar-se a conservagio da terminagdo -om, que a nor- ma substituiu por -do, e a sua generalizagao a todas as palavras termina- das em -do. Grupo dos dialectos centro-meridionais O grupo dos dialectos centro-meridionais distingue-se do grupo dos dialectos setentrionais por ter operado a simplificagao do sistema de qua- tro sibilantes em duas, uma surda e uma sonora, em beneficio das realiza- bes predorsodentais que hoje constituem a norma linguistica portuguesa. Nesta rea, passo e paco pronunciam-se de uma mesma maneira: ['pasu] e cozer e coser s&o, igualmente, homéfonas: (ku'zer]. Embora a 4rea ocupada pelo Portugués centro-meridional apresente, do ponto de vista dialectal, uma maior homogeneidade do que a rea corres- pondente ao Portugués setentrional, € todavia possivel distinguir dois gru- pos de dialectos: — dialectos do Centro-Litoral (estremenho-beirdes); — dialectos do Centro-Interior (ribatejano-baixo-beirao-alentejano- -algarvios). A fronteira que os separa é a iséfona que corresponde 4 monotongacgao do ditongo [ej] em [e]. Esta fronteira parte da costa ocidental por alturas de Obidos, desce até quase a altura de Lisboa e, inflectindo depois para Nordeste, acompanha o curso do Zézere, atingindo a raia a norte de Cas- telo Branco (Lindley Cintra, 1970 e 1971). F de referir, relativamente a este trago, que Lisboa constitui uma ilhota de conservaciio do ditongo (representado por [ej] ¢ nao por [ej], como na maior parte da 4rea que conserva 0 ditongo), no interior de uma drea de monotongacao. Dentro da extensa 4rea ocupada pelos dialectos do Centro-Interior e Sul — e que vai desde o Ribatejo e Beira-Baixa até ao Algarve — destacam- 495 -se duas variedades localizadas em extremidades opostas, nordeste e su- doeste, e que apresentam profunda alteragio de timbre do sistema vocdlico acentuado. (Cf. mapa 4.) Na variedade da Beira Baixa e Alto Alentejo, os tragos mais salientes sao: a) palatalizagao de [u] em [y], cuja iséfona é tomada como limite da variedade e ultrapassa, ao norte, o limite estabelecido entre o grupo dos dialectos setentrionais e o dos centro-meridionais; b) palatalizagao de [a] em [e], devido a um fenémeno de harmonizagao vocélica, sempre que na silaba anterior existe (ou existiu) [i] ou [u) ou as semivogais [j] ou [w] ou ainda quando a vogal se encontra em contacto com uma consoante pala- tal; c) existéncia de um outro fenémeno de palatalizacaio, a de [o] em [o], vogal resultante da monotongagao do ditongo [ow]; d) labializagao das vo- gais [e] e [e]; e) queda da vogal final nao-acentuada -[u], grafada -o, ou a sua redugio a [i]. Na variedade do Barlavento do Algarve, menos extensa do que a ante- rior, constata-se uma deslocagao em cadeia das vogais acentuadas; as vo- gais anteriores sao mais abertas, surgindo uma vogal extremamente aberta, [e], a corresponder a [e]; a vogal central [a] sofre uma velarizagdo sendo pronunciada muito préxima de [9]; 0 timbre de [9] aproxima-se de [o]; 0 {u] sofre palatizagao em [y] como na variedade da Beira Baixa e Alto Alentejo e, tal como af, a vogal final nao-acentuada -[u] desaparece (Se- gura da Cruz, no prelo). Dialectos insulares Os dialectos falados nos Agores ¢ na Madeira apresentam maiores afi- nidades com o conjunto dos dialectos centro-meridionais portugueses. Com efeito, tomando em consideragdo os tragos atras apontados, verifica-se que essas variedades apresentam um sistema de duas sibilantes (surda e sono- ra) com realizagéo predorsodental; distingao entre labio-dental /v/ e bilabial /b/; inexisténcia da africada /t{/. Quanto aos ditongos [ow] e [ej], apenas no dialecto da ilha de Sao Miguel, nos Agores, se operou a monotongagio caracteristica dos dialectos centro-meridionais portugueses. Nas restantes ilhas dos Agores e na Madeira, os ditongos permanecem e [ow] é freque- ntemente realizado como [oj] (variante que também se verifica no conti- nente). O dialecto de Sao Miguel apresenta, por sua vez, alguns dos tragos que caracterizam as regides da Beira Baixa — Alto Alentejo e do Barlavento: [y] palatalizado como em ¢[y]do, escly]do; [a] velarizado, pronunciado com um timbre préximo de [9]: quase voca por vaca; desaparecimento da vo- gal tona final — [u] grafada 0, como em ['gat], por gato, ['kop] por copo; 496 tal como na primeira daquelas regides continentais, a vogal resultante da monotongacao do ditongo [ow] é palatizada, [0]: ['pok] pouco. Por sua vez, o dialecto da Terceira apresenta um fenédmeno de harmonizagio vocélica que consiste na insergao de uma semivogal [j] ou [w] antes de vogal acentuada (podendo inclusivamente provocar a altera- gao de timbre desta) quando na silaba néo-acentuada anterior existe (ou existiu) [i] ou [j], [u] ou [w] como em [i'pja] limpar, [u ‘yatu] 0 gato. (Martins e Vitorino, 1989, pp. 330-356.) A ilha da Madeira apresenta alguns tracos caracteristicos inovadores que nao encontram paralelo em nenhum dialecto continental, Entre eles, contam-se: a) palatalizagao de J quando precedido de vogal ou semivogal pa- latal — [i] ou [j] — como em vilae ceroilas, cuja prontinica é respecti- vamente ['viAe] ou mais geralmente ['vejAe]~['veax] e [si'rojAef]~[si'roAef]; 5) ditongagao das vogais acentuadas [i] e [u] respectivamente em [ej]~fi] e [ew] como em filha (['fejAx] ['fijAv], navio [ne'veju] [ne'viju] e ua ['lewe]. Dialectos asturo-leoneses em territério portugués Ao longo da fronteira do Nordeste transmontano sobrevive um conjunto de dialectos do asturo-leonés, antiga lingua do reino de Ledo: no concelho de Braganga, o Rionorés e 0 Guadramilés, falados respectivamente em Rio de Onor e Guadramil; e no concelho de Miranda do Douro, o Mirandés que apresenta trés variedades: raiano, central e sendinés. Entre os fenéme- nos que o distinguem do Portugués contam-se a manutengao de -n- e -l- intervocdlicos latinos (cenar por cear, salir por sair), ditongagao de & latino em ié (tiérra por terra), palatalizagio das consoantes duplas intervocdlicas -Il- e -nn- (cabalho por cavalo, canha por cana) como em Leonés e Castelhano e palatalizagao de /- inicial latino como em Leonés e em Catalao (Jhuna por lua). As caracteristicas do Mirandés e a sua situagio de isolamento no con- junto dos dialectos de Portugal tornaram-no a tinica minoria linguistica de raiz hist6rica existente no territério portugués. E falado por cerca de 12 000 pessoas que o utilizam em diglossia, ou seja, numa situagao de bilinguismo com diferenga de estatuto social entre as linguas utilizadas — sendo o Portugués reservado para situagdes formais. Atentemos no que diz uma mirandesa acerca da utilizagio da sua lingua: «Mas por causa disso, que you sei que [...] nun queda bien... por exempro, you adonde bou yé Miranda [...] you estou co senhor presidente, you estou co a senhora professora, you falo lo mais fidalgo que pudo, nun yé berdade? You nun bou falar como you, com’eiqui falo [...] porqu’you acho pra mim qu’aquilho queda mal.» 497 Esta ocultagdo da fala prépria é sensivel em qualquer variedade 4 qual nao é reconhecido prestigio. Cem anos depois de José Leite de Vasconcellos ter desvendado a existéncia deste idioma e de ter exposto uma parte impor- tante da sua gramitica, procura-se finalmente doté-lo com instrumentos que o revalorizem, facilitando a sua normativizag&o, 0 seu reconhecimento oficial como lingua minoritaria do territério portugués e a sua integracio no mapa das linguas minoritarias da Europa. Um desses instrumentos é uma norma ortogrfica que interprete os diferentes falares locais e permita re- duzir as variantes graficas existentes. Para isso foi feita a Proposta de Convengao ortogrdfica mirandesa, publicada em 1995, e que € seguida na ‘jo acima. Exceptuando 0 concelho de Miranda do Douro, em nenhu- ma outra faixa do pafs existem fronteiras lingufsticas abruptas. A variagio diatépica de uma lingua, num espago geografico continuo, faz-se fenédme- no a fenémeno. Basta olhar 0 mapa onde est&o representadas as principais is6fonas do Portugués (mapa 3) para constatar que os limites das caracte- rfsticas dialectais ali apontadas estio longe de coincidir.. E esta impossiblidade de tragar fronteiras nitidas entre os seus dialectos continen- tais € uma das razdes que permitem afirmar ser 0 Portugués uma lingua bastante unit:

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