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FAZENDO UM TCC EM QUADRINHOS: OS DILEMAS DE UMA FUTURA

EDUCADORA EM ARTES VISUAIS

Giordana Cenci Dal Castel, autora, e Paula Mastroberti, coautora.

Universidade Federal do Rio Grande do Sul, Porto Alegre, Brasil.

RESUMO
Este trabalho consiste na apresentação do meu trabalho de conclusão de curso em Licenciatura em
Artes Visuais na Universidade Federal do Rio Grande do Sul. Tal trabalho possui um diferencial
inovador dentro da Academia de Artes da minha universidade, pois ele foi feito integralmente no
formato dos quadrinhos. Dessa forma, utilizo os quadrinhos como tema, pesquisa e estética de
formatação deste trabalho, em acordo com os princípios da a/r/tografia, que propõe a inclusão de
outras linguagens no discurso científico (Belidson; Irwin, 2013). Com ele, trago diversos
questionamentos sobre os quadrinhos na escola, desde sua aplicação em planos de ensino até sua
prática em sala de aula. A atual pesquisa surgiu de uma relação de longa data com o mundo das
histórias em quadrinhos e da experiência de estágio obrigatório em artes com alunos de uma escola
estadual da zona norte da cidade de Porto Alegre. O texto em que a pesquisa se desenvolve, tem
como base o pensamento de muitos estudiosos dos quadrinhos, entre eles, principalmente, Ivan
Brunetti (2013), Scott McCloud (2006) e Thierry Groensteen (2015). Acredito que, com este
trabalho, os espectadores possam questionar-se a respeito dessa modalidade da arte nas escolas e ter
um novo entendimento a respeito dos diversos tipos de utilização dos quadrinhos nas aulas de artes.
E especialmente, espero que professores e futuros professores sintam-se motivados a explorar essa
modalidade de forma criativa e consciente.

PALAVRAS-CHAVE: Histórias em quadrinhos; Quadrinhos e educação; Quadrinhos e ensino


de artes.

ABSTRACT
This essay consists of the exhibition of the graduation work for my bachelor's degree in the Visual
Arts course at Federal University of Rio Grande do Sul. The work is innovative within the Arts
Academy since it was entirely developed the comic books. In this way I use comics as a theme,
research, and formatting aesthetics of the work, according to the principles of A / r / tography,
which proposes the inclusion of other languages in the scientific discourse (Belidson; Irwin, 2013).
Along with my work I bring various questionings about comics in school, from their application in
study programs to it's practice in class. The current research comes from a long time relation with
the world of comic books and my experiences during my mandatory internship as an Arts teacher in
a public school from the north zone of Porto Alegre. The text in which my research develops on is
based upon the ideas of many comics experts such as Ivan Brunetti (2013), Scott McCloud (2006),
and Thierry Groensteen (2015). I believe that through this work the viewer will be able to debate
about this genre of art in school and have a better understanding on the various uses of comics in art
classes. And, most of all, I hope that teachers and future teachers feel motivated to explore this
genre in a conscious and creative way.

KEYWORDS: Comics; Comics and education; Comics and art education.


A produção de uma história em quadrinhos (HQs) não é nada fácil, pois exige tempo
e muita dedicação. Mesmo que a proposta do quadrinho seja experimental, resolvida em
pouco tempo, por exemplo, ainda resta a dedicação: a dedicação de vida. É preciso ler,
conhecer e experimentar de forma prática os quadrinhos para que bons resultados sejam
conquistados.
Quem conhece o campo acadêmico é capaz de compreender que a realização de uma
pesquisa acadêmica não é fácil, pois essa também exige tempo e muita dedicação, ainda
mais quando se trata de um objeto de estudo que te interessa muito, que tu gostas muito
e/ou do qual tu te orgulhas muito.
Resolvi pesquisar sobre histórias em quadrinhos na escola contemporânea em meu
trabalho de conclusão (TCC) do curso de Licenciatura em Artes Visuais na Universidade
Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS), onde ingressei aos 17 anos em 2012. Nesta época
em que iniciei minha caminhada acadêmica, eu não cogitava me tornar uma professora de
artes. Decidi cursar licenciatura porque também não me vislumbrava viver como artista
visual. Poucos são os artistas que vivem de sua arte no Brasil. Então, uni o útil ao
agradável, mesmo que hoje minha posição a respeito tenha mudado, em virtude dos tantos
problemas que incidem sobre a educação em geral, e sobretudo na educação escolar em
artes.
Vou explicar melhor tudo isso, pois não somente resolvi pesquisar sobre quadrinhos
na educação em artes na escola como transformei esta pesquisa em uma história em
quadrinhos. Contudo, nem sempre a possibilidade de unir um tema agradável à pesquisa
acadêmica é tão prazerosa quanto esperamos. Pesquisar quadrinhos exige tempo e
dedicação. A última exigência pode ser conquistada ao longo da tua carreira como
estudante universitário. A primeira exigência, entretanto, não depende de ti, mas de cada
instituição acadêmica que atribui a cada curso um determinado período para a realização de
seu trabalho de conclusão. E foi mais ou menos a partir deste dilema que eu comecei a
produção do meu TCC.
Antes de mais nada, é essencial a explicação da primeira etapa de todo esse processo
de produção de TCC, que envolveu um estágio obrigatório em uma escola estadual na
minha cidade, Porto Alegre, Rio Grande do Sul. Como cursei a licenciatura, o TCC
precisava ser relacionado à educação.
Estagiei por quase um ano letivo na Escola Estadual de Ensino Médio Professor
Sarmento Leite, que fica na zona norte de Porto Alegre. As turmas em que trabalhei foram
o Nono Ano do Ensino Fundamental e o Primeiro Ano do Ensino Médio. Totalizei 40h/aula
de observação e prática para cada turma e realizei um plano de ensino para ambas. Cada
turma tinha um professor: uma professora do Nono Ano, que ficcionalmente a quem
chamarei de Conceição1, formada em Artes Visuais pela UFRGS, e um professor do
Primeiro Ano, que o chamarei de Cleiton2, formado em Desenho Industrial e Artes Visuais
pela ULBRA.
Meu plano de ensino, em sua primeira etapa, tinha a prática do desenho como
processo de aprendizagem e nivelamento da turma, pois tive tempo para observar os
trabalhos de artes dos alunos e percebi que eles precisavam de uma base técnica no
desenho. Na oportunidade de assistir às aulas no período de observação do estágio,
presenciei uma cena que até hoje me recordo. O professor Cleiton, no início de uma de suas
aulas, retirou da gaveta de sua mesa um papel com uma maçã desenhada e o colou com fita
adesiva no quadro da sala. “Desenhem isto”, ele disse. E esta foi mais uma aula de artes do
Primeiro Ano no ensino Médio naquela escola. Não teria sido tão ruim se ele ao menos
tivesse orientado seus alunos sobre as questões técnicas de como desenhar e pintar aquele
desenho de maçã colado no quadro. Porém, isso não aconteceu. “Desenhem isto” foi dito no
início da aula e perdurou até o final dela. A partir dessa constatação, decidi introduzir
algumas reflexões em meu plano de ensino a respeito da técnica do desenho de observação.
As etapas seguintes do plano consistem em um processo de aprendizagem teórico e prático
sobre as HQs, para os alunos produzirem, nos últimos encontros do estágio, uma página de
quadrinhos, valendo como exercício final.
Este exercício final tinha como critérios os seguintes:
1. Fazer uma produção em quadrinhos de no mínimo seis e no máximo nove quadros.

1
Uso pseudônimos para evitar revelar as verdadeiras identidades dos envolvidos. Para essa professora, escolhi o nome da
personagem principal do quadrinho brasileiro Suburbia, baseado no seriado de Luiz Fernando Carvalho e Paulo Lins, com
roteiro e arte adaptados por Pedro Franz.
2
Para esse professor, escolhi o nome do personagem secundário do mesmo quadrinho, Suburbia.
2. Usar no mínimo um material diferente do lápis de escrever/de colorir.
3. Usar no mínimo três quadros com bordas diferentes.
Eles foram cruciais para a elaboração das páginas, pois facilitaram aos alunos a escolherem
melhor seus caminhos criativos de produção artística, além de terem relembrado esses
alunos sobre os elementos visuais dos quadrinhos aprendidos antes, em algumas aulas
teóricas expositivas.
No meu “grandioso” primeiro dia de aula fiz minha apresentação como artista e
como professora de artes. Este primeiro período foi tão importante quanto todos os outros,
pois tive a oportunidade de entregar às turmas e ler com elas um pequeno manual ilustrado
que produzi, chamado Manual do Senso Comum. Ele foi baseado no Manual do Senso
Comum produzido por minha professora de pintura, Adriane Hernandez3, para os “bixos”
do curso de Artes Visuais, que fala dos possíveis medos e receios que um estudante
iniciante em artes pode vir a sentir e o que motiva esse aluno, resolvendo esses medos e
desmistificando certos mitos a respeito do campo da arte. Tive a oportunidade de xerocar
meus originais na escola e imprimir para todos os alunos. Cada um recebeu o seu Manual
do Senso Comum em formato de zine ilustrado. Abaixo, além da capa, listo duas das
desmistificações contidas nele:

Figura 1 - Manual do Senso Comum

3
Adriane Hernandez foi minha professora na cadeira Atelier de Tópicos Especiais em Pintura II, no ano de 2015, dentro
do curso de Licenciatura em Artes Visuais da UFRGS.
Figura 2 - Tópico 3 do Manual do Senso Comum

Figura 3 - Tópico 4 do Manual do Senso Comum


Tanto o Manual do Senso Comum quanto o plano de ensino completos realizados
para essas turmas de Nono Ano e Primeiro Ano podem ser acessados e lidos na Plataforma
Lume da UFRGS4 (onde encontram-se diversos trabalhos acadêmicos de diversos alunos e
cursos publicados).
Após essa longa temporada de estágio obrigatório, comecei a elaborar o projeto de
trabalho de conclusão. Meu curso divide o período de TCC em duas partes, que coincidem
com dois semestres corridos: a etapa do projeto e a etapa do trabalho de conclusão. O
projeto tinha como tema “As Histórias em Quadrinhos como objeto de estudo artístico no
ensino das artes na escola contemporânea”. Entre os objetivos específicos dele, destaco três:
- Abordar os resultados do estágio obrigatório, enfatizando a eficiência de tal projeto
de estágio.
- Situar o leitor no mundo dos quadrinhos.
- Dar bases de pesquisa e de plano de ensino para o uso de outros professores ou para
futuros professores que tenham interesse nesta modalidade artística.
Até agora não expliquei sobre como foi fazer um TCC em quadrinhos porque até
esse momento eu não havia considerado fazê-lo. Minha orientadora, como eu , estava
receosa com essa possibilidade, afinal não sabíamos como os professores da pré-banca
avaliadora receberiam essa concepção sobre o formato do trabalho. Nós não sabíamos se
isso seria permitido, além de termos em mente que o caminho para a produção de uma
pesquisa em HQs seria dificultoso. Não seria apenas pesquisar sobre o assunto e discorrer a
respeito, citando autores e outras referências e organizando tudo nas normas ABNT. Seria,
também, lidar com a criação de personagem, a produção de layout de páginas, a montagem
de roteiro, a produção das artes (páginas), o escaneamento do material, o tratamento digital
das imagens e com a edição do texto nos balões de fala. Para quem faria seu primeiro TCC
em quatro meses, a proposta não parecia muito favorável.
No dia de apresentação do projeto para a banca, fui surpreendida pelo desejo dos
professores por querer ver meu trabalho de conclusão no formato de HQ. Eu também relato
isso na segunda página do capítulo um do meu TCC, pois esse foi o momento crucial para
decidir o que seria feito em minha pesquisa a partir de então. Enquanto a pré-banca

4
Lume UFRGS: <http://hdl.handle.net/10183/157051>, último acesso em 22/11/2017.
aguardava minha resposta sobre a atitude que eu tomaria, muitos pensamentos vieram à
minha cabeça. A resposta da minha orientadora, levando em conta nossas discussões
prévias a respeito disso, foi apenas uma: “Se a Gi der conta…”. Bom, na altura em que
estava, se eu daria conta, eu não sabia, mas decidi me propor esse desafio.
Uma das primeiras partes da produção desse trabalho de conclusão em quadrinhos
foi a realização de um novo cronograma, pois já havia feito um para apresentar para a pré-
banca. Como escolhi transformar minha pesquisa em quadrinhos, precisei refazer o
planejamento. Isso quer dizer que eu teria que idealizar novas metas a serem cumpridas
para melhor organização do meu trabalho, o que me deixou muito nervosa: percebi que
teriam muitos deveres a cumprir em pouco tempo.
Sendo assim, fracionei a produção em quatro etapas, resumidamente:
1. A etapa da pesquisa teórica.
2. A etapa da produção textual (roteiro) junto com a produção dos layouts. A
personagem foi criada nesse meio tempo, também.
3. A etapa de produção dos quadrinhos.
4. A etapa de tratamento das páginas escaneadas e da edição dos balões de fala.
Cada estágio da produção do meu TCC levou seu tempo, mesmo que eu tenha
estipulado um determinado período para resolver cada fase (para o projeto, se pede um
cronograma para conclusão do TCC). Creio que se nos prendermos muito às questões de
tempo, acabamos nos perdendo no que realmente importa, que é o bom desenvolvimento da
pesquisa e da produção. Essas possuem cada uma seu próprio tempo.
A parte teórica do meu trabalho foi desenvolvida baseada em algumas leituras de
livros e textos específicos sobre produção de história em quadrinhos, quadrinhos e
educação, o sistema dos quadrinhos e sobre leis e diretrizes educacionais. Além de tudo
isso, busquei em minhas lembranças algumas experiências para exemplificar teorias e
modos de lidar com a educação. Dessa forma, tentei uma aproximação com o leitor,
fazendo a leitura fluir quase como uma conversa. Gostaria de recomendar um livro que me
ajudou muito e me esclareceu algumas questões a respeito do mundo dos quadrinhos,
chamado O sistema dos quadrinhos, de Thierry Groensteen (2015). Este livro foi uma das
bases para a construção da minha pesquisa sobre quadrinhos.
O período de criação do roteiro e dos layouts, bem como a concepção de
personagem, foi o mais longo. Aqui, tive que lidar com a organização de ideias, de teorias,
de pesquisa, e colocá-las em conversa com a criação de elementos visuais (personagem e
cenários). Vou ilustrar isso primeiro para depois explicar como pensei em resolver essa
composição.

Figura 4 - Concept de personagem

Figura 5 - Concept de personagem


Figura 6 - Concept de personagem

Figura 7 - Concept de personagem

A personagem do meu trabalho de conclusão sou eu mesma. Ela se chama Gi e


conta como foi meu estágio obrigatório, além de explicar algumas teorias a respeito dos
quadrinhos na educação. Eu construí ela com um estilo de desenho mais objetivo, resolvido
em poucos minutos, pois não havia muito tempo para os demais detalhes, como por
exemplo o cabelo. O cabelo, desse modo, era resolvido em alguns poucos segundos. Ficará
mais perceptível essa questão do traço com visual mais sintético ao longo em que mostro o
desenvolvimento das páginas do meu trabalho. Outra questão interessante sobre o meu
processo de criação visual é a forma como resolvi o preenchimento do desenho. Nesse caso,
resolvi usar colagem, pois para mim isso parecia ser mais fácil de realizar do que ficar
pintando à caneta personagem por personagem. Selecionei, portanto, alguns quadrinhos que
já não me interessavam tanto e algumas revistas antigas que tinha em casa, como a Neo
Tokyo, por exemplo, e recortei algumas partes desse material para compor a saia da
personagem. A estética visual da Gi, desse modo, se tornava mais instigante, pois os
elementos visuais dos recortes, além de fazerem muito sentido com o assunto pesquisado,
se contrapunham com o traço rápido de meus desenhos (ver figuras 10, 11, 12 e 13).

Figura 8 - Rascunho do layout com balões de fala e parte do roteiro


Figura 9 - Rascunho do layout com balões de fala e parte do roteiro

O título do meu trabalho de conclusão foi alterado de “Os dilemas de uma futura
educadora em Artes Visuais: Como ensinar quadrinhos na escola contemporânea” para “Os
dilemas de uma futura educadora em Artes Visuais em quadrinhos: A modalidade
‘Histórias em Quadrinhos’ na disciplina de artes da escola contemporânea”. Esse título já
havia sido discutido na banca de qualificação do projeto. Os professores fizeram
questionamentos em relação a algumas palavras do título do projeto anterior e, por esse
motivo, o modifiquei. Ficou mais longo, porém, mais explicativo.
Por fim, apresento abaixo algumas das páginas prontas deste meu trabalho de
conclusão, que pode ser encontrado para visualização e download na plataforma Lume da
UFRGS. Espero que este meu relato seja um motivador para pesquisadores, professores, e
demais leitores. Meu objetivo é também, além de tudo, incentivar a pesquisa de forma
criativa, ainda mais para aqueles que pesquisam e trabalham com Artes Visuais.
Figura 10 – Página 12 do meu trabalho de conclusão em quadrinhos

Figura 11 – Página 27 do meu trabalho de conclusão em quadrinhos


Figura 12 – Página 36 do meu trabalho de conclusão em quadrinhos

Figura 13 – Página 65 do meu trabalho de conclusão em quadrinhos


REFERÊNCIAS

BRUNETTI, Ivan. A Arte de Quadrinizar. São Paulo: WMF Martins Fontes, 2013.

DAL CASTEL, Giordana Cenci. Os dilemas de uma futura educadora em Artes Visuais
em quadrinhos: A modalidade “Histórias em Quadrinhos” na disciplina de artes da
escola contemporânea. 2016. Disponível em: <http://hdl.handle.net/10183/157051>,
acesso em 20 de setembro de 2017.

DIAS, Belidson; IRWIN, Rita L. (organizadores). Pesquisa Educacional Baseada em


Arte: A/r/tografia. Santa Maria: Ed. da UFSM, 2013.

FRANZ, Pedro. Suburbia. Rio de Janeiro: Aeroplano Editora e Consultoria, 2012,

GROENSTEEN, Thierry. O Sistema dos Quadrinhos. Rio de Janeiro: Marsupial Editora,


2015.

MCCLOUD, Scott. Making comics: Storytelling secrets of comics, manga and graphic
novels. Nova Iorque: William Morrow. 2006.

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