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3.

Considerações acerca do direito do Estado sobre a propriedade da terra

Desde a primeira abordagem neste trabalho sobre a matéria de propriedade da


terra em sede da Constituição de 75, passando pela primeira lei de terras, pelas
Constituições de 90 e 2004, até á Lei n° 19/97, de 1 de Outubro, a lei de terras ainda em
vigor em Moçambique, vimos que a política de propriedade da terra manteve-se
inalterável, a favor de manutenção do direito de propriedade na esfera jurídica do
Estado moçambicano.

A terra, porque propriedade do Estado, constitui património nacional susceptível


de ser atribuído ás pessoas para prossecução dos seus fins particulares. Dentro desta
terra encontramos espaços considerados domínio público do Estado as que circundam a
orla marítima, rios e lagoas navegáveis dentre outras, mas esses espaços são em menor
quantidade. Todavia, a maior porção de terras é aquela que não integra o domínio
público do Estado, por serem disponíveis.1

A manutenção do direito de propriedade a favor do Estado em Moçambique, é


uma questão política com raízes profundas fundada no sentimento de que a Frelimo,
movimento que lutou pela independência de Moçambique e que se mantém no poder
desde a independência nacional em 1975, a razão da sua luta foi para a libertação da
terra e dos homens e que durante o processo da luta contra a ocupação estrangeira se
aprofundou o sentimento de que a independência política não teria um sentido real e
autêntico para o povo se a terra continuasse nas mãos de um punhado de latifundiários,
sejam eles estrangeiros ou nacionais.2

É uma política que resulta da experiência da revolução russa como tivemos


ocasião de nos referirmos quando tratamos do capítulo de influências históricas ao
nosso ordenamento jurídico sobre terras, mas que encontra na liderança libertadora de
Moçambique, convicções próprias, baseadas na necessidade de manutenção do direito
de propriedade da terra a favor do Estado, convencidos de que esta é a única forma de
assegurar que o povo tenha acesso ao direito á terra e segurança de posse e prevenir-se a
perda das suas terras a favor de latifundiários.

1
Marcello Caetano, Princípios Fundamentais do Direito Administrativo, pág. 330.
2
Introdução á Lei n° 6/79, de 3 de Julho, ver Carlos Serra Júnior, Colectânea de Legislação sobre a terra,
pág.55.
Entretanto, em relação a esta política de não privatização da terra, o legislador
constituinte demonstrou ser irredutível nas suas posições, 3 pois as mesmas se
radicalizaram mais na Constituição de 2004 ao mudar do tom de linguagem de
proibição da venda da terra e outras formas de alienação, do vocábulo não pode ser
vendida... para não deve ser vendida...

Este radicalismo surge da necessidade de se pretender fazer frente ás correntes


que advogam a ideia de se privatizar a terra usando vários argumentos, desde a
possibilidade de os titulares poderem usar a terra como garantia creditícia, dar-lhe mais
consistência para servir de colateral nas parcerias em investimentos, até á criação de um
ambiente de confiança que os investidores podem ter para investir quando a terra é sua
propriedade.4

É com base na influência desta corrente de opinião alimentada também em


grande medida pelos parceiros de cooperação internacional, que se produziu a tentativa
frustrada no ante-projecto da revisão da Constituição de 90 5 de criação de mecanismos
para o estabelecimento de uma espécie de domínio directo da terra a favor do Estado e
um domínio útil a favor dos particulares.

Não obstante a ideia de privatização da terra não ter passado, o debate frequente
á volta desta matéria nunca parou, até que um alto dirigente do governo moçambicano
na pessoa do Dr Hélder Muteia, então Ministro da Agricultura e Desenvolvimento Rural

3
Irredutível porque se formos a analisar as disposições legais que declararam a terra propriedade do
Estado, concretamente a partir da primeira lei de terras, apercebemo-nos por interpretação do nº 2 do
artigo 1 da Lei n° 6/79, de 3 de Julho, que a terra como propriedade do Estado não pode ser vendida, nem
sujeita a qualquer forma de alienação. Esta doutrina foi retomada pela constituição de 90, dando-lhe
dignidade constitucional, nos termos do seu artigo 46. Por seu turno, a Lei n° 19/97, de 1 de Outubro, no
seu artigo 3 retomou a mesma redacção contida na Constituição de 90. Todavia, já na Constituição de
2004 nota-se um radicalismo ao endurecer a sua linguagem no que respeita á proibição de alienação da
terra como podemo-nos aperceber da interpretação do número 2 do artigo 109 da CRM 2004. Quer dizer,
enquanto a Lei n° 6/79, de 3 de Julho e a CRM90 expressaram que a terra não PODIA ser vendida, a
CRM2004, expressou-se mais categórica e inequivocamente no sentido de que a terra não DEVE ser
vendida...
4
Ib idem Joseph Hanlon, pág.11. Contra a corrente que defende a privatização da terra, Samuel Chissico,
Presidente da Associação dos Agricultores de Moçambique( AGRARIUS), intervindo na conferência
nacional comemorativa dos 10 anos da Lei n° 19/97, de 1 de Outubro, realizada em Maputo em
Novembro de 2007, em representação da Confederação das Associações Económicas de Moçambique,
CTA, pronunciou-se no sentido de que a sua opinião e da CTA, não defendia a privatização da terra,
porquanto o actual figurino de transmissão do direito de uso e aproveitamento da terra como resultado de
o titular ter valorizado a terra através de realização de investimentos em construções e benfeitorias, é o
mais correcto e evita a abertura de um campo de especuladores oficiais de terras(a propósito ver o
relatório final da conferência, página 32).
5
Op cit, artº 12.
no mandato de 2000 para 2005, pronunciou-se a favor do debate sobre a privatização da
terra.6

Não tardaram reacções contra a ideia de privatização e como o debate ocorreu


em plena preparação da revisão da Constituição de 90, os defensores da não
privatização da terra radicalizaram posições na Constituição de 2004, impondo que a
terra não deve ser vendida.

No direito comparado, o que se tentou introduzir no anteprojecto da revisão da


Constituição de 75 de Janeiro de 1990, coincidência ou não, algo semelhante parece-nos
ter sido considerado na Constituição da República de Angola de 1992 que declarou a
terra propriedade originária do Estado podendo ser transmitida a pessoas singulares e
colectivas tendo em vista o seu efectivo aproveitamento em obediência ás imposições
legais.7

Por seu turno a lei de terras da República de Angola, Lei nº 9/04, de 9 de


Novembro, retoma a ideia de que a terra integrada nos domínios público ou privado é
propriedade originária do Estado.8 Ainda o mesmo dispositivo legal permite que o
Estado possa transmitir ou onerar a propriedade dos terrenos que fazem parte do seu
domínio privado.9

A lei Angolana permite que o Estado transmita a pessoas singulares de


nacionalidade angolana o direito de propriedade sobre terrenos urbanos concedíveis
pertencentes ao seu domínio privado. Todavia, não se pode, tanto para pessoas
singulares, como para as pessoas colectivas do direito privado, transmitir-se o direito de
propriedade sobre terrenos rurais integrados nos domínios público e privado do
Estado.10

Este exemplo vindo de Angola nos parece que acautelaria melhor os interesses
dos camponeses que são o elemento chave da recusa da privatização da terra em
Moçambique pois, na prática em Angola as terras rurais não são susceptíveis de serem
6
Entrevista do Ministro da Agricultura e Desenvolvimento Rural no Jornal Domingo a 8 de Julho de
2001. Nessa entrevista ele defendia que era chagada a altura de criação do mercado de terras dentro da
realidade moçambicana. A este respeito, ver também Joseph Hanlon, debate sobre a terra em
Moçambique, pág 11.
7
Op cit, nº 3 do artº 12º da Constituição da República de Angola. Há semelhanças nítidas com o que
propunha o artigo 12 do anteprojecto de revisão da Constituição de 75.
8
Op cit artigo 5º.
9
Idem, artº 6º.
10
Idem, artº 35º.
objecto do direito de propriedade privada, o que assegura a prevenção da eclosão de
conflitos de terra no futuro. Aliás, nos debates á volta de privatização da terra em
Moçambique, temos acompanhado as correntes que advogam que privatizar terra rural
não, mas terra urbana abrangida pelos planos de urbanização sim.

Aparentemente as ideias da corrente que advoga a possibilidade do mercado de


terras nas zonas urbanas em Moçambique foram implicitamente acolhidas pelo actual
regulamento do solo urbano aprovado pelo Decreto 60/2006 de 26 de Dezembro, ao
considerar um regime misto de acesso ao direito de uso e aproveitamento da terra, o
qual prevê dentre outras modalidades, a possibilidade de realização de hasta pública
cuja base de licitação não pode ser inferior á taxa de urbanização.11

Na prática e com base na experiência que temos vindo a acompanhar mesmo


antes de aprovação deste regulamento, sob capa de cobrança da taxa de urbanização que
em muitos casos é somente um simples atalhoamento que se faz, são cobrados valores
elevados aos interessados de adquirirem um terreno para construção de uma habitação.

3.1. É pertinente a manutenção do direito de propriedade a favor do


Estado?

A questão da propriedade da terra como vimos acima é objecto de duas


posições, a que defende a manutenção da propriedade a favor do Estado e a que defende
a privatização da terra de modo a colocá-la no mercado livre ou pelo menos admitir-se a
livre transacção de títulos.

A posição dos defensores da privatização resulta da ideia de que com a


propriedade privada da terra se pode flexibilizar os negócios jurídicos com vantagens
para o desenvolvimento do País, apontando como um dos vectores a possibilidade da
hipoteca da terra na aquisição de créditos.

Por seu turno, os que defendem o actual regime de propriedade, argumentam que
a privatização contraria o espírito da luta de libertação nacional e pode trazer como
consequências a acumulação de terras nas mãos de um punhado de latifundiários

11
Cfr os artigos 24 e 27 do regulamento do solo urbano.
nacionais ou estrangeiros, em detrimento da maioria da população que vive da
exploração da terra. Teme-se ainda que se pode abrir porta para especulação da terra.

O nosso ponto de vista está a favor da manutenção do regime, primeiro porque é


uma questão de soberania que com muita coragem a Constituição da República de 1975
logrou conquistar com todas as consequências que isso trouxe ao País como tivemos
ocasião de nos referirmos acima. Segundo a necessidade de se prevenir que as
populações sejam desprovidas de um recurso que constitui o seu principal meio de
produção e de sobrevivência.

Julgamos que o que está por detrás da polémica e insistência sobre a privatização
da terra não é porque o regime actual não dê segurança do direito. Quanto a nós existe
garantia aos investidores e requerentes para exercício de actividades económicas uma
vez que a autorização é dada por 50 anos renováveis, o que equivale na prática a uma
espécie de um direito perpétuo e por tempo ilimitado desde que a terra esteja a ser
usada.12

Todavia, parece-nos que a vontade das pessoas é terem propriedade privada da


terra para independentemente de nela ter investimentos, poderem livremente
transaccioná-la, ou não sendo possível, mantê-la ociosa sem interferência do Estado.

Por outro lado, para nós é vantajoso que a terra continue propriedade do Estado
porque torna flexível o processo de acesso ao direito de uso e aproveitamento da terra
pelos investidores que precisariam de comprá-las aos seus donos, especialmente quando
se trata de jovens no início da sua emancipação desprovidos de recursos financeiros
necessários para compra da terra se ela for privada.13

Há ainda que aprender e tirar lições de outros países vizinhos nomeadamente o


Zimbabwe e a África do Sul que abordamos a sua problemática sobre o direito á terra
que por vigorar a propriedade privada as suas populações rurais encontram dificuldades
para disporem de terra pois a mesma se encontra nas mãos de latifundiários.

12
Julgamos que os defensores da privatização temem esta exigência de que a terra deve ser usada, pois se
não for, o direito é extinto consoante prevê a alínea a) do nº 1 do artigo 18 da actual lei de terras.
13
De facto nas condições actuais de propriedade da terra a favor do Estado o acesso á terra encontra-se
facilitado, porque independentemente da dimensão do terreno solicitado, o beneficiário paga apenas
600Mt da taxa de autorização provisória de acordo com o que dispõe a tabela 1 anexa ao regulamento da
lei de terras, Lei n° 19/97, de 1 de Outubro. De acordo com a mesma tabela, a taxa para autorização
definitiva é computada em metade da taxa de autorização provisória, o que significa que a aquisição e
consolidação do direito faz- se por apenas 900Mt, valor que é acessível há maioria das pessoas.
No que respeita á possibilidade de se usar a terra como garantia, é opinião
assente que as instituições financeiras em Moçambique nem sempre deram muita
importância á hipoteca da terra mesmo no tempo colonial.

O crédito foi e é dado de acordo com a viabilidade comprovada da actividade


que se vai realizar, a garantia de controlo técnico dessa actividade e outros elementos
que inspirem confiança á instituição de crédito.14

No caso da agricultura que é o sector que se pensa que iria ser largamente
beneficiado pela hipoteca da terra, é uma actividade de risco em Moçambique, por isso
não atrai as instituições de crédito por temerem insucessos. Nos tempos que correm, as
instituições de crédito preferem a instituição do sistema de seguro agrícola, que
garantiria o retorno seguro dos créditos nos casos de fracasso.

No nosso entender, para investidores sérios não encontram constrangimentos no


sistema actual de transmissão de direitos sobre a terra, uma vez que a lei previu
mecanismos de transferência de direitos mas sob certos condicionalismos, entre eles da
existência de construções, infra-estruturas e benfeitorias implantadas no terreno.15

Para quem pede terra com o objectivo de nela trabalhar e investir, facilmente
poderá transaccionar o seu título. Todavia, o sistema burocrático dessas transacções
poderia ser melhorado no sentido de flexibilizar a transferência dos direitos quando
houver investimentos reconhecidos. Voltaremos ao assunto quando abordarmos o tema
transmissão de direitos.

Terminamos a abordagem do sub tema propriedade da terra e tentamos trazer ao de


cima as diversas questões que se levantam á sua volta. Estamos certos que pela sua
complexidade não esgotamos tudo. Posto isto, passamos de seguida a fazer uma breve
referência ao fundo estatal da terra.

14
A este propósito entrevistamos o Dr. Inocêncio Matavel, agricultor no distrito de Boane, criador de
gado bovino no distrito de Matutuine, industrial na cidade de Maputo e presidente do pelouro de agro-
negócios na confederação das associações económicas(CTA), pessoa que defendeu o seu trabalho de fim
do curso sob o tema”O direito de uso e aproveitamento da terra como garantia para o acesso ao crédito
agrário”. Ele retirou desse trabalho a ilação de que o argumento de que se deve privatizar a terra tendo
como fim a sua hipoteca como garantia do crédito é uma ideia ilusória porque os bancos fiam-se pela
viabilidade económica. É por isso hoje que os bancos preferem financiar actividades com garantia de
retorno rápido do capital investido como indústria, turismo e comércio.
15
Cfr o número 2 do artº 16 da actual lei de terras.
4. Fundo estatal de terras.
Em primeiro lugar importa obtermos o entendimento do conceito fundo. Fundo
deriva do latim fundus,16 querendo significar fundo, base, bens de raiz. Interessa para o
nosso caso o último significado. Nesta perspectiva fundo quer dizer conjunto de bens
imóveis, os terrenos os campos e as herdades. São os bens de fundo ou bens fundiários.

Para a lei moçambicana de terras, fundo quer significar toda a terra da República
de Moçambique incluindo aquilo que no regime de propriedade privada da terra
chamariam de res nullius. É um conceito que foi captado do direito soviético sobre a
terra como já tivemos ocasião de nos referirmos neste trabalho. Como corolário de em
Moçambique a terra ser propriedade do Estado, toda a terra situada em todos os cantos
da República de Moçambique constitui fundo estatal de terras.17

Decorre desse facto que só o Estado pode determinar as condições de uso e


aproveitamento da terra.18 Em obediência a este comando, só o Estado através dos seus
órgãos e das autarquias locais podem autorizar o direito de uso e aproveitamento de
terra ás pessoas interessadas. É uma responsabilidade da Administração estadual directa
e não pode ser conferida á Administração indirecta tais como institutos públicos e
empresas públicas.

5. Domínio Público
No prosseguimento de abordagem deste ponto, julgamos ser de interesse obter a
noção de “domínio.” Esta palavra deriva do vocábulo latino dominium para significar
propriedade, direito de propriedade.19 Quando se fala de propriedade ou do direito de
propriedade, pretende-se referir concretamente ao direito de propriedade que se detém
sobre bens imóveis.

No sentido mais lato, domínio quer fazer alusão á soma dos poderes ou direitos
que se tem sobre uma determinada coisa e nessa perspectiva pretende-se indicar
indiscriminadamente todo o tipo de propriedade, quer seja móvel ou imóvel,
significando a referência da propriedade por compreensão.

16
Op cit Plácido e Silva, página 333.
17
Cfr o artigo 4 da Lei n° 19/97, de 1 de Outubro.
18
É o que prevê o número1 do artigo 110 da actual CRM.
19
Op cit Plácido e Silva V1e2. pág.123. Ana Prata, dicionário jurídico V1 pág. 559, “domínio é um termo
que a lei e a doutrina muitas vezes utilizam como sinónimo de propriedade.”
Entende-se que o conceito domínio só é admissível quando se trata de direitos
reais, isto é, o direito de propriedade que se refere ás coisas corpóreas e materiais. 20 O
domínio é um direito absoluto erga omnes, na medida em que todas as restantes pessoas
á excepção do seu titular encontram-se numa posição de sujeitos passivos com
obrigação de se absterem de perturbar o uso e o gozo da propriedade a que ele se refere.

O conceito dominial tem várias acepções, mas para o nosso trabalho reputamos
ser de interesse os conceitos de domínio iminente e de domínio público. Como domínio
iminente entende-se ao direito que pertence ao Estado na sua condição de entidade
soberana com poderes de desapropriar bens para satisfação de fins de utilidade pública
com recurso á indemnização.21 Em relação ao domínio público quer se referir ao
conjunto dos bens pertencentes ás pessoas jurídicas do direito público mormente o
Estado e os Municípios, que se destinam ao uso comum pelas pessoas normalmente de
forma gratuita, daí chamarem-se de bens improdutivos. 22 Os bens de domínio público
caracterizam-se também por não serem objecto de comércio jurídico e é um direito
imprescritível.

5.1. Características dos espaços de domínio público

Pretende-se analisar o que são estes espaços, fazer referência á possibilidade de


acesso aos bens de domínio público pelos particulares, o tipo de direito que se pode
adquirir, possibilidade de transmissão entre vivos e mortis causa, prazo de utilização e
extinção do direito para essa utilização.

5.1.1. Características e possibilidade de acesso pelos particulares.

Como regra, os espaços dominiais são de uso comum pela colectividade vivendo
num território estadual ou municipal. Nesses casos de uso comum, o direito dos
utilizadores é conferido pela lei através de uma norma geral e abstracta, de natureza
imperativa.23 O direito de uso privativo dos espaços dominiais não é um direito real. Ele
é pela sua natureza, um direito de carácter obrigacional porque se baseia num vínculo
que resulta de um acto unilateral do dono do espaço, ou de um contrato sinalagmático.
20
Idem, pág 124.
21
Idem, pág125.
22
Idem, pág. 126. Por seu turno, Ana Prata na sua obra já citada, pág.560, domínio público é “o poder
que o Estado e outras pessoas colectivas de direito público têm sobre certas categorias de bens,
submetidas ao direito público.” Na prática está subjacente nesta passagem a ideia de que domínio é um
direito que incide sobre certos bens materiais.
23
Marcello Caetano, manual de direito administrativo V2, pág. 937.
5.1.2. Acesso privativo pelos particulares.

A lei pode admitir excepções de acesso privativo ou uso privativo pelos


particulares dos espaços cobertos pelos regimes dominiais através de um acto
administrativo emanado de uma entidade competente, resultando num contrato
administrativo, por meio de uma licença ou concessão.24

O direito de uso privativo dos espaços dominiais pelos particulares é, via de


regra, a título oneroso, porque os beneficiários devem pagar taxas calculadas com base
na área ocupada e nos benefícios a retirar.25

Na actualidade os critérios de fixação dos valores de pagamento evoluíram e se


diversificaram no caso de Moçambique, porque ao nível dos vários municípios os
mesmos são definidos nas respectivas posturas municipais que podem ser diferentes dos
órgãos do Estado.

O exemplo de ocupação de espaços dominiais pode se reflectir no que tem


acontecido em relação ás zonas de protecção como nos terrenos confinantes com as
zonas marítimas, barragens, estradas, jardins públicos e outros, que encontramos
pessoas a desenvolverem algumas actividades particulares construindo esplanadas,
hotéis e outras utilidades. Essas actividades são desenvolvidas sob licença, concessão ou
contrato que podem ser de curta ou de longa duração.

5.1.3. Prazos das licenças e das concessões nos espaços dominiais

Os prazos fixados ás licenças de exploração privativa dos espaços dominiais


pelos particulares, concessões ou contractos de exploração, são variáveis. Todavia, a
regra é que o prazo de exploração deve ser fixado tomando em consideração o tempo
necessário para o retorno do que tiver sido investido no empreendimento. Se no
investimento não se tiver despendido muitos recursos financeiros a sua duração pode ser
curta, um mês a um ano. Mas de contrário o prazo deve ser dilatado para médio (15
anos) ou longo (30 anos).26

5.1.4. Transmissibilidade e extinção de direitos nos espaços dominiais

24
Idem, pág. 938.
25
Idem, pág. 944.
26
Ibidem, pág.943
Os instrumentos que conferem direito de utilização dos espaços dominiais são
transmissíveis entre vivos e mortis causa. No entanto, para que a transmissão entre
vivos tenha eficácia jurídica, é necessário que se obtenha uma autorização prévia da
autoridade competente sob pena de não o fazendo, incorrer-se á sanção de nulidade do
negócio, salvo o caso de transmissão mortis causa que não requer esse tipo de
autorização.27

É importante sublinhar que tanto a transmissão entre vivos, como a mortis causa,
os prazos autorizados continuarão os mesmos inicialmente previstos, o que quer dizer
que os novos beneficiários do direito somente aproveitarão o tempo que faltava usufruir
pelo adquirente originário do direito respectivo. Trata-se de um direito que não
beneficia o seu titular do direito de hipoteca sobre o terreno, mas permite-se que os
beneficiários hipotequem os edifícios e obras construídas por eles no espaço dominial.28

O direito de uso privativo extingue-se no fim do prazo de autorização. É a


extinção que preferimos apelidá-la de extinção natural. Também pode se extinguir por
renúncia do titular do direito, por rescisão unilateral como resultado de aplicação de
uma sanção devido a uma anomalia de comportamento ou por conveniência de
interesse público superveniente.29

Quando o direito de uso privativo se extingue com o fim do prazo definido, duas
soluções alternativas se podem adoptar, a primeira é obrigar o titular do direito a
demolir as obras realizadas e desmontar os equipamentos ou instalações desmontáveis.
Mas outra solução é a reversão para a entidade pública de todos os bens ou somente de
bens imóveis com prerrogativa de o particular desmontar o material passível de ser
desmontado.30

As consequências de uma extinção por sanção são de exclusão de qualquer


indemnização com reversão a título gratuito dos bens. Também quando por interesse
público se extingue o direito autorizado para ocupações precárias, não há direito á
indemnização.

Sentido diferente se segue quando há extinção do direito por interesse público


dos empreendimentos de longa duração, porque aí é necessário proceder-se á
27
Idem, pág.944.
28
Idem.
29
Idem, pág 945.
30
Ibidem.
indemnização aos investimentos ainda por amortizar e aos danos inerentes, calculados
com base no tempo em falta para o termo do prazo de autorização. 31 É este regime que
acabamos de estudar que se aplica aos espaços dominiais previstos na actual legislação
moçambicana de terras que passamos a estudar.

5.2. Domínio público na actual legislação moçambicana sobre terras.

A actual legislação moçambicana de terras contempla a matéria do domínio


público quer na Lei 19/97, de 1 de Outubro, quer no seu regulamento aprovado pelo
decreto 66/98, de 8 de Dezembro e é, como tivemos ocasião de estudar retro, uma
matéria prevista na Constituição da República de 1990, que serviu de base fundamental
para elaboração desta lei de terras.32

Assim, a actual lei de terras trata a matéria de domínio público subdividida em


duas categorias ou seja, zonas de protecção total(zpt) e zonas de protecção parcial(zpp),
definindo as primeiras como aquelas que se destinam á conservação ou preservação da
natureza e defesa e segurança do Estado e por exclusão encontramos as zonas de
protecção parcial.33

Como zpt, encontramos em Moçambique as zonas destinadas á conservação da


natureza como o Parque Nacional de Gorongoza e do Banhine, as Reservas do Niassa,
de Maputo, de Chimanimani, marinhas de Bazaruto, Inhaca e de Ponta D’Ouro, só para
citar alguns exemplos. Em relação ás instalações destinadas á defesa e segurança são
várias espalhadas por todo o País.

O que temos em maior número são as zpp, que se encontram espalhadas pelo
país tanto de domínio do Estado como das entidades municipais. A lei de terras
considera zpp matérias que a CRM arrola como domínio público e as amplia com base
no comando constitucional que preconiza que a lei pode criar outros bens de domínio
público para além dos previstos na constituição.34

A actual lei de terras enumera os espaços dominiais previstos na Constituição e


cria novos espaços, estabelecendo os limites e distâncias que neles se deve medir a área

31
Idem.
32
Cfr os artigos 35 da CRM de 1990, 7 e 8 da Lei n° 19/97, de 1 de Outubro e 4,5,6,7,8 do regulamento
da lei de terras aprovado pelo Decreto n° 66/98, de 8 de Dezembro.
33
De novo cfr os artºs 6 e 7 da LT.
34
Cfr alínea g) do artº 35 da CRM de 90.
susceptível de ser domínio público. Dessa enumeração julgamos ser de interesse
comentar algumas figuras trazidas pela lei de terras.

5.2.1. O leito das águas interiores, do mar territorial, da plataforma


continental e da zona económica exclusiva.

Interessa-nos neste caso entender o que são águas interiores. A definição de


águas interiores não a encontramos na própria lei de terras, mas podemo-nos socorrer do
que a Convenção das Nações Unidas Sobre o Direito do Mar (CNUDM) e a lei do mar
nos dizem sobre esta matéria.

5.2.1.1. O leito das águas interiores

Interpretando a CNUDM,35 constituem águas interiores de um Estado e neste


caso de Moçambique as situadas no interior da linha de base do mar territorial. Por seu
turno, a lei do mar em vigor na República de Moçambique define águas interiores nos
mesmos termos que a CNUDM faz . 36 Parece-nos que o legislador moçambicano ao
elaborar a lei do mar, não fez mais nada do que conformar o ordenamento jurídico
interno com a ordem jurídica internacional em matéria do direito do mar.

6.2.1.2. Mar territorial

Sobre o mar territorial também não vem explícito na lei de terras qual é o seu
significado de modo a permitir o seu entendimento. Compulsando a mesma CNUDM,
ela dispõe que mar territorial é a zona contígua que se situa entre o mar a dentro e o
território de um determinado Estado, dentro dos limites do qual ele estende a sua
soberania no leito, no subsolo e no espaço aéreo.37

Esta redacção corresponde á redacção inserida na lei moçambicana do mar em


vigor.38 A lei internacional estabelece a medida da largura do mar territorial para 12
milhas, como medida máxima.39 Este comando legal foi acolhido pela actual lei do
mar.40 Mais uma vez se destacada o acolhimento da ordem jurídica internacional na
legislação moçambicana sobre a matéria.

35
Cfr o nº 1 do artº 8 da CNUDM.
36
Alínea a) do artº 1 da Lei n° 4/96, de 4 de Janeiro, lei do mar.
37
Ibidem, artº 2 da CNUDM.
38
Ibidem, os números 1 e 2 do artº 4, da lei do mar.
39
Idem, artº 3 da CNUDM.
40
Idem, nº 2 do artigo 4 da lei do mar.
6.2.1.3. Zona Económica Exclusiva

O conceito de zona económica exclusiva (ZEC) é outra figura que se torna


importante trazer a este nosso trabalho o nosso entendimento. Entende a CNUDM que a
zona económica exclusiva é a que se situa para além do mar territorial e a ele adjacente.

Estabelece ainda este dispositivo legal que na ZEC o Estado costeiro tem direitos
de soberania para fins de exploração e de aproveitamento, conservação e gestão dos
recursos naturais vivos ou não e o direito de exploração económica de determinadas
possibilidades como a produção de energia a partir de água das correntes e dos ventos.
Estabelece ainda o mesmo dispositivo legal que a largura da ZEC é de 200 milhas. 41
Por seu turno, a lei do mar moçambicana estabelece a este respeito a mesma largura. 42

6.2.1.4. Plataforma continental

Em sede da CNUDM não encontramos tratada a matéria da plataforma


continental. Entretanto, Plácido e silva considera no seu dicionário jurídico esta figura
como plataforma submarina e a define como o leito do mar e subsolo das regiões
submersas contíguas ás costas situadas além do mar territorial até uma profundidade de
200 metros ou 600 pés. Adianta ainda que é uma zona que a ONU estabeleceu para que
os Estados cujos mares territoriais confinam com a zona da plataforma submarina,
tenham a possibilidade de exercer o direito de exploração das riquezas naturais do
subsolo do fundo do mar da plataforma, submetidos necessariamente ao seu controlo e
jurisdição.43

O mesmo autor usa a designação plataforma submarina em contraposição á


designação plataforma continental por a considerar imprópria por parecer que se aplica
aos próprios continentes. Do nosso lado, a designação plataforma submersa, parece-nos
ser aquela que se oferece a melhor entendimento. Várias são as vezes que pessoas
questionam o que é a plataforma continental e outros de facto confundem a expressão
com a crosta terrestre, o que afinal não é.

Nestes espaços que estivemos a estudar nesta secção, entendemos que apesar de
o legislador da lei de terras ter sido meramente influenciado pelo legislador constituinte
e arrolá-los, a matéria em causa não é de utilidade activa na medida em que na nossa
41
Idem, artºs 55, 56 e 57 da CNUDM.
42
Ibidem art° 9 da lei do mar.
43
Op cit, pág.377.
opinião, as entidades competentes pela autorização do direito de uso e aproveitamento
da terra têm pouca acção neles porque raramente podem atribuir licenças para o
exercício de certas e determinadas actividades como prevê a lei.44

Julgamos que estas zonas têm maior intervenção nelas os sectores mineiro,
petrolífero, de hidrocarbonetos, de pescas e de administração marítima, mas que
entretanto, têm regimes jurídicos próprios e especiais em relação á legislação sobre
terras, para licenciamento de direitos.

5.3. Restantes zonas de protecção parcial (ZPP)

Para além das categorias de espaços dominiais que acabamos de estudar, a lei de
terras arrola outras, que no nosso entender são as que têm maior susceptibilidade de
nelas se atribuírem licenças para o exercício de certas actividades 45 sendo elas, as faixas
confinantes com determinados cursos de águas interiores, 46 com as nascentes de águas e
com o mar territorial, terrenos destinados á montagem de equipamentos de interesse
público nomeadamente, barragens e albufeiras, linhas fêrreas e suas estações, estradas,
aeroportos e aeródromos, instalações militares e de defesa e segurança, terrenos onde se
encontram instalados condutores para diversos fins e a faixa de 2 km ao longo da
fronteira terrestre.

Nestas zonas não é permitida a aquisição do direito de uso e aproveitamento da


terra, mas a lei permite que os particulares adquiram licenças para o exercício de certas
e determinadas actividades, respeitando as regras doutrinais que tivemos ocasião de
expender acima, como introdução a esta secção.

A criação destes espaços com as respectivas distâncias constitutivas das faixas


de reserva, têm como objectivo por um lado prevenir danos ambientais como a erosão
pela acção do homem, mas também assegurar que ele não incorra riscos nos casos de
zonas de instalação de condutores diversos, zonas militares e aeroportos.

Nos casos das estradas, além de prevenir os riscos de eventuais acidentes por
despistes de veículos, também pretende-se que se mantenha uma faixa de reserva que
venha a construir espaço para futura ampliação das rodovias sem ter que se recorrer á
44
Cfr o artigo 9 da actual lei de terras.
45
Para mais detalhes cfr o artº 8 da actual lei de terras.
46
Dissemos determinados cursos de águas interiores porque de harmonia com o disposto na alínea a) do
artigo 5 do regulamento da actual lei de terras, são incluídos na categoria das zonas de protecção as águas
dos lagos e rios navegáveis e não quaisquer outros.
movimentação das pessoas ai instaladas e destruição das suas infra-estruturas
eventualmente edificadas, muitas vezes com encargos para a entidade pública
interessada por causa das indemnizações.

6. Sujeitos de direito
Em relação aos sujeitos de direito expendemos na parte geral deste trabalho e
explicitamos que eles são susceptíveis de serem beneficiários do direito de uso e
aproveitamento da terra desde que sejam pessoas jurídicas dotadas de personalidade
jurídica e da necessária capacidade de exercício. Nesta parte especial não iremos repetir
os aspectos teóricos e doutrinais que lá expendemos, passando de imediato a abordar a
figura dos sujeitos de direito face á actual lei de terras.

6.1. Sujeitos nacionais


A matéria relativa ao acesso ao Direito de Uso e Aproveitamento da Terra
(DUAT), vem prevista na lei 19/97, de 1 de Outubro, lei de terras. 47 A primeira questão
jurídica relevante que se nos coloca é de natureza constitucional.

De acordo com a Constituição da República de Moçambique de 1990 que


vigorava aquando da aprovação da actual lei de terras, o direito de uso e aproveitamento
da terra é conferido ás pessoas singulares ou colectivas com respeito ao seu fim social,
ideia acomodada pela constituição de 2004. 48 A actual lei de terras conformou-se com o
comando constitucional de 1990, no que respeita á consideração dos sujeitos com
direito á terra em Moçambique.

A Constituição diz que os sujeitos de direito terão acesso de acordo com o fim
social, querendo com isso dizer que a terra pode ser destinada às questões sociais como
educação, saúde e etc, mas também no nosso entender, para questões económicas por
exemplo comércio, indústria, agricultura, silvicultura, minas, construção e outros.

Quer nos parecer que pelo fim social não quer se referir apenas ás áreas
funcionalmente sociais como educação e saúde, mas sim no sentido mais amplo de
todas as áreas que produzem bens e serviços para o benefício da sociedade.49
47
Cfr o nº 1 do artº 10 da actual lei de terras.
48
Cfr o nº 2 do artigo 47 da CRM90 e nº2 do artº 110 da CRM de 2004.
49
Lucas Abreu Barroso e Outros, o direito agrário na constituição, pág. 25 e ss, é ideia assente que a
propriedade da terra, que no nosso caso podemo-nos referir ao direito de uso e aproveitamento da terra,
existe para perseguir um fim social. O fim social esbate o direito de propriedade sobre a terra, pois no
caso de não se perseguir os fins em vista mesmo onde predomina a propriedade privada da terra, o Estado
goza da prerrogativa de retirar esse direito aos particulares, só que mediante uma justa indemnização. No
A lei de terras reconhece que podem ser sujeitos do direito de uso e
aproveitamento da terra as pessoas nacionais, colectivas e singulares, homens e
mulheres, bem como as comunidades locais. O conceito de comunidades locais, é novo,
porque não o encontramos no ROCT (regulamento de ocupação de terrenos no Ultramar
português, onde elas eram tratadas indirectamente como vizinhas das regedorias e na
primeira legislação moçambicana sobre terras que eram consideradas sector familiar).

A expressão homens e mulheres expressa a vontade do legislador em defender os


direitos da mulher moçambicana contra as formas de discriminação da mulher
moçambicana no que respeita ao acesso á terra. É uma medida que corresponde aos
princípios de igualdade entre os sujeitos de direito e de igualdade do género previstos na
Constituição da República de Moçambique de 1990, no sentido de estabelecer a
igualdade entre o homem e a mulher.50

A CRM de 2004 retomou estes princípios, tornando deste modo actual o


tratamento que a lei de terras em vigor dispensa aos sujeitos de direito. Este princípio da
defesa dos interesses da mulher em matéria de acesso ao direito de uso e aproveitamento
da terra se sobrepõe ás práticas costumeiras. Quer dizer que mesmo nas comunidades
onde o costume não respeita os direitos da mulher a este respeito, tais normas não
podem ter validade como corolário do comando constitucional que dispõe que as
normas constitucionais prevalecem sobre as restantes normas do ordenamento jurídico e
o costume não é excepção.51

As pessoas singulares ou colectivas nacionais podem adquirir o direito de uso e


aproveitamento da terra individualmente ou associando-se a outros sujeitos de direito,
singulares ou colectivos sob a forma de co-titularidade. 52 A lei de terras estabelece ainda
que o direito de uso e aproveitamento da terra reconhecido ás comunidade locais, rege-
se pelos princípios da co-titularidade, remetendo através do seu regulamento a aplicação
do regime da compropriedade.53

caso de Moçambique recorre-se á extinção do direito de uso e aproveitamento da terra por falta do
cumprimento do plano de exploração sem direito a indemnização e com perda das benfeitorias não
removíveis realizadas no terreno a favor do Estado de harmonia com o disposto na alínea a) do nº 1 e no
nº 2 do artigº 18 da Lei n° 19/97, de 1 de Outubro, lei de terras.
50
Cfr os artº 66 e 67 da CRM de 90.
51
Cfr o nº 4 do artº 2 da CRM de 2004.
52
É o que prevêm os números 2 e 3 do artº 10 da lei de terras
53
Cfr o nº 3 do artigo 10 da lei de terras e o artº 12 do seu regulamento que remete a regência do direito
de compropriedade ao regime estabelecido no artº 1403º e ss do cc.
A prerrogativa legal da co-titularidade constitui um privilégio reconhecido aos
nacionais porque está implícito na lei por exclusão das partes que é um direito que não
contempla pessoas jurídicas estrangeiras e só as pessoas jurídicas nacionais dela se
podem beneficiar nomeadamente, as de ocupação da terra de boa fé que é constituída
pelos cidadãos nacionais que ocupam a terra por um período igual ou superior a 10 anos
e estão nesta categoria também como vimos, as comunidades locais e os sujeitos que
adquirem o seu direito de uso e aproveitamento da terra através de um pedido.54

Importa sublinhar que a co-titularidade das pessoas ocupando a terra de boa fé e


das pessoas que adquirem a terra por autorização de um pedido é voluntária, na medida
em que deve haver um ou mais sujeitos que decidem coligar-se para em conjunto
partilharem o mesmo direito de uso e aproveitamento da terra.

No entanto, a co-titularidade reconhecida ás comunidades locais não é


voluntária, porque ela é resultante da imposição legal. Quer dizer que, pela natureza
colectivista do direito das comunidades conforme tivemos ocasião de expender na parte
geral deste trabalho, este deve revestir sempre a natureza de co-titularidade.

É obedecendo esse princípio que a actual lei moçambicana de terras estabeleceu


o comando de que os títulos emitidos para as comunidades locais devem ser
nominativos conforme a denominação por elas adoptada, 55 como por exemplo,
Comunidade de Madladlane, comunidade do Limpopo, o que evidencia que o direito
das comunidades é de natureza colectiva. É preciso ter em conta que o direito á terra ao
sul do sahara é sempre colectivo e inalienável. A terra nesta região na qual Moçambique
faz parte, ela sempre pertenceu á colectividade (tribo, clã, família).

A lei de terras ao reconhecer o direito das comunidades locais sobre as terras que
as ocupam, atribuiu-lhes personalidade jurídica56 que lhes permite exercer o seu direito
colectivamente, mas também em grupos infra comunitárias (famílias e grupos de
famílias) e ainda por pessoas singulares que as integram. Com essa personalidade dota
elas de capacidade jurídica não só para gerir as suas terras, como também de as defender

54
Cfr o artº 12 da lei de terras.
55
Cfr o nº4 do artº 13 da lei de terras.
56
Ivon dÁlmeida Pires Filho, 1998, na altura consultor jurídico internacional da FAO, texto inserido na
pág. 70 do manual de direito da terra da autoria da Drª Maria da Conceição de Quadros, comunga também
a opinião de que o número 1 do artigo 10 da lei de terras, ao reconhecer o direito das comunidades
adquirido por ocupação, atribuiu-lhes personalidade jurídica implicitamente.
colectiva e individualmente com recurso aos meios previstos na lei civil e demais
legislação aplicável.

No nosso entender, tratou-se de uma atitude de rendição do Estado perante uma


realidade que existiu e resistiu ás tentativas de ignorá-la desde o tempo dos prazos no
período da penetração colonial, passando pelo tempo da intensificação da ocupação
colonial depois da conferência de Berlim, até aos primeiros anos após a independia
nacional.

A gestão do direito á terra das comunidades locais, funcionou como um poder


paralelo, ao sistema de organização moderna do Estado. Para nós foi contraproducente
ignorar esta realidade que ao longo dos séculos se tornou objectiva. O Estado sai a
ganhar quando reconhece e valoriza o papel das comunidades na gestão das suas terras
porque elas é que conhecem a realidade e fazem-na sem custos para ele.

6.2. Sujeitos Estrangeiros

As pessoas jurídicas estrangeiras têm o seu direito á terra consagrado na actual


lei terras. Ao abrigo da CRM de 1990, os investimentos estrangeiros são permitidos na
República de Moçambique no quadro da política económica vigente em todas as áreas
económicas excepto nas reservadas exclusivamente á sua exploração pelo Estado. 57 Esta
ideia é retomada de forma taxativa pela CRM de 200458.

Considerando-se que os investimentos só podem se efectivar via de regra se o


investidor possuir terra, faz sentido que o legislador da lei de terras tenha consagrado o
direito de acesso á terra pelos sujeitos estrangeiros.

O acesso á terra pelos estrangeiros prevê pré condições a saber: 59 a primeira é de


natureza geral, por envolver tanto as pessoas singulares estrangeiras como as colectivas
estrangeiras. Essa pré condição resume-se na exigência de que o sujeito de direito
estrangeiro para ter acesso ao direito de uso e aproveitamento da terra, deve ter um
projecto de investimento aprovado, entendendo no silêncio da lei que é o projecto
aprovado pelo Governo, ao abrigo da lei nº 3/93 de 24 de Junho e do respectivo
regulamento aprovado pelo Decreto nº 43/ 2009, de 21 de Agosto. 60 A outra pré

57
Cfr o artigo 45 da CRM90.
58
Cfr o artº 108 da CRM de 2004
59
Cfr o artº 11 da actual lei de terras.
condição cumulativa diz respeito ao tempo mínimo de residência em Moçambique para
as pessoas singulares que é igual ou superior a 5 anos.

No caso de pessoas colectivas, elas devem ser registadas ou constituídas em


Moçambique. Empresa registada em Moçambique, quer dizer que é uma pessoa
colectiva constituída fora do país, como é o caso da Coca-Cola, só para exemplificar,
que decidiu vir se registar na Conservatória do Registo das Entidades Legais em
Moçambique para operar no mercado nacional, e empresa constituída em Moçambique
é aquela que foi criada á luz do direito moçambicano, mas com capitais estrangeiros, ou
que tendo capitais moçambicanos, tem no entanto a maioria de capital detido por
cidadãos estrangeiros.61

6.3. Considerações diversas em relação aos sujeitos de direito.

A questão dos sujeitos de direito aparentemente é um assunto pacífico, mas


parece-nos que há algumas questões que se podem levantar. Em relação aos sujeitos
nacionais encontramos a figura de ocupação pelas comunidades locais que é uma figura
nova no direito positivo moçambicano. Notou-se que depois de aprovação da nova lei
de terras e graças á sua ampla divulgação, as comunidades assumiram-se como
verdadeiras entidades no contexto de gestão das suas terras, exercendo com consciência
do poder as competências atribuídas62 pela lei de terras.
60
Trata-se de um novo regulamento que fez a revisão do regulamento aprovado pelo Decreto nº 14/93, de
21 de Julho. O novo diploma introduziu maior flexibilidade no que se refere á introdução de melhorias
nas competências para autorização de projectos de investimentos além de outros aspectos. Assim, nos
termos do artigo 12 do referido regulamento da lei de investimentos as competências de autorização de
projectos são fixadas pelo valor de cada projecto, sendo do governador provincial para projectos que vão
até ao limite de um bilião e quinhentos milhões de meticais, para o Director-Geral do Centro de
Promoção de Investimentos(CPI), é fixada em dois biliões e quinhentos milhões de meticais, para o
Ministro de Planificação e Desenvolvimento é de treze biliões e quinhentos milhões de meticais e acima
desse valor a competência é conferida ao Conselho de Ministros. Compete ainda ao Conselho de
Ministros autorizar projectos que envolvam áreas de terras superiores a 10.000ha para fins de agricultura
e pecuária e autorizar projectos que ocupem áreas superiores a 100.000ha para projectos florestais. De
referir que a figura de Director-Geral do CPI é nova na aprovação de projectos e parece pretender
descongestionar a carga de trabalho que pesava sobre o Ministro da Planificação e Desenvolvimento, mas
também para privilegiar maior celeridade na tomada de decisões por ser um órgão meramente técnico e
não político.
61
Cfr o n° 9 do artº 1 da actual lei de terras.
62
Em relação ás competências das comunidades locais, cfr o artigo 24 da lei de terras. Sentimos durante
as consultas a vários actores que intervêm na gestão de terras dentre eles 3 Administradores de Distritos
concretamente Zeferino Cavele na altura Administrador de Magude, Ângelo Binanro Sabite na altura
Administrador da Moamba e Mário Daniel Feliciano Bombi na altura Administrador de Matutuine, que
há uma percepção de que as comunidades locais excedem os limites das suas competências. Por causa
disso, elas entendem que têm o poder de decisão sobre autorização ou não do direito. Para aqueles
dirigentes do Estado, a consulta ás comunidades não significa que elas tenham o poder de decisão ao
ponto de chegarem a inviabilizar projectos, mas tão somente elas são consultadas para informarem se no
terreno há ou não direitos de outros sujeitos. A nossa opinião é de que na prática as comunidades têm o
Todavia, notamos que elas têm uma luta prolongada por fazer, porque o
reconhecimento que lhes foi atribuído pela lei nem sempre encontrou acolhimento
positivo no seio dos funcionários públicos nos distritos e noutros níveis em especial os
ligados á área de gestão de terras ou com possibilidades de tomar decisões sobre elas.

È sinal negativo evidente de actuação deste segmento de funcionários, os


múltiplos conflitos de terras que surgiram ao longo destes anos, os quais resultaram em
grande medida da falta de articulação correcta com as comunidades locais. As entidades
da Administração Pública alegam que o poder detido pelas comunidades muitas vezes é
fonte de conflitos por causa de múltiplas atribuições a diversos indivíduos do mesmo
espaço. A nossa percepção com base na experiência de Rénguè Sondwine é de que
apesar de as comunidades não terem um cadastro escrito, elas têm um domínio seguro
das suas áreas e do que querem fazer com cada espaço, como por exemplo área para
alocar investidores e área para a comunidade realizar as suas actividades.

A múltipla atribuição acontece nos casos em que é feita a consulta e o requerente


desaparece para a cidade onde vai ficar á espera da decisão administrativa muitas vezes
morosa, deixando de se comunicar com a comunidade, a qual vendo a demora do início
da actividade e sem comunicação, acabam afectando a outros pretendentes por
presumirem a desistência do requerente. O argumento das comunidades é de que não
querem ficar com terra imobilizada enquanto existem pessoas que querem investir nela.

É preciso notar que a atribuição a um outro requerente via de regra fazem-no em


articulação com o técnico de cadastro do distrito a quem as comunidades depositam
consideração. Pelo contrário, casos de múltiplas atribuições que muitas vezes
degeneram em conflitos são promovidos pelos técnicos dos Serviços Públicos de
Cadastro á revelia das comunidades respectivas. Esta é a realidade que se vive nas
comunidades onde não existem negociatas de venda de terras como as que relatamos
acima, que envolvem esquemas obscuros dos respectivos líderes comunitários, mas que
essa não é a regra prevalecente nas comunidades onde se privilegia a honestidade e
sinceridade.

poder de decisão. Pode acontecer que existe terra aparentemente livre, mas que o projecto a instalar tem
problemas ambientais ou outros que entram em choque com os interesses da comunidade. Nesses casos a
comunidade tem o poder de se opor á instalação do projecto, acontecendo o mesmo quando as
comunidades entenderem que a instalação de um determinado projecto pode afectar a reserva de terras
para uso presente e para o futuro dos seus filhos. A este respeito são inúmeros casos de projectos que
tiveram que ser redimensionados com vista a acomodar os interesses das respectivas comunidades.
Um outro aspecto que notamos durante a análise processual e nas entrevistas
com os técnicos de cadastro, é que os Serviços não estão organizados para tratar
processualmente os direitos emergentes da aquisição do direito por ocupação de boa fé
pelos cidadãos nacionais ocupando a terra há pelo menos 10 anos.

A falta dessa organização e sensibilidade pelos funcionários acaba remetendo o


tratamento deste regime especial como se fosse um pedido inicial do direito, facto que
prejudica os interessados.63 O direito resultante deste tipo de ocupação é efectivo
passados dez anos não carecendo ainda de autorização provisória, figura que como
nacionais a ter lugar duraria apenas 5 e não dez anos. 64 A medida correcta seria logo que
se conclua o processo e decidido pela entidade competente para o reconhecimento
passar-se imediatamente o título definitivo.

Outra questão que fazemos reparo e que se ressentiu foi a relacionada á


aquisição da terra por estrangeiros exigindo-se projecto de investimento como requisito
geral para ter acesso ao direito de uso e aproveitamento da terra.

Notamos durante a análise processual que salvo projectos que requerem a


autorização pelo Conselho de Ministros e outras entidades que trazem benefícios fiscais
aos interessados, a maioria dos processos envolvendo estrangeiros não tem nenhum
projecto autorizado, senão o plano de exploração igual ao que os cidadãos nacionais
também juntam. Aliás, o normal seria, os estrangeiros juntarem no processo o projecto
aprovado e ainda o plano de exploração. Estamos neste caso perante uma situação de
um costume contra legem.

Detectamos também que ao longo destes 10 anos a exigência de que os cidadãos


estrangeiros devem residir em Moçambique há pelo menos cinco anos, é uma norma
que tem criado embaraços a esta categoria de requerentes, mas que não constitui
nenhum obstáculo porque eles recorrem á criação de sociedades por quotas, algumas até
em nome pessoal através das quais requerem o direito de uso e aproveitamento da terra,
considerando que as pessoas colectivas criadas em Moçambique mesmo estrangeiras
têm acesso á terra.65

63
De notar que o regime processual do direito adquirido por ocupação de boa fé é, nos temos do disposto
no artigo 34 do regulamento da actual lei de terras especial em relação aos procedimentos de organização
dos processos de autorização do direito de uso e aproveitamento da terra, na medida em que o regime de
ocupação de boa fé dispensa o esboço de localização, a memória descritiva e autorização provisória.
64
Sobre a autorização provisória cfr o artigo 25 da actual lei de terras.
A nossa opinião é de que o artigo 11 da lei de terras devia merecer uma revisão
para aclarar a matéria de apresentação de projectos de investimento como requisito de
elegibilidade para se ter acesso á terra pelos estrangeiros, eliminando-se essa exigência
por inutilidade e ainda a exigência de residência mínima em Moçambique substituindo
as duas pela apresentação de um plano de exploração convincente, acompanhado de
prova de capacidade financeira para investir. A elaboração e submissão de projectos via
CPI, só se exigiria para os casos em que os interessados pretenderem obter benefícios
fiscais.

7. Modos de aquisição.
A actual lei de terras definiu dois modos de aquisição do direito de uso e
aproveitamento da terra, o da ocupação pelas comunidades locais e pelas pessoas
singulares nacionais que de boa fé ocupam a terra há pelo menos 10 anos e de
autorização de um pedido.66

Em relação ás figuras de ocupação já nos referimos acima que é uma figura nova
que nasceu da Constituição de 1990 e foi retomada na actual Constituição que entrou
em vigor em 2004. É um direito que beneficia as comunidades locais consideradas
pessoas jurídicas pela lei 19/97, de 1 de Outubro, como tivemos ocasião de desenvolver
supra. Além do direito das comunidades, surge também como inovação a figura de
ocupação de boa fé por pessoas singulares nacionais. Em relação á matéria de boa fé
abordámo-la com algum desenvolvimento na parte geral que não vamos repetir por
economia de espaço.

A figura de autorização dos pedidos é a que constitui a essência de organização


dos Serviços Públicos de Cadastro estaduais e municipais e o aparato de funcionários
públicos e de bens materiais afectos nesta área visa essencialmente servir o regime de
tramitação processual imposto pela demanda neste modo de aquisição do direito de uso
e aproveitamento da terra, embora outros modos não sejam excluídos de se
beneficiarem do processo de titulação que passamos a desenvolvê-lo.

8.1. Titulação

65
O recurso á via de criação de sociedades para aquisição do direito de uso e aproveitamento está
facilitado considerando a actual flexibilização da criação das sociedades em especial as sociedades por
quotas e unipessoais com isenção de imposição legal do capital mínimo, como consta do artigo 289 do
código comercial com as alterações introduzidas pelo Decreto-lei nº 2/2009, de 24 de Abril , e artigo 328
do mesmo código no que respeita ás sociedades unipessoais.
66
Cfr o artigo 12 da actual lei de terras.
A lei de terras em vigor no País estabelece que os títulos são emitidos pelos
Serviços Públicos de Cadastro, gerais e urbanos e a ausência do título não prejudica o
direito de uso e aproveitamento da terra adquirido por ocupação pelas comunidades
locais e por pessoas singulares nacionais de boa fé ocupando a terra há pelo menos 10
anos.67 O mesmo preceito legal estabelece as regras a seguir pelo processo de titulação
ou seja:

 A necessidade de se incluir no processo legal do pedido de terra o parecer do


Administrador do Distrito precedido de consulta ás comunidades locais para
confirmação de que a área pretendida encontra-se livre e não tem ocupantes.

 Os títulos emitidos a favor das comunidades locais são nominativos e devem ser
passados em nome da respectiva comunidade.

 As pessoas de ambos sexos vivendo numa comunidade podem desmembrar as


suas parcelas da área comunitária para efeitos de obtenção de títulos
individualizados.

8.1.1. Consulta ás comunidades locais

O reconhecimento das comunidades locais como sujeitos de direito, é um


aspecto que tornou a Lei n° 19/97, de um de Outubro um instrumento legal de carris
progressista amplamente elogiado dentro e fora do País, por ter reconhecido a existência
legal de um segmento populacional maioritário ocupando e vivendo quotidianamente
dos frutos da terra em Moçambique.

Ao reconhecer o direito á terra das comunidades locais, o Estado atribuiu a elas


competência de participar no processo de titulação 68. Uma das formas dessa participação
é a prerrogativa de no âmbito de tramitação dos pedidos de autorização do direito de uso
e aproveitamento da terra, serem consultadas como um dos requisitos prévios para que o
pedido do requerente seja autorizado.

Foi dessa forma institucionalizada a consulta ás comunidades, uma exigência


que vem da lei como já fizemos notar acima. Operacionalizando o comando da Lei n°

67
Cfr o artigo 13 da actual lei de terras.
68
Idem, alínea c) do nº 1 do artº 24.
19/97, de 1 de Outubro, o seu regulamento impôs que seja respeitado este procedimento
em dois momentos.

O primeiro diz respeito á necessidade de consulta quando um investidor pretende


realizar empreendimentos que requerem terra, sendo necessário que antes de submeter o
seu projecto ao CPI, ele deve contactar com as autoridades locais de modo a identificar-
se a terra adequada para acomodação do seu projecto. 69 A identificação da área é feita
com concurso das respectivas comunidades e o resultado constará do parecer do
Administrador do distrito, acompanhado da acta de consulta ás comunidades locais.
Esse procedimento foi imposto porque antes os investidores primeiro submetiam as
propostas de projectos ao governo e depois de autorizados é que iam ao distrito com
vista á localização da terra que muitas das vezes nem sequer existia, tornando os
empreendimentos inviáveis.

Esta regra está a ser cumprida, mas é um desafio para os Serviços Públicos de
Cadastro no sentido de serem mais flexíveis no atendimento a este tipo de
procedimentos que consideramos chave para entrada de investidores no País o que
requer adopção de medidas para aceleração dos processos de modo a concluí-los em
tempo útil.

Para apercebermo-nos do nível de resposta que está a ser dada pelos Serviços de
Cadastro aos pedidos com vista á implementação de projectos, contactamos com o CPI,
onde por indicação do respectivo Director entrevistamos o Dr. Samuel Forquilha jurista
em serviço naquela instituição, que informou não possuir dados recentes sobre projectos
na Província de Maputo.

Ele explicou no entanto, que a exigência de identificação prévia da terra pelo


regulamento da lei de terras foi uma medida correcta. O CPI só abre o processo de um
projecto de investimento mediante a exibição pelo investidor de um parecer do
Administrador do distrito acompanhado da acta de consulta ás comunidades.

Informou que apesar deste procedimento legal que visa flexibilizar o processo,
verificam-se situações de demora na tomada de decisão sobre o pedido de terra pela
entidade competente depois de aprovado o projecto uma vez que o parecer do
Administrador e a consulta á comunidade anexados no processo de autorização do

69
Idem, artº 25.
projecto não constituem decisão para atribuição do direito de uso e aproveitamento da
terra.

Esses instrumentos permitem apenas que o projecto seja aprovado, mas depois é
preciso que a entidade competente autorize o pedido e se passe o respectivo
comprovativo de obtenção do direito de uso e aproveitamento da terra, que é o
documento que interessa mais ao investidor para conseguir quando necessário os
créditos requeridos.

Citou como exemplo dentre outros, um projecto autorizado em Fevereiro de


2008 para produção agrícola e industrialização de oleaginosas numa área de 10.000ha
em Murraça, Sofala, que ficou mais de um ano sem atribuição do direito á terra para o
investidor começar trabalhar.

Outro aspecto que o CPI considera negativo é que a área inicial identificada de
10.000ha foi amputada pelo governo da Província para 5.000ha contrariando a
resolução que aprova o projecto emanada de um órgão hierarquicamente superior.
Concordamos com o CPI, porque o procedimento cria insegurança aos investidores
quando se começa a ter a percepção de que as decisões tomadas pelos órgãos superiores
podem ser alteradas a qualquer momento pelos órgãos inferiores.

Para o CPI a tramitação dos processos de terras continua lenta e pode afugentar
os investidores que na sua maioria precisam de terra. Para este organismo do governo,
no período de 2000 a 2004, o governo havia adoptado positivamente o princípio de que
os pedidos de terra deviam ser tramitados e decididos no prazo de 90 dias após a
abertura do respectivo processo legal do pedido, princípio que a uma dada altura parece
ter sido abandonado, voltando ao mesmo ciclo de lentidão, com todos os prejuízos que
isso pode trazer na implementação dos projectos de investimentos.

Uma outra questão de fundo levantada pelo CPI, liga-se com os documentos que
são passados ás pessoas depois de autorização provisória. Compulsando o regulamento
da actual lei de terras constata-se que a autorização provisória que é a fase inicial de
acesso á terra pelas pessoas é documentada por um documento que não é o título
comprovativo do direito enquanto ela durar, que via de regra o período probatório é de 5
anos para nacionais e de 2 anos para estrangeiros.70 No fim do período de autorização
70
Op cit artº 25 da actual lei de terras. E em relação á prova de autorização provisória, conferir o artigo 29
do regulamento da actual lei de terras que estabelece o conteúdo desse instrumento. Interpretando o
provisória é que se pode emitir o título definitivo do direito de uso e aproveitamento da
terra que vai mais longe do documento comprovativo da autorização provisória.71

Com vista á comprovação do direito de uso e aproveitamento da terra no período


da vigência de autorização provisória, os Serviços de Cadastro idealizaram um
documento a que chamam de licença de autorização provisória. É este instrumento que
segundo o CPI, os investidores especialmente os estrangeiros não o aceitam como
instrumento comprovativo do seu direito preferindo um título. Presumimos que esta não
aceitação deste documento pelos investidores, resulta de estarem habituados a lidar com
títulos que é o que se passa geralmente noutros Países.

Consideramos isto uma preocupação de fundo porque se a licença de autorização


provisória não inspira confiança aos investidores, a nossa opinião é que se deve mudar a
epígrafe do documento para título e não licença porque isso não afecta o carácter
provisório do direito face á lei de terras. É que muitas das vezes o título constitui prova
de que se tem terra com vista a conseguir-se créditos para investimentos.

Tivemos que proceder dessa maneira com a Mozal 72 para viabilizarmos um


projecto estratégico para o desenvolvimento do País porque os accionistas não podiam
pôr os seus recursos financeiros sem segurança de que o Estado moçambicano garantia
terra através de um título.

Além da prerrogativa de as comunidades locais serem consultadas quando se


pretende adquirir o direito de uso e aproveitamento da terra para investimentos, elas
devem ser consultadas ainda em todos os casos que há pedido de autorização do direito
seja qual for a área pretendida, mas também se deve recorrer a esse procedimento
quando há necessidade de desmembramento do direito de ocupação pelos sujeitos
singulares que integram uma determinada comunidade local.73

conteúdo do artº 26 da actual lei de terras in fine, retira-se o entendimento de que a passagem do título só
tem lugar depois de passagem de autorização definitiva. É por isso que antes dessa fase o que se passa é
uma licença de autorização provisória, instrumento idealizado pelos Serviços Públicos de Cadastro.
71
Cfr o artº 36 do regulamento da actual lei, que especifica o conteúdo de um título do direito de uso e
aproveitamento da terra.
72
Atente-se que a construção da MOZAL iniciou em 1998 quando estávamos a dirigir a Direcção
Nacional de Geografia e Cadastro(DINAGECA) e por isso estivemos directamente envolvidos na
problemática do título.
73
Cfr de novo o nº 3 do artigo 13 da actual lei de terras e ainda o nº 1 do artº 15 e os nºs 2 e 3 do artº 27
ambos do seu regulamento.
Ao procedermos a análise dos processos de pedidos do direito de uso e
aproveitamento, constatamos que as consultas são feitas em todos os pedidos, mas há
reparos a fazer que passamos a apresentar de seguida.

8.1.2. Perfil geral das consultas.

Regra geral as consultas ás comunidades são feitas, mas encontramos pela análise
dos processos e trabalho no terreno as seguintes questões:

 No geral o processo nos pareceu não estar a ser levado a sério pelas entidades
públicas, Administradores e Serviços de Cadastro;

 Há uma aparente simulação das consultas reunindo pessoas de conveniência.


Aliás, esta questão foi referida como sendo o resultado de que as consultas são
autênticas festas onde o interesse é que o futuro investidor forneça comidas e
bebidas. Os requerentes antes do dia de consulta vão oferecendo benesses aos
líderes de forma a ganhar as suas simpatias para que no dia da consulta seja
apenas um acto formal participado por pessoas de conveniência. 74 Por isso, a
consulta ás comunidades, em muitos casos é um acto que visa a recolha de
assinaturas para formalizar o que a lei de terras exige.75

 Nas consultas feitas, devido á fraca explicação feita pelos agentes que dirigem a
consulta, as pessoas não chegam a entender a verdadeira dimensão da área
pretendida, vindo a perceber-se quando o investidor começar a demarcação e
vedação do terreno, começando daí a surgirem reacções negativas;

 Não existem instrumentos de delegação de poderes para o funcionário que


representa o Administrador na consulta a uma comunidade, parecendo que ela é
feita verbalmente. A lei exige que a delegação se faça por escrito e publicada no
Boletim da República. Isso implicaria que o Administrador pudesse fazer a
delegação aos diversos órgãos a ele subordinados, em especial os Chefes dos
Postos Administrativos com vista a legitimá-los a fazer as consultas na sua
76
ausência. É nossa opinião que nessa delegação de poderes devia haver a

74
A respeito de consultas transformadas em festas recheadas de comidas e bebidas, ver relatório final da
conferência comemorativa dos 10 anos da lei de terras, pág. 83.
75
Idem.
76
O nº 1 do artº 22 das normas de funcionamento dos Serviços da Administração Pública aprovadas pelo
Decreto nº 30/2001, de 15 de Outubro, permite que os órgãos competentes deleguem poderes. O mesmo
diploma estabelece no seu artigo 23 que os poderes delegados carecem de serem publicitados no boletim
indicação do limite de área que o delegado teria competência de fazer consulta,
na perspectiva de que acima dessa área seria da competência exclusiva do
Administrador.

 O representante do Administrador regista o seu nome mas não constam as suas


funções;

 O representante dos SPGC não vem identificado, mas é uma figura obrigatória
na lei, que deve intervir na consulta em conjunto com o Administrador, mas
muitas vezes o representante do Cadastro no Distrito é delegado do
Administrador passando a acumular funções o que não é adequado;

 As actas são sempre unânimes. Sempre concordam;

 A lei exige que os vizinhos do terreno devem estar presentes na consulta e


devem assinar a acta.77 Todavia, em nenhum acto de consulta isso foi respeitado,
ou se foi, nada foi evidenciado;

 Os funcionários envolvidos nas consultas nem sempre estão preparados e


capacitados para tal.

 Ao fazer-se a consulta não se tem em conta a necessidade da presença dos


verdadeiros donos do espaço pretendido, o que evitaria conflitos no futuro;

 Não existe um parâmetro de pessoas mínimas que devem participar nas


consultas sendo variável o número, podendo, num pedido de área maior
participarem menos pessoas e numa área menor participarem mais pessoas. Não
existe um critério definido;

8.7. Demarcação

A demarcação é uma acção que é imposta aos requerentes pelo regulamento da


lei de terras.78 Aquele diploma legal impõe que autorizado o requerente, os Serviços de
Cadastro deverão notificá-lo da decisão, instando-o da necessidade de demarcar a área
autorizada no prazo de um ano, findo o qual se não o tiver feito ele deverá ser advertido
da eminência de cancelamento da autorização provisória. É dada ao requerente a

da República, o que leva a presumir que a delegação de poderes é obrigatoriamente feita por escrito.
77
Op cit nº 2 do artº 27 do regulamento da lei de terras.
78
Cfr o artº 30 daquele diploma legal.
possibilidade de, querendo, pedir que lhe seja prorrogado o prazo, pedido que lhe será
autorizado mas não por um tempo superior a noventa dias improrrogáveis.

Em relação á demarcação falamos com maior desenvolvimento na secção sobre


o cadastro nacional de terras porque ela constitui um instrumento de consolidação do
cadastro nacional de terras. Voltamos a referirmo-nos aqui a esta figura na medida em
que ela é elemento fundamental para a autorização definitiva e consequentemente da
titulação do direito de uso e aproveitamento da terra.

Em relação a esta matéria a ilação tirada é de que o trabalho de demarcação das


terras é pouco desenvolvido. Infelizmente não conseguimos informações organizadas a
este respeito, porque nos SPGC de Maputo no período em análise não houve registo de
dados.

Todavia, das informações obtidas soubemos que poucas pessoas demarcaram as


suas terras e as poucas que demarcaram são essencialmente detentoras de áreas
pequenas, mais no sector de construção de habitações e não na zona rural.79

8.6. Título e registo.

Os títulos do direito de uso e aproveitamento da terra representam o culminar do


cumprimento da autorização provisória com o decurso do tempo, ou por antecipação do
cumprimento do plano de exploração, dando lugar á autorização definitiva. 80 No
entanto, no actual cenário caracterizado pela fraca aderência dos requerentes ás
demarcações das terras a eles autorizadas o direito, isso implica necessariamente um

79
Informações fornecidas durante as entrevistas com os Senhores Elisa Chidimatembue, técnica do
cadastro nos SPGC de Maputo, Francisco João Pateguana, presidente da associação dos agrimensores
ajuramentados de Moçambique e Caetano Victorino de Sousa, agrimensor ajuramentado. Em resumo a
ideia é que a falta de demarcação pode resultar de vários factores entre eles o custo de demarcação que é
relativamente alto por estar cotado a 3.000 meticais o ha, podendo ser regressivo conforme se a área a
demarcar for maior, mas consideram que mesmo assim é muito para o actual nível do custo de vida, a
falta da cultura de titulação e a relativa falta de disputa sobre terras exigindo a procura de intervenção das
instituições judiciais que podia requerer prova documental. Disseram ainda que quando alguém lhes
solicita a demarcação de uma área grande é porque pretende adquirir título para efeitos de um crédito,
mas sobretudo quando tem alguma parceria em vista.
80
A autorização provisória prevista no artigo 25 da actual lei de terras, prevê um período probatório de
uso da terra de 5 anos para nacionais e de 2 anos para estrangeiros. O artº 26 do mesmo diploma
estabelece que se for cumprido o plano de exploração dentro do período probatório, deverá ser dada uma
autorização definitiva e passado um título. Essa autorização não é passada oficiosamente, mas requerida
no fim do prazo da autorização provisória ou sentindo o requerente que cumpriu cedo o plano de
exploração, requerer uma vistoria para o confirmar e legitimar a passagem de autorização definitiva. É o
que consta do artigo 31 do regulamento da actual lei de terras.
baixo índice de titulação e consequentemente baixo fluxo de processos no registo
Predial.81

Na nossa opinião o baixo índice da procura de títulos e consequente seu registo,


parte do problema que mencionamos acima em relação ás demarcações, mas tudo se
prende com o facto de que quando as pessoas adquirem o direito, demarcando ou não o
terreno nada lhes ameaça.

A ameaça de retirada do direito por falta de demarcação podia ser persuasora,


mas também se houvesse disputas que requeressem a submissão de acções judiciais aos
tribunais, seria uma forma de incentivo á consciência de que a titulação e registo na
Conservatória especialmente nesta, é uma formalidade jurídica que ofereceria garantia
para segurança e defesa do direito de uso e aproveitamento da terra.

É sabido que o direito de uso e aproveitamento da terra se constitui e habilita o


titular do direito a realizar empreendimentos que quiser independentemente do título.
Por exemplo alguém requer um espaço para construção de um edifício. Basta o
despacho da entidade competente para poder obter licença de construção e erguer o seu
empreendimento independentemente do título e registo.

O mesmo acontece noutras actividades como agricultura e pecuária que se


desenvolvem com base na simples autorização e sem dependência do título e registo.
Portanto, o título e registo do direito não são elementos atributivos do direito, mas sim
instrumentos de prova e de publicidade. Á luz da legislação actual em vigor em
Moçambique o registo não é obrigatório e obedece o princípio de instância.82

Terminamos a análise da matéria relativa á titulação do direito de uso e


aproveitamento da terra. Na nossa análise não esgotamos todas as figuras que integram
esta secção, porque cingimo-nos ás questões que á luz das nossas pesquisas sentimos
que surgiram algumas vicissitudes no contexto de implementação da lei de terras no
período em análise. Concluída esta abordagem, passamos a fazer uma referência á
transmissão de direitos.

81
Fizemos uma pesquisa junto da Conservatória do Registo Predial de Maputo e obtivemos a informação
por escrito de que o fluxo do registo dos prédios rústicos é baixo, rondando uma média de 3 a 4
processos por mês. Aquela instituição não conseguiu fornecer dados do período em análise alegadamente
por não ter o sistema de registos organizado, mas a informação dada ajuda para entender que a situação
não é boa.
82
9. Transmissão de direitos
A transmissibilidade do direito de uso e aproveitamento da terra na actual
legislação moçambicana sobre terras é admitida, tal e qual como acontecia na Lei 6/79,
de 3 de Julho, obedecendo as condições impostas pelo legislador tendo em conta o
regime de propriedade sobre terras83. Os condicionalismos resultam, como já vimos
supra, do facto de a legislação moçambicana de terras ter retomado o princípio
constitucional de que a terra é propriedade do Estado e a proibição de qualquer forma da
sua alienação.84

9.1. Modalidades de transmissão

A actual lei de terras considera explicitamente duas modalidades de transmissão


do direito de uso e aproveitamento da terra, a mortis causa e a que resulta de negócios
jurídicos entre vivos.85 Uma terceira modalidade é a que nós chamamos de transmissão
atípica ou indirecta do direito de uso e aproveitamento da terra pelas comunidades
locais, como adiante iremos desenvolver. Vamos estudar de seguida cada modalidade.

9.1.1. Transmissão mortis causa

Esta modalidade de transmissão é a primeira que vem considerada na actual lei


de terras que estatui que o direito de uso e aproveitamento da terra pode ser transmitido
por herança sem distinção de sexo.

Esta formulação legal surge da necessidade de proteger a mulher, vítima de


discriminação no seio de muitas comunidades moçambicanas e conformou-se com o
comando inserido na Constituição de 1990 que estava em vigor quando a nova lei de
terras foi aprovada, que estabelece o princípio de igualdade do género, o qual veio a ser
reafirmado pela Constituição de 2004.86

83
Cfr o artigo 16 da Lei n° 19/97, de 1 de Outubro e do artº 15 do seu regulamento. A lei de terras
apoiou-se no comando do artº 48 da Constituição de 1990 que reconhece o direito adquirido por herança.
Trata-se de um direito que veio a ser reafirmado pela Constituição de 2004, ao reconhecer o direito da
herança no geral ao abrigo do artº 83 e nos termos do seu artº 111 no concernente especificamente ao
direito de uso e aproveitamento da terra.
84
Idem, artigo 3.
85
De novo cfr o artigo 16 da lei de terras.
86
Cfr o artº 67 da CRM90 e o artº 36 da CRM04.
Ainda nesta modalidade de transmissão, embora não venha explícito na lei, há
que ter em consideração o princípio de igualdade entre os filhos do de cujus, em
obediência ao comando constitucional que estabelece a igualdade entre as pessoas
perante a lei. Deixa deste modo de existir a categoria de filhos, irmãos e colaterais
ilegítimos. 87

Um outro aspecto importante a realçar é que o direito de uso e aproveitamento


da terra nesta modalidade transmite-se automaticamente com a abertura da sucessão,
que segundo a lei sucessória ela acontece no momento da morte do seu autor e no lugar
onde ele vivia nos últimos momentos da sua vida. 88 Esta estatuição legal corresponde ao
princípio de que sendo o direito de uso e aproveitamento da terra património familiar,
faz sentido que com a morte do de cujus ele deve ser, via de regra, transmitido ás
pessoas da sua família.89

A consulta ás comunidades locais como forma atípica ou indirecta de transmissão do


direito de uso e aproveitamento da terra.

Dissemos acima que no que concerne á figura de transmissão do direito de uso e


aproveitamento da terra, existe outra categoria que nós consideramos na nossa análise, a
da transmissão atípica ou indirecta deste direito, por sinal a maior modalidade que ao
longo dos últimos 10 anos movimentou milhões de hectares a nível de todo o País em
geral e na província de Maputo em particular.

Estamos a falar das Comunidades locais que através da consulta para instalação
de projectos ou atribuir a terra por autorização de um pedido, elas gozam de
prerrogativa legal de serem consultadas.90

Entendemos que ao serem consultadas as Comunidades e ao anuírem que se


autorize o pedido, elas estão a alienar por aquele acto o seu direito de se beneficiarem
de um determinado espaço, que em muitos casos é por toda a vida.

87
Cfr o artº 35 da CRM04. No nosso entender, este preceito constitucional revoga implicitamente o que
trata de filhos ilegítimos, artº 2.139º e 2.140º ambos do c.c, o que se refere aos irmãos ilegítimos e seus
descendentes, artº 2.144º do c.c. e ainda colaterais ilegítimos, artº 2.150º do c.c.
88
Cfr o artº 2031º do c.c. Entendemos que o último domicílio a que se refere a lei sucessória, é o
domicílio habitual com a alternativa prevista no artº 82º do c.c.
89
A propósito desse pensamento, cfr F. M Pereira Coelho, direito das sucessões, pág. 41.
90
O acesso ao direito de uso e aproveitamento da terra ao abrigo de um pedido tem enquadramento legal
na alínea c) do artigo 12 da actual lei de terras. A prerrogativa que as comunidades locais gozam de serem
consultadas quando há um pedido para aquisição do Direito de Uso e Aproveitamento da Terra vem
prevista no nº 3 do artigo 13 da lei de terras em vigor e ainda a alinea e) do número 1 do artigo 24 e nº 2
do artigo 27 ambos do respectivo regulamento.
No contexto criado pela actual lei de terras, é inegável e isso tem sido realidade,
que os poderes das autoridades administrativas em muitos casos têm se visto cerceados
quando se fazem autorizações sem o devido respeito pelos direitos dos membros de
certas Comunidades que não se deixam cair na passividade.

Na realidade casos inúmeros houve neste período de projectos ou autorizações


que foram inviabilizados pela acção das Comunidades que não aceitaram transmitir o
seu direito, forçando o recuo do beneficiário, ou obrigando ao redimensionamento de
áreas para se acomodar interesses de ambas as partes.

Pelas razões apontadas, nós entendemos que o papel das Comunidades locais ao
anuírem que o seu Direito de Uso e Aproveitamento da Terra seja transferido
definitivamente para terceiras pessoas elas estão a transmitir o seu direito, embora
aparentemente de forma indirecta.

Finalmente, depois de fazermos esta abordagem e tomando em consideração as


propostas avançadas por alguns dos nossos entrevistados a seguir apresentamos algumas
ideias no que se refere á figura de transmissão de direitos:

 Necessidade de se encontrar uma forma de tornar a transmissibilidade do


direito de uso e aproveitamento da terra mais flexível cingindo-se essa
flexibilidade àqueles casos que tiverem adquirido o direito de utilização
definitiva da terra, resultado de ter feito investimentos. A ideia seria
eliminar-se a figura de autorização prévia da autoridade competente que
autorizara o pedido, considerando que se a pessoa teve a autorização
definitiva é porque já fez investimentos no terreno. Neste caso se seguiria o
mesmo regime dos prédios urbanos por exibição do título de autorização
definitiva.
 Necessidade de se respeitar o principio de que o direito de uso e
aproveitamento da terra é património do titular, fazendo parte integrante do
seu direito de propriedade constitucionalmente consagrado. Nesse sentido,
ao titular do direito de uso e aproveitamento da terra devia ser reconhecido o
direito de dispôr dele dentro dos limites a estabelecer por lei, sem lesar o
direito de propriedade sobre a terra que é reservado ao Estado. Pretende-se
neste caso tornar o título livremente transmissível e com valor mercantil
desde que o titular tenha adquirido a autorização definitiva por ter realizado
investimentos. Quer dizer, enquanto o terreno estiver em regime de
autorização provisória, não haveria transacionabilidade do direito;
 Necessidade de se reflectir para que no futuro a terra detida por um nacional
que queira estabelecer parceria com um estrangeiro a mesma possa ter valor
para esse efeito;
 Necessidade de se reflectir para que sem perda do direito de propriedade
estatal sobre a terra, os estrangeiros tenham que pagar pela terra em
Moçambique;
Em relação ás propostas aqui apresentadas elas são pertinentes porque
estimulariam os titulares a interessarem-se por nelas investir por se sentirem mais
proprietários do direito de uso e aproveitamento da terra, pois nas condições actuais em
que não há nenhuma abertura á transacionabilidade dos títulos há uma certa falta de auto
confiança.

10. Extinção do direito de uso e aproveitamento da terra.

Em primeiro lugar reputamos relevante buscarmos o entendimento do


significado de extinção. Consta que extinção 91 é uma palavra que deriva do latim
extinctio, extinguere. Quer dizer, dentre outros sentidos, extinguir, caducar, deixar de
ser válido. Extinção quer se referir a tudo o que se acabou ou deixou de existir, seja um
direito, ou uma obrigação.

A extinção prevista na actual lei de terras visa pôr termo ao direito de uso e
aproveitamento da terra como consequência de ocorrência de um conjunto de
vicissitudes concretamente, falta de cumprimento do plano de exploração ou projecto de
investimento sem motivo justificado mesmo que tenha o pagamento das taxas anuais em
dia, por revogação por interesse público, no termo do prazo ou da sua renovação e pela
renúncia do titular do direito.92 A seguir vamos abordar cada uma das figuras de
extinção que enumeramos acima.

10.1. Extinção por falta de cumprimento do plano de exploração

Já nos referimos acima que o plano de exploração é tido como documento


elaborado e apresentado pelo requerente do direito de uso e aproveitamento da terra

91
Idem, Plácido e Silva, V1 e 2, página 255.
92
Cfr o artigo 18 da actual lei de terras.
visando descrever e demonstrar o que, de forma faseada irá realizar, primeiro no
período de autorização provisória e segundo na fase posterior e decorre do comando
legal previsto na actual lei de terras que obriga a apresentação desta peça processual
quando se trata de um pedido de terra para o exercício de actividade económica.93

10.2. Revogação do direito de uso e aproveitamento da terra

Além de extinção do direito de uso e aproveitamento da terra por incumprimento


do plano de exploração, a revogação é outra vicissitude que conduz á extinção do direito
de uso e aproveitamento da terra. Entende-se por revogação ou revocatio de revocare
conforme a expressão latina, a anulação, o desfazer ou fazer desvigorar uma norma e no
caso do nosso estudo, um acto administrativo que outorgara um direito.94

A revogação licitamente permitida faz cessar a eficácia, isto é, a força jurídica


do acto jurídico que fora praticado pela entidade competente para atribuir um direito
subjectivo a um sujeito de direito, que no nosso caso é o requerente ou titular do direito
de uso e aproveitamento da terra.95

A revogação pode também considerar-se uma forma de extinção de um negócio


jurídico por manifestação de vontade exercida muitas vezes de forma discricionária e
produz via de regra, efeitos extintivos apenas para o futuro. 96 Há uma semelhança com o
que ocorre no que concerne á revogação do direito de uso e aproveitamento da terra,
pois há um poder discricionário e uma iniciativa unilateral da entidade que reconheceu
ou autorizou o direito de uso e aproveitamento da terra.

Explica-se que assim seja porque na outorga do direito de uso e aproveitamento


da terra, embora resultante de um pedido, o acto administrativo competente resultou de
uma decisão unilateral da entidade com poderes para o efeito. Mesmo no caso do direito
das comunidades locais, o reconhecimento do seu direito na lei de terras, constituiu um
acto unilateral do legislador.

10.2.1. A figura de revogação na actual legislação moçambicana de terras

93
Op cit o nº 12 do artº 1 e o artº 19 ambos da actual lei de terras. Cfr ainda a propósito da exigência do
plano para o exercício da actividade económica, o nº 2 do artº 24 do regulamento da actual lei de terras.
94
Op cit, Plácido e Silva vocabulário jurídico V3 e 4, pág. 144.
95
Ibidem.
96
Op cit Ana prata dicionário jurídico pág 1322.
A actual lei de terras trata a questão da revogação como uma das modalidades de
extinção do direito de uso e aproveitamento da terra por motivos de interesse público
devendo obedecer os seguintes requisitos:97

 A revogação deve ser precedida por uma justa indemnização, como resultado de
aplicação paralela do processo de expropriação;98

 Como alternativa á indemnização pode se recorrer á justa compensação.99

10.2.2. Fundamento legal de expropriação além da lei de terras

A Constituição da República de Moçambique de 1990 que estava em vigor


quando foi aprovada a actual lei de terras do país dispunha que a expropriação só podia
ser ditada por necessidade e utilidade ou interesse públicos definidos na lei e implicava
uma justa indemnização.100 A mesma redacção foi retomada pela CRM de 2004.101

De notar que as duas constituições não incluíram a figura de compensação como


prevê a actual lei de terras, mas somos de opinião que nada de anormal existe
considerando que elas remetem á lei a definição do que pode revestir a expropriação por
interesse público e aquela lei reconhece a figura de compensação.

Além da lei constitucional a lei civil como lei geral, primeiro estabelece o
princípio de que ninguém pode ser privado total ou parcialmente por expropriação do
seu direito de propriedade senão nos termos fixados por lei.102

A mesma lei estabelece quanto á indemnização que havendo expropriação por


interesse público ou particular ou requisição de bens, deve se pagar uma justa
indemnização ao proprietário e aos titulares de outros direitos reais afectados, que são
os titulares ou requerentes do direito de uso e aproveitamento da terra no caso do nosso
estudo.103
97
Cfr a alínea b) do art 18 da actual lei de terras.
98
Sobre o processo paralelo de expropriação cfr o nº 3 do artigo 19 do regulamento da actual lei de terras.
99
As figuras de indemnização e de compensação podem se complementar, na medida em que no mesmo
processo as mesmas pessoas podem ser indemnizadas em certos direitos lesados ou compensadas noutros.
100
Cfr o número 2 do artigo 86 da CRM de 1990. Segundo Cabral de Moncada, Direito Económico, 2ª
edição pág 277, a particularidade da expropriação é que dá sempre lugar a uma indemnização.
101
Cfr o número 2 do artigo 82 da CRM de 2004.
102
Cfr o artigo 1308º do c.c. No caso da terra que a propriedade pertence ao Estado, a propriedade privada
que deve ser respeitada é o direito de uso e aproveitamento da terra que nós reputamos património por
excelência do titular ou do requerente beneficiário de autorização provisória.
103
Idem, artº 1310º do c.c.
Ao considerar-se na lei civil a possibilidade de o titular e no caso vertente do
nosso estudo, o titular ou requerente do direito de uso e aproveitamento da terra poder
gozar da prerrogativa de beneficiar de uma justa indemnização ou compensação em
caso de expropriação por utilidade pública e implicitamente também particular, o
legislador da actual lei de terras conformou-se na prática com aquele princípio legal
previsto na lei civil.104

Além das normas constitucionais e do direito civil que acabamos de abordar, a


expropriação em Moçambique é regulada por uma lei especial, a lei nº 2030 de 12 de
Setembro de 1953. Esta lei dispõe que os bens imóveis os direitos a eles relativos, como
é o caso do direito de uso e aproveitamento da terra, podem ser expropriados por motivo
de utilidade pública previsto na lei, mediante o pagamento de justa indemnização. 105
Todos os mecanismos a observar inerentes ao processo de expropriação encontram-se
plasmados nesta lei.

Vistos os diversos instrumentos legais que tratam da questão de expropriação


por interesse público e a necessidade de indemnização dos sujeitos cujo direito foi
lesado, passamos de seguida a fazer uma abordagem de alguns casos de
empreendimentos que durante o período em análise foram implantados na província de
Maputo.

Pagamento de taxas pelos requerentes e titulares do direito de uso e aproveitamento da


terra.

O acesso e benefício do direito de uso e aproveitamento da terra implica o


pagamento de uma taxa. É um onus que o legislador da actual lei de terras impõe aos
requerentes e titulares do direito, salvaguardado o direito de isenção para aqueles que a
própria lei de terras prevê.106

A lei impõe que o cálculo do valor das taxas deve ter como base a localização do
terreno, a sua dimensão e a finalidade do seu uso e aproveitamento, nomeadamente a
104
Apesar de a lei de terras não ter se referido explicitamente também á possibilidade de expropriação por
interesse particular, na prática tem acontecido. É o que sucedeu com expropriação de propriedades para
dar espaço á implantação de projectos como o de gás de Pande e Temane, da Mozal, das areias pesadas de
Moma e de Chibuto só para citar alguns exemplos. Este último não chegou a ser implementado, mas
houve um trabalho expressivo de expropriação das terras e outros bens patrimoniais das populações.
105
Cfr o número 1 do artigo 1º da Lei n° 2030, de 12 de Setembro de 1953.
106
Cfr o artigo 28 da actual lei de terras no que respeita á instituição da obrigatoriedade do pagamento de
taxas e o artigo 29 da mesma lei no que respeita ás isenções.
taxa de autorização e a taxa anual e devem ser fixadas taxas preferenciais para os
cidadãos nacionais.107

A questão que se nos coloca é de compreender se tudo o que o legislador designa


por taxa é realmente uma taxa. Entre a taxa de autorização provisória e definitiva e a
anual serão todas verdadeiras taxas? Essa dúvida leva-nos a ter que estudar o conceito
de taxa.

Entende-se por taxa a prestação pecuniária não coactiva, paga como uma
contraprestação de um serviço prestado por uma entidade de Administração Pública. 108
Em rigor por taxa entende-se o preço ou a quantia que se fixa com vista á compensação
de um determinado serviço ou remuneração de um trabalho realizado.109

Analisando as taxas previstas na actual lei de terras e tendo em conta a noção de


taxa que acabamos de estudar, pensamos que apenas as taxas de autorização provisória e
de autorização definitiva são uma verdadeira taxa porque destinam-se ao pagamento de
serviços de tramitação processual pelos serviços públicos de cadastro estaduais ou
municipais.110

Quanto á taxa anual não nos parece ser uma obrigação dependente de uma
contraprestação, porquanto ela é devida anualmente e deve ser paga nas datas previstas

107
Para operacionalizar o comando previsto no artigo 28 da lei de terras, o regulamento da actual lei de
terras aprovado pelo Decreto nº 66/98, de 8 de Dezembro, nas Tabelas 1, 2 e 3 anexas ao seu artigo 41
concernente ás taxas, fixa a taxa de autorização provisória em 600 meticais e a de autorização definitiva
em 300 meticais ambos da nova família do metical e a taxa anual fixada em 30 meticais por hectar/ano.
Quanto ás isenções, o artigo 29 da mesma lei isenta de pagamento de taxas o Estado e suas instituições, as
associações de utilidade pública reconhecidas pelo Conselho de Ministros, as explorações familiares e as
comunidades locais e pessoas singulares que as integram, as cooperativas e associações agro-pecuárias
nacionais de pequena escala.
108
José Joaquim Teixeira Ribeiro, Lições de Finanças Públicas 5ª edição, página 258. O autor considera
que a taxa é um pagamento que é devido pelo público como contraprestação de um serviço prestado pelo
Estado. Nós preferimos dizer serviço prestado por um serviço de Administração Pública, porque no caso
por exemplo das taxas do mercado, das taxas de lixo e etc, são cobradas em alguns casos pelos
municípios e não pelo Estado.
109
Op cit, Plácido e Silva, Vocabulário Jurídico V 3 e 4 página 322.
110
Todavia, apesar de a taxa de autorização provisória ser taxa por excelência, encontramos junto dos
Serviços de Cadastro de Maputo o sentimento de que o legislador não devia ter usado expressão taxa uma
vez que o valor se destina para tramitação processual. O facto de ser taxa levantou conflitos com os
Serviços de Finanças que consideravam este valor como receita pública, quando na verdade ele pertence
ao requerente. Para os Serviços o regulamento devia ter criado outra figura como a de emolumentos para
tramitação processual.
no regulamento da lei de terras e o não pagamento implica penalização e susceptível de
cobrança coerciva.111

Parece-nos que esta obrigação pecuniária anual dos titulares do direito de uso e
aproveitamento da terra é um verdadeiro imposto resultante da ocupação da terra e a
Administração Pública não tem que prestar algum serviço para que o titular do direito
de uso e aproveitamento da terra pague a sua obrigação.

Para aproximarmos melhor a nossa ideia, importa fazer alguma referência ás


características de um imposto. O imposto constitui a maior fonte das receitas
efectivas,112 da Administração Pública por terem quanto a nós um carácter permanente
e com elas se pode planificar a despesa, como podia acontecer com as receitas de terras
se a Administração estivesse devidamente organizada e dotada de uma agressividade
necessária.113

O imposto representa uma prestação ou contribuição que é devida por toda a


pessoa física ou jurídica elegível á Administração Pública, com vista á formação da
receita de que carece para pôr em funcionamento os seus serviços e assegurar a sua
existência.114

O imposto é uma contribuição unilateral sem carácter de contraprestação,


obrigatório, e no caso da taxa do direito de uso e aproveitamento da terra, corresponde a
um imposto de natureza real, por incidir sobre um prédio e neste caso prédio rústico,
gravado por um ónus anual pagando os encargos a pessoa como mero titular do direito
(imposto sobre um prédio rústico verbi gratia, como é o caso do objecto do nosso
estudo).115

A análise que acabamos de efectuar permitiu aclarar que o conceito de taxa


previsto na actual lei de terras esconde dentro de si duas realidades distintas, a primeira
111
De harmonia com o disposto no nº 4 do artº 42 do regulamento da actual lei de terras o pagamento da
taxa anual será feito nos primeiros 3 meses do ano ou em duas prestações, sendo a primeira a ser
liquidada até ao fim do mês de Março e a segunda até ao fim do mês de Junho. O número 4 do artº 39 do
regulamento da actual lei de terras redacção dada pelo Decreto nº 1/2003 de 18 de Fevereiro, dispõe que
havendo incumprimento da obrigação de pagamento da taxa anual, o processo deve ser remetido ao juízo
das execuções fiscais.
112
Atente-se que pela sua natureza precária as taxas não são e nem podem ser fontes de uma receita
efectiva. Mas pelo contrário, as receitas provenientes de cobrança da taxa anual são efectivas e
previsíveis.
113
Op cit José Joaquim Teixeira Ribeiro, pág. 258.
114
Ibidem Plácido e Silva, V 1 e 2 pág. 423.
115
Idem. Pág. 424.
que corresponde á existência de uma verdadeira taxa, a que corresponde á taxa de
autorização provisória e definitiva que é paga para a tramitação processual com
expectativa de uma contraprestação e a anual que embora designada taxa, ela
corresponde a um verdadeiro imposto, pois o seu pagamento ocorre independentemente
de uma contraprestação.

Feita esta abordagem conceptual, importa de seguida fazer referência a algumas


questões de natureza prática observadas ao longo do período em estudo.

11.1. Alterações ao regulamento da actual lei de terras no instituto de taxas.

Como vimos acima, a lei fixou a taxa anual em 30.000 meticais da antiga família
correspondentes aos actuais 30 meticais. Logo após a entrada em vigor do novo
regulamento da lei de terras que fixou a taxa única para todos os sectores, começou-se a
sentir na prática que a mesma era demasiadamente pesada e não estimularia a
recuperação de uma actividade agro-pecuária que sofrera retrocesso assinalável devido á
guerra acabada de terminar.

A necessidade de estimular investimentos e garantia de uma rápida recuperação


económica e mediante reivindicações construtivas dos produtores, praticamente um ano
depois da vigência do regulamento, foi levada acabo a sua revisão pontual. Assim, foi
aprovado o decreto nº 77/99 de 15 de Outubro, que introduziu alterações ás taxas anuais
da seguinte forma:

 A criação de gado bovino, repovoamento de fauna bravia através de


estabelecimento de fazendas do bravio e culturas permanentes passavam a pagar
2.000 meticais da antiga família, ou seja 2 metiais actuais por hectar/ano. 116

116
Cfr o artº 1 do Decreto nº 77/99, de 15 de Outubro. Pretendeu-se privilegiar e incentivar a recuperação
da manada nacional de gado bovino que havia sido gravemente atingida pela guerra. Excluíram-se deste
benefício a criação de outras espécies animais como caprinos, ovinos, suínos, cavalar, asinino, aves
domésticas porque as bravias criadas em fazendas do bravio sim e etc. No que se refere ás fazendas do
bravio, são os locais especializados organizados para pecuarização de espécies como antílopes, elefantes,
búfalos, leões, zebras, crocodilos, avestruzes, rinocerontes e todas as outras espécies bravias. Em matéria
de culturas permanentes, temos as culturas como cana sacarina, bananeiras, citrineiras e outras fruteiras,
sisal, palmares, plantações florestais e outras que não tenham natureza de culturas anuais como por
exemplo milho, mapira, mandioca, diversos tipos de batata e outras.
 Redução da taxa para 15.000 meticais por hectar/ano da antiga família, actuais
15 meticais nos terrenos destinados á produção agrícola.117

 Agravamento da taxa anual para 200.000 meticais da antiga família e actuais


200 meticais nos terrenos até um hectar nas faixas costeiras confrontantes com o
domínio marítimo até 3 quilómetros quando se destinem ao turismo e construção
de habitações de veraneio e comércio.118

 Cancelar a aplicação do índice de agravamento pela dimensão do terreno


constante da Tabela 2 anexa ao artigo 41 do regulamento da actual lei de
terras.119

 Cancelar a aplicação do índice de agravamento pela localização na província de


Maputo constante na Tabela 2 anexa ao artº 41 do regulamento da actual lei de
terras, quando a terra se destine á criação de gado bovino.120

117
Idem, artº 4.
118
Idem artigo 5.
119
Idem, artº 2. A distância dos 3 quilómetros mede-se a partir da linha das máximas preia- mares, por
analogia com a alínea c) do artº 8 do regulamento da actual lei de terras.
120
Idem, artº 3. Porquê esta preocupação em relaxar a taxação de criação de gado bovino? Como
dissemos acima, o país acabava de sair de uma guerra que tivera efeitos negativos sobre a manada
nacional. É preciso sublinhar que a guerra iniciou quando o país dispunha de mais de 1.000.000 de
cabeças de gado bovino e quando ela terminou o efectivo situava-se entre 250.000 a 300.000 cabeças de
bovinos. Quando se fez a revisão do regulamento da lei de terras o governo estava a implementar um
programa de repovoamento pecuário denominado fomento pecuário e era seu interesse assegurar que os
criadores multiplicassem a manada nacional sem necessidade de abates constantes dos animais, por causa
da pressão causada pela necessidade de pagamento de taxas.

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