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1
Marcello Caetano, Princípios Fundamentais do Direito Administrativo, pág. 330.
2
Introdução á Lei n° 6/79, de 3 de Julho, ver Carlos Serra Júnior, Colectânea de Legislação sobre a terra,
pág.55.
Entretanto, em relação a esta política de não privatização da terra, o legislador
constituinte demonstrou ser irredutível nas suas posições, 3 pois as mesmas se
radicalizaram mais na Constituição de 2004 ao mudar do tom de linguagem de
proibição da venda da terra e outras formas de alienação, do vocábulo não pode ser
vendida... para não deve ser vendida...
Não obstante a ideia de privatização da terra não ter passado, o debate frequente
á volta desta matéria nunca parou, até que um alto dirigente do governo moçambicano
na pessoa do Dr Hélder Muteia, então Ministro da Agricultura e Desenvolvimento Rural
3
Irredutível porque se formos a analisar as disposições legais que declararam a terra propriedade do
Estado, concretamente a partir da primeira lei de terras, apercebemo-nos por interpretação do nº 2 do
artigo 1 da Lei n° 6/79, de 3 de Julho, que a terra como propriedade do Estado não pode ser vendida, nem
sujeita a qualquer forma de alienação. Esta doutrina foi retomada pela constituição de 90, dando-lhe
dignidade constitucional, nos termos do seu artigo 46. Por seu turno, a Lei n° 19/97, de 1 de Outubro, no
seu artigo 3 retomou a mesma redacção contida na Constituição de 90. Todavia, já na Constituição de
2004 nota-se um radicalismo ao endurecer a sua linguagem no que respeita á proibição de alienação da
terra como podemo-nos aperceber da interpretação do número 2 do artigo 109 da CRM 2004. Quer dizer,
enquanto a Lei n° 6/79, de 3 de Julho e a CRM90 expressaram que a terra não PODIA ser vendida, a
CRM2004, expressou-se mais categórica e inequivocamente no sentido de que a terra não DEVE ser
vendida...
4
Ib idem Joseph Hanlon, pág.11. Contra a corrente que defende a privatização da terra, Samuel Chissico,
Presidente da Associação dos Agricultores de Moçambique( AGRARIUS), intervindo na conferência
nacional comemorativa dos 10 anos da Lei n° 19/97, de 1 de Outubro, realizada em Maputo em
Novembro de 2007, em representação da Confederação das Associações Económicas de Moçambique,
CTA, pronunciou-se no sentido de que a sua opinião e da CTA, não defendia a privatização da terra,
porquanto o actual figurino de transmissão do direito de uso e aproveitamento da terra como resultado de
o titular ter valorizado a terra através de realização de investimentos em construções e benfeitorias, é o
mais correcto e evita a abertura de um campo de especuladores oficiais de terras(a propósito ver o
relatório final da conferência, página 32).
5
Op cit, artº 12.
no mandato de 2000 para 2005, pronunciou-se a favor do debate sobre a privatização da
terra.6
Este exemplo vindo de Angola nos parece que acautelaria melhor os interesses
dos camponeses que são o elemento chave da recusa da privatização da terra em
Moçambique pois, na prática em Angola as terras rurais não são susceptíveis de serem
6
Entrevista do Ministro da Agricultura e Desenvolvimento Rural no Jornal Domingo a 8 de Julho de
2001. Nessa entrevista ele defendia que era chagada a altura de criação do mercado de terras dentro da
realidade moçambicana. A este respeito, ver também Joseph Hanlon, debate sobre a terra em
Moçambique, pág 11.
7
Op cit, nº 3 do artº 12º da Constituição da República de Angola. Há semelhanças nítidas com o que
propunha o artigo 12 do anteprojecto de revisão da Constituição de 75.
8
Op cit artigo 5º.
9
Idem, artº 6º.
10
Idem, artº 35º.
objecto do direito de propriedade privada, o que assegura a prevenção da eclosão de
conflitos de terra no futuro. Aliás, nos debates á volta de privatização da terra em
Moçambique, temos acompanhado as correntes que advogam que privatizar terra rural
não, mas terra urbana abrangida pelos planos de urbanização sim.
Por seu turno, os que defendem o actual regime de propriedade, argumentam que
a privatização contraria o espírito da luta de libertação nacional e pode trazer como
consequências a acumulação de terras nas mãos de um punhado de latifundiários
11
Cfr os artigos 24 e 27 do regulamento do solo urbano.
nacionais ou estrangeiros, em detrimento da maioria da população que vive da
exploração da terra. Teme-se ainda que se pode abrir porta para especulação da terra.
Julgamos que o que está por detrás da polémica e insistência sobre a privatização
da terra não é porque o regime actual não dê segurança do direito. Quanto a nós existe
garantia aos investidores e requerentes para exercício de actividades económicas uma
vez que a autorização é dada por 50 anos renováveis, o que equivale na prática a uma
espécie de um direito perpétuo e por tempo ilimitado desde que a terra esteja a ser
usada.12
Por outro lado, para nós é vantajoso que a terra continue propriedade do Estado
porque torna flexível o processo de acesso ao direito de uso e aproveitamento da terra
pelos investidores que precisariam de comprá-las aos seus donos, especialmente quando
se trata de jovens no início da sua emancipação desprovidos de recursos financeiros
necessários para compra da terra se ela for privada.13
12
Julgamos que os defensores da privatização temem esta exigência de que a terra deve ser usada, pois se
não for, o direito é extinto consoante prevê a alínea a) do nº 1 do artigo 18 da actual lei de terras.
13
De facto nas condições actuais de propriedade da terra a favor do Estado o acesso á terra encontra-se
facilitado, porque independentemente da dimensão do terreno solicitado, o beneficiário paga apenas
600Mt da taxa de autorização provisória de acordo com o que dispõe a tabela 1 anexa ao regulamento da
lei de terras, Lei n° 19/97, de 1 de Outubro. De acordo com a mesma tabela, a taxa para autorização
definitiva é computada em metade da taxa de autorização provisória, o que significa que a aquisição e
consolidação do direito faz- se por apenas 900Mt, valor que é acessível há maioria das pessoas.
No que respeita á possibilidade de se usar a terra como garantia, é opinião
assente que as instituições financeiras em Moçambique nem sempre deram muita
importância á hipoteca da terra mesmo no tempo colonial.
No caso da agricultura que é o sector que se pensa que iria ser largamente
beneficiado pela hipoteca da terra, é uma actividade de risco em Moçambique, por isso
não atrai as instituições de crédito por temerem insucessos. Nos tempos que correm, as
instituições de crédito preferem a instituição do sistema de seguro agrícola, que
garantiria o retorno seguro dos créditos nos casos de fracasso.
Para quem pede terra com o objectivo de nela trabalhar e investir, facilmente
poderá transaccionar o seu título. Todavia, o sistema burocrático dessas transacções
poderia ser melhorado no sentido de flexibilizar a transferência dos direitos quando
houver investimentos reconhecidos. Voltaremos ao assunto quando abordarmos o tema
transmissão de direitos.
14
A este propósito entrevistamos o Dr. Inocêncio Matavel, agricultor no distrito de Boane, criador de
gado bovino no distrito de Matutuine, industrial na cidade de Maputo e presidente do pelouro de agro-
negócios na confederação das associações económicas(CTA), pessoa que defendeu o seu trabalho de fim
do curso sob o tema”O direito de uso e aproveitamento da terra como garantia para o acesso ao crédito
agrário”. Ele retirou desse trabalho a ilação de que o argumento de que se deve privatizar a terra tendo
como fim a sua hipoteca como garantia do crédito é uma ideia ilusória porque os bancos fiam-se pela
viabilidade económica. É por isso hoje que os bancos preferem financiar actividades com garantia de
retorno rápido do capital investido como indústria, turismo e comércio.
15
Cfr o número 2 do artº 16 da actual lei de terras.
4. Fundo estatal de terras.
Em primeiro lugar importa obtermos o entendimento do conceito fundo. Fundo
deriva do latim fundus,16 querendo significar fundo, base, bens de raiz. Interessa para o
nosso caso o último significado. Nesta perspectiva fundo quer dizer conjunto de bens
imóveis, os terrenos os campos e as herdades. São os bens de fundo ou bens fundiários.
Para a lei moçambicana de terras, fundo quer significar toda a terra da República
de Moçambique incluindo aquilo que no regime de propriedade privada da terra
chamariam de res nullius. É um conceito que foi captado do direito soviético sobre a
terra como já tivemos ocasião de nos referirmos neste trabalho. Como corolário de em
Moçambique a terra ser propriedade do Estado, toda a terra situada em todos os cantos
da República de Moçambique constitui fundo estatal de terras.17
5. Domínio Público
No prosseguimento de abordagem deste ponto, julgamos ser de interesse obter a
noção de “domínio.” Esta palavra deriva do vocábulo latino dominium para significar
propriedade, direito de propriedade.19 Quando se fala de propriedade ou do direito de
propriedade, pretende-se referir concretamente ao direito de propriedade que se detém
sobre bens imóveis.
No sentido mais lato, domínio quer fazer alusão á soma dos poderes ou direitos
que se tem sobre uma determinada coisa e nessa perspectiva pretende-se indicar
indiscriminadamente todo o tipo de propriedade, quer seja móvel ou imóvel,
significando a referência da propriedade por compreensão.
16
Op cit Plácido e Silva, página 333.
17
Cfr o artigo 4 da Lei n° 19/97, de 1 de Outubro.
18
É o que prevê o número1 do artigo 110 da actual CRM.
19
Op cit Plácido e Silva V1e2. pág.123. Ana Prata, dicionário jurídico V1 pág. 559, “domínio é um termo
que a lei e a doutrina muitas vezes utilizam como sinónimo de propriedade.”
Entende-se que o conceito domínio só é admissível quando se trata de direitos
reais, isto é, o direito de propriedade que se refere ás coisas corpóreas e materiais. 20 O
domínio é um direito absoluto erga omnes, na medida em que todas as restantes pessoas
á excepção do seu titular encontram-se numa posição de sujeitos passivos com
obrigação de se absterem de perturbar o uso e o gozo da propriedade a que ele se refere.
O conceito dominial tem várias acepções, mas para o nosso trabalho reputamos
ser de interesse os conceitos de domínio iminente e de domínio público. Como domínio
iminente entende-se ao direito que pertence ao Estado na sua condição de entidade
soberana com poderes de desapropriar bens para satisfação de fins de utilidade pública
com recurso á indemnização.21 Em relação ao domínio público quer se referir ao
conjunto dos bens pertencentes ás pessoas jurídicas do direito público mormente o
Estado e os Municípios, que se destinam ao uso comum pelas pessoas normalmente de
forma gratuita, daí chamarem-se de bens improdutivos. 22 Os bens de domínio público
caracterizam-se também por não serem objecto de comércio jurídico e é um direito
imprescritível.
Como regra, os espaços dominiais são de uso comum pela colectividade vivendo
num território estadual ou municipal. Nesses casos de uso comum, o direito dos
utilizadores é conferido pela lei através de uma norma geral e abstracta, de natureza
imperativa.23 O direito de uso privativo dos espaços dominiais não é um direito real. Ele
é pela sua natureza, um direito de carácter obrigacional porque se baseia num vínculo
que resulta de um acto unilateral do dono do espaço, ou de um contrato sinalagmático.
20
Idem, pág 124.
21
Idem, pág125.
22
Idem, pág. 126. Por seu turno, Ana Prata na sua obra já citada, pág.560, domínio público é “o poder
que o Estado e outras pessoas colectivas de direito público têm sobre certas categorias de bens,
submetidas ao direito público.” Na prática está subjacente nesta passagem a ideia de que domínio é um
direito que incide sobre certos bens materiais.
23
Marcello Caetano, manual de direito administrativo V2, pág. 937.
5.1.2. Acesso privativo pelos particulares.
24
Idem, pág. 938.
25
Idem, pág. 944.
26
Ibidem, pág.943
Os instrumentos que conferem direito de utilização dos espaços dominiais são
transmissíveis entre vivos e mortis causa. No entanto, para que a transmissão entre
vivos tenha eficácia jurídica, é necessário que se obtenha uma autorização prévia da
autoridade competente sob pena de não o fazendo, incorrer-se á sanção de nulidade do
negócio, salvo o caso de transmissão mortis causa que não requer esse tipo de
autorização.27
É importante sublinhar que tanto a transmissão entre vivos, como a mortis causa,
os prazos autorizados continuarão os mesmos inicialmente previstos, o que quer dizer
que os novos beneficiários do direito somente aproveitarão o tempo que faltava usufruir
pelo adquirente originário do direito respectivo. Trata-se de um direito que não
beneficia o seu titular do direito de hipoteca sobre o terreno, mas permite-se que os
beneficiários hipotequem os edifícios e obras construídas por eles no espaço dominial.28
Quando o direito de uso privativo se extingue com o fim do prazo definido, duas
soluções alternativas se podem adoptar, a primeira é obrigar o titular do direito a
demolir as obras realizadas e desmontar os equipamentos ou instalações desmontáveis.
Mas outra solução é a reversão para a entidade pública de todos os bens ou somente de
bens imóveis com prerrogativa de o particular desmontar o material passível de ser
desmontado.30
O que temos em maior número são as zpp, que se encontram espalhadas pelo
país tanto de domínio do Estado como das entidades municipais. A lei de terras
considera zpp matérias que a CRM arrola como domínio público e as amplia com base
no comando constitucional que preconiza que a lei pode criar outros bens de domínio
público para além dos previstos na constituição.34
31
Idem.
32
Cfr os artigos 35 da CRM de 1990, 7 e 8 da Lei n° 19/97, de 1 de Outubro e 4,5,6,7,8 do regulamento
da lei de terras aprovado pelo Decreto n° 66/98, de 8 de Dezembro.
33
De novo cfr os artºs 6 e 7 da LT.
34
Cfr alínea g) do artº 35 da CRM de 90.
susceptível de ser domínio público. Dessa enumeração julgamos ser de interesse
comentar algumas figuras trazidas pela lei de terras.
Sobre o mar territorial também não vem explícito na lei de terras qual é o seu
significado de modo a permitir o seu entendimento. Compulsando a mesma CNUDM,
ela dispõe que mar territorial é a zona contígua que se situa entre o mar a dentro e o
território de um determinado Estado, dentro dos limites do qual ele estende a sua
soberania no leito, no subsolo e no espaço aéreo.37
35
Cfr o nº 1 do artº 8 da CNUDM.
36
Alínea a) do artº 1 da Lei n° 4/96, de 4 de Janeiro, lei do mar.
37
Ibidem, artº 2 da CNUDM.
38
Ibidem, os números 1 e 2 do artº 4, da lei do mar.
39
Idem, artº 3 da CNUDM.
40
Idem, nº 2 do artigo 4 da lei do mar.
6.2.1.3. Zona Económica Exclusiva
Estabelece ainda este dispositivo legal que na ZEC o Estado costeiro tem direitos
de soberania para fins de exploração e de aproveitamento, conservação e gestão dos
recursos naturais vivos ou não e o direito de exploração económica de determinadas
possibilidades como a produção de energia a partir de água das correntes e dos ventos.
Estabelece ainda o mesmo dispositivo legal que a largura da ZEC é de 200 milhas. 41
Por seu turno, a lei do mar moçambicana estabelece a este respeito a mesma largura. 42
Nestes espaços que estivemos a estudar nesta secção, entendemos que apesar de
o legislador da lei de terras ter sido meramente influenciado pelo legislador constituinte
e arrolá-los, a matéria em causa não é de utilidade activa na medida em que na nossa
41
Idem, artºs 55, 56 e 57 da CNUDM.
42
Ibidem art° 9 da lei do mar.
43
Op cit, pág.377.
opinião, as entidades competentes pela autorização do direito de uso e aproveitamento
da terra têm pouca acção neles porque raramente podem atribuir licenças para o
exercício de certas e determinadas actividades como prevê a lei.44
Julgamos que estas zonas têm maior intervenção nelas os sectores mineiro,
petrolífero, de hidrocarbonetos, de pescas e de administração marítima, mas que
entretanto, têm regimes jurídicos próprios e especiais em relação á legislação sobre
terras, para licenciamento de direitos.
Para além das categorias de espaços dominiais que acabamos de estudar, a lei de
terras arrola outras, que no nosso entender são as que têm maior susceptibilidade de
nelas se atribuírem licenças para o exercício de certas actividades 45 sendo elas, as faixas
confinantes com determinados cursos de águas interiores, 46 com as nascentes de águas e
com o mar territorial, terrenos destinados á montagem de equipamentos de interesse
público nomeadamente, barragens e albufeiras, linhas fêrreas e suas estações, estradas,
aeroportos e aeródromos, instalações militares e de defesa e segurança, terrenos onde se
encontram instalados condutores para diversos fins e a faixa de 2 km ao longo da
fronteira terrestre.
Nos casos das estradas, além de prevenir os riscos de eventuais acidentes por
despistes de veículos, também pretende-se que se mantenha uma faixa de reserva que
venha a construir espaço para futura ampliação das rodovias sem ter que se recorrer á
44
Cfr o artigo 9 da actual lei de terras.
45
Para mais detalhes cfr o artº 8 da actual lei de terras.
46
Dissemos determinados cursos de águas interiores porque de harmonia com o disposto na alínea a) do
artigo 5 do regulamento da actual lei de terras, são incluídos na categoria das zonas de protecção as águas
dos lagos e rios navegáveis e não quaisquer outros.
movimentação das pessoas ai instaladas e destruição das suas infra-estruturas
eventualmente edificadas, muitas vezes com encargos para a entidade pública
interessada por causa das indemnizações.
6. Sujeitos de direito
Em relação aos sujeitos de direito expendemos na parte geral deste trabalho e
explicitamos que eles são susceptíveis de serem beneficiários do direito de uso e
aproveitamento da terra desde que sejam pessoas jurídicas dotadas de personalidade
jurídica e da necessária capacidade de exercício. Nesta parte especial não iremos repetir
os aspectos teóricos e doutrinais que lá expendemos, passando de imediato a abordar a
figura dos sujeitos de direito face á actual lei de terras.
A Constituição diz que os sujeitos de direito terão acesso de acordo com o fim
social, querendo com isso dizer que a terra pode ser destinada às questões sociais como
educação, saúde e etc, mas também no nosso entender, para questões económicas por
exemplo comércio, indústria, agricultura, silvicultura, minas, construção e outros.
Quer nos parecer que pelo fim social não quer se referir apenas ás áreas
funcionalmente sociais como educação e saúde, mas sim no sentido mais amplo de
todas as áreas que produzem bens e serviços para o benefício da sociedade.49
47
Cfr o nº 1 do artº 10 da actual lei de terras.
48
Cfr o nº 2 do artigo 47 da CRM90 e nº2 do artº 110 da CRM de 2004.
49
Lucas Abreu Barroso e Outros, o direito agrário na constituição, pág. 25 e ss, é ideia assente que a
propriedade da terra, que no nosso caso podemo-nos referir ao direito de uso e aproveitamento da terra,
existe para perseguir um fim social. O fim social esbate o direito de propriedade sobre a terra, pois no
caso de não se perseguir os fins em vista mesmo onde predomina a propriedade privada da terra, o Estado
goza da prerrogativa de retirar esse direito aos particulares, só que mediante uma justa indemnização. No
A lei de terras reconhece que podem ser sujeitos do direito de uso e
aproveitamento da terra as pessoas nacionais, colectivas e singulares, homens e
mulheres, bem como as comunidades locais. O conceito de comunidades locais, é novo,
porque não o encontramos no ROCT (regulamento de ocupação de terrenos no Ultramar
português, onde elas eram tratadas indirectamente como vizinhas das regedorias e na
primeira legislação moçambicana sobre terras que eram consideradas sector familiar).
caso de Moçambique recorre-se á extinção do direito de uso e aproveitamento da terra por falta do
cumprimento do plano de exploração sem direito a indemnização e com perda das benfeitorias não
removíveis realizadas no terreno a favor do Estado de harmonia com o disposto na alínea a) do nº 1 e no
nº 2 do artigº 18 da Lei n° 19/97, de 1 de Outubro, lei de terras.
50
Cfr os artº 66 e 67 da CRM de 90.
51
Cfr o nº 4 do artº 2 da CRM de 2004.
52
É o que prevêm os números 2 e 3 do artº 10 da lei de terras
53
Cfr o nº 3 do artigo 10 da lei de terras e o artº 12 do seu regulamento que remete a regência do direito
de compropriedade ao regime estabelecido no artº 1403º e ss do cc.
A prerrogativa legal da co-titularidade constitui um privilégio reconhecido aos
nacionais porque está implícito na lei por exclusão das partes que é um direito que não
contempla pessoas jurídicas estrangeiras e só as pessoas jurídicas nacionais dela se
podem beneficiar nomeadamente, as de ocupação da terra de boa fé que é constituída
pelos cidadãos nacionais que ocupam a terra por um período igual ou superior a 10 anos
e estão nesta categoria também como vimos, as comunidades locais e os sujeitos que
adquirem o seu direito de uso e aproveitamento da terra através de um pedido.54
A lei de terras ao reconhecer o direito das comunidades locais sobre as terras que
as ocupam, atribuiu-lhes personalidade jurídica56 que lhes permite exercer o seu direito
colectivamente, mas também em grupos infra comunitárias (famílias e grupos de
famílias) e ainda por pessoas singulares que as integram. Com essa personalidade dota
elas de capacidade jurídica não só para gerir as suas terras, como também de as defender
54
Cfr o artº 12 da lei de terras.
55
Cfr o nº4 do artº 13 da lei de terras.
56
Ivon dÁlmeida Pires Filho, 1998, na altura consultor jurídico internacional da FAO, texto inserido na
pág. 70 do manual de direito da terra da autoria da Drª Maria da Conceição de Quadros, comunga também
a opinião de que o número 1 do artigo 10 da lei de terras, ao reconhecer o direito das comunidades
adquirido por ocupação, atribuiu-lhes personalidade jurídica implicitamente.
colectiva e individualmente com recurso aos meios previstos na lei civil e demais
legislação aplicável.
57
Cfr o artigo 45 da CRM90.
58
Cfr o artº 108 da CRM de 2004
59
Cfr o artº 11 da actual lei de terras.
condição cumulativa diz respeito ao tempo mínimo de residência em Moçambique para
as pessoas singulares que é igual ou superior a 5 anos.
poder de decisão. Pode acontecer que existe terra aparentemente livre, mas que o projecto a instalar tem
problemas ambientais ou outros que entram em choque com os interesses da comunidade. Nesses casos a
comunidade tem o poder de se opor á instalação do projecto, acontecendo o mesmo quando as
comunidades entenderem que a instalação de um determinado projecto pode afectar a reserva de terras
para uso presente e para o futuro dos seus filhos. A este respeito são inúmeros casos de projectos que
tiveram que ser redimensionados com vista a acomodar os interesses das respectivas comunidades.
Um outro aspecto que notamos durante a análise processual e nas entrevistas
com os técnicos de cadastro, é que os Serviços não estão organizados para tratar
processualmente os direitos emergentes da aquisição do direito por ocupação de boa fé
pelos cidadãos nacionais ocupando a terra há pelo menos 10 anos.
63
De notar que o regime processual do direito adquirido por ocupação de boa fé é, nos temos do disposto
no artigo 34 do regulamento da actual lei de terras especial em relação aos procedimentos de organização
dos processos de autorização do direito de uso e aproveitamento da terra, na medida em que o regime de
ocupação de boa fé dispensa o esboço de localização, a memória descritiva e autorização provisória.
64
Sobre a autorização provisória cfr o artigo 25 da actual lei de terras.
A nossa opinião é de que o artigo 11 da lei de terras devia merecer uma revisão
para aclarar a matéria de apresentação de projectos de investimento como requisito de
elegibilidade para se ter acesso á terra pelos estrangeiros, eliminando-se essa exigência
por inutilidade e ainda a exigência de residência mínima em Moçambique substituindo
as duas pela apresentação de um plano de exploração convincente, acompanhado de
prova de capacidade financeira para investir. A elaboração e submissão de projectos via
CPI, só se exigiria para os casos em que os interessados pretenderem obter benefícios
fiscais.
7. Modos de aquisição.
A actual lei de terras definiu dois modos de aquisição do direito de uso e
aproveitamento da terra, o da ocupação pelas comunidades locais e pelas pessoas
singulares nacionais que de boa fé ocupam a terra há pelo menos 10 anos e de
autorização de um pedido.66
Em relação ás figuras de ocupação já nos referimos acima que é uma figura nova
que nasceu da Constituição de 1990 e foi retomada na actual Constituição que entrou
em vigor em 2004. É um direito que beneficia as comunidades locais consideradas
pessoas jurídicas pela lei 19/97, de 1 de Outubro, como tivemos ocasião de desenvolver
supra. Além do direito das comunidades, surge também como inovação a figura de
ocupação de boa fé por pessoas singulares nacionais. Em relação á matéria de boa fé
abordámo-la com algum desenvolvimento na parte geral que não vamos repetir por
economia de espaço.
8.1. Titulação
65
O recurso á via de criação de sociedades para aquisição do direito de uso e aproveitamento está
facilitado considerando a actual flexibilização da criação das sociedades em especial as sociedades por
quotas e unipessoais com isenção de imposição legal do capital mínimo, como consta do artigo 289 do
código comercial com as alterações introduzidas pelo Decreto-lei nº 2/2009, de 24 de Abril , e artigo 328
do mesmo código no que respeita ás sociedades unipessoais.
66
Cfr o artigo 12 da actual lei de terras.
A lei de terras em vigor no País estabelece que os títulos são emitidos pelos
Serviços Públicos de Cadastro, gerais e urbanos e a ausência do título não prejudica o
direito de uso e aproveitamento da terra adquirido por ocupação pelas comunidades
locais e por pessoas singulares nacionais de boa fé ocupando a terra há pelo menos 10
anos.67 O mesmo preceito legal estabelece as regras a seguir pelo processo de titulação
ou seja:
Os títulos emitidos a favor das comunidades locais são nominativos e devem ser
passados em nome da respectiva comunidade.
67
Cfr o artigo 13 da actual lei de terras.
68
Idem, alínea c) do nº 1 do artº 24.
19/97, de 1 de Outubro, o seu regulamento impôs que seja respeitado este procedimento
em dois momentos.
Esta regra está a ser cumprida, mas é um desafio para os Serviços Públicos de
Cadastro no sentido de serem mais flexíveis no atendimento a este tipo de
procedimentos que consideramos chave para entrada de investidores no País o que
requer adopção de medidas para aceleração dos processos de modo a concluí-los em
tempo útil.
Para apercebermo-nos do nível de resposta que está a ser dada pelos Serviços de
Cadastro aos pedidos com vista á implementação de projectos, contactamos com o CPI,
onde por indicação do respectivo Director entrevistamos o Dr. Samuel Forquilha jurista
em serviço naquela instituição, que informou não possuir dados recentes sobre projectos
na Província de Maputo.
Informou que apesar deste procedimento legal que visa flexibilizar o processo,
verificam-se situações de demora na tomada de decisão sobre o pedido de terra pela
entidade competente depois de aprovado o projecto uma vez que o parecer do
Administrador e a consulta á comunidade anexados no processo de autorização do
69
Idem, artº 25.
projecto não constituem decisão para atribuição do direito de uso e aproveitamento da
terra.
Esses instrumentos permitem apenas que o projecto seja aprovado, mas depois é
preciso que a entidade competente autorize o pedido e se passe o respectivo
comprovativo de obtenção do direito de uso e aproveitamento da terra, que é o
documento que interessa mais ao investidor para conseguir quando necessário os
créditos requeridos.
Outro aspecto que o CPI considera negativo é que a área inicial identificada de
10.000ha foi amputada pelo governo da Província para 5.000ha contrariando a
resolução que aprova o projecto emanada de um órgão hierarquicamente superior.
Concordamos com o CPI, porque o procedimento cria insegurança aos investidores
quando se começa a ter a percepção de que as decisões tomadas pelos órgãos superiores
podem ser alteradas a qualquer momento pelos órgãos inferiores.
Para o CPI a tramitação dos processos de terras continua lenta e pode afugentar
os investidores que na sua maioria precisam de terra. Para este organismo do governo,
no período de 2000 a 2004, o governo havia adoptado positivamente o princípio de que
os pedidos de terra deviam ser tramitados e decididos no prazo de 90 dias após a
abertura do respectivo processo legal do pedido, princípio que a uma dada altura parece
ter sido abandonado, voltando ao mesmo ciclo de lentidão, com todos os prejuízos que
isso pode trazer na implementação dos projectos de investimentos.
Uma outra questão de fundo levantada pelo CPI, liga-se com os documentos que
são passados ás pessoas depois de autorização provisória. Compulsando o regulamento
da actual lei de terras constata-se que a autorização provisória que é a fase inicial de
acesso á terra pelas pessoas é documentada por um documento que não é o título
comprovativo do direito enquanto ela durar, que via de regra o período probatório é de 5
anos para nacionais e de 2 anos para estrangeiros.70 No fim do período de autorização
70
Op cit artº 25 da actual lei de terras. E em relação á prova de autorização provisória, conferir o artigo 29
do regulamento da actual lei de terras que estabelece o conteúdo desse instrumento. Interpretando o
provisória é que se pode emitir o título definitivo do direito de uso e aproveitamento da
terra que vai mais longe do documento comprovativo da autorização provisória.71
conteúdo do artº 26 da actual lei de terras in fine, retira-se o entendimento de que a passagem do título só
tem lugar depois de passagem de autorização definitiva. É por isso que antes dessa fase o que se passa é
uma licença de autorização provisória, instrumento idealizado pelos Serviços Públicos de Cadastro.
71
Cfr o artº 36 do regulamento da actual lei, que especifica o conteúdo de um título do direito de uso e
aproveitamento da terra.
72
Atente-se que a construção da MOZAL iniciou em 1998 quando estávamos a dirigir a Direcção
Nacional de Geografia e Cadastro(DINAGECA) e por isso estivemos directamente envolvidos na
problemática do título.
73
Cfr de novo o nº 3 do artigo 13 da actual lei de terras e ainda o nº 1 do artº 15 e os nºs 2 e 3 do artº 27
ambos do seu regulamento.
Ao procedermos a análise dos processos de pedidos do direito de uso e
aproveitamento, constatamos que as consultas são feitas em todos os pedidos, mas há
reparos a fazer que passamos a apresentar de seguida.
Regra geral as consultas ás comunidades são feitas, mas encontramos pela análise
dos processos e trabalho no terreno as seguintes questões:
No geral o processo nos pareceu não estar a ser levado a sério pelas entidades
públicas, Administradores e Serviços de Cadastro;
Nas consultas feitas, devido á fraca explicação feita pelos agentes que dirigem a
consulta, as pessoas não chegam a entender a verdadeira dimensão da área
pretendida, vindo a perceber-se quando o investidor começar a demarcação e
vedação do terreno, começando daí a surgirem reacções negativas;
74
A respeito de consultas transformadas em festas recheadas de comidas e bebidas, ver relatório final da
conferência comemorativa dos 10 anos da lei de terras, pág. 83.
75
Idem.
76
O nº 1 do artº 22 das normas de funcionamento dos Serviços da Administração Pública aprovadas pelo
Decreto nº 30/2001, de 15 de Outubro, permite que os órgãos competentes deleguem poderes. O mesmo
diploma estabelece no seu artigo 23 que os poderes delegados carecem de serem publicitados no boletim
indicação do limite de área que o delegado teria competência de fazer consulta,
na perspectiva de que acima dessa área seria da competência exclusiva do
Administrador.
O representante dos SPGC não vem identificado, mas é uma figura obrigatória
na lei, que deve intervir na consulta em conjunto com o Administrador, mas
muitas vezes o representante do Cadastro no Distrito é delegado do
Administrador passando a acumular funções o que não é adequado;
8.7. Demarcação
da República, o que leva a presumir que a delegação de poderes é obrigatoriamente feita por escrito.
77
Op cit nº 2 do artº 27 do regulamento da lei de terras.
78
Cfr o artº 30 daquele diploma legal.
possibilidade de, querendo, pedir que lhe seja prorrogado o prazo, pedido que lhe será
autorizado mas não por um tempo superior a noventa dias improrrogáveis.
79
Informações fornecidas durante as entrevistas com os Senhores Elisa Chidimatembue, técnica do
cadastro nos SPGC de Maputo, Francisco João Pateguana, presidente da associação dos agrimensores
ajuramentados de Moçambique e Caetano Victorino de Sousa, agrimensor ajuramentado. Em resumo a
ideia é que a falta de demarcação pode resultar de vários factores entre eles o custo de demarcação que é
relativamente alto por estar cotado a 3.000 meticais o ha, podendo ser regressivo conforme se a área a
demarcar for maior, mas consideram que mesmo assim é muito para o actual nível do custo de vida, a
falta da cultura de titulação e a relativa falta de disputa sobre terras exigindo a procura de intervenção das
instituições judiciais que podia requerer prova documental. Disseram ainda que quando alguém lhes
solicita a demarcação de uma área grande é porque pretende adquirir título para efeitos de um crédito,
mas sobretudo quando tem alguma parceria em vista.
80
A autorização provisória prevista no artigo 25 da actual lei de terras, prevê um período probatório de
uso da terra de 5 anos para nacionais e de 2 anos para estrangeiros. O artº 26 do mesmo diploma
estabelece que se for cumprido o plano de exploração dentro do período probatório, deverá ser dada uma
autorização definitiva e passado um título. Essa autorização não é passada oficiosamente, mas requerida
no fim do prazo da autorização provisória ou sentindo o requerente que cumpriu cedo o plano de
exploração, requerer uma vistoria para o confirmar e legitimar a passagem de autorização definitiva. É o
que consta do artigo 31 do regulamento da actual lei de terras.
baixo índice de titulação e consequentemente baixo fluxo de processos no registo
Predial.81
81
Fizemos uma pesquisa junto da Conservatória do Registo Predial de Maputo e obtivemos a informação
por escrito de que o fluxo do registo dos prédios rústicos é baixo, rondando uma média de 3 a 4
processos por mês. Aquela instituição não conseguiu fornecer dados do período em análise alegadamente
por não ter o sistema de registos organizado, mas a informação dada ajuda para entender que a situação
não é boa.
82
9. Transmissão de direitos
A transmissibilidade do direito de uso e aproveitamento da terra na actual
legislação moçambicana sobre terras é admitida, tal e qual como acontecia na Lei 6/79,
de 3 de Julho, obedecendo as condições impostas pelo legislador tendo em conta o
regime de propriedade sobre terras83. Os condicionalismos resultam, como já vimos
supra, do facto de a legislação moçambicana de terras ter retomado o princípio
constitucional de que a terra é propriedade do Estado e a proibição de qualquer forma da
sua alienação.84
83
Cfr o artigo 16 da Lei n° 19/97, de 1 de Outubro e do artº 15 do seu regulamento. A lei de terras
apoiou-se no comando do artº 48 da Constituição de 1990 que reconhece o direito adquirido por herança.
Trata-se de um direito que veio a ser reafirmado pela Constituição de 2004, ao reconhecer o direito da
herança no geral ao abrigo do artº 83 e nos termos do seu artº 111 no concernente especificamente ao
direito de uso e aproveitamento da terra.
84
Idem, artigo 3.
85
De novo cfr o artigo 16 da lei de terras.
86
Cfr o artº 67 da CRM90 e o artº 36 da CRM04.
Ainda nesta modalidade de transmissão, embora não venha explícito na lei, há
que ter em consideração o princípio de igualdade entre os filhos do de cujus, em
obediência ao comando constitucional que estabelece a igualdade entre as pessoas
perante a lei. Deixa deste modo de existir a categoria de filhos, irmãos e colaterais
ilegítimos. 87
Estamos a falar das Comunidades locais que através da consulta para instalação
de projectos ou atribuir a terra por autorização de um pedido, elas gozam de
prerrogativa legal de serem consultadas.90
87
Cfr o artº 35 da CRM04. No nosso entender, este preceito constitucional revoga implicitamente o que
trata de filhos ilegítimos, artº 2.139º e 2.140º ambos do c.c, o que se refere aos irmãos ilegítimos e seus
descendentes, artº 2.144º do c.c. e ainda colaterais ilegítimos, artº 2.150º do c.c.
88
Cfr o artº 2031º do c.c. Entendemos que o último domicílio a que se refere a lei sucessória, é o
domicílio habitual com a alternativa prevista no artº 82º do c.c.
89
A propósito desse pensamento, cfr F. M Pereira Coelho, direito das sucessões, pág. 41.
90
O acesso ao direito de uso e aproveitamento da terra ao abrigo de um pedido tem enquadramento legal
na alínea c) do artigo 12 da actual lei de terras. A prerrogativa que as comunidades locais gozam de serem
consultadas quando há um pedido para aquisição do Direito de Uso e Aproveitamento da Terra vem
prevista no nº 3 do artigo 13 da lei de terras em vigor e ainda a alinea e) do número 1 do artigo 24 e nº 2
do artigo 27 ambos do respectivo regulamento.
No contexto criado pela actual lei de terras, é inegável e isso tem sido realidade,
que os poderes das autoridades administrativas em muitos casos têm se visto cerceados
quando se fazem autorizações sem o devido respeito pelos direitos dos membros de
certas Comunidades que não se deixam cair na passividade.
Pelas razões apontadas, nós entendemos que o papel das Comunidades locais ao
anuírem que o seu Direito de Uso e Aproveitamento da Terra seja transferido
definitivamente para terceiras pessoas elas estão a transmitir o seu direito, embora
aparentemente de forma indirecta.
A extinção prevista na actual lei de terras visa pôr termo ao direito de uso e
aproveitamento da terra como consequência de ocorrência de um conjunto de
vicissitudes concretamente, falta de cumprimento do plano de exploração ou projecto de
investimento sem motivo justificado mesmo que tenha o pagamento das taxas anuais em
dia, por revogação por interesse público, no termo do prazo ou da sua renovação e pela
renúncia do titular do direito.92 A seguir vamos abordar cada uma das figuras de
extinção que enumeramos acima.
91
Idem, Plácido e Silva, V1 e 2, página 255.
92
Cfr o artigo 18 da actual lei de terras.
visando descrever e demonstrar o que, de forma faseada irá realizar, primeiro no
período de autorização provisória e segundo na fase posterior e decorre do comando
legal previsto na actual lei de terras que obriga a apresentação desta peça processual
quando se trata de um pedido de terra para o exercício de actividade económica.93
93
Op cit o nº 12 do artº 1 e o artº 19 ambos da actual lei de terras. Cfr ainda a propósito da exigência do
plano para o exercício da actividade económica, o nº 2 do artº 24 do regulamento da actual lei de terras.
94
Op cit, Plácido e Silva vocabulário jurídico V3 e 4, pág. 144.
95
Ibidem.
96
Op cit Ana prata dicionário jurídico pág 1322.
A actual lei de terras trata a questão da revogação como uma das modalidades de
extinção do direito de uso e aproveitamento da terra por motivos de interesse público
devendo obedecer os seguintes requisitos:97
A revogação deve ser precedida por uma justa indemnização, como resultado de
aplicação paralela do processo de expropriação;98
Além da lei constitucional a lei civil como lei geral, primeiro estabelece o
princípio de que ninguém pode ser privado total ou parcialmente por expropriação do
seu direito de propriedade senão nos termos fixados por lei.102
A lei impõe que o cálculo do valor das taxas deve ter como base a localização do
terreno, a sua dimensão e a finalidade do seu uso e aproveitamento, nomeadamente a
104
Apesar de a lei de terras não ter se referido explicitamente também á possibilidade de expropriação por
interesse particular, na prática tem acontecido. É o que sucedeu com expropriação de propriedades para
dar espaço á implantação de projectos como o de gás de Pande e Temane, da Mozal, das areias pesadas de
Moma e de Chibuto só para citar alguns exemplos. Este último não chegou a ser implementado, mas
houve um trabalho expressivo de expropriação das terras e outros bens patrimoniais das populações.
105
Cfr o número 1 do artigo 1º da Lei n° 2030, de 12 de Setembro de 1953.
106
Cfr o artigo 28 da actual lei de terras no que respeita á instituição da obrigatoriedade do pagamento de
taxas e o artigo 29 da mesma lei no que respeita ás isenções.
taxa de autorização e a taxa anual e devem ser fixadas taxas preferenciais para os
cidadãos nacionais.107
Entende-se por taxa a prestação pecuniária não coactiva, paga como uma
contraprestação de um serviço prestado por uma entidade de Administração Pública. 108
Em rigor por taxa entende-se o preço ou a quantia que se fixa com vista á compensação
de um determinado serviço ou remuneração de um trabalho realizado.109
Quanto á taxa anual não nos parece ser uma obrigação dependente de uma
contraprestação, porquanto ela é devida anualmente e deve ser paga nas datas previstas
107
Para operacionalizar o comando previsto no artigo 28 da lei de terras, o regulamento da actual lei de
terras aprovado pelo Decreto nº 66/98, de 8 de Dezembro, nas Tabelas 1, 2 e 3 anexas ao seu artigo 41
concernente ás taxas, fixa a taxa de autorização provisória em 600 meticais e a de autorização definitiva
em 300 meticais ambos da nova família do metical e a taxa anual fixada em 30 meticais por hectar/ano.
Quanto ás isenções, o artigo 29 da mesma lei isenta de pagamento de taxas o Estado e suas instituições, as
associações de utilidade pública reconhecidas pelo Conselho de Ministros, as explorações familiares e as
comunidades locais e pessoas singulares que as integram, as cooperativas e associações agro-pecuárias
nacionais de pequena escala.
108
José Joaquim Teixeira Ribeiro, Lições de Finanças Públicas 5ª edição, página 258. O autor considera
que a taxa é um pagamento que é devido pelo público como contraprestação de um serviço prestado pelo
Estado. Nós preferimos dizer serviço prestado por um serviço de Administração Pública, porque no caso
por exemplo das taxas do mercado, das taxas de lixo e etc, são cobradas em alguns casos pelos
municípios e não pelo Estado.
109
Op cit, Plácido e Silva, Vocabulário Jurídico V 3 e 4 página 322.
110
Todavia, apesar de a taxa de autorização provisória ser taxa por excelência, encontramos junto dos
Serviços de Cadastro de Maputo o sentimento de que o legislador não devia ter usado expressão taxa uma
vez que o valor se destina para tramitação processual. O facto de ser taxa levantou conflitos com os
Serviços de Finanças que consideravam este valor como receita pública, quando na verdade ele pertence
ao requerente. Para os Serviços o regulamento devia ter criado outra figura como a de emolumentos para
tramitação processual.
no regulamento da lei de terras e o não pagamento implica penalização e susceptível de
cobrança coerciva.111
Parece-nos que esta obrigação pecuniária anual dos titulares do direito de uso e
aproveitamento da terra é um verdadeiro imposto resultante da ocupação da terra e a
Administração Pública não tem que prestar algum serviço para que o titular do direito
de uso e aproveitamento da terra pague a sua obrigação.
Como vimos acima, a lei fixou a taxa anual em 30.000 meticais da antiga família
correspondentes aos actuais 30 meticais. Logo após a entrada em vigor do novo
regulamento da lei de terras que fixou a taxa única para todos os sectores, começou-se a
sentir na prática que a mesma era demasiadamente pesada e não estimularia a
recuperação de uma actividade agro-pecuária que sofrera retrocesso assinalável devido á
guerra acabada de terminar.
116
Cfr o artº 1 do Decreto nº 77/99, de 15 de Outubro. Pretendeu-se privilegiar e incentivar a recuperação
da manada nacional de gado bovino que havia sido gravemente atingida pela guerra. Excluíram-se deste
benefício a criação de outras espécies animais como caprinos, ovinos, suínos, cavalar, asinino, aves
domésticas porque as bravias criadas em fazendas do bravio sim e etc. No que se refere ás fazendas do
bravio, são os locais especializados organizados para pecuarização de espécies como antílopes, elefantes,
búfalos, leões, zebras, crocodilos, avestruzes, rinocerontes e todas as outras espécies bravias. Em matéria
de culturas permanentes, temos as culturas como cana sacarina, bananeiras, citrineiras e outras fruteiras,
sisal, palmares, plantações florestais e outras que não tenham natureza de culturas anuais como por
exemplo milho, mapira, mandioca, diversos tipos de batata e outras.
Redução da taxa para 15.000 meticais por hectar/ano da antiga família, actuais
15 meticais nos terrenos destinados á produção agrícola.117
117
Idem, artº 4.
118
Idem artigo 5.
119
Idem, artº 2. A distância dos 3 quilómetros mede-se a partir da linha das máximas preia- mares, por
analogia com a alínea c) do artº 8 do regulamento da actual lei de terras.
120
Idem, artº 3. Porquê esta preocupação em relaxar a taxação de criação de gado bovino? Como
dissemos acima, o país acabava de sair de uma guerra que tivera efeitos negativos sobre a manada
nacional. É preciso sublinhar que a guerra iniciou quando o país dispunha de mais de 1.000.000 de
cabeças de gado bovino e quando ela terminou o efectivo situava-se entre 250.000 a 300.000 cabeças de
bovinos. Quando se fez a revisão do regulamento da lei de terras o governo estava a implementar um
programa de repovoamento pecuário denominado fomento pecuário e era seu interesse assegurar que os
criadores multiplicassem a manada nacional sem necessidade de abates constantes dos animais, por causa
da pressão causada pela necessidade de pagamento de taxas.