You are on page 1of 30
eta de Antropol Soci dos Anos do PPGAS-USCa vl mp 1645, 209 De caraibas e morubixabas: ‘A aco politica amerindia e seus personagens' Renato SZTUTMAN Resumo: Este artigo parte de uma interrogagdo sobre a articulasao, entre os antigos Tupi da costa brasilica, entre o profetismo eo dominio politico. Para tanto, cla revisita discusses caras 4 historia da antropologia, como aquclas promovidas por Pierre © Héléne Clastres, 0 primeiro fortemente engajado no projeto de uma antropologia politica, Cruzando os dados do passado com as etnografias sobre povos amerindios do presente, este artigo propde uma reflexdo sobre a apo politica amerindia, tendo em vvista as maneiras pelas quais podem se constituir(¢ estender) pessoas e grupos, lideres e unidades sociopoliticas, mas também os mecanismos que impedem, a todo o momento, ue estes se estabilizem, se enrijegam, congelem assimetrias Palavras-chave: amerindios; aso politica; caraibas; morubixabas; profetismo; guerra, Eu gostaria de comegar por uma consideragdo em relagdo ao titulo desta apresentagao, © titulo propriamente dito — “De caraibas ¢ morubixabas” ~ se refere a um recorte especifico: a andlise de duas figuras centrais da agdo politica entre os antigos Tupi da costa ou Tupinambé, esta mirfade de povos de lingua tupi-guarani que habitavam a costa brasileira nos séculos XVI e XVII. Caraiba e morubixaba “aportuguesados” — constam em dicionatios como 0 Aurélio ¢ o Houaiss — para palavras que, no antigo tupi, domesticado ¢ gramaticalizado pelo Padre José de Anchieta, designavam, respectivamente, grandes pajés © grandes guerreiros, muitas vezes referidos nas fontes histéricas do periodo como profetas © principais. O foco deste artigo remonta a um trabalho de maior félego (Sztutman 2005), que se empenhou na reconstituigdo dos dados sobre os Tupi da costa por meio do cotejo de fontes primérias e Duas versées anteriores deste exto foram apresentadas nas se Sio Carlos. Agradogo a Eduardo Viveiros de Castro © Marcio Goldman, do Marcio Go! man, P Santi Buhler pela sua leitura e profeta e 0 principal: a agdo politica amerindia e seus personagens, defendiéa em dea Universidade de Sio Paulo, sob orientagdo de Dominique Tikin Gallis, jintes ocasides: em 9 de junho de 2006 no. seminsrio "Sextas na Quinta”, organizado pelo NuTVAbacté no Museu Nacional, Rio de Jancizo, © fem 20 de outubro de 2007 no semninirio “Quartas Indomdveis”, onganizado pelo PPGAS da UFSCAR, fuscu Nacional, © a Jorge ‘Mattar Vilella, da UFSCAR, pelo convite gentile pela oportunidade de debater com outros pesquisadores « alunos as idéias entio langadas, Agradego também aos comentérios instigantes de Tia Stolze Lima, Gow e Carlos Fausto, no Rio de Janeiro; bem como os de Marcos Lanna, Piero Leimer, Clarice Cohn, Luiz Henrique de Toledo e Igor Machado, em S30 Carlos. Agradeco ainda a Maira uta atenta. E preciso salientar que 0 contetido deste texto — que prefiro ‘manter em sua cadéncia oral ~ consist basicamente no argumento central de minha tese de doutorado, O ro de 2005 na 3| Astigos, eta de Antropol Soci dos Anos do PPGAS-USCa vl mp 1645, 209 secundatias, resultando em algo como uma “fortuna critica”, ja que muito ja havia sido escrito sobre estes povos, € ao mesmo tempo um exercicio de critica etnografica de fontes histéricas — como proposto por Carlos Fausto (1992) -, ou seja, uma leitura de dados do passado informada por dados do presente. ‘A compatagio de dados primérios e secundérios sobre os antigos Tupi com as etnografias de povos tupi-guarani — mas no apenas tupi-guarani — da atualidade & um aspecto fundamental da anélise que pretendo empreender aqui. Dai o subtitulo deste artigo: “a ago politica amerindia e seus personagens”. Meu interesse ¢ examinar como ‘uma questio colhida entre os antigos Tupi da costa — a génese de chefias de guerra ¢ a eclostio de movimentos proféticos; a relagdo entre o que se chamaria de 0 “politico” e 0 “religioso” — pode ser repensada tendo em vista as etnografias atuais e os problemas que elas se colocam, Interessa-me pensar em que medida é possivel falar em uma “acao politica amerindia”, revelada muitas vezes pela profusdo de certos “personagens” sempre em metamorfose, como lider locais ou supralocais, profetas, xamas, feiticeiros ete, © ponto de partida para essas reflexdes est dado no conjunto de ensaios de Pierre Clastres (2003; 2004); mais precisamente, na fundagdo realizada por ele de uma “antropologia politica” ¢ na idéia de que a sociedade primitiva (como ele concebe a sociedade amerindia) é “contra o Estado” e “para-a-guerra”. Este ponto de partida torna- se mais claro a medida que 0 caso Tupi da costa & encontrado nas reflexes deste autor, ‘que chegou a indagar ~ de maneira indigesta, eu diria — sobre a possivel emergéncia de algo parecido com o Estado entre esta populagdo num momento que antecede a chegada dos europeus a costa brasileira, A mesma idéia encontra eco nos escritos de Hélene Clastres (1975), no caso, sobre os Tupi ¢ Guarani dos séculos XVI ¢ XVII sua religiao ado profética, esta também “contra ‘Tendo em vista essa recuperagio dos problemas de Pierre Clastres, que me foi agugada com a leitura de textos de certos antropélogos brasileiros, interessa-me trazer as reflexdes © intuigdes desse autor para debates, seja em tomo das novas etnografias sobre povos amerindios e da nova historiografia (e também da arqueologia) sobre os periodos sobre os quais ele se debruga, seja em torno dos problemas teéricos postos por ‘uma certa antropologia contemporanea, simétrica ou reflexiva, debrugada sobre formas de pensamento (¢ de agdo) indigenas. Interessa-me, além disso, pensar 0 lugar da “antropologia politica” de Clastre — desse projelo a partir, por exemplo, de uma série de discusses, desenvolvidas pelo americanismo, sobre as relagSes entre humanos e nfo 3| Astigos, eta de Antropol Soci dos Anos do PPGAS-USCa vl mp 1645, 209 humanos, ‘ais como elas se revelavam por trés das assim chamadas priticas xamanicas € do assim chamado pensamento perspectivista. Seria possivel pensar a antropologia politica — © a propria nogdo de politica ou a 10 politica — a partir de relagdes exclusivamente entre humanos? Refiro-me aqui a um grande mimero de estudos, dentre eles o de Eduardo Viveiros de Castro (2002, 2008) e Tania Stolze Lima (1996, 1999, 2005) sobre o perspectivismo, ¢ o de Philippe Descola (1992, 2005) sobre os regimes de identificagdo e relago entre os homens ¢ o mundo natural Outro debate que sensibilizou bastante para uma leitura de Clastres foi aquele proposto por Marilyn Strathem ¢ Maurice Godelier em uma coletinea, de 1991, organizada por eles, ¢ intitulada Big-men and great-men: personifications of power in Melanesia, Uma idéia luminosa ai contida é a seguinte: na Melanésia, nao seria possivel pensar a constituiggo de unidades sociopoliticas sem pensar também e simultaneamente “de a constituigdo de certos “personagens” — “homens capazes ¢ conter outros homens organizar outros homens” (Strathemn 1991). Big-man € great-men seriam, assim, duas formas desta “personificago do poder”. Poder é aqui, alids, um termo mal-empregado, seria mais apropriado dizer simplesmente agéncia, agéncia como capacidade de agir, fazer agit. Isso porque ndo se trata de pensar poder, e 0 poder politico mais especificamente, como bem sinalizou Clastres, em seu sentido ocidental-moderno, ou seja, como coersao, como monopélio da violencia, Trata-se, isso sim, de pensar um ‘mundo em que ninguém detém isso que se poderia chamar de poder, ¢ ao mesmo tempo todos o detém, com a diferenga de que se estabelega uma intencionalidade coletiva que impede que isso constitua um dominio separado, transcendente com relagdo as relagdes sociais, Por tras da idéia dessas formas de “personificagdo do poder", hé todo 0 “experimento de pensamento” de Marilyn Strathern, iniciado em The gender of the gift (1988), e a proposigdo de Roy Wagner (1991) sobre a “pessoa fractal”, desenvolvimento de uma reflexio mais antiga sobre o que viria a ser a constituigdo de coletivos na Nova Guiné, todos eles imredutiveis a uma nogao estrutural-funcionalista de grupos de descendéncia ou simplesmente grupos sociais (Wagner 1974). A pessoa fractal & composta por camadas diversas, visto que integra relagdes. Ela se apresenta, ademas, em diferentes escalas, podendo variar em seu nivel de magnitude. A terceira “frente” que orienta nessa leitura da antropologia politica de Clastres so os escritos de Bruno Latour e, mais especificamente, a nogdo empregada por ele — tomando emprestado da filésofa da ciéncia Isabelle Stengers — de “cosmopolitica”. Em inhas gerais, para Latour (1991, 2004), & importante dissolver dicotomias modernas 3| Astigos, eta de Antropol Soci dos Anos do PPGAS-USCa vl mp 1645, 209 como politica ¢ natureza, a primeira definindo o campo da agdo humana, a segunda permanecendo imutavel, sem intengdo, inerte, Além disso, em Reassembling the social (2005), Latour ofereee definigées minimalistas para a politica que parecem algo proveitosas para retomnar ao caso amerindio, este que nao pode ser compreendido ‘mediante a projegdo de conceitos ocidentais-modernos de politica e poder politico. Para Latour, isso que chamamos de politica poderia ser pensado como simplesmente a arte de compor associagdes e criar coletives, tendo em vista que as associagdes composta dio sempre entre atores heterogéneos; 0 social, 0 sociopolitico sendo sempre algo que resulta ¢ no aquilo que jd esta dado que faz a si mesmo. Neste retomo aos problemas colocados pela “antropologia politica” de Pierre Clastres, trés pontos devem ser examinados. Em primeiro lugar, ¢ como jé destacado por Philippe Descola (1988), a obra de Clastres concede um peso menor ao xamanismo € aos sujeitos ndo-humanos na trama politica amerindia. Clastres (e também Héléne) separam enfaticamente, entre os antigos Tupi, pajés © caraibas, para colocar esses liltimos — nio mais meros “curadores” ou “feiticeiros”, mas propriamente “sabios” — numa posi¢do de protagonismo ainda que permeada de paradoxos. Clastres demonstra pouco interesse em aprender os modos pelos quais 0 xamanismo faz a sociedade primitiva, Em segundo lugar, um ponto suscitado por Gilles Deleuze e Félix Guattari nos Mille plateaux, mais precisamente no platd sobre a “maquina de guerra”, confere ‘mais profundidade ao problema: 0 * ‘ontra 0 Estado” pode coexistir com o Estado, visto que a politica nada mais é do que um entrelagar de linhas de segmentaridade — dura & flexivel — ¢ linhas de fuga, ¢ estas devem ser perseguidas de modo a vislumbrarmos cartografias, Em terceiro lugar, a filosofia da chefia amerindia, enunciada pela primeira vez no texto de 1962, “Troca ¢ poder”, incluido em A sociedade contra o Estado (2003), parece nao cobrir alguns aspectos desse fendmeno ii crigante que & essa chefia s poder politico, porém fundada cm relagdes depres sstaria_mais| igio, Clastres interessado em observar a chefia como “posigdo vazia” do que a constituigo da figura desses chefes que, como ele mesmo alegou, constrdi uma oposi¢ao em relagdo aos outros homens. Este segundo ponto s6 seria tratado mais cuidadosamente num texto de 1977, publicado postumamente em Arqueologia da violéncia (2004), “Infortinio do guerreiro selvagem”, sobre a formagao dos guerreiros do Chaco. © meu interesse é, em suma, pensar, partindo de Clastres, uma “antropologia (cosmo)politica”, preocupada com a reinsergo dos ndo-humanos, do xamanismo, da feiticaria etc. na suposta politica dos homens. Nesse movimento viria a nogo, ainda de 3| Astigos, eta de Antropol Soci dos Anos do PPGAS-USCa vl mp 1645, 209 Latour, de “coletivo” como um composto de associagdes entre sujeitos de natureza diversa — social e ndo-social -, sujeitos por assim dizer hfbridos. Em vez de me ater & nogdo de irreversibilidade pretendo pensar, ainda com Deleuze © Guattari em sua critica-homenagem a Clastres, em “maquinas de reversibilidade” que impedem a formagdo de centros de poder politico, bem como a concentragao desse poder politico. Isso nos libertaria da grande divisdo entre sociedades primitivas ¢ sociedades com Estado, visto que 0 “contra 0 ado” ¢ a “forma-Estado” reaparecem como vetores capazes de serem ativados a todo 0 momento, ¢ em qualquer sociedade. Essa nova perspectiva permitiria pensar, em suma: (1) Chefias mais fortes do que as simplesmente “titulares” (no sentido de Lowie, 1948) e certas economias de prestigio, que implicam relacionalidade; (2) Redes de relagdes supralocais que podem atentar para aliangas politicas de tipo mais estavel, muitas vezes referidas como confederagdes, cacicados ‘ou chefaturas (€ preciso, no entanto, reconhecer a vagueza destes termos); (3) “Novos” cultos, “novas” religides que so criadas na interface com 0 mundo n§o-indigena (sobretudo cristio) e que possibilitam a formagio de unidades sociopoliticas de outra ordem. Em vez de conceber a chefia amerindia apenas como posigdo politica vazia, proponho pensar como certas pessoas se tomam chefes, lideres politicos ¢ 0 que significa isso, Proponho pensar os processos de diferenciagdo interna entre as pessoas, Uma “sociedade contra a divisdo” nao seria, nesse sentido, o mesmo que uma sociedade sem diferenciagdo. Fste parece ter sido um equivoco de Clastres. Fm ver de perguntar 0 que é uma sociedade contra o Estado, é preciso entender como ela age. Nao se trata de perguntar como uma sociedade deixa de ser primitiva, mes como uma sociedade indigena pode conter em si clementos de diferenciagio interna, individuago, extensio, individualizagao ete. Com Latour, torna-se mais clara a saida para pensar a agio politica dos povos amerindios tendo em vista a impossibilidade de reduzi-la 4 nogao moderna & standard de politica, ou seja, algo atrelado & dimensdo do Estado, a uma certa légica da representag individuais movidos por escolhas racionais. Entre os © figura de agen amerindios, a constante negociagao e interagdo com agentes ndo-humanos, 0 constante 3| Artigos eta de Antropol Soci dos Anos do PPGAS-USCa vl mp 1645, 209 trafego por entre os diferentes pontos de vista, tudo isso surte implicagdes para a fabricagdo de personagens politicos, como chefes locais e supralocais, lideres espirituais ote. Pierre e Héléne Clastres Como ja insistido, todas essas interrogagSes remontam inevitavelmente & obra de Pierre Clastres. Coube a0 autor recolocar na antropologia o problema do poder politico coercitivo ¢ demonstrar que se ele é reconhecide em toda a parte, entre os amerindios ele & negado, neutralizado, ndo podendo constituir-se em uma esfera separada, Essa recusa ganha expressio tanto na figura dos chefes, que ocupam uma posigao politica, ‘mas nao detém 0 poder politico (tomado como sindnimo de coeryao) — tal 0 argumento de um ensaio como “Troca e poder: filosofia da chefia amerindia” -, como na guerra, que impede a constituigdo de unidades politicas extensas e, portanto, de centros de poder — tal o argumento de um ensaio como “Arqueologia da violéncia: a guerra nas sociedades primitivas”, de 1977. Em seu itimo texto, também de 1977, “Infortinio do guerreiro selvagem”, contudo, Clastres tece longas consideragdes sobre a formagdo, no Chaco, de uma elite de guerreiros, algo que poderia se assemelhar ao germe de poder politico separado. No entanto, um germe cujo desenvolvimento & constantemente interrompido, ¢ isto & que importa, pois o guerreiro é ali, antes de tudo, um ser-para- a-morte. E interessante notar que 0 editor da revista Libre, na qual foi publicado “Infortinio do guerreiro selvagem”, acrescentou em uma nota de pé de pagina anotagdes do priprio Clastres, que continham indicagdes sumérias sobre o campo que cele pretendia explorar. Nessas anotagdes constavam quatro pontos: (1) Natureza do “poder” dos chefes de guerra; (2) Guerra de conquista nas sociedades primitivas como comeso possivel de uma mudanga na estrutura politica (0 caso dos Tupi antigos); (3) 0 papel das mulheres relativo & guerra; (4) A guerra de Estado (os Incas). Como da para perceber, Clastres estava interessado nesses momentos de “passagem” das sociedades contra o Estado para as sociedades com Estado. | Artigos eta de Antropol Soci dos Anos do PPGAS-USCa vl mp 1645, 209 © problema seria entio como conceitualizar essas passagens. Teriam elas um sentido tinico? Como jé salientado, Pierre Clastres dirige pouca atengao ao que chamamos aqui como “cosmopolitica”. Ao privilegiar a chefia ¢ a guerra, cle deixa pouco espago para os xamanismos, o sistema de agressdes e acusagdes, os profetismos. Estes que sabemos hoje, devido 4 profusio de monografias etnolégicas, estio fortemente envolvidos na constituigdo — € também na dissolugdo — de pessoas coletivos. Ndo obstante, ha passagens interessantes, porém algo enigmdticas, em que Clastres relaciona o tema do profetismo a sua antropologia politica. No texto de 1974, “A sociedade contra o Estado”, que fecha o livro homénimo, Clastres vislumbra no movimento desses grandes xamas ou caraibas dos Tupi quinhentistas a apari¢ao de um possivel germe do Estado, A mesma idéia voltaria em um verbete, também de publicagao péstuma, intitulado “Mitos de ritos dos indios da América do Sul", em que ele fala da posigdo ambigua dos povos Tupi e Guarani em relagdo aos povos andinos & aos povos da floresta amazénica, Seriam os Tupi povos livres, némades, ou povos 4 em outros textos, dedicados aos conquistador Guarani da atualidade, com os quais viveu, ele vé nos ditos profetas (karai) espécies de “sibios”, ou mesmo “filésofos”, desta vez. veiculos conscientes de um pensamento que repudia a Unidade e, portanto, 0 poder politico. Por mais que todas as questdes tenham sido criticadas por etndlogos © historiadores, que acusam Clastres por tratar de modo pouco cuidadoso a etnografia e a historiografia (os arqueélogos americanistas integrariam, algum tempo depois, essas criticas), néio hd como negar que elas permanecem bastante instigantes para pensar problemas cada vex mais presentes na pauta da etnologia e da antropologia contemporanea, © problema do profetismo tupi-guarani, dos Tupi e Guarani antigos e dos Guarani atuais, foi justamente focalizado por Héléne Clastres em La terre sans mal, de 1975. Ali, 0 profetismo, antes de tudo uma religiéo profética, aparece como antidoto a cessas tendéncias centripetas que poderiam levar 4 experiéneia do Estado. Segundo ela, 0 profetismo estaria na base dos movimentos migratérios devido a sua promessa de encontro com a “terra sem mal”, “terra da abundancia”. Héléne Clastres entrevé uma separagio entre esses povos entre 0 “politico” — dominio constitufdo pelos chefes de guerra, por uma certa busca do poder (ela compartilha a idéia de Clastres de que os Tupi € Guarani teriam convivido com 0 germe do Estado, este tendo sido abafado pela Conquista européia) ~ ¢ 0 “religioso” — dominio conduzido pelos grandes xamis, karai, que repudiariam qualquer forma de poder, Quando ela se depara, sobretudo nas fontes 3| Artigos eta de Antropol Soci dos Anos do PPGAS-USCa vl mp 1645, 209 quinhentistas ¢ seiscentistas, com a intrigante figura de profetas tomados chefes, ela sinaliza uma contradigdo — um escindalo légico, ¢ também ontolégico -, pois 0 profetismo seria a propria negacdo do dominio politico da chefia, ¢ nfo algo que residiria em sua génese Essa idéia de contradigao aplicada a esse contexto incomoda, uma vez que proceso de constituiglo de personagens ¢ coletivos (unidades sociopoliticas) parece ndlo se destacar de fenémenos assim chamados cligiosos”, como 0 xamanismo, a feitigaria, o profetismo ete. Nesse sentido, a contradigdo, ou melhor, o paradoxo ~ no sentido de uma proposigao que ndo exclui a outra, sendo 0 contrério — apontado por Héléne Clastres sugere que enveredemos por esse mundo dos Tupi antigos, tendo em vista uma imagem da agdo politica que mais se aproxima dos escritos de Gilles Deleuze e Félix Guattari nos Milles plateaux (1980). Com esses autores torna-se menos assustadora essa idéia de paradoxo, 0 que permite tomar 0 “politico” € 0 “religioso” nesses sitios menos como dominios contraditérios que como em relagdo incessant implica io mutua, No caso dos antigos Tupi, o dominio politico — baseado em chefias de diferentes magnitudes, bem como em um assim chamado Conselho dos chefes — extrapolava de modo bastante eldstico os limites do parentesco e se fazia por conta da guerra € muitas vezes do profetismo; ambos, guerra ¢ profetismo, fazendo parte, como sustentou Viveiros de Castro (1986), em sua célebre sintese tupi, de um mesmo complexo religioso e cosmolégico. Aparentemente, Pierre e Héléne Clastres partem de problemas muito diferentes, primeiro focaliza, em “Arqueologia da violéncia”, a relagio entre o dominio politico © a guerra nas terras baixas da América do Sul. Para ele, a guerra é @ propria maquina contra 0 Estado ~ & 0 que garante liberdade as sociedades primitivas, é o que as permite e misteriosamente, ao final de A sociedade resistir a0 Estado. Jd 0 profetismo apare contra 0 Estado, como ameaga, como germe de poder politico que pode dar origem a ‘um proto-Estado: os profetas fariam 0 movimento inverso da guerra unindo gentes de diferentes proveniéncias, dissolvendo inimizades em nome de uma busca comum. Héline Clastres, por sua vez, pensa o profetismo como o verdadeito mecanismo contra © Estado entre os Tupi — seria uma espécie de religido némade, tradugdo religiosa da maquina de guerra clastriana, Jé a guerra Tupi era de onde poderia brotar um proto- Estado devido 4 génese de chefes de guerra temerosos. Teria H. Clastres levado demasiadamente a sério 0 retrato pintado pelos viajantes a propésito dos “principais”, dos morubixabas tupi? 2| Artigos eta de Antropol Soci dos Anos do PPGAS-USCa vl mp 1645, 209 No entanto, a contradigao posta pelo embate entre os dois argumentos, de Pierre ede Héléne, ¢ apenas aparente. Ambos estio de acordo quanto ao fato de que no & nem nna guerra, nem no profetismo em si mesmos que reside 0 perigo, Este reside em certas personificacdes, por exemplo, nos guerreiros avidos de gléria, como propde Pierre Clastres, & nos profetas “traidores”, que, segundo Héléne Clastres, deixam de servir como pivé de um movimento desenfreado para serem operadores de uma desacelerago, de uma pausa. Deleuze © Guattari comentam rapidamente em uma passage do “1227: Tratado de Nomadologia: a maquina de guerra”, 0 12° platd, essa natureza paradoxal do profetismo Tupi como apresentada pelos Clastres: a religido constitui-se em poderosa maquina de guerra, liberando uma carga formidavel de nomadismo ou desterritorializa absoluta, No entanto, ela pode retornar contra a forma Estado o seu sonho de um Estado absoluto. E os autores vdo entio concluir: e esse retomo, esse “contra o Estado”, ndo pertence menos a religido do que este “sonho”. Pierre Clastres ariamente reve que a guerra & contra o Estado, mas ndo nec © guerreiro, Héléne Clastres alega que 0 profetismo é contra o Estado - e pelo movimento —, mas nao necessariamente o profeta. E nesse sentido que ela critica Alfred Métraux por enfatizar em sua andlise dos profetismos tupi-guarani o lugar de certos personagens os profetas, perdendo de vista os verdadeiros propésitos em jogo, a busca da terra sem mal ¢ a desterritorializagdo versus a busca do poder politico © a retertitorializagdo, No entanto, ao desprezer essas figuras desses personagens bem como os processos de personificagdo ela parece perder de vista aspectos importantes do problema examinado. ‘A génese ea magnificagiio dos grandes guerreiros Além de pensar a cor tituigo do dominio politico Tupi a partir de esferas que extrapolam o campo da afinidade efetiva, como a guerra e o profetismo — ambas esferas marcadas pelo que Viveiros de Castro (2002) chamou de “afinidade potencial” - preciso pensar a constituigdo de certas figuras por assim dizer especiais que acabam por ‘ocupar posigdes politi ss, como determinados guerreiros ¢ determinados xamis. Isso conduz inevitavelmente a uma reflexio sobre o ritual, No caso em questio, os antigos Tupi da costa, sobretudo o ritual antropofigico, a execugdo dos cativos de guerra, mas também, como veremos adiante, os ritusis xaménicos. A constituigao de tais figuras revela uma certa economia de prestigio e, de modo geral, um certo processo de s| Artigos eta de Antropol Soci dos Anos do PPGAS-USCa vl mp 1645, 209 “magnificagdo”, obtido pelo que eu chamaria de intensificacdo — que nio deixa de ser um modo de concentragdo — de relagdes. No caso dos guerreiros, uma intensificagao de mortes; no caso dos xamas/profetas, uma intensificagdo de relagdes sobrenaturais. No caso de ambos, uma intensificagao de pessoas — no necessariamente humanas -, de seguidores. Com uma diferenga: os chefes de guerra acabam por formar blocos unissexuados, blocos de homens, ao passo que os profetas constitulam coletivos propriamente heterogéneos, unindo homens, mulheres ¢ deuses. Esse aspecto importante da subjetivago aparece num ensaio bastante inspirador de Tania Lima e Marcio Goldman (2001) sobre a obra de Pierre Clasttes. Para ambos, que analisam 0 conjunto da obra do autor, a sociedade contra o Estado pode ser encontrada tanto no funcionamento de certas méquinas sociais primitivas como em figuras subjetivas, em processos de subjetivacdo. Os autores atentam a possibilidade de fazer uma leitura de Clastres pela chave da nogdo deleuze-guatarriana de “micropolitica”. O desenvolvimento dessa idéia encontra-se também na tese de Gustavo Barbosa, A socialidade contra o Estado (2002), que, de sua parte, relé Clastres pelas Tentes de Marilyn Strathern, A idéia de “subjetivagao” parece ir ao encontro da imagem de “magnifieagao” ‘mencionada hd pouco e que diz respeito a uma transformagdo escalar da pessoa, “pessoa fractal”, como definida por Roy Wagner (1991). Em uma conferéncia inédita ~ “O lago social entre os Achuar” — Anne-Christine Taylor (2004) fez referéncia & forte inclinaga0 ‘guerreira entre os Achuar (Jivaro) e, por conseguinte, ao lugar dos “grandes guerreiros” (isnt Estes “grandes homens” (Descola & Lory, 1982) so aqueles reconhecidos como capazes de maximizar suas propriedades de agir sobre outrem; ou seja, como capazes de intensificar, maximizar suas relagdes com a alteridade — por meio da alianga ‘matrimonial ¢ da guerra, por exemplo — mas também capazes de matar — de dessubjetivar Outrem, reduzi-lo a um objeto. Taylor atentou a uma espécie de “proces de magnitude” embutido na constituigio de um “grande guerreiro” achuar, e isso que corre entre os Jivaro ndo é em absolute distante do que se passa entre os antigos Tupi da costa. Ora, esse processo de magnitude — essa magnificagdo — nada mais seria do que ‘um movimento de intensificagio de relagdes, de amplificagdo da pessoa, Nesse sentido, pensar a agdo politica amerindia implicaria pensar certos processos de personificagdo, intensificagdo e magnificagdo de relagdes. Uma proposta algo semelhante encontra-se na discussto iniciada por Marilyn Strathern ¢ Maurice Godelier (1991) a respeito dos big-men e great-men melanésios, como mencionado 2| Artigos eta de Antropol Soci dos Anos do PPGAS-USCa vl mp 1645, 209 acima, Seria possivel, portanto, investir no tema eldssico do americanismo da fabricagio ritual da pessoa de modo a investigar o tema da fabricagdo ritual de certos tipos de pessoas que detém prestigio, que organizam ou mesmo contém outras pessoas. E, ainda, na esteira de Strathern (1988, 1991), ha de se compreender que a génese dessas pessoas no pode ser dissociada da génese de coletivos, como casas, clas, grupos locais, espagos supralocais ete. Assim como as pessoas, os coletives - que Ihe sdo homélogos — submetem-s a movimentos de contragao e extenso, Reflexdes a partir do ritual antropofiigico Voltemos ao ritual antropofigico dos antigos Tupi da costa, pois, afinal, tudo esti 1d, Nao poderei adentrar os detalhes etnogrificos, que podem no entanto ser encontrados em diferentes anélises que se debrugaram sobre as fontes histéricas (Métraux 1979 © 1967, Fernandes 1970, Viveitos de Castro 1986, Combés 1992, Perrone-Moisés 2000, Sztutman 2005). Apresento a seguir apenas uma deserigdo geral. Em poucas palavras, quando um rapaz executava pela primeira vez um inimigo, esse ato era tido como uma espécie de “iniciagao”, uma vez que permitia com que ele se casasse, que participass € dos conselhos, bem como trocasse de nome das expediga recebess escarificagdes. Os nomes e os cantos eram como a apropriago da palavra inimiga; as escarificagdes, sua contrapartida visual. Note-se, ademais, que um rapaz de cerca de vinte ¢ cinco anos “ganhava” um cativo de um parente préximo — pai, irmao do pai, futuro cunhado et Ao que tudo indica, a execugdo de um cative de guerra era o que permitia que ‘um rapaz se tornasse um “ava” — homem, gente — se tomnasse um guerreiro, Se antes ele participava apenas marginalmente da guerra — como remador, por exemplo — agora ele ganharia participagdo ativa, integrando as investidas, indo em busca dos inimigos para ele mesmo executé-1o ou sendo dé-lo de presente a um parente ou a um afim (Femandes 1970). © aspecto de circulagdo do ative e de seu papel como “dom” que ilumina toda uma rede de prestagdes ¢ contraprestagGes entre parentes ¢ afins & também de grande importincia, De todo modo, ao capturar um novo cativo ou ao executé-lo ele trocaria mais uma vez de nome, ganharia mais uma escarificagdo, incrementaria seu prestigio. Aquele que jamais tivesse matado inimigo eta considerado um covarde (manem) e, segundo as fontes, como as mulheres e as criangas, dificilmente chegaria a terra da ‘abundancia quando de sua morte. s| Artigos eta de Antropol Soci dos Anos do PPGAS-USCa vl mp 1645, 209 © ritual antropofigico, a um sé tempo ato sacrificial ¢ iniciagdo dos rapazes, abria também a possibilidade de “magnificagao” do guerreiro. Ou seja, experiéneias de captura © morte poderiam ser intensificadas, uma certa relacionalidade ou agéncia poderia ser como que retida na sucesso de reclustes. F isso refletia-se na concentragdo de nomes e marcas pelos guerteiros em questo. De um lado, 0 novo nome garantia a0 seu dono um renome. Essa construgdo do renome pela palavra passava também pelo canto ~ ao sair de uma recluso matador deveria revelar s entoar os cantos apropriados do inimigo, Do outro lado, concentrava-se no corpo deste sujeito um nijunto de escarificagdes que conferiam visibilidade a esse renome. Nomes e marcas permitiam, assim, a objetivagdo de certas relagdes — no caso, entre 0 matador e o inimigo, Essa objetivago se dava ora por meio da palavra entoada — nome e canto -, ora no préprio corpo do guerreiro. Num sistema como o dos Tupi antigos, no qual nao parecia haver mecanismos muito complexos de transmissdo, os homes no eram aparentemente herdados, com excegtio dos nomes de nase: ‘a que surtiam em prinefpio pouca importancia; 0 mesmo poderia ser dito dos cantos. © corpo e, de modo geral, a biografia de um homem eram, nesse sentido, o lugar mesmo de certas objetivagdes. Os poucos objetos que participavam desses sistemas de as flaut prestigio © magnificagao — como os ernios dos inimigos tibias, as coifas ete ~ nao pareciam estar inseridos em um esquema de transmissio e/ou preservagio — a sua duragao era mais ou menos fungao da vida de seu dono. Quando este morria estes eram enterrados ou mesmo roubados. Como sugeriu Carlos Fausto (2003), entre os grupos tupi, nos vemos diante de regimes de reif ago “fraco: se comparados, por exemplo, ‘a0 grupos caribe e, ainda mais, aos alto-xinguanos, onde abundam mascaras, flautas © outros tipos de objetos rituais mais ou menos pereciveis, que contribuem nessa economia do prestigio bem como no pro (Barcclos Neto 2008). ‘0 de magnificago de homens eminentes © como todo escarificado de um grande guerreiro ~ tal como vemos no retrato de Francisco Caripira contido no livro do Padre Claude d’Abbeville (1975) — era a prova de que a diferenciagdo que existia entre os sujeitos s6 poderia ser inscrita no corpo; € 0 corpos por mais adornados e robustos que fossem permaneciam essencialmente vulnerdveis — aos ataques dos inimigos, é certo, mas também aos ataques de seres invisiveis, no menos inseridos na guerra, Esse esquema de iniciago e magnificagdo — identificado entre os antigos Tupi — poderia ser encontrado em outros tempos lugares. Por exemplo, entre outras 3| Artigos eta de Antropol Soci dos Anos do PPGAS-USCa vl mp 1645, 209 sociedades “guerreiras” —que possufam, em tempos nao muito remotos, grandes rituais, guerreiros — como os Jivaro da Amaz6nia subandina, os Nivacle do Chaco e os Munduruku da Amazénia setentrional. Nesses trés lugares encontramos, como frisaram Patrick Menget (1993) e Carlos Fausto (2001), “economias simbélicas de troféus”. Por exemplo, em sociedades pacificadas em que a guerra e seus rituais assumem formas mais minimalistas, como certos grupos tupi ¢ tupi-guarani e certos grupos caribe da regio das Guianas. Por exemplo, ¢ por fim, em sociedades que constituem grandes nexos regionais, como 0 alto Xingu e 0 alto rio Negro, nas quais, diferentemente, vislumbramos uma economia de prestigio mais fortemente ancorada em estruturas relacionadas ao ritual, ao sistema de troca ¢ a uma “ erta descendéncia” (Heckenberget 2005, Barcelos Neto 2004). Inspirado na discussio de Eduardo Viveiros de Castro, no ensaio “Xamanismo sacrificio” (2002), que se debruga sobre a produgdo de xamas verticais ¢ horizontais € na. ambos avaliagdo do material sobre a antropofugia © o xamanismo tupi-guarani — aproximando 0 sacrificio de outrem ao sacrificio de si mesmo -, proponho pensar ¢: ‘movimento de “magnificagdo” em duas fases. Na primeira fase, tudo se passa no corpo do novigo ou do veterano que se empresta como lugar de um embate e de uma relagio com uma subjetividade estranha, o que significa também um grande risco, Ou seja, esse novigo ou veterano é feito vitima, é feito suporte de uma mutitago, que pode incluir escarificagses, aplicagdes de formigas, contaminago com sangue do inimigo — © também transe, viagem com naredticos como tabaco, ayahuasca ete. Ou seja, este sujeito é submetido a uma série de alterag s que colocam em risco a sua posi¢do € a sua integridade como sujeito: ele pode ser assujeitado por outrem, Esse processo de iniciagdo © magnificagao seria uma espécie de sacrificio de si em nome da apropriagao de uma subjetividade outra, de uma agéncia externa. Entre os Tupi antigos, como sinalizou Viveiros de Castro (2002), 0 que se tinha era uma fustio de subjetividades — do matador e da vitima — a cada execugao, Na reclusto, a porgao inimigo adquirida era domesticada e essa relagdo era objetivada via homes, cantos ¢ marcas. Podemos pensar que processos semelhantes podem ser vistos alhures. Por exemplo, entre os Wauja do alto Xingu, onde Aristételes Barcelos Neto (2004) relaciona a biografia de um aristocrata a uma série de rituais empenhados na potencializagao de uma espécie de “substancia nobre”. Dentre esses rituais, Barcelos Neto dé destaque especial aos rituais de apapaatai rituais de méscaras e aerofones realizados como contrapartida pela cura, efetuada pelos xamis, da doenga de um x| Artigos eta de Antropol Soci dos Anos do PPGAS-USCa vl mp 1645, 209 aristocrata, A doenga é tida, assim, como condigao para a potencializagdo da substancia nobre, como condigao daquilo que venho chamando de n agnificagao de um sujeito, ‘A segunda fase do processo em questo seria a passagem da condigdo de foco do ritual — 0 matador, o doente, o iniciando ete. — para a condigdo de “dono” ou mestre de ‘um ritual. Ou seja, a passagem de um sacrificio de si para a posigdo de sacrificador, de organizador do rito, Entre os Tupi antigos, esse lugar parecia ser bastante instavel Havia alguém que presidia o ritual antropofiigico? Ao que tudo indica, o ritual era preparado pelos parentes ou afins do matador. As fontes oscilam bastante, ou mesmo silenciam, sobre esse ponto. Ha mengdes nos relatos & misteriosa figura de um anciao que passava a ibirapema (tacape omamentado) ao matador num gesto coreogrifico quando do momento da execugdo, Hans Staden (1998), por exemplo, afirma ser este personagem um “chefe”. Outros, como André Thevet (1953, 1997) referem-se a um ancido importante, um velho guerreiro, Sabe-se, por meio das etnografias mais recentes sobre povos tupi atuais, que 0 oferecimento de festas de bebida fermentada — as cauinagens — & um fator fundamental na construgio da posigio des liderangas domésticas € mesmo de carter mais propriamente politico. Parece claro entio que 0 ritual fundamenta de maneira exemplar essa economia de prestigio: se, de um lado, ele produz pessoas ¢, ento, certos tipos magnificados de pessoas ele também possibilita a ‘essas pessoas magnificadas constituirem de algum modo os seus coletivos. Parece ser também um ponto comum que para ser “dono” de um lugar — de uma casa, de um grupo local ete, — & necessério antes ter sido “dono” de uma festa. E essa qualidade de ser “dono”, essa qualidade de maestria, ndo & de modo algum dissocidvel do processo da lideranga aqui iluminado. Voltemos rapidamente ao exemplo do Alto Xingu oferecido por Atistételes Barcelos Neto (2003, 2004). Aquele aristocrata que adoece deve transformar-se, logo depois da cura — mediada pelos xamas — em um dono de festa, festa que se destina aos espiritos patogénicos apapaatai, Nessa ocasido, que consiste mais freqientemente na elaboragdo de mascaras grandes que ganham agéncia ¢ precisam ser alimentadas, & preciso oferecer comida e bebida para os convidados da aldeia, bem como fazer circular objetos, sons e 0 proprio nome do festeiro. Em suma, o que foi incorporado deve ser exteriorizado, A diferenga do que acontece entre os povos tupi antigos e atuais, no alto Xingu encontramos uma maior institucionalizagdo desses processos de magnificagao, sem falar no que Barcelos Neto, na esteira de uma série de estudos alto-xinguanos, dentre os quais ndo podemos descartar os mais tecentes de Michael Heckenberger 3| Artigos eta de Antropol Soci dos Anos do PPGAS-USCa vl mp 1645, 209 (2005, em especial), chama de uma ideologia da “substincia nobre” que implica uma reconsideragdo também da questio da fissura entre aristocratas © comuns ¢ da descendéncia em sistemas que ndo conhecem regras de unifiliagdo. Como vemos, as possibilidades de comparagdo so muitas, mas os casos sio tdo semelhantes quanto diversos. Por uma questo de prudéncia, além de falta de espaco, é melhor parar por aqui. Em suma, tanto no caso tupi como no caso alto-xinguano, ¢ de maneiras muito diversas, vemos que 0 dominio politico & fortemente dependente do dominio ritual Nesse ponto, no podemos deixar de lembrar da monografia de Bruce Albert (1985) sobre os Yanomami do lado brasileiro, que descreve analisa de modo pioneiro um sistema multicomunitério em que as relagdes politicas se constituem no idioma da afinidade e da inimizade forjado num complexo mecanismo ritual que envolve praticas de endocanibalismo “real” e de exocanibalismo “figurado”. O ritual define, portanto, na Amazénia, um campo de atragdo de aliados ¢ de exibigo de prerrogativas materiais © imateriais — via objetiv: 's ou signos sonoros, verbais e visuais. Da lideranga & chefia Nao devemos perder de vista 0 caso aqui focalizado, os antigos Tupi da costa. Como lembra Florestan Femandes em A funcdo social da guerra na sociedade Tupinambé (1970), tornar-se um guerreiro, matar um inimigo, era, no mais, uma obrigags de todo homem adulto. Os grandes guerreiros — aqueles que mataram muitos inimigos — passariam, por sua vez, por um processo de “peneiramento”, do qual sairiam lideres de expedigdes guerreiras ou mesmo lideres politicos, capazes de estender sua influéneia para todo um grupo local ou mesmo espago supralocal, ao qual as fontes se referem como “provincias”. Tudo indica que esses espagos supralocais suscitados nas fontes fossem de fato unidades fortemente movente espécies de estabilizagio ‘momentinea das aliangas compostas tendo em vista grandes expedigdes guerreiras. Como salienta o préprio Florestan Fernandes, em sua leitura minuciosa das fontes, essas expedigdes podiam mobilizar milhares de pessoas e uma mirfade de grupos locais. No entanto, a idéia de “tribo” como unidade de coesa de solidariedade que o autor faz questo de enunciar nao encontra na andlise dele uma justificativa substantiva ter conexio com a Esses guerreiros “pencirados” — e esse peneiramento par atividade ritual que acabamos de deserever — passam a contar com alguma | Astigos, eta de Antropol Soci dos Anos do PPGAS-USCa vl mp 1645, 209 representatividade, Eu escrevo “alguma” porque @ equagao, por exemplo, entre um chefe © um grupo local ndo se realizava com freqiéncia, pelo contrario. As chefias — termo complicado, veremos — multipticavam-se ainda que fossem mantidas as sgradagdes de prestigio. Além do mais, conforme Florestan Fernandes baseado sobretudo no relato Jean de Léry (1994), as decisées propriamente ditas eram tomadas no Conselho dos Velhos, todos eles bravos guerreiros, homens maduros de mais de 45 ‘anos, ou seja, avés. Como ja havia desconfiado Pierre Clastres, num artigo to luminoso como obscuro, como o ¢ “Independéncia ¢ exogamia”, de 1963, entre os Tupi antigos, a despeito da imagem pintada pelos relatos de confederagdes, provincias, bem como chefes fortes e temerosos, tudo 0 que ndo havia ali era Unidade, Em lugar dela, multiplicavamese lideres e segmentos ou “demos” (do tipo maloca, aldeia ete.). O dominio politico despontava apenas de maneira esbogada, mesmo quando uma espécie de poder politico parecia querer emergir. Tudo isso implicava nao a impossibilidade da organizagio politica e da constituigdo de unidades mais amplas que aquelas fundadas nas relagdes de parentesco, mas sobretudo a operagiio. de mecanismos desestabilizadores, que impediam a cristalizagao mais definitiva dos segmentos bem como a emergéncia de um poder separado. © baixo rendimento da idéia de representagdo politica entre os antigos Tupi causava terror aos viajantes. © padre capuchinho Claude d’ Abbeville (1975), que viajou por toda a ilha do Maranhao e adjacéncias, sob 0 objetivo de estabelecer aliangas com os chefes locais permanecia perplexo quando, ao chegar nas intimeras aldeias, de tamanhos fortemente varidveis, deparavaese com uma multiplicidade — ou pelo menos dualidade — de pessoas referidas como algo parecido a “chefe”. Por mais que houvesse uma certa diferenga de valor entre eles ~ havia sempre um chefe mais importante do que © outro, havia sempre uma certa hierarquia (ou melhor, “desequilfbrio dindmico”, para evocar uma imagem de Lévi-Strauss [1993] ao per sar as sociocosmologias amerindias) —, dificilmente a autoridade recairia em uma s6 pessoa. Léry, em quem Florestan Fernandes busca o maior apoio para sua descri¢do da organizagao politica tupi, chega a alegar que entre os Tupinambé nio haveria chefes, ‘mas sim um sistema de gerontocracia, em que toda autoridade era dada aos mais velhos. Esse retrato contrastava fortemente com o de outros autores, como Staden e, sobretudo, Thevet, que langava 0 foco sobre os “grandes reis” tupi, como Cunhambebe - rei dos ‘Tamoio, aliados dos franceses, que ergueram na Guanabara, entre 1555 e 1560, a Franga Antartica, Também D' Abbeville ¢ Yves D’Evreux (1985), os padres capuchinhos que +| Astigos, eta de Antropol Soci dos Anos do PPGAS-USCa vl mp 1645, 209 atuaram na fundagao da Franga Equinocial — experiéneia que se limitou ao intervalo que vai de 1612 a 1615 ~ referiam-se a Japiagu, importante lider, como rei da ilha Grande, no Maranhio. Unindo todas essas informages dispares, Florestan Fernandes acentuou a centralidade do Conselho dos Ancitios - sobretudo em seu primeiro tivro, A organizacdo social dos Tupinamba (1989) — mas nao deixou de sinalizar — mais fortemente em 4 fungdo social da guerra na sociedade Tupinambé (1970) — esse proceso de penciramento que estaria na base de construgdo des: -s grandes homens, grandes guerreiros. Poderiamos concluir dai que dois sistemas se cruzavam de modo complementar ¢ altemado: de um lado, um sistema constante — a gerontocracia, 0 Conselho dos Aneitios como lugar da ala, da oratéria — de outro, um sistema instével € ocasional, a emergéncia de chefes de guerra que estio por trés da consolidagio de coletivos, mas que nao cessam de se multiplicar, © problema sinalizado, primeiro pelos cronistas ¢ depois por Florestan Fernandes, da natureza desses principais — “guerreiros peneirados” — remete a0 problema da passagem do plano da agdo — o plano da lideranga — para 0 plano da rrepresentagdo — 0 plano da chefia. O ponto é que, entre os antigos Tupi, essa passagem dificilmente se realizava plenamente. Representar, falar em nome de alguém, produzir uma aparéncia de homogencidade, & diferente de reunir, de tomar conta, de comegar, de fundar um lugar (Detienne 2000), E essa capacidade reunir, de tomar conta, de obter seguidores — pontos enfatizados, por exemplo, por Waud Kracke (1978) em sua analise sobre a lideranga kagwahiv — no tem qualquer sentido a priori. Essa capacidade de unir, tomar conta reenvia muitas vezes & nogdo de “dono” ou “mestre”, pensada muitas vezes pelo idioma da “filiagio adotiva”, como sugeriu Faust (2001). Alguém pode ser “dono” de uma casa ou de um local, de uma festa ¢ de certos objetos e/ou pretrogativas. ssa nogdo de “maestria” é, portanto, uma nogo cosmoligica que inflete sobre o plano séciopolitico e indica uma capacidade de conter, apropriar-se, dispor de pessoas, de coisas, de propriedades; uma capacidade de constituir dominios, nichos, agrupamentos ete, © ponto ~¢ o material tupi antigo nos ajuda a chegar a essa conclusio ~ é que a lideranga ¢ a maestria — que ndo so fendmenos em principio sociopoliticos — podem ganhar estatuto sociopolitico, fazendo aparecer demos, segmentos, coletivos. Um lider atua na composigdo de um coletivo, ¢ se tora um chefe, um lider politico propriamente dito, quando se faz capaz de representar esse coletivo diante de outros coletivos, quando passa da agdo para a representagdo. O ponto & que, entre os antigos Tupi, para o | Astigos, eta de Antropol Soci dos Anos do PPGAS-USCa vl mp 1645, 209 dos colonizadores e cronistas, essa reptesentagdo no se fazia senio de a, circunstancial Em suma, se a lideranga — constituida nesses processos de magnificago, de personificagdo — era ali um fenémeno central, a chefia revelava-se pelo seu aspecto deliberadamente precirio, ndo encontrava meios de estabilizar-se, era assaltada por uma espécie de efeito de multiplicagdo. Isso ndo significa —e este & 0 ponto — que eles no ceram capazes de representar-se. Como vemos nos relatos sobre o Maranhio seiscentista, redigidos pelos capuchinhos franceses, os tratos com os colonizadores faziam emergir representantes mais estveis © acordos diplométicos eram tecidos (Perrone-Moisés 1996). Portanto, se os Tupi antigos eram plenamente capazes de representar politicamente — e inclusive de se organizar militarmente, como mostrou Florestan Femandes — eles nao conferiam a representasao politica e 4 organizagdo militar um valor primordial e intrinseco, relegando-os aos tempos de excegdo e de necessidade. pelhava no contraste entre a falta de termos precisos para designar o fant, na inconstancia das unidades sociopoliticas ete, ¢ a abundancia de chefe/repres termos para designar formas de maestria, E nesse sentido que eles, mas também os povos atuais, nos oferecem uma critica etnogréfiea da nogdo de representagao politica Algo que vai ao encontro de uma eritica & idéia de sociedade como totalidade acabada, una. Nesses cenérios, os mecanismos de multiplicidade e altemancia - coexisténcia entre dois ou mais chefes etc, — acabam por explodir a nogiio de chefia e de representagdo politica. E isso ndo parece ser exclusivo dos Tupi antigos e atuais, ainda que eles parecam apresentar, dentro do quadro sul-americano, as formas mais “plisticas” da chefia e da representatividade. A fabricagio dos grandes xamas Em uma sociedade de guerreiros, como a dos Tupi antigos, os xamas eram também guerreiros. Os ritos xamanicos eram, em sua grande parte, prelidios para a guerra, No entanto, as fontes ndo cansam de apontar a presenga de certos xamis que, por sua grandeza, acabavam por se destacar desse universo guerreiro, constituindo-se em pregadores € lideres de migragdes, bem como conduzindo rituais propriamente xamdnicos, ainda que permeados por motives guerreiros. Estes grandes xamas incitavam as gentes de diferentes locais a evadir e a buscar a tal terra sem mal, onde os | Astigos, eta de Antropol Soci dos Anos do PPGAS-USCa vl mp 1645, 209 lagos de parentesco © de alianga seriam abolidos, onde o alimento e a bebida eram fartos, ¢ onde ndo mais se morreria, Esses carabas, como eram chamados, acabavam, segundo Héléne Clastres, a se opor aos chefes de guerra, desfazendo grupos, compondo ‘massas moventes de pessoas. Ora, de lideres de migragio, estes nao raro poderiam passat a lidetes politicos, refazendo em outros lugares outros coletivos. Haveria trés formas possiveis do xamanismo entre os antigos Tupi da costa. Em primeiro lugar, stariam os. ps Propriamente ditos: curadores e/ou feit caracterizados pela sua ambigtiidade moral e pela necessidade de serem testados a todo ‘© momento. Como parece ser consenso nos relatos histéticos, eles ti ham papel importante nas reunides dos ancidos uma vez que usavam de suas faculdades de de sonhos. Em seguida, viriam os profetas — caraibas - ditos “homens-deuses": as adivinhagio e previsio de eventos futuros por meio de técnicas de interpretay faculdades curativas deslocavam-se ao campo das prédicas — falas duras - que enfatizavam o cataclismo ¢ a neces jidade de buscar uma terra longingua, sem males. A cooperagiio no Conselho dos an os também se deslocava para uma vida apartada © ascética, bem como uma critica a condiggo humana, ao estado de sociedade © a0 dominio politico. Por fim, estariam os chefes-xamas ou chefes-profetas, como eram designados pelos cronistas, sobretudo aqueles do Maranhao do inicio do século XVI Nilo se sabe ao certo se es es eram lideres de migragiio — profetas — que teriam enfim desembocado no Maranh 10, refiigio como se sabe de diversas migragdes ¢ fugas dos portugueses. Ou se eram simplesmente xamas (ou feiticeiros, como prefere chamé-los por exemplo 0 Padre Yves d’Evreux), mestres da guerra invis vel, que teriam se destacado dado um movimento de pacificagio — proibigdo do canibalismo — catalisado pelos franceses, que os apoiavam contra os portugueses. —a forma de referi De todo modo, tanto os profetas como os chefes-xai es de xa cles varia fortemente conforme passamos de um relato a outro — eram esp magnificados. © profeta — lider religioso, Iider de migrago — era antes de tudo um mestre de ritual, era aquele que organizava os rituais xaménicos itinerantes nos quais se fazia ecoar 2 sua palavra cheia de eficdcia e nos quais era possivel atrair novos seguidores, Se um pajé comum detinha a capacidade de comunicar-se com os “deuses” — nome para se remeter aos espiritos (dos mortos) que vivem na terra da abundancia — 0 profeta assumia ser ele préprio um deus, 0 que o revestia de imortalidade e Ihe garantia certa autonomia diante do mundo do parentesco da guerra. O chefe e-xami,, por sua vez, era como um chefe de guerra, possuia muitas mulheres, fixava-se em um sé local © | Astigos, eta de Antropol Soci dos Anos do PPGAS-USCa vl mp 1645, 209 caracterizava-se pela opuléncia, obtida no pagamento — por mercadorias, muitas vezes importadas — pelos seus servigos de cura ¢ agressdo, Manuel da Nébrega (1955) e José de Anchieta (1933), dois jesuitas, ndo poupam referéncia a esses profetas — andarilhos — que desestabilizavam o trabalho de catequese com a suas prédicas e rituais, que culminavam com a adesio de muitos “figis”. © Padre Yves d’Evreux, capuchinho como d’Abbeville, fez de chefes-xamas, como o famoso Pacamon, personagens fundamentais das suas narragdes de confer cias. Como no caso dos profetas, eles punham a perder 0 projeto da catequese, Dizer que pajés, profetas (caraibas) © chefes-xamas representam trés formas incomunicaveis de xamanismo parece ser incorrer em mais um equivoco. Pierre € Héléne ido esse caminho. Para eles, o xamanismo tupi-guarani no pode ser confundido com o seu profetismo, e a figura do chefe-xama ou do chefe- profeta aparece como uma contradiedo. Tendo em vista o que esti descrito nas fontes, no entanto, ndo é possivel chegar a t formas puras ¢ incomunicdveis. O que as fontes tomam visivel sto as metamorfoses de uma forma na outra, Entre os Tupi antigos, um grande xama seria como um grande guerreiro, um sujeito magnificado devido a intensificagdo de relagdes, intensificagdo de agéncias. O guerreiro extrai a sua magnitude do campo da guerra e da inimizade — ele mata inimigos , assim, ganha nomes € marcas. Mas, lembremos, ele também tem de deter alguma capacidade xamanica; por exemplo, sonhar. O grande xama — que € também um guerreiro, pois foi “iniciado” para se tomar gente de verdade ~ extrai a sua magnitude do campo sobrenatural, da comunicagiio com os espiritos e divindades. Se o grande guerreiro é um inimigo potencial, 0 grande xama é um demiurgo potencial, detém as capacidades de transformagao, pode dar a vida e causar a morte, Ambos concentram s com subjetividades alheias, ambos traduzem ¢ transitam por mundos diferentes sob 0 risco de ndo pertencer a mundo algum, sob o risco de ameagar o proprio grupo de onde vém, © profeta-andaritho, que recusa os lagos de parentesco e conclama @ todos para segui-lo em seu caminho & terra sem mal, sem no entanto abalar os valores guerreiros, ¢ o chefe-xama, que canaliza todo esse movimento para 2 constituigdo de uma nova forma de dominio politico podem ser pensados como derivas diversas — ou ‘mesmo fases diversas — de um mesmo fundo xaménico. Eles constituem formas diversas ou fases diversas da magnificagdo do xamanismo. Jes -Pierre Chaumeil (1992) utiliza acertadamente o termo “geometria variavel” para se referir as diversas metamorfoses do xamanismo na América do Sul. Se, como | Astigos, eta de Antropol Soci dos Anos do PPGAS-USCa vl mp 1645, 209 ‘muitos ja alegaram, 0 xamanismo é antes de tudo uma qualidade, os xamas nada mais seriam do que sujeitos que se apropriam — cada qual a seu modo ~ dessas qualidades. Isso pode redunder numa desterritorializagdo, num movimento perpétuo — dai a imagem dos lidetes de migragao oferecida no livro de Héléne Clastres sobre os Tupi e Guarani — ‘ou numa retertitorializagao, numa pausa que culmina no estabelecimento de uma nova forma sociopolitica No xamanismo tupiguarani, que alids apresenta elementos comuns conf passamos de um povo a outro, antigo ou atual, seria possivel identificar dois vetores: um que conduz a posigao diferenciada © especializada do xama, bem como o estabelecimento de uma fungdo piiblica ¢ cerimonial ~ e muitas vezes politica ou quase politica —; ¢ outro que conduz ao faccionalismo, a feitigaria, ao desaparecimento de especialistas xaménicos © mesmo a um “xamanismo sem xamas”. Muitos dos povos guarani ctuais, por exemplo, apresentariam um tipo de xamanismo que combinaria elementos do “profeta, figura do movimento infreado” e do “chefe-xama”, aquele que produz uma reterritorializagdo. As etnografias dos Guarani atuais, sobretudo dos Mbya, enfatizam o lugar central dos Iideres religiosos, que so ao mesmo tempo figuras do movimento e coordenadores de agdes coletivas nos assentamentos temporirios (Ladeira 2001, Pissolato 2007). Nesse caso, movimento ¢ pausa sio fases de um mesmo processo social e, assim, a metamorfose entre uma e outra figura é constante, Um xama magnificado assume, portanto, um papel de Tideranga — ritual ou de migragiio ~ e essa lideranga pode ganhar, por sua vez, contetido politico. Ei nesse sentido que a contradigio apontada por Héléne Clastres quanto & figura desses chefes profetas ou chefes xamas deixa de fazer sentido, Como sugeriu Viveitos de Castro (2002), em “Xamanismo e sacrificio”, inspirado na distingdo de Stephen Hugh-Jones (1996) entre xamanismo horizontal e xamanismo vertical, o que hi so duas derivas possiveis de um mesmo xamanismo horizontal (ou de um “xamanismo transversal”, como argumentaria mais tarde [Viveiros de Castro 2008)). Hé o profetismo como “aquecimento histérico” & © sacerdotismo como “resfriamento politico”. Ora, essas derivas de verticalizagao e de horizontalizagdo, so sempre vetores, jamais formas acabadas. O interessante & ver como esses vetores operam e 0 que eles fazem. E tudo isso, mais uma vez, extrapola 0 universo tupi, Assim como a guerra, 0 xamanismo e suas derivas estiio na base da constituigdo — € na dissolugdo, vale reiterar — de sujeitos singulares (pessoas) © coletivos. Se em alguns lugares ou circunstancias, ele se empresta como méquina contra © Estado, como mecanismo de pulverizagao social, de faccionalismo etc., em outros | Astigos, eta de Antropol Soci dos Anos do PPGAS-USCa vl mp 1645, 209 Iugares ou circunstincias, ele pode empenhar-se na construgao de um dominio politico, seja de modo coadjuvante — tal 0 caso alto-xinguano, em que © xamanismo & fundamental para a construgtio da chefia, mas evita-se que ele se confunda com cla (Viveiros de Castro 1977, Barcelos Neto 2004, Heckenberger 2005) — seja de modo protagonista — tal o caso dos Piaroa, estudados por Joanna Overing (1975), & dos Amuesha, estudados por Santos Granero (1986, 1991), em que a lideranga religiosa/ritual © a lideranga politica tendem a coincidir, ao menos em certas circumstancias que exigem modos de coordenagéo que extrapolam as relagdes de parentesco (consangilinidade e afinidade efetiva). E preciso notar que todos esses processos de géntese de guerreiros, xamas, profetas, chefes, lideres cerimoniais, entre tantos outros s6 podem ser compreendidos na histéria, no curso dos acontecimentos. Como j& havia proposto Pierre Clastres, no j4 citado artigo de 1963, os sistemas sociopoliticos tupi-guarani. seriam_fortemente “sensiveis a histéria”, o que explicatia talvez a sua forte variabilidade. Como sugeriram Viveiros de Castro (1986) e Carlos Fausto (1992), em suas reflexdes sobre povos tupi« guarani antigos ¢ atuais, ali 0 dominio politico é sempre assaltado pela incerteza, Nao haveria estruturas ou instituigdes politicas fortes, tampouco regras firmes de filiagao, ‘que muitas vezes servem de pilar. Isso nao significa, no entanto, que a formagao de chefias mais fortes, bem como pros ss0s de territorializagdo no possam ocorrer. Com efeito, eles consistem numa possibilidade prevista pelo sistema. O ponto & que sio freqiientemente assaltados por forgas centrifugas, por linhas de fuga, por explosdes de ‘multiplicidades sociopoliticas, Essa “sensibilidade A histérie” nos ajuda a pensar, por exemplo, as transformagdes ocorridas nesses sistemas quando da chegada dos conquistadores europeus. Com o estimulo das guerras “intertribais” dado pelos europeus abriu-se a possibilidade da emergéncia de grandes guerreiros. Tal foi © caso da assim chamada Guerra dos Tamoio, ocorrida em meados do século XVI, qual figuraram personagens caros a nossa historiografia, como Cunhambebe e Aimberé, ambos retratados nas fontes como “chefes supremos”. Jé no Maranhao do inicio do século XVII, por exemplo, vé-se por parte dos colonizadores franceses uma forte tentativa de pacificagio © de estabelecimento de boas relagées entre estes curopeus ¢ os Tupi, como evidenciou 4| Astigos, eta de Antropol Soci dos Anos do PPGAS-USCa vl mp 1645, 209 Beatriz Perrone-Moisés (1996). Podemos pensar que essa pacificagdo deslocava 0 foco da chefia de guerra para o campo da diplomacia, fazendo despontar figuras capazes de mediar via manejo de palavras de pay, a relagio entre brancos ¢ indigenas. De todo modo, cabe lembrar que a diplomacia ndo é sendo parte integrante da guerra, Outro deslocamento, passivel de ser analisado no Maranhio, é a emergéncia, como jé salientei, da figura de chefes-xamas ou chefes-profetas, poderosos ¢ temidos alvos da propaganda capuchinha. Estes poderiam ser tanto “grandes feiti ros”, aqueles que conduziam a guerra em seus moldes invisiveis, ou seja, via agressdo (basta lembrar que aquele era um tempo de epidemias), quanto lideres de migragdes que acabavam por assumir uma posigao politica © que ¢ importante de ser notado aqui é que, naquele mundo, ndo havia um lugar propriamente definido para o politico © a chefia, a lideranga politica dependia de diferentes processos de magnificagdo. Os personagens dessa politica selvagem experimentavam a metamorfose: guerreiros se faziam chefes, guerreiros se faziam xamis se faziam padres que se faziam chefes, guerreiros se xamis que se faziam che faziam brancos que se faziam chefes, chefes se faziam xamis, e assim por diante. Essas ‘metamorfoses incessantes atentavam, assim, para a instabilidade do lugar do politico & para a importincia, para essa ago politica, desses processos de personificagdo © magnificagio, processos que no poderiam, todavia, ser confundidos a idgia de representagao politica e que consistem, antes de tudo, num momento de construgao das liderangas e dos coletivos. Como propés Carlos Fausto (1992), se o profetismo tupi-guarani nio ¢ um produto da Conquista européia, esta foi sem divida um importante fator catalisador, um estimulante ao qual se deve langar a atengdo, De acordo com este argumento, podemos pensar que a Conquista amplificou uma situagdo de crise — tanto politica quanto cognitiva — fomentando reflexdes por parte dos indios sobre condigdo humana e sua insustentabilidade, reflexdes sobre a propria existéncia e, nesse sentido, nao um mero ato de reagdo ou resisténcia ao mundo colonial. Em outras palavras, a Conquista nto fazia mais do que acentuar essa necessidade de superago dessa condi¢do bem como a ‘busca de um espago utépico. Ora, 0 movimento propiciado por essa busca de uma terra sem mal tinha por certo seus corolétios politicos. A massa migratéria que se langava numa fuga do mundo acabava por encontrar repouso e reencontrar © mundo, Criavam-se entio novos grupos, novas liderangas, novos rituais, para ndo dizer novas religides. Eo sentido dessas \ovidades” no poderia ser compreendido como dissociado das formas | Astigos, eta de Antropol Soci dos Anos do PPGAS-USCa vl mp 1645, 209 que as antecedem, Pensar 0 profetismo como um elemento importante dessa agio politica & assim, estar atento para o processo de produgo de novas formas ~ no caso, sociopoliticas —a partir de formas jé existentes, A tal sensibilidade 4 histéria aventada por Clastres para se referir & instabilidade das. formas sociopoliticas tupi-guarani talvez ilumine a profusdo de_movimentos proféticos entre esses povos e essa sua necessidade de recriar incessantemente a vida social, de igir 0 impossivel a aboligo da distincia entre homens e deus a ruptura com as regras sociais — para refundar (recriar, transformar) 0 possivel — a ordem humana, constituida pelo parentesco, pela afinidade efetiva, pelo trabalho e pela chefia. Ora, niio me parece novamente que tudo isso seja exclusividade dos grupos tupi, a despeito das diferengas significativas que vemos saltar nas etnografias, Outros povos, ainda que nao alimentem essa utopia no espago (Cameiro da Cunha ¢ Viveiros de Castro 1985), produzem elucubragdes sobre o fim do mundo ¢ sobre a necessidade de refundagdo da vida social. Parec -me que 0 que esta sempre em jogo, nos demais casos de profetismos amerindios — por exemplo, Jé, Caribe, Aruak - é a operagio de maquinas de reversibilidade, que atuam para ajustar © tempo da historia ao tempo do mito, 0 que possui corolétios cognitivos e politicos evidentes. Os muitos paralelos buscados entre o caso dos Tupi antigos ¢ certos casos atuais, tupi endo tupi, refletem uma aposta na comparagdo como elemento importante nas investigagdes etnolégicas. Ora, comparar grupos distantes no espago ¢ também no tempo — exercicio que sempre me pareceu instigante — é sempre um grande desafio © implica uma reflexdo sobre 0 que LévieStrauss (1989) concebeu, & maneira estruturalista, como uma transformarao, Se é possivel perseguir estruturas que se transformam conforme nos movemos no espago, no caso, a vastiddo das terras baixas sulamericanas, seria também possivel compreender como esses estruturas se transformam também no tempo. Se compararmos o mundo dos antigos Tupi da costa com o das terras baixas da atualidade perceberemos uma mudanga acentuada sobretudo quanto a eseala: os grupos locais eram maiores, os guerreiros ¢ chefes gozavam de ‘maior magnitude, estendendo sua influéneia para dominios mais vastos que os do grupo local; os movimentos profiticos e as migragdes estouravam com mais freqléncia © assim por diante. Figuras como os grandes chefes de guerra (morubixabas) profetas (caraibas), bem como as relagGes € os processos que eles engendravam, se no mais cexistem como tais, podem “reapar ver” de maneira inesperadamente transformada, | Astigos, eta de Antropol Soci dos Anos do PPGAS-USCa vl mp 1645, 209 Tomemos rapidamente alguns exemplosextraidos de _etnografias contempordneas. Os Parakand Ocidentais, como nos conta Fausto (2001), grupo tupi ‘que continua a fazer da guerra o fundamento de sua vida social, no extraem mais dela 0 cimento para a constituigdo de um dominio politico, este reduzido a muito pouco. Nisso eles diferem dos Parakana Orientais, que reservam um espago masculino de decisdes que em muito lembra o Conselho dos Ancidos dos antigos Tupi da costa. Os Arawet que tém no guerreiro uma figura id 10, este sendo 1, retiraram-no do campo poli cocupado pelos xamis, afins dos “deuses canibais” (Viveiros de Castro 1986). 34 os Achuar, povo de lingua jivaro, mantiveram seus chefes de guerra — juunt -, figuras de excegdo que se constituem como tais a partir da experiéncia homicida e da troca de almas arutan (Descola 1993, 2003; Taylor 2003). No Alto Xingu, onde as guerras cederam lugar — ha muito tempo -para um sistema regional de troca e ritual, nfo ha chefias de guerra, mas sim grandes homens que afirmam sua posigdo pela sua capacidade de objetivar relagdes, com homens ¢ espiritos, via produgio ¢ exibigdo de objetos rituais © oferecimento de grandes festas (Barcelos Neto 2004). Tudo 0 que temos aqui so outros modos de magnitude. Em todos os casos, a agéncia que deve ser apropriada reside alhures ~ nos inimigos, nos estrangeiros, nos espititos ete. — e deve ser obtida nessa comunicago, nesse transito por entre os diferentes pontos de vist. A figura do grande xama — ou “profeta” — também pode ser reencontrada nos dias de hoje; por exemplo, entre os Guarani, que persistem em seus movimentos migratérios, e entre os povos Caribe da Guiana Ocidental. Em ambos os casos, essas figuras costumam aglutinar fungdes cerimoniais ¢ politicas. De um lado, elas promovem ‘2 comunicayao entre os homens e os deuses via canto e danga, Impdem-se como lideres rituais, dando forma a cerimoniais propriamente xaménicos. Do outro lado, assumem a , contrastando lideranga pol jo raro com figuras que possuem maior transito pelo “mundo dos. branc — figuras que dominam os eédigos do mundo modemo; por ‘exemplo, a linguagem dos direitos, e também a do mercado de projetos que nao cessa de objetificar tanto a natureza quanto a cultura, Entre os Amuesha, povo aruak, como nos conta Fernando Santos Granero (1991, 2000), durante um longo periodo que sucedeu a revolta de Juan Santos Atahualpa ¢ culminou no “fechamento” de uma parte da selva peruana, espécies de sacerdotes, xamas verticais (cornesha), tornaram-se influentes Iideres politicos, reunindo ao seu redor um grande nimero de eguidores e cristalizando uma espécie de territério sagrado que tinha como referéncia (“centros”) templos de pedra, Hoje em dia, ndo hd mais ali a| Artigos eta de Antropol Soci dos Anos do PPGAS-USCa vl mp 1645, 209 sacerdotes propriamente ditos, tampouco templos; no entanto, 0 tetmo cornesha, até entio usado para se referir a eles, passou a designar os chefes representantes do Congresso Amuesha. E esses “novos” atores, vale ressaltar, sto, na maior parte das vvezes, membros das “linhagens” dos antigos sacerdotes. Como vemos, algo como um. “sacerdotismo modemo” emerge ali — 0 conteiido religioso sendo traduzido para um ‘campo propriamente politico. Ao lado de “sacerdotismos modernos” dess tipo, poderiam ser vislumbrados também “profetismos modernos” ~ para usar a expresso de Dominique Gallois (1989) com referéncia aos discursos dos chefes wajapi (tupi-guarani) sobre os efeitos nefastos da extragdo de ouro em suas terras. Na atualidade, liderangas wajapi ¢ xamas yanomami desenvolvem, no processo de interlocugo com a sociedade nacional, “falas profiticas”, ‘mangjando temas como a “queda do céu” e 0 “apodrecimento da terra” para impor suas reivindicagdes e mesmo intimidar os brancos. Bruce Albert (2000, 2001), em artigos recentes, referiuss e & necessidade de pensar, no nario indigena contempordnco, “ctnopolitica” capaz de reunir fendmenos que vio desde 0 boom do associativismo dios © & sua (apropriagdo de formas de organizagdo politica dos brancos pelos ‘maneira) até interpretagdes xamanicas veiculadas em discursos sobre 0 problema do meio ambiente Esses iltimos exemplos contemporineos que tratam da interlocugo entre indigenas ¢ brancos, num contexto em que os indigenas passam a se apropriar fortemente das formas politicas exégenas, tém recebido atengdo de diversos antropdlogos e devem ser comparados com os exemplos histéricos, como o dos antigos Tupi da costa, aqui examinados. Eventos histéricos e contemporaneos comunicam-se de maneira notavel, jd que nao deixam de colocar em cena relagdes e processos bastante semelhantes. jim como hoje, vislumbramos sistemas indigenas em transformagao, e toda transformagao implica, como salientou Sahlins (1990), riscos, Riscos, por exemplo, de ver a ago politica indigena sucumbir a formas modemas, a uma politica burocratizada © despersonificada, que culminaria na estabilizagdo de alguns centros (focos de poder) e numa hierarquia ndo-reversiva de papéis. Sucumbir a ‘uma politica, enfim, purificada— para usar de novo um termo de Bruno Latour (1994) -, afastada de dimensdes cosmolégicas fundamentais. Uma politica, enfim, que esconde a sua cosmopolitica, | Artigos eta de Antropol Soci dos Anos do PPGAS-USCa vl mp 1645, 209 A minha aposta — aposta, alias, de boa parte dos etnélogos contempordneos — & que a despeito desses riscos nfo deixam de operar af mdquinas de reversibilidade capazes de contomné-los, capazes de submeter as formas cada vez mais modernizantes as forgas, mecanismos indigenas. Nao podemos, decerto, nos cegar para os riscos, mas também nao podemos nos furtar a riqueza de um pensamento e das possibilidades de agenciamento que jamais deixario de nos surpreender, ou melhor, de nos ensinar, de fazer com que reencontremos, até mesmo em nés, as coisas que julgamos um dia ter perdido. Renato Sztutman Professor do Departamento de Antropologia da Universidade de Sao Paulo Professor colaborador do PPGAS da Universidade Federal de Sao Carlos Pesquisador do Niicleo de Histiria Indigena e do Indigenismo ~ NHIVUSP renato@gmail.cor Abstract: This article focus on the relationship, among the ancient Tupi of the Brazilian coast, between prophetic movements and the political domain. In so doing, it returns to some classic discussions that play an important part in anthropology’ history, as those which wore carried by Pierre and Héléne Clastres; the first one hardly engaged on the foundation of a political anthropology. Comparing data of past societies with recent cethnographies of contemporary indigenous peoples, this article proposes a reflection on Amerindian political agency, stressing the ways people and groups, leaders and sociopolitical units, can be made (and thus be extended), as well as regarding the mechanisms that offer resistance to the stabilization of these people and groups, which ‘could result in a fixed asymmetry. Keywords: Amerindians, political agency, caraibas, morubixabas, prophetism, war Referéneias bibliogrificas D'ABBEVILLE, Claude. Histéria da missito dos Padres Capuchinhos na Itha do Maranhao ¢ terras circunvizinhas. Sio Paulo, Editora da Universidade de Sio Paulo’ Livraria Itatiaia, [1614] 1975, ALBERT, Bruce. Temps du sang, temps des cendres: répresemtation de la maladie, systéme rituel et espace politique chez les Yanomami du sud-est (Amazonie brésilienne). Tese de doutorado. Paris, Laboratoire d'ethnologie et de sociologie comparative, mimeo. 1985. “O ouro canibal ¢ a queda do céu: uma eritica xamanica da economia politica da natureza”, In: Albert, B. & Ramos, A. (orgs.). Pacificando 0 branco: cosmologias do contato no norte-amazénico, So Paulo, Ed. Unesp. 2000, 3| Artigos eta de Antropol Soci dos Anos do PPGAS-USCa vl mp 1645, 209 “AssociagBes indigenas e desenvolvimento sustentével na Amazinia Titi”. Jn: Ricardo, C. A. (ed). Poves indigenas no Brasil: 1996-2000. S80 Paulo, ISA. 2001 ANCHETA, Pe. José de. Cartas, informacdes,fragmentas historicos e sermies (1554+ 1594), Rio de Janeiro, Cvilizag brasileira, 1933 BARBOSA, Gustavo B. A socialidade contra o Estado: a antropologia de Pierre Clastres, Dissetagdo de Mestrado, Rio de Janeiro, Museu. Nacional/'UPRI 2002, BARCELOS NETO, Aristteles. 4 arte dos sonhos: uma iconografia amerindia Lisboa, Museu Nacional de Etnologia’ Assrio Alvim. 2003. “dpapaatai: iuais de miscaras no Allo Xingu. Tese de doutorado. Sto USP. 2008, "O chefe e 0 jaguar: nolas etuogréfias sobre a costmopolitica no Allo Ting”. Ms, 2005, “Choses{inisibles et (impérissables: temporaltés et matéialié des Gbjas rtuels dans les Andes et en Amazonie. In: Gradhiva (8). 2008 CARNEIRO DA CUNHA, Manuela & VIVEIROS DE CASTRO, Eduardo. 1985 ‘Vinganga ¢ temporaigade: os Tupinamba", fn> Jounal de la Société des Américanistes (LXXI). CHAUMEIL, Jean-Pierre. “Chamanismes & géométtic variable en Amazonie”. In Diogine (158). 1992. CLASTRES, Héléne. La Terre sans Mal le prophétisme tapi. Pais, oul, 1975. CLASTRES, Pier. A sociedade contra 0 Estado. Sto Paulo, Cosae Naify. [1974 2008 A fala sagrada, Cantos sagrados dos indios Guarani. Campinas, Papin T1974] 1990 ‘Anqueologia da violencia: pesquisas de antropolagia politica, Sto Paulo, Cosae Naity [1980] 2004, COMBES, Isabelle. La tragédie cannibale chez les anciens Tup-Guarani. Pati, PUR, 1992, DELEUZE, Gilles & Guattari, Félix. Mille plateaus. Pais, Les Editions de Minuit 1980, DESCOLA, Philippe. “La cheffeie amérindienne dans I’anthropologie politique”. Jn Revue Francaise de Science Politique (38). 1988. “Societies of nature and the nature of society”. Jn: KUPER, Adam (ed.). Corceptualizing society. Lonres, Routledge. 1992 Les lances du erépuscule: relations jivaros, Haute-Amazonie, Pais, lon Paul s afinidades seletivas : alianga, guerra e predagio no complexo jivaro™. Th: Sexta-Feira (7) [Guerra]. Sao Paulo, Fé. 34. 2003 Par deli nature et culture. Pais: Gallimard. 2005, (COTA, Piere & LORY, Jean-Luc. “Les guerriers de Minvisible: sociologie comparative de 'agression chamanigue en Papouasie Nouvelle Guinée (Baruya) et en Haute-Amazonie (Achuar)”. In: L ‘ethnographic (87-88). 1982. DETIENNE, Marcel. Comparer 'incomparable, Paris, Seuil. 2000, D'EVREUX, Yves. Voyage au Nord du Brésil fait en 1613 et 1614. Paris, Payot. Orgenizagio ¢ notas de Hélene Clastres, [1616] 1985. FAUSTO, Carlos. “Fragmentos de historia e cultura tupinambé: da etnologia como instrumento eritico de conhecimento etno-histérieo”, In: CARNEIRO DA CUNHA, Manuela (org.). Histéria das indios no Brasil. SP: Companhia das Letras. 1992, Inimigos figis: histéria, guerra e xamanismo na Amazénia, SP: Edusp. 2001 “Masks, trophies and spirits: making invisible relations visible”. Ms. 2003. a| Artigos eta de Antropol Soci dos Anos do PPGAS-USCa vl mp 1645, 209 FERNANDES, Florestan. A organizagdo social dos Tupinambé. Sto Paulo, Huctee [1948]1989, A fungao social da guerra na sociedade Tupinambé. Sto Paulo, Edusp. [1952] 1970, GALLOIS, Dominique . “O discurso wajapi sobre o ouro: um profetismo modem”. In: Revista de Antropologia (30/31/32). 1989 GODELIER, Maurice. La production des grands hommes: pouvoir et domination ‘masculine chez le Baruya de Nowvelle-Guinee. Pats, Flammarion. 1982 “An unfinished attempt at reconstructing the social processes which may Have prompted the transformation of great-men societies into. big-men societies”. In: Godelier, M. & Strathern, M. (eds). Big men and Great men personifications of power in Melanesia, Cambridge, Cambridge University Press, 1991 :CKENBERGER, Michael, The Ecology of Power: Culture, Place, and Personhood Inthe Southern Amazon, A.D. 1000-2000. New York: Routledge. 2005. HUGH-JONES, Stephen, “Shamans, profets, priests, and pastors". In: ‘Thomas, Nicholes & Humphrey, Caroline (eds.). Shamanism, history & the state. Michigan, University of Michigan Press. 1996. KRACKE;, Waud, Force and persuasion: leadership in an Amazonian society. Chicago, The University of Chicago Press. 1978 LADEIRA, Maria Inés, Espago geogrifico Guarani Mbyé: significado, consttuigdo e uso, Tese de doutorado em Geografia Humans, Sao Paulo, USP. 2001 LATOUR, Bruno. Jamais fomos modernos. Sio Paulo, Ed, 34. 1994, “Which cosmos for which cosmopolities? Comments on Ulrich Beck's Peace proposal”. Paper for common knowledge special issue of War and Peace Ms. 2004 Reassembling the Social: an Introduction to Actor-Network-Theory Author. ‘Oxford: Clarendon Press, 2005, LERY, Jean de. Histoire d'un voyage faict en la terre du Bresil. Texte abl, présente et annoté par Frank Lesiringant, Paris, Livre de Poche, [1578] 1994 LEVI-STRAUSS, Claude, O pensamento selvagem, Papitus, Campinas, (1962] 1989. Histria de lince. So Paulo, Companhia das Letras, (19911983, TIMA, Tinia. “O dois e seu milkiplo: reflexdes sobre o perspectivismo em uma cosmologia tupi. fn: Mana (2/2). 1996. “Para uma teoria eInogrifica da distinyo natura e cultura na cosmologia Turan”. in: RBCS (14). 199. Um peise olhou para mim: os Yadid e a perspectiva, Sto Paulo: Bd. éa ThespiISA/NuT. 2005, LIMA, Tania & Goldman, Marcio, “Piere Clastes, eindlogo da América”, In: Sexta- Feira(6) [Utopia]. So Paulo, Ed. 34. 2001 MENGET, Patrick. “Les froniéres de la chefferc: remargues sur le systéme politique dw haut Xingu (Brési)", In: L‘homme (1268). 1993 “De Fusage des trophies en Amérique du Sud ~ esqusse d’une comparaton ire les pratiques nivacle (Paraguay) et munduruk (Brésil)”. In: Systemes de spensée en Afrique noire (14) (Destins de meurrieurs]. 1996, METRAUX, Alfred. Migrations historiques des TupisGuarani. Paris, Librati Oriente et Amérieaine. 1927 A religito dos Tupinambis ¢ suas relagdes com as demas tribos Tupi- Guarani. Sao Paulo, Companhia Editora Nacional, Editora da Universidade de Sto Paulo, (1928]1979 “L’anthropophagie rituelle des Tupinamba. In: Religions et magies Tndiennes d'Amérique du Sud, Paris, Gallimard, 1967, NOBREGA, Pe. Manuel. Cartas do Brasil e mais escritos.Inrodusio e nota histricas « erticas de Serafim Leite, Coimbra, Universidade de Coimbra, 1955, | Artigos eta de Antropol Soci dos Anos do PPGAS-USCa vl mp 1645, 209 OVERING, Joanna. The Piaroa: a people of the Orenoco basin. Oxford, Claredon Press, 1975. PERRONE-MOISES, Beatriz. Relagdes preciosas: franceses e amerindios no século XVII. Tese de doutorado, $a0 Paulo, USP. 1996, PISSOLATO, Elizabeth. A duragdo da pessoa: mobilidade, parentesco ¢ xamanismo ‘mbyd (guarani). So Paulo: Ed. da Unesp/ISA/NuTI. 2007. SANTOS GRANERO, Fernando. “Power, Meology and the Ritual of Production in Lowland South America”. In; Man (21/4), 1986, The power of love: the moral use of knowledge amongst the Amuesha of Central Peru, Londres, The Athlone Press. 1991 “The Sisyphus syndrome, or the struggle for conviviality in native “Amazonia”. Jn: Overing, Joanna & Passes, Allan (eds.), Anthropology of love and anger: the aesthetics of conviviality in native Amazonia, London, Routledge, 2000. ‘SAHLINS, Marshall. las de histdria, Rio de Janeiro, Jorge Zahar Editor. [1985] 1990. STADEN, Hans. Hans Staden. Rio de Janciro, Dantes. [1557] 1998. STRATHERN, Marilyn. The gender of the gift: problems with women and problems with society in Melanesia. Berkeley: University of California Press. 1988. me man and many men’, In: Godelier, M. & Strathern, M. (eds,). Bigg men ‘and Great men: personifications of power in Melanesia. Cambridge, Cambridge University Press, 1991 SZTUTMAN, Renato. O profeta e 0 principal: a ago politica amerindia e seus ersonagens. Tese de doutorado, Sao Paulo: FELCH/USP. 2005. TAYLOR, Anne-Christine, “Les masques de la mémoire: essai sur la fonction des peintures corporelles jivaro”. In: L homme (165). 2003, , André. Les singularités de la France Antartique. Pacis, Bditions Chandeigne. [1557] 1997, Les Francais en Amérique pendant la deuxiéme moitié du XVIe siécle : Le Brésil et les brésiliens. Paris, PUF. [1575] 1953. VIVEIROS DE CASTRO, Eduardo, Individuo ¢ sociedade no Alto Xingu: os Yawalapti. Dissertagdo de mestrado, Rio de Janeiro, Museu Nacional/UFRJ. 1977. Araweté: os deuses canibais, Rio de Janeiro, Zahat/Anpocs. 1986. A inconstancia da alma selvagem e outros ensaios de antropologia. Sto Paulo, Cosac Naify. 2002, “Xamanismo transversal: Lévi-Strauss ¢ a cosmopolitica amez6nica”. br Queiroz, R. de C. & Nobre, R. F. (orgs.). Lévi-Strauss: leituras brasileiras, Belo Horizonte: Editora UFMG. 2008, WAGNER, Roy. “The fractal person”, Jn: Godelier, M. & Strathern, M. (eds. Big men and Great men: personifications of power in Melanesia. Cambridge, Cambridge University Press. 1991 THEVE Recebido em 19/01/2009 Aceito para publicagdo em 30/03/2009 a| Artigos

You might also like