You are on page 1of 24
FoRMACAO DE PROFESSORES QUE ENSINAM MatTEMATICA: UM BALANGO DE 25 ANOS DA PESQUISA BRASILEIRA Resumo Este artigo apresenta um balango da pesquisa brasileira em 112 teses e dissertagbes produzidas no periodo 1978-2002, cujo objeto de estudo é 4 formacéo ou 0 desenvolvimento profissional do professor. Distribuindo os trabalhos em trés focos teméticos — formacdo inicial, formacao continuada @ outros, 0 texto descreve e analisa esta produgio detalhando-a em vérios subfocos. Produz ainda um balanco sintese das dissertacdes e teses, no qual aponta uma mudanca paradigmatica de concepges ¢ métodos associados & tematica a partir da década de 90, e indica temas e perspectivas aos quais fazem falta investimento e aprofundamento da investigagio. Epucacdo em Revista, Belo Horizonte, n. 36, dez. 2002 Dario Fiorentini Adair Mendes Nacarato Ana Cristina Ferreira Celi Spasandin Lopes ‘Maria Teresa M. Freitas Rosana G. S. Miskulin * ABSTRACT This article intends to discuss the Brazil research professional development in 112 theses and dissertations produced in the period between 1978 and 2002. It describes, analyzes and synthesizes this production, pointing to a change in the conceptions and methods associated to that theme since the 90s, also suggesting deeper investigations about relevant issues, rn about teachers’ + Os autores pentencem, respectivamente, 2s seguinies instituigdes: FE / Unicarsp; Univ. Sao Francisco; FE / Unicamp; FE / Unicamp; UU F./ Un Unica. Dossié: A pesquisa em Educacdo Matematica no Brasil IntropUGAO. Neste artigo buscamos fazer um balango da pesquisa brasileira sobre formagio de professores que ensinam Matemiatica, dando, assim, continuidade ao estudo iniciado anteriormente pelo Grupo de Estudo e Pesquisa sobre Formagio de Professores de Matematica (GEPFPM) do PRAPEM-Cempem da FE/ Unicamp (Ferreira et al, 2000)'. Usamos, neste texto, a denominacio professores que ensinam matemdiica para contemplar o professor da Educagio Infantil ¢ das séries iniciais do Ensino Fundamental que, embora nio se autodenomine professor de matemitica, também ensina matemitica, requerendo para isso uma formagao. Para realizar o balango, levamos em consideragao as dissertagdes € teses defendidas até fevereiro de 2002 nos programas de P6s-Graduagao em Educagio Matematica ou Educagao. As principais fontes de referéncia foram: a tese de doutorado de Fiorentini (1994); o Banco de Teses EduMat do Cempem?; 0 CD-ROM da ANPED; 0 Banco de Teses dla CAPES; e as informagdes obtidas junto a0s programas de Pés-Graduagio do Brisil. Cada trabalho levantado foi fichado, procurando extrais, além de informagées gerais (autor, titulo, instituigao, ano de defesa, orientador ¢ titulo académico obtide), outras mais especificas e pertinentes aos objetivos deste estudo, tais como: foco tematico; problema ou questo de investigagao; objetivos; procedimentos metodolégicos de pesquisa; e principais resultados. A primeira tentativa foi obter essas informages a partir dos resumos dos trabalhos. Mas, ao perceber que muitos deles nao apresentavam claramente os dacos que queriamos, procuramos, sempre que possivel, consultar a integra dos trabalhos, Cabe esclarecer, entretanto, que isso s6 foi possivel com pouco mais da metade dos estudos. De posse de informagées mais detalhadas dos trabalhos, decicimos selecionar, para este balanco, somente aqueles que tinham como objeto de estudo a formagéio ou 0 desenvolvimento profissional do professor. Foram excluidos dessa relagio, portanto, estudos que Procuram investigar a pratica docenteou aspectos relatives a0 comportamentoe ao pensamento do professor (atitudes, habilidades, competéncias, crengas, > Realizaram este estudlo inicial os sequintes membros dks (GEPFPM clo PRAPEM-Cermpem (Ps Matematica Cireulo de Esudo, Meméria ¢ Pesguis em. Fducacio Matemitica }: Ana Cristina Pen A Espasandin Lopes, Dario Hiosentini, Diane Jaramillo, Gillen F. Alves de Melo, Valéria de Carvalho, Vania M. Santos Wagner. PeekaysSgtica em ? Veja Banco de Teses EduMat ao site: htpi// ‘worwrcempem fnesinicampr Epucacdo em Revista, Belo Horizonte, n. 36, dez. 2002 concepgées, saberes, representacdes sociais, ...) sem relacioné-los explicitamente com o processo de formagao ou desenvolvimento profissional. Feita essa delimitagao, obtivemos um conjunto de 112 estudos, os quais foram distribuidos em focos e subfocos temiticos. Dada a limitacao de paginas destinadas para este balango, optamos por realizé-loa partir clesses focos, os quais foram obtidos mediante uma anilise prévia que relacionou objetivos, metodologia ¢ resultados de cada estudo. QUADRO GERAL DA PRODUGAG ACADEMICA SOBRE FORMACAO DE PROFESSORES QUE ENSINAM, MATEMATICA A tabela 1, na pagina seguinte, apresenta a distribuicdo dos 112 estudos académicos sobre formagéo de professores que ensinam Matematica, relacionando, de um lado, a inst que foram produzidos ¢, de outro, o periodo em que foram defendidos. igioem Podemos observar que a média da produgao académica vem crescendo significativamente nos tiltimos anos. De 7 estudos na década de 70, passamos a. 22 na década de 80 € saltamos para 62 trabalhos na década de 90. Cabe destacar, nesse sentido, que a metade dessa produgio (61 trabalhos) foi realizada Epucacdo em Revista, Belo Horizonte, n. 36, dez. 2002 somente nos tiltimos cinco anos, tendo atingido, a partir de 2000, uma média préxima a 20 estudos anuais, Embora esse incremento tenha relagio com o aumento do némero de programas de pés- graduagdo que contemplam a Educagio Mateméatica, parece também refletir uma tendéncia mundial que reconhece o professor como elemento fundamental nos processos de mudanga educacional e curticular, o qual, em face das novas e mutantes demandas sociais do munclo globalizado, necessita, permanentemente, atualizar-se. Os primeiros estudos tiveram inicio em 1978 e a maioria deles — os 12 primeiros da Unicamp — foram produzidos no programa temporario de Mestrado em Ensino de Ciéncias e Matemitica realizado em convénio com 0 MEC-PREMEM-OEA‘, que vigorou de 1975 a 1984. Esses estudos pioneiros relatam e analisam experiéncias e inovagdes na formaciio de professores, tanto inicial (5 estudos), quanto continuada (7), predominando os cursos de treinamento de professores. Quanto a categoria académica dos estudos, hé uma concentrago na categoria dissertagdo de mestrado, com 77,7%. > A sight MEC/PREMEM e a OEA sigaitica Ministéria da Fducagio Cultury Programa de Expaessio e Melhuia do Ensino e a Onzinizagao dos Estados Ameticunos. Dossié: A pesquisa em Educacao Matematica no Brasil ‘A pesquisa em Educacao Matematica no Brasil Dossié: ‘TaBEtA 1: Distribuigao dos estudos, por institui¢ao, a0 longo do periocto cle 1978.a 2002 78. j81- nstieuigae | 39 | 93 84.|87- 86 | 89 Unicamp | 4 | 7 L P Unesp = RC USP PUC — RS UFSCar uFPr 1 UFMG UFPE urrGs | 1 USU FURB ~ SC PUC ~ Pr PUG ~ SP UFBa | 2 ‘UFRJ UNIMEP PUG — CAMP] U, Georgia Usa ‘UArdiana USA, UER) 1 UFC UFG ‘UFSC UFU UNESP — MA] UNIJUI vor [7/9 M0... eee eee + Epucacdo em Revista, Belo Horizonte, n. 36, dez. 2002 A categoria tese de doutorado apresenta 21,4% ¢ ha apenas wma tese de livre docéncia (Moura, 2000). A Unicamp destaca-se com maior nimero de teses de doutorado defendidas (11), vindo, a seguir, USP (3), UNESP-RC e PUC-RS. {ambas com duas). Além das instituigdes fnacionais, encontramos pelo menos cluas teses de doutorado de pesquisadores brasileitos — Santos (1993) e Poletini (1995) — produzidas no exterior (USA). BREVE DESCRICAO DOS ESTUDOS A PARTIR DE SEUS FOCOS TEMATICOS Para fazer 0 balango da pesquisa rasileira sobre formaco de professores que ensinam Matematica eptamos, como ja dissemos na introducao, por organizar as Pesquisas em focos temiticos. Cada foco procura expressar o objetivo maior da pesquisa, ou seja, dentro da formagao de professores, qual o recotte privilegiaclo pelo Pesquisador, Emergiram desse processo dois grandes focos e onze subfocos. Os dois grandes focos contemplam uma classificagao ainda tradicional, distinguindo 0 processo de formacio e desenvolvimento profissional do professor em formacao inicial (59 estudos) e formag4o continuada (51 estudos). Trés trabalhos, por no se encaixarem em nenhum desses focos, foram agrupados sob a denominacio “outros”. EnucacAo em Revista, Belo Horizonte, n. 36, dez. 2002 Como podemos observar pela Tabela 2, aproximadamente um tergo dos estudos — 34,8% dos trabalhos —- estucla, analisa ¢ avalia programas e propostas de formagio ou inicial (24) ou continuada (15) de professores. E notivel, nos ltimos anos, a emergéncia ¢ crescimento de pesquisas que tém como objeto de investigaco: os grupos e prdticas colaborativas (14); a iniciagaio e evolugio profissional do professor (13); ¢ os formadores de professores (4), A seguir, tomando como ponto de partida cada um dos focos € subfocos, descrevemos analiticamente 2 produgio acacémica brasileira relativa a formagio. do professor que ensina Matematica. Esrunos SOBRE A FORMAGAO INICIAL Este foco subdivide-se em seis subfocos ¢ contempla quatro moxlaliclades de formagio inicial: antigo Magistétio 2° Grau; Pedagogia; Licenciatura Curta em Ciéncias; Licenciatura Plena em Matemitica, Esrupo DE PROGRAMAS E Cursos Dos wabalhos relacionados neste subfoco, 50% foram produzidos recentemente, a partir do ano de 1998. Entretanto, esse tema vem atraindo a Dossié: A pesquisa em Educacdo Matematica no Brasil 141 Dossié: A pesquisa em Educacéo Matematica no Brasil Taweta 2: Distribuigdo dos 112 estudos em focos tematicos Foco | SuBroco N AUTORES Amnijo, A. P. (1979); Melo (1982), Oliveira (1983); Souza (4984); Araijo, AP. (1990); Gongalves (1991); Goncalves (1992); Zaidan (1993); Passos (1995)*; Tancredi (1995); eee 24 | tanus (1995); Faria (1996); Camargo (1998), Carneiro Pe cursos (1999); Costa (1999); Pinotti (1999); Viel (1999); Bezema (2000); Curi (2000); Krahe (2000); Negrelli (2000); Freisas g (2001); Martins,R(2001), Tomelin (2001). © Pritica de Ensino Taglieber (1978); Aratijo, M.A.(1979}; Ferreira (1980); g e Estigio 12. | Tavares (1982); Cerqueita (1988); Lourengo (1989): Brasil $ Supervisionado (1998); Cunha (1999), Poblenz (1999); Freitas, MT. € (2000); Gavanski (2000); Gastro (2002). 8 Estuclo de outms | | Letelier (1979); Santos (1993); Darsie (1998); Koga (1998), = disciptinas Bonete (2000); Reis (2001) E Atividades extra- 5 Silva (1982); Azevedo (1998), Barbosa (2001); Miller, io cusriculares (2001); Simiae, (2001). Formagio, pensamento ¢ 4 Gamica (1995); Gongalves, 1.(2000); Brasil (2001); Silva, pritica de M. (2001). rmadores ‘Gutras questdes Bergamo (1990), Abdelnur (1994); Taboas (1993%; Cyrino especificas de 8 (1997), Miotto (1997); Gomes (1999); Ribeiro, F. (1999); formagio docente Silva, M.D. (1999). Modelos, Santos (1979); Noronha (1980); Gannam (1981); Alcure programas, (1982); Lima (1982); Vila (1982); Pontes (1986); Cocenza propostas ¢ 15 | (1990); Damico (1997); Freitas, F. (1997); Zacaron projetos (1997); Carvalho (1999); Freitas, A.(2000); Goncalves, A T.V.0.(2000); Lopez (2000). a 5 Gunes de | 5 | Guimaries (1992), Morgado (1997); Silva, M. (1998); 3 especial aga Faria (2001); Ferreica (2001); Krager (2001). S$ | Investiga a propria | 3, | Floriant (1989); Gazeta (1989); Floriani (1997). Z__[prttica de fonmader 2 Moura (1983); Moura (1984); Borges(1988); Silva, § [Grupos ow praticas 14 | MG997% Aratjo (1998); Caldeira (1998); Chaves (2000); ° ‘colaborativas Estephan (2000); Itacarambi (2000); Nacarato (2000); 1s Souza Jr (2000); Cancian(2001); Silva, A.L. (20013; Guérios 2 (2002). 5 loickyao © Klusener (1988); Passos (1995)"; Polettini (1995); Costa, a elie 13, | ¥-1996), Melo, 6.1998); Cusati (1999); Sousa, MC Shesional do (19993, Eekhare (2000), Moura (2000); Dias (2001); Gana PO no (2001); Martins (2001); Zaidan (2001), professor Outros (3) 3 | Lamparelli (1984); Passos (2000); Coréa (2001), Eoucacho &m Revista, Belo Horizonte, n. 36, dez, 2002 atengao dos pesquisadores desde a década de 70, quando Aratijo (1979) analisou estatisticamente a percepgio dos egressos sobre 0 curso ce Licenciatura Plena em Matematica da UFRN. Dentre as 24 pesquisas relacionadas neste subfoco, apenas 4 investigaram a formacao de professores das séries iniciais do Ensino Fundamental, sendo todas relativas ao antigo curso de Magistério 2° grau. Dois desses estudos constataram, em relacio aos egressos desses cursos, falta de competéncia no dominio dos conceitos mateméaticos necessdrios 4 pritica profissional (Souza, 1984) e uma concepgio / abordagem utilitarista, mecanicista e mneménica de ensino de matematica (Gongalves, 1991). Os estuclos de Passos (1995) e Bezerra (2000), entretanto, destacaram aspectos televantes e contributivos da experiéncia paulista com os CEFAMs* para a formag’io do professor clas séries iniciais do Ensino Fundamental. ‘A maioria das pesquisas, até o final dos anos 80, utilizava questiondrios para levantamento de dados e andlises deseritivas / exploratorias que evidenciavam deficiéncias e insatisfacées em relagao ao curso de licenciatura. A partir dos anos 90, observamos um predominio da abordagem qualitativa e a incluso de outros recursos para obtengao de informagao, além cle questionrios, Epucacéo em Revista, Belo Horizonte, n. 36, dez. 2002 entrevistas e andlise de documentos, que vinham tradicionalmente sendo utilizados. Aratijo (1990), por exemplo, valeu-se de observacao participante e discussio em eventos para investigar tanto as concepgdes dos professores e as articulagdes estabelecidas por eles quanto a relagio teoria / pritica na licenciatura ‘Outros estudos utilizavam questionirios abertos (Tancredi, 1995; Freitas, 2001) ou memérias reflexivas ¢ entrevistas coletivas (Camargo, 1998) para investigar como os licenciandos e/ou licenciados percebiam sua formacao profissional. Outros, ainda, buscavam triangular informagdes valendo-se de documentos, questiondtios / entrevistas com alunos € professores (Viel, 1999; Bezerra, 2000; Martins, 2001) € observagio em classe Cfanus, 1995), ou, ainda, historias de viela (Carneiro, 1999). A pesquisa cle Krahe (2000) se diferenciou das demais por desenvolver um estudo comparativo entre as reformas curriculares de formacio de professores de Matemitica em duas instituigdes: uma chilena ¢ outra brasileira. Os principais problemas da Licenciatura em Matematica, no geral, parecem ter mudado pouco nos tiltimos 25 anos, segundo essas pesquisas. De *CEEAM: Cantey Eapectico de Formagioe Apertekuamest clo Magistéso. Dossié: A pesquisa em Educacdo Matematica no Brasil Dossié: A pesquisa em Educacao Matematica no Brasil fato, tanto os estudos de Aratijo (1979, 1990) como os de Tancredi (1995), Camargo (1998), Freitas (2001) e ‘Tomelin (2001) constataram a existéncia: de dicotomias entre teoria e pritica ¢ entre disciplinas especificas e pedagégicas; de distanciamento entre o que os futuros professores aprendem na licenciatura e © que realmente necessitam na pritica escolar; de pouca articulacao entre as disciplinas e entre docentes do curso; de predominfincia de priticas de ensino e avaliagao tradicionais, sobretudo por parte dos professores da Area especifica; de auséncia de uma formagao histérica, filoséfica e epistemolégica do saber matematico; de menor prestigio da licenciatura em relagao ao bacharelado... ‘Apesar da predominancia dessa leitura negativista das Licenciaturas em Matematica, foi possivel encontrar, no final dos anos 90, alguns estudos de projetos e experiéncias, ainda que isolados, de mudanga do processo de formacao inicial do professor. Esse € 0 caso das pesquisas de Carneiro (1999) e Martins (2001), que mostraram que esses avangos acontecem quando ha um grupo significativo de docentes ligados 4 Educagio Matematica © realmente comprometidos com a formacao do professor. PRATICA DE ENSINO E EsTAGIo SUPERVISIONADO Neste subfoco estao relacionados 12 estudos, sendo que a metade deles concentra-se nos ultimos cinco anos, embora essa tematica venha recebendo a atencdo dos pesquisaclores desde a década de 70. Armaioria das pesquisas das décadas de 70 e 80 tinha como preocupagao propor e avaliar, com pré € pds-testes ou com questionarios e fichas, o desempenho clos estagirios em modelos alternativos de “Pratica de Ensino e Estagio Supervisionado”, os quais observavam: técnicas e habilidades de ensino (Taglieber, 1978; Tavares, 1982); emprego de métodos ativos (Ferreira, 1980); e aulas de reforco (Cerqueira, 1988). Cabe destacar que o mais antigo desses estudos ja reivindicava, em 1978, ampliagio do tempo de estigio e maior integracao entre as disciplinas pedagégicas e especificas. ‘Um tema recorrente, ao longo dos 25 anos, foi diagnosticar como acontece a “Pratica de Ensino e Estagio Supervisionado", sobretudo © papel que desempenha junto as licenciaturas (Araiijo, 1979; Lourenco, 1989; Brasil, 1998; Cunha, 1999). Mais recentemente, encontramos também estudos de experiéncias alternativas de Estagio. Esse Epucacdo em Revista, Belo Horizonte, n, 36, dez. 2002 € 0 caso de Pohlenz (1999) e Gavanski (2000), que envolveram os estagidrios em projetos de modelagem matemitica. ‘A constituigao e a re-significagao dos saberes docentes e escolares, durante a Pritica de Ensino ¢ 0 Estigio, tendo como eixo de formagio a pesquisa e/ou a teflexito sistemiitica sobre a pratica, foi tema de dois estudos recentes (Freitas, M. T., 2000; Castro, 2002). Metodolo- gicamente, esses estudos valeram-se de observag6es etnograficas, registros de campo, entrevistas ¢ relatérios para dlescrever e interpretar o processo de vir a ser professor. Enquanto Freitas, M.T. (2000) buscou articular ensino, pesquisa © extensio mediante didlogo entre estagiiirios e professores da escola e da universidade, Castro (2002) compés narrativas das histérias de forma¢ao dos licenciandos para analisar 0 processo de passagem de aluno a professor, evidenciando que esta se realiza sob tensio, mobilizando, problematizando e re-significando imagens, saberes ¢ modelos de agao docente internalizados ao longo da vida. Eoucacdo em Revista, Belo Horizonte, n. 36, dez. 2002 EsTUDO DE OUTRAS DISCIPLINAS Neste subfoco estao relacionados 6 estudos de disciplinascistimas da Pratica de Ensino e Estigio Supervisionado que investigaram a contribuigao de cursos regulares oferecidos na formagao inicial do professor da Educacao Basica. Cabe observar que metade das pesquisas tratou da formagao do professor que leciona Matematica nas séries iniciais e a outra metade da Licenciatura em Matematica. A maioria dessas pesquisas (4) se concentra nos tiltimes cinco anos, embora encontremos um estudo na década de 70 (Letelier, 1979) que, simiarmente aos trabalhos desenvolvidos em outras partes do mundo nessa década, utilizou uma metodologia quase-experimental, com pré e pds-teste, associada a anilise de atividades de planejamento, elaboracao e aplicagao de mini-projetos dé Matematica, As demais pesquisas utilizaram abordagens qualitativas, valendo-se de entrevistas, observacao, registros e documentos. Darsie (1998), por exemplo, estudou os didrios reflexivos produzidos por futuros professores em cluas disciplinas de *Metodologia da Matematica” do curso de Pedagogia. Koga (1998) investigou a importincia da disciplina de Calculo a partir de entrevistas ¢ anilise de documentos pedagdégicos e curriculares. Dossié: A pesquisa em Educacao Matematica no Brasil + 145 3 &é 2 £ = é g 3 S & 3 z E § g g 2 & Reis (2001), por sua vez, querendo investigar o papel do ensino de Calculo Anilise na formacao do professor, combinou um estudo histérico- epistemolégico dessas disciplinas com anfilise de entrevistas com professores pesquisadores e/ou autores dessa direa ¢, aincla, uma andlise de alguns manuais didéticos produzidos ou recomendados pelos entrevistados. Em relagao a natureza das investigagdes, cabe ainda destacar que, excetuando-se os casos de Koga e Reis, os demais estudos realizaram intervengdes no contexto investigado, tendo desenvolvido propostas inovadoras para as disciplinas ministradas. Os resultados desses estudos apontaram para a necessidade de: estruturar uma formagio especifica para olicenciando que seja distinta do bacharel (Koga, 1998); desenvolver a disciplina de Andlise — considerada relevante 2 formagio do professor cle Matematica — sob uma abordagem que rompa com sua tradigao técnico-formal e procedimental- tigorosa (Reis, 2001); realizar um trabalho adequado em dreas pouco desenvolvidas na formagiio inicial como, por exemplo, as geometrias nao euclidianas (Bonete, 2000); conhecer e considerar as crengas © concepgées do futuro professor, buscando ampliar e desenvolver sua consciéncia autonomia e sua metacognitiva (Santos, 1993); ou utilizar a teflexao sobre a propria aprendizagem (Darsie, 1998). ATIVIDADES EXTRACURRICULARES Encontramos um conjunto de pesquisas que se aproxima do subfoco anterior e buscou investigar a contribuigio de atividades extracurriculares ou experimentais na formagao do futuro. professor. Das 5 encontradas, apenas uma foi produzicla na década de 80 (Silva, 1982); as demais se concentram nos tiltimos cinco anos. investigagoes Percebemos claramente, entre as pesquisas, uma diferenca teérico- metodolégica ¢, talvez, paradigmatica. Enquanto Silva (1982) realizou um estuco experimental com tratamento estatistico, submetendo uma classe a aplicagiio de médulos instrucionais tendo uma outra como controle, as demais pesquisas optaram por uma abordagem qualitativa. Nestas Giltimas, encontramos andlises cle propostas de muctanga na formagio inicial a partir de atividades e experiéncias — algumas em forma de mini-curso — envolvendo resolugio de problemas (Azevedo, 1998); modelagem matemitica (Barlosa, 2001); utilizagio de softwares educativos (Simiao, 2001) ¢ projeto de pesquisa-acao em parceria escola-universidade (Miller, 2001). Epucacdo Em Revista, Belo Horizonte, n. 36, dez. 2002 E possivel perceber, nesses estudos, © interesse dos pesquisadores em desenvolver ¢/ou analisar experiéncias extmeurticulires inovadoras e ousadas que propor. uma formagio conceitual ou didético- metodolégica complementar aquela que vem sendo oferecida pelo curriculo atual nem, aos futuros professores, da Licenciatura em Matem: FORMAGAO, PENSAMENTO E PRATICA PROFISSIONAL DOS FORMADORES Também relacionado 3 formacio inicial, encontramos, recentemente, um novo conjunto de estudos preocupacos como problema da formagao e da pritica docente do professor formador de professores. Dos 4 estudos deste Conjunto, temos um (Silva, M., 2001) que investigou a influéncia da pritica peclagégica cle professores le Matemiitica ede Metoclologia da Matemyitica do antigo curso dle Magistério na maneira de ensinar Matematica dos formandos, tendo verificado, mediante observagées & entrevistas, que estes Ultimos tendem a reprocluzir os procedimentos dicliticos de seus formaclores. Os outros trés estudos tomam como objeto de investigagio o professor formador que atua nos cursos de Licenciatura em Matemdtica. Garnica (1995), 20 investigar, sob uma abordagem Epucacao em Revista, Belo Horizonte, n. 36,dez. 2002+ + - + + fenomenolégica, 0 significado da prova tigorosa para a formagio de professores, verificou que os formadores de professores apresentavam duas concep¢6es sobre seu papel: uma técnica (procecimental) ¢ outra critica (reflexiva), Brasil (2001), ao investigar as concepgdes © crengas dos professores que atuam na Licenciatura em Matematica, constatou que apresentavam, além de uma visio alguns desses docentes dicoté6mica entre bacharelado e licenciatura, concepgdes absolutistas cle Matematica e de seu ensino. Gongalves (2000), por sua vez, investigou, por meio de histéria de vida estudantil e profissional, o proceso de formacio e desenvolvimento profissional de 8 formadores dle professores de Matenitica. Verificou que a formagao tedrico- académica desses profissionais foi predominantemente técnico-formal, com énfase quase exclusiva na formacao matemitica. Quanto aos saberes relatives a como formar professores dle Matemética, constatou que estes foram adquiriclos a partir da pratica e, para alguns, a partir da. experi@ncia anterior como professores do. Ensino Fundamental e Médio. Os dois Gltimos estudos apontam para a necessidade de se construir, entre os formadores, uma nova cultura profissional mediada pelo trabalho coletivo, reflexivo ¢ investigativo. Dossié: A pesquisa em Educago Matematica no Brasil : A pesquisa em Educagao Matematica no Brasil COUTRAS QUESTOES ESPECIFICAS RELATIVAS A FORMACAO INICIAL Os 8 estudos aqui relacionados tratam de questéés especificas ou particulares da formacao inicial do professor da Educagao Basica que ensina Matemitica. Uma dessas questées refere-se as concepgées ideoldgicas e as relagées de poder ptesentes nos cursos de Licenciatura em Matemética (Bérgamo, 1990) ou clo antigo Magistério 2° grau (Abdelnur, 1994), buscando articular Matemética, pedagogia e relacdes sociais, Outra questiio abordada diz respeito a formagdao conceitual de topicos elementares da Matemitica para o futuro professor. Enquanto Téboas (1993) investigou e discutiu, a partir da propria experiéncia e da andlise de livros didaticos e de artigos, a importncia de um estudo bist6rico-cultural do mimero para 0 futuro professor, Miotto (1997), associando a abordagem qualitativa 3 quantitativa, buscou aprender, de alunos e professores do antigo curso de Magistério, suas representagées mentais € conceituais acerca do Sistema de Numeragio Decimal. ‘Os outzos aspectos investigados neste subfoco foram bastante variados. Cytino (1997), por exemplo, elaborou — a partir da andlise do material bibliogrdfico de referéncia relacionado a0 ensino de matemitica que era utilizado nos cursos CEFAMs — um prot6tipo de livro que contemplasse a instrumentalizagao e a formagio do professor. Ribeiro (1999), a partir de entrevistas com alunos ¢ professores, destacou a importincia de se definir 9 verdadeiro papel da licenciatura, interligando as disciplinas que compéem 0 curso, enfatizando a relagiio teoria-pritica e atribuindo & Universidade a responsabilidade de ser um espaco para a produgio de saberes e experiéncias significativas de aprendizagem. Gomes (1999) investigou, sob uma abordagem fenomenolégica, a forma como se realiza a leitura do texto matemdatico nas aulas do curso de licenciatura, tendo verificacdo que ha pouca leitura com compreensiio ¢ interpretagao. Silva (1999), por tiltimo, focalizou a visio dos alunos sobre 0 11s do computador nas disciptinas da Licenciatura em Matematica, ESTUDOS SOBRE A FORMACAO CONTINUADA Este foco subdivide-se em 5 subfocos e contempla estudos de propostas, projetos, cursos, trajetérias e experiéncias individuais ou coletivas que tém como preocupacao basica a atualizagio ou o desenvolvimento profissional dos professores. Eoucacdo em Revista, Belo Horizonte, n. 36, dez. 2002 EsTUDO DE MODELOS, PROGRAMAS, PROPOSTAS E PROJETOS DE FORMAGAO CONTINUADA Os 15 trabalhos relacionados neste subfoco podem ser categorizados, segundo seu objeto de investigacio, em quatro grupos. O primeiro deles & constituido de dois estudos do tipo diagnéstico que visavam subsidiar Propostas de formagio continuada. Esse é © caso de Santos (1979), que elaborou e validou um modelo de levantamento de dados para planejar cursos de treinamento, € de Cocenza (1990), que levantou e sistematizou dados sobre formagao pedagégica, pritica de sala de aula e visio dos problemas do ensino de professores das séries iniciais do Ensino Fundamental. © segundo grupo redine 7 trabalhos que focalizavam a elaboragdo, a aplicacdo e/ou avaliacao/ validagao de modelos e propostas de weinamento de professores. Todos esses estudos visavam. mudangas didatico-metodolégicas da prdtica docente ¢ tinham como ponto de partida uma proposta elaborada / desenvolvida pelo proprio formador, explorando videoteipes (Noronha, 1980), recursos audiovisuais ou materiais manipulativos (Gannam, 1981; Alcure, 1982; Pontes, 1986) e outros aspectos telativos 4 metodologia ativa como, por exemple, resalugao de problemas (Lima, 1982; Vila, 1982; Damico, 1997). Enucacao €m Revista, Belo Horizonte, n. 36, dez. 2002 Metodologicamente, alguns desses estucos utilizaram pré e pds-teste; outros limitaram-se a descrevé-los, valendo-se de algum tratamento estatistico. O Gnico desses estudos a realizar observacdes etnogrificas sob uma abordagem mais qualitativa foi Damico (1997). Os dois estudos do terceiro grupo desenvolveram trabalbos exploratorios e de intervengdo junto a professores, rompendo, assim, a tendéncia anterior de Propor, nos processos de formacao continuada, modelos didéticos previa- mente definidos. E 0 caso de Carvalho (1999), que buscou construir com os professores, sob a mediagio de mapas conceituais, um modo de desenvolver uma educagio critica para 0 consumo. utilizando videos veiculados pela midia; ede Freitas (1997), que desenvolveu um projeto com professoras das séries iniciais do Ensino Fundamental em relagio a Matematica a partir de conhecimentos ‘etnomatemiaticos do grupo cultural onde a escola estava inserida. No quarto grupo temos 4 pesquisas que analisam programas e propostas oficiais e/ou institucionais. Zacaron (1997) investigou a influéncia do Programa norte-americano PABAEE’ de teinamento de professores no ensino * PABAEE: Programa de Assisténelt Hrasilgire Americana 10 Ensino Flementa. Dossié: A pesquisa em Educagio Matemética no Brasil Dossié: A pesquisa em Educagéo Matematica no Brasi brasileiro de Matematica, sobretudo sua possivel correlagio com a visio cristalizaca da Matematica como ciéncia exata e neutra. Gongalves (2000) realizou uma pesquisa narrativa sobre a formagao inicial, e continuada de professores que participaram, por cerca de dez anos — desde a Licenciatura até 0 periodo da docéncia — do Clube de Ciéncias € Matemiitica do NPADC / UFPAS. Freitas, ‘A. (2000) analisou as diretrizes de politicas que subsidiaram a formagao de professores de Ciéncias e Matemitica no programa Pré-Ciéncia, buscando entender © padrao educativo e cultural brasileiro em suas distintas manifestacdes e potencrnli: Lopez !t-liu (2000) investigou as relagdes e tensdes ctnoculturais e politicas entre ‘as distintas formas de explicar e conhecer dle professores bolivianos no contexto de desenvolvimento da Politica de Edueagio Intercultural Bilingiie. Fazendo uma sintese da relacao Woo hoi‘, Finalmente, estabelecida entre o pesquisador / formador ¢ o professor da escola basica, nos programas e propostas de formagao. continuada, ao longo dos tiltimos 25 anos, € possivel perceber mudanga de uma concepgio de formagio continuada marcada pelo treinamento, reciclagem ou capacitacao dos professores, a partir de modelos idealizados pelo formador, baseados ou nao em uma teoria de aprendizagem (décadas de 70 e 80), para uma concepg¢io, a partir dos anos 90, cle estudos sobre influéncias e contribuigdes de programas oficiais e institucionais de formagao de desenvolvimento de projetos de continuada ou construgao conjunta de propostas e alternativas dle formagao continuada e de mudanga da pritica docente. CURSOS DE ATUALIZACAO OU ESPECIALIZAGAO Os 6 trabalhos relacionados neste subfoco foram todos produzidos a partir da década de 90 € piocuraram investigar a influéncia de cursos de atwalizagio (4 estudos) ou de especializacio (2 estudos) na pratica docente ou nas concepgoes dos professores. Os estudos referentes aos cursos cle atualizagio envolveram o uso de novas tecnologias. Dois deles utilizaram, em seus cursos, softwares educativos, sendo que um trabalhou com software educativo elaborado pelo proprio pesquisacor, com a finalidade de ensinar raciciagao (Guimaries, 1992), e 0 outro investigou ‘as mudangas de concepgdes € de pritica de trés professores que realizaram um curso com LOGO (Morgado, 1997). As duas outras pesquisas investigaram um. * NPADC/UTPA: Nucleo de Apoio a0 Desenvolvimento ientifico di Universichude Federal do Pari. Epucacdo em Revista, Belo Horizonte, n. 36, dez. 2002 curso cle educagao 2 clistaincia. Ferreira (2001) analisou as mudangas nas concepcées de professores sobre formulagio ¢ resoluciio de problemas, tendo verificado que tais mudangas sto bastante dificeis. Faria (2001) investigou as possibilidades pedagégicas de um curso a distncia na formagio continuada do professor de Matematica. Os cursos de especializacao estudados foram realizados sol) uma concepgao de formagio reflexiva. Um deles, no entanto, estruturou-se a partir de disciplinas e investigou a mudanga de discurso e postura dos professores participantes (Silva, 1998). O outro investi- gou a evolucao do conhecimento profissional ocorrida num curso que se estruturou a partir do estudo de problemas priticos profissionais dos professores (Kriiger, 2001). Neste, foram verificadas mudangas de concepgdes de Matemitica, de curriculo e de pritica de avalingao. Estubos SOBRE A PROPRIA EXPERIENCIA DO FORMADOR EM FORMACAQ CONTINUADA. Encontramos neste subfoco apenas trés trabalhos (Floriani, 1989; Gazzeta, 1989; Floriani, 1997), que se caracterizam por tomar como objeto de estudo a propria experiéncia profissional de Enucacka Em Revista, Belo Horizonte, n. 36, dez. 2002 formadores, a0 longo cle anos, a qual envolve uma gama dle cursos, programas, projetos e praticas variadas de formacio inicial e continuada de professores. Embora, sob 0 ponto de vista formativo, consideremos positiva a tentativa clesses autores de procurar sistematizar e refletir suas préprias experiéncias de formadores de professores, do ponto de vista te6rico- metodolégico, entretanto, os trabalhos no apresentam ainda uma linha investigativa consistente e claramente desenvolvida ou constituida. GRUPOS OU PRATICAS COLABORATIVAS Neste subfoco esta relacionadas 14 pesquisas que investigam 0 processo de formagao ou de desenvolvimento profissional do professor em grupos colaborativos ou em trabalhos de parceria pesquisador-professor(es). Dentre esses estudos, 6 declararam utilizar a metodologia da pesquisa-aciio, sendo que, em alguns deles, 0 pesquisador se posiciona como elemento do grupo e sua prittica também. se constitui objeto de anilise. A maioria dessas pesquisas foi produzida a partir do final dos anos 90, embora trés delas tenham siclo realizaclas na década de 80, quando ainda era hegeménico o paradigma da racionalidacle técnica, Esse € 0 caso do estuclo de Moura, Dossié: A pesquisa em Educacio Matematica no Brasil Dossié: A pesquisa em Educagdo Matemética no Brasil (1983), que, apesar de utilizar o termo treinamento em servico, descreve € analisa um trabalho de parceria entre pesquisador e professores de 5" série para elaboragao, aplicacio ¢ avaliagio de fichas de estudo. Os estudos seguintes (Moura, 1984; Borges, 1988) j4 sinalizavam a possibilidade de o professor, a partir de um trabalho de parceria entre pesquisacor ¢ professores, se tansformar de aplicador de materiais prontos a produtor de seu proprio material para sala de aula, constituindo-se em um profissional reflexivo sobre sua propria pratica. Essa possibilidade volta a ser também sinalizada nos estudos de Aratijo (1998) e de Nacarato (2000). Foram identificacas ués diferentes perspectivas de pesquisa e de desenvolvimento profissional nos estudos realizados. Alguns envolveram a parceria pesquisador-professortes), com produc coletiva de situagdes diditicas e aplicaglio em sala de aula (Moura, 1983; Moura, 1984; Borges, 1988; Aratijo, 1990; Caldeira, 1998; Nacarato, 2000; Silva, 2001); outros a produgao de materiais didaticos manipulativos (Estephan, 2000); ¢ outros, ainda, o uso do computador (Silva, 1997; Itacarambi, 2000; Cancian, 2001): ‘Tr€s pesquisas desse subfoco referem- se. andlise da constiuigao e/ou trajetéria de grupos colaborativos: Souza Jr. (2000) estudou a tajetéria de um grupo de professores de Calculo do Ensino Superior; Chaves (2000) analisou a constituigao de um grupo de pesquisa- agdo em Educagao Matematica na UFVicosa e Guérios (2002) investigou os espagos oficias e intersticiais de formacaio ¢ desenvolvimento profissional que aconteceram a partir das ages coletivas e colaborativas do Laboiatério de Ensino da UFPR. Outro fato a ser ressaltaclo é o nivel de ensino 20 qual se relacionam tais pesquisas. A maioria delas refere-se aos niveis fundamental e médio; apenas uma se refere 4 Educagio Infantil (Aratijo, 1998) e outra ao Ensino Superior (Souza. Jr, 2000). As principais transformacdes percebidas pelos estudos foram: os professores tornaram-se mais reflexivos em suas préticas; buscaram melhores condigées profissionais; tornaram-se produtores de seus préprios materiais, geraram novas priticas ¢ promoveram mudangas de concepgio de Matematica. HA fortes indicios de que o trabalho colaborativo é fundamental para o desenvolvimento profissional dos professores. EDUucAco em Revista, Belo Horizonte, n. 36, dez. 2002 INICIAGAO E EVOLUGAO PROFISSIONAL DO PROFESSOR A partir de 1995, um novo foco comega a se fazer presente nas pesquisas sobre formagio continuada de professores: o processo de se constituir professor a partir da pratica docente. No entanto, vale destacar que o trabalho de Klusener (1988) foi pioneiro nesse sentido, pois, embora essa categoria ainda néio emergisse nas pesquisas, a autora ja focalizava as reflexes de professores sobre a prépria pratica, estudando o processo de conscientizagiio ocorrido. Analisando as 13 pesquisas relacionadas neste subfoce, podemos observar que o olhar do pesquisador sobre ‘© processo de constituigao do professor a partir da pratica profissional se centrou em quatro aspectos: +a passagem de aluno a professor, apontando as mudangas de concepsdes atitudes frente 4 Matematica (Passos, 1995) ou a necessidade de considerar a multiplicidade de fatores que interferem nessa passagem (Gama, 2001); +a histéria de vida ou da trajetéria profissional que, ao serem narradas ou analisadas pelos préprios professores, possibilitaram uma reflexo sobre a pritica e as mudangas nela ocorridas ou nao (Polettini, 1995; Melo, 1998; Sousa, 1999; Eckhardt, 2000); Eoucagho &m Revista, Belo Horizonte, n. 36, dez. 2002 * 0 pensamento € a reflexio do professor sobre sua formacao e sua propria pratica (Costa, 1996; Martins, 2001), sendo que o primeiro estudo realizou-se a partir de questiondrios abertos ¢ 0 segundo a partir de uso cla videografia; + os saberes da experiéncia como " parte da constituigio do professor (Cusati, 1999; Moura, 2000; Dias, 2001; Zaidan, 20019, tendo verificado que os professores buscam se constituir em sujeitos de conhecimento a partir da pratica (Dias, 2001) e ampliam seu “olhar” sobre 0 papel da educacio matemitica e seu “lugar” ¢ fungao na escola (Zaidan, 2001). ‘As pesquisas aqui inseridas apontam a reflexAo, a investigacao da propria pritica e os saberes da experiéncia como elementos fundamentais para a constituigao e o desenvolvimento profissional do professor. Outros EstuDOS Relacionamos nesta categoria trés estudos que nao se encaixam nas categorias anteriores. O mais antigo é 0 de Lamparelli (1984), que investigou as deficiéncias na formagio Matemiatica de licenciados manifestas em prova para concurso piiblico para professor de Matematica. Constatou que, além de ‘nio. Dossié: A pesquisa em Educacio Matematica no Brasil 40 Matematica no Brasil A pesquisa em Educa Dossié: conhecerem os processos légicos de validagao de um argumento, os candidatos apresentavam deficiéncias conceituais ¢ sintiticas. Passos (2000) foi o Unico a realizar, com base em documentos, um estudo histérico da formagao continuada do professor de Matematica, abrangendo o periodo imperial até os dias atuais. E por fim, Corréa (2001), que investigou, sob o ponto de vista histérico-filoséfico, a formagaio do professor indigena em Educagio Matematica. UMA TENTATIVA DE BALANCO- SINTESE DOS 25 ANOS DE ESTUDOS ‘O que nos mostram, em sintese, 05 112 estudos realizacdos nos tiltimos 25 anos no Brasil em relagao & formagdo ¢ a0 desenvolvimento profissional de professores que ensinam Matemtitica’ Que mudangas € possivel perceber, tanto dos processos investigativos, quanto dos processos dle formacio inicial ¢ continuada de professores? Que contribuigdes eles trazem para a busea de novas alternativas de formagao docente? Em relacao a formagdo inicial do professor, verificamos que os principais problemas detectados pelas primeiras pesquisas das décaclas cle 70 e 80, junto aos cursos de Licenciatura em Matematica, também se fizeram presentes nos estudos mais recentes. Esses problemas foram: desarticulagio entre teoria e pritica, entre formagao especifica e pedagégica e entre formagaio € realidade escolar; menor prestigio da licenciatura em relacio a0 bacharelad. hist6rico-filosdficos e epistemoldgicos do saber matemitico; predomindineia cle uma abordagem técnico-formal das disciplinas especificas; falta de formagio teérico- pritica em Educagao Matematica dos auséncia de estudos formadores de professores. Tais problemas, entretanto, parecem nao ser uma caracteristica exclusiva da Licenciatura em Matemitica, como mostra o estudo de Romanowski (2002). Os poucos estucos que evicenciam alguns avanges em relagao a formagao inicial do professor parecem indicar que mudangas na estrutura curricular das licenciaturas podem ser inécuas se no envolverem o coletivo de professores que nela atuam (Camargo, 1998) ¢ se nao contarem também, como nos mostram Carneiro (1999) e Martins (2001), com um grupo significativo de educadores matemiticos realmente engajacos com o projeto pedagégico cla licenciatura, Associados a esse aspecto, alguns estudos (Goncalves, 2000; Brasil, 2001) apontam para o problema da formagao profissional do formador de professores, Sem. uma formacio teérico- pratica em Educagdéo Matemiatica, os Epucacao em Revista, Belo Horizonte, n. 36, dez. 2002 formadores que lecionam disciplinas especificas tendem a se restringir a uma. abardagem técnicoformat des contetidos que ensinam, pois nao adquiriram formagio para explorar e problematizar outs dimensées — histdrico-filosdticas, epistemol6gicas, axiolégicas e didético- pedagdgicas — relacionadas ao saber muatemiitico e consideradas fundamentais a formagao do professor, como sustentam, varios pesquisadores internacionais (Shulmann, 1986; Llinares, 1999; Tardif, 2002), Jima alternativa para enfrentar esse problema parece ser a formagdo de grupos de estudos na universicade, como mostram Souza Jt. (2000) e Guérios (2002). Esses grupos organizam-se para estudar, discutir e refletir suas priticas docentes com vistas & formagio de professores, tendo como meta mudangas - algumas mediadas pelas novas tecnologias — no ensino de disciplinas como Calculo, Analise, Algebra, Geometria, Didatica da Matematica, Fundamentas hist6rico-epistemolégicos, entre outras. Esse balango destaca que estudls sobre essas experiéncias ¢ sobre ‘© papel e a relevancia clessas disciplinas para a formacio do professor que ensina matemzitica sio ainda timidos no Brasil e este pode ser apontado como um campo fértil e aberto para a pesquisa em Edlucagio Matemitica. Os estudosde Koga (1998), Bonete (2000) € Reis (2000) ajudam a mostrar que ainda sabemos muito pouco sobre que conhecimentos sio fundamentais a formagao clocente em. Matematica. E sob essa perspectiva que poclemos interpretar a contribuigio dos estuclos sobre questées especificas cla formacao inicial ou sobre atividades extra- curriculares ou experimentais clas quais os futuros professores eventualmente participam. Experiéncias em metodo- logias alternativas, como a mocelagem matemiatica (Barbosa, 2001), ou 0 uso de softwares ecucativos (Simiao, 2001), ov, ainda, a participagio em projetos de parceria universidade-escola (Miiller, 2001) parecem mostrar que, além cos cursos formais da licenciatura, existem ‘outras atividades consideradas paralelas ou marginais que podem contribuir cle maneira relevante para a formagao do professor de Matematica. Nesse dmbito, identificamos também a existéncia dle um campo aberto para investigagao em Educagio Matematica, Ha muitas perguntas sem respostas ¢ que poderiam ajucar a compreender melhor o proceso de formagao inicial do professor, Por exemplo, qual 0 papel ea contribuicae formativa cla participacao do licenciando em Iniciagao Cientifica ou em grupos / projetos de pesquisa sobre ensino de ‘Matematica? Qual a importancia da pritica Epucacao em Revista, Belo Horizonte, n. 36,dez.2002 + +--+ ++ A pesquisa em Educacdo Matematica no Bras Dossi 155 Dossié: A pesquisa em Educacdo Matematica no Brasil da leitura e da escrita na formagio inicial do professor de Matematica? Qual a contribuigao formativa da participacao em associagdes estudantis ou na participaciio / organizacao de eventos? Ainda em relagao a formagao inicial, destacamr-se, pelo nimero de estudos, as pesquisas sobre Pratica de Ensino e Estagio Supervisionado, As conclusdes desses estudos, desde o inicio, apontavam para a necessidade de ampliagao da carga diddtica dessas disciplinas ¢ sua distribuigao ao longo do curso. Se, de um lado, essa reivindicagao parece estar sendo contemplada pelas novas Diretrizes Curriculares para a Formagdo do Professor da Educagao Basica(2000), de outro, estas parecem nao contemplar © que apontam os estudos mais recentes de Freitas, M. T. (2000) e Castro (2002): de que essas disciplinas no podem estar dissociadas da reflexao tedrica e da investigacdo sobre a pritica. Essa indicagao confirma o que ja vem sendo, hd mais tempo, constatado pelos estudos internacionais (Marcelo, 1998). Quanto 3 formagio inicial do professor para ensinar Matematica na Educagio Infantil ¢ nas séries iniciais do Ensino Fundamental, encontramos poucos estudos e, excetuando-se dois (Letelier, 1979; Darsie, 1998), todos os demais seferem-se ao antigo curso de Ma; Esses estudos mostram que tais cursos geralmente apresentam deficiéncias em relagdo a formacio didatico-matemiatica desses professores. Cabe, entretanto, destacar, como exceg’o, a experiéncia paulista com os cursos CEFAMs. E uma. pena que, face & obrigatoriedade de formagio de professores no Ensino Superior, para todos os niveis, esses cursos tenham sido extintos. O que fica evidente, neste balango, é que a pergunta “como acontece a formagao didatico- matemética do professor nos cursos superiores de Pedagogia?" parece nao ter atraido ainda o interesse dos pesquisadores em Educacao Mateméatica. Acreditamos que, com a recente mudanga da Lei, essa pergunta ganha ainda mais relevancia investigativa. ° Passando, agora, para 0 balango dos estudos sobre formagao continuada de professores que ensinam matemitica, 6 possivel perceber, ao longo desses 25 anos, uma mudanga paradigmitica em relagdo & concepgiio de pesquisa e de processo de formagao docente “em service”. Salvo raras excegdes (Moura, 1983; Moura, 1984; Borges, 1988), os estudos e experiéncias com a formagio continuada de professores, nas décadas de 70 e 80, tinham como preocupagio basica atualizar — ou, usando a terminologia da época: treinar, reciclar € até “adestrac” — professores em novas Epucagdo em Revista, Belo Horizonte, n. 36, dez. 2002 técnicas ¢ metodologias de ensino. Para isso, era necess4rio que os pesquisadores, com base em aportes oriundos da psicologia comportamentalista ou cognitivista, desenvolvessem, testassem e validassem suas propostas metodoldgicas e curriculares. Essas propostas envolviam aplicagao de técnicas de ensino — uso de materiais concretos, recursos audiovisuais, videoteipes, resolugio de problemas — por meio de médulos instrucionais, abrangendo um ntmero grande de professores. Havia, entre os formadores, preocupacio cientificamente esses processos, Para isso, uma em validar valiam-se de estudos quase- experimentais, com pré ¢ pds-testes € tratamento estatistico, tentando verificar ‘oalcance proporcionado pelo uso desses recursos na formagao do professor. Essa concepgio de formagio continuada fundamentava-se no paradigma da “racionalidade técnica”, para a qual “a pratica profissional consiste numa resolugio instrumental de problemas baseada na aplicagao de teorias € técnicas cientificas construiclas em outros campos” (Tardif & Raymond, 2000, p. 211). A virada paradigmadtica ocorreria a partir dos anos 90, motivaca, de um lado, pelos recentes estudos internacionais sobre 0 pensamento do professor e o conceito de professor reflexivo (Geraldi, Eoucacdo em Revista, Belo Horizonte, n. 36, dez. 2002 Fiorentini & Pereira, 1998; Marcelo, 1998 ¢ 1999) ¢, de outro, pelos prdprios formadores-pesquisadores, a0 perceberem que as propostas, embasadas apenas em aportes tedrico-cientificos, consistiam em simplificagdes da pratica profissional ¢ reduziam 0 problema pedagégico & sua dimensio apenas instrutiva e, portanto, técnica, ignorando a dimensio formativa e humana da pratica edlucativa, o que a torna complexa ¢ plural, Ou seja, essa virada representa mudanga —njlo epistemolégica, em relagio 20 modo de produgao de conhecimentos para a priitica pedagégica, mas, além disso, uma mucanga politico-pedagdgica que inclui a dimensio dos valores. E oa partir paradigmdtica que vimos surgir, ento, estudos do tipo colaborativo e projetos de parceria entre formadores de professores e professores, como os desenvolvidos por Borges (1988), Freitas (1997), Caldeira (1998), Carvalho (1999), uma apenas dessa mudanga Dossié; A pesquisa em Educacao Matematica no Brasil Nacarato (2000) ¢ Silva (2001). Os professores da escola, enti, passam a ser vistos como sujeitos de conhecimento que possuem (conforme mostram os estudos cle Cusati (1999), Moura (2000), Dias (2001) e Zaidan (2001), saberes experienciais que se caracterizam como complexes, plurais ¢ reflexivos, pois contém valores € sao situados no + 157

You might also like